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Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi

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preciso integrar as contribuições benéficas <strong>do</strong> Norte, recusar seus aspec-<br />

tos perversos e nocivos e, sobretu<strong>do</strong>, recusar sua hegemonia. Em consequên-<br />

cia disso, é necessário ser capaz de mostrar <strong>um</strong> caminho.<br />

De fato, o <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Sul deveria estar apto para enfrentar as <strong>com</strong>-<br />

plexidades de nossa vida, a <strong>com</strong>plexidade das realidades h<strong>um</strong>anas e da<br />

"insustentável <strong>com</strong>plexidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>". O <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Sul só pode<br />

ser <strong>com</strong>plexo, e isso pelo fato de que, de acor<strong>do</strong> <strong>com</strong> o senti<strong>do</strong> original<br />

da palavra <strong>com</strong>plexus em latim, "o que é teci<strong>do</strong> em conjunto", o <strong>pensamento</strong><br />

<strong>com</strong>plexo é aquele que religa o que foi artificialmente separa<strong>do</strong>.<br />

A missão desse <strong>pensamento</strong> se fixa no adágio latino "sparsa colligo", que<br />

quer dizer "religo o que está disperso". Nesse senti<strong>do</strong>, o <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong><br />

Sul seria <strong>um</strong> <strong>pensamento</strong> que religa e, por isso mesmo, estaria apto a ressuscitar<br />

os problemas globais e fundamentais. Trata-se de <strong>um</strong> <strong>pensamento</strong><br />

que reconheceria, defenderia e promoveria as qualidades e a poesia da<br />

vida, ainda mais porque o Sul ainda permanece depositário dessa poesia<br />

que, frequentemente, é considerada pelo Norte <strong>com</strong>o atraso, ou <strong>com</strong>o algo<br />

reserva<strong>do</strong> simplesmente aos perío<strong>do</strong>s de férias, <strong>um</strong> folclore que se pode<br />

desfrutar gozan<strong>do</strong> <strong>do</strong> sol e <strong>do</strong> mar.<br />

Aliás, vocês sabiam que vieram <strong>do</strong> Norte — até mesmo antes da era<br />

industrial — as grandes nostalgias pelo <strong>sul</strong>? goethe afirmava isso por intermédio<br />

das palavras de Mignon: "você conhece o país onde floresce o limoeiro?"<br />

Maravilha<strong>do</strong> e desl<strong>um</strong>bra<strong>do</strong>, hölderlin refere-se à grécia de Patmos.<br />

Durrell se delicia <strong>com</strong> Alexandria. O Norte também precisa <strong>do</strong> Sul. O que<br />

ele vai buscar nas férias significa algo mais profun<strong>do</strong> <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a necessidade<br />

superficial de relaxamento. Fique bem entendi<strong>do</strong> que a visão quantitativa<br />

ignora o problema essencial: a qualidade da vida. Reanima<strong>do</strong> pelo<br />

<strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Sul, pode-se, porém, retornar às ocupações, ao business, à<br />

técnica, ao poder.<br />

O <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Sul é solicita<strong>do</strong> a reproblematizar a sabe<strong>do</strong>ria. vocês<br />

sabem que <strong>um</strong>a das grandes heranças culturais da Antiguidade grega e<br />

romana é a busca da sabe<strong>do</strong>ria. Ocorre que a ideia de sabe<strong>do</strong>ria identificada<br />

a <strong>um</strong>a vida <strong>do</strong>tada de razão, <strong>um</strong>a vida regrada oposta a <strong>um</strong>a vida<br />

feita de paixão, não é satisfatória, na medida em que sabemos, principalmente<br />

a partir <strong>do</strong>s trabalhos de Antonio Damasio e Jean-Didier vincent,<br />

que a razão pura não existe. Mesmo o matemático volta<strong>do</strong> para o cálculo<br />

demasiadamente racional tem paixão pela matemática. Não existe razão<br />

sem paixão. Em contrapartida, a paixão sem essa lanterna que é a razão<br />

se perverte em delírio. A nova sabe<strong>do</strong>ria precisa, então, procurar a "dialógica",<br />

diálogo permanente, <strong>com</strong>plementaridade no antagonismo, entre a<br />

razão e a paixão. Não há paixão sem razão, não há razão sem paixão. Não

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