26.04.2013 Views

Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi

Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi

Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

20<br />

ásia Menor, para realizar <strong>um</strong>a última absorção, lançou-se à conquista da<br />

pequena cidade de Atenas. Apesar de todas as probabilidades em contrá-<br />

rio, o pequeno exército ateniense, <strong>com</strong> a ajuda <strong>do</strong>s esparciatas, consegue<br />

resistir em Maratona e repelir o enorme exército <strong>do</strong>s persas. O império<br />

persa atacou Atenas <strong>um</strong>a segunda vez e, dessa vez, conquista, incendeia<br />

e saqueia toda a cidade: tu<strong>do</strong> parece perdi<strong>do</strong>. Mas a frota grega preparou<br />

<strong>um</strong>a armadilha no golfo de Salamina para a enorme frota persa, que viu<br />

seus navios destruí<strong>do</strong>s, <strong>um</strong> após outro, ao passar pelo estreito. Depois de<br />

Salamina, Atenas não sofreu mais o perigo persa e alg<strong>um</strong>as décadas mais<br />

tarde nasciam a democracia e a filosofia. Esse triunfo <strong>do</strong> improvável deu,<br />

portanto, lugar à nossa cultura.<br />

Podemos hoje restaurar <strong>um</strong>a esperança no improvável. Essa esperança<br />

não tem nenh<strong>um</strong>a certeza científica, porque a dita certeza científica<br />

<strong>do</strong> progresso foi atualmente abolida. Trata-se de <strong>um</strong>a esperança que não<br />

obedece a nenh<strong>um</strong>a promessa histórica, depois <strong>do</strong> colapso de todas as<br />

promessas de <strong>um</strong> futuro melhor, entre eles o radiante futuro soviético. Estamos<br />

falan<strong>do</strong> de <strong>um</strong>a esperança que não é <strong>um</strong>a esperança qualquer, mas<br />

a esperança. Podemos fundá-la? Em primeiro lugar, podemos fundá-la na<br />

ideia da crise, porque o que é característico de <strong>um</strong>a crise, é que ela contém<br />

perigos enormes de regressão e destruição, mas também encerra chances<br />

de imaginação criativa, de diagnóstico pertinente, de elaboração de <strong>um</strong><br />

caminho para a saída. Por que haveria <strong>um</strong> despertar criativo? Porque em<br />

todas as sociedades, <strong>com</strong>o em to<strong>do</strong>s os seres h<strong>um</strong>anos, existem capacidades<br />

criativas a<strong>do</strong>rmecidas. <strong>Para</strong> explicitar meu arg<strong>um</strong>ento, uso o exemplo<br />

das células-tronco que <strong>do</strong>rmem no adulto, em nossa coluna vertebral, em<br />

nosso cérebro. Como são polivalentes, são porta<strong>do</strong>ras de capacidades regenerativas<br />

inéditas que permitem fabricar o fíga<strong>do</strong>, o baço, o cérebro, a<br />

pele. Mais ce<strong>do</strong> ou mais tarde, a biologia e a medicina vão despertá-las...<br />

Tomo o exemplo das células-tronco <strong>com</strong>o metáfora para dizer que capacidades<br />

gera<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>rmem nas sociedades e despertam em épocas de crise.<br />

Além <strong>do</strong> mais, em toda sociedade rígida, normalizada, em que as mentes são<br />

quase todas <strong>do</strong>mesticadas, elas existem e podem despertar nos indivíduos<br />

desviantes: poetas, escritores, músicos, descobri<strong>do</strong>res, bricoleurs. 1 Essas capacidades<br />

criativas podem, então, despertar <strong>com</strong> a crise e <strong>com</strong> o perigo.<br />

Existe, igualmente, a aspiração à harmonia, que permeia toda a história<br />

da h<strong>um</strong>anidade. Submeti<strong>do</strong>s, porém, à organização social, às <strong>com</strong>partimentalizações,<br />

às hierarquias, salvamos cantinhos, pedacinhos de har-<br />

1. Termo utiliza<strong>do</strong> para definir cria<strong>do</strong>res que não têm <strong>um</strong> projeto defini<strong>do</strong> para a produção de objetos em geral, fazen<strong>do</strong><br />

uso de resíduos culturais acaba<strong>do</strong>s. (N.T.)

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!