Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi
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de seus laços naturais. Esse <strong>pensamento</strong> é cego ao que é global e funda-<br />
mental, porque os conhecimentos separa<strong>do</strong>s não permitem apreender a<br />
<strong>com</strong>plexidade <strong>do</strong>s fenômenos globais e o caráter fundamental de nossos<br />
problemas vitais.<br />
O <strong>pensamento</strong> funda<strong>do</strong> na noção de homo economicus, determina<strong>do</strong><br />
unicamente pelo interesse pessoal, é cego a tu<strong>do</strong> o que escapa desse interesse:<br />
o amor, a dádiva, a <strong>com</strong>unhão, a brincadeira. Podemos mesmo dizer<br />
que as conquistas <strong>do</strong> Norte, tão importantes no plano <strong>do</strong> individualismo, ao<br />
permitirem a autonomia da vida, produziram, ao mesmo tempo, desenvolvimentos<br />
egoístas e egocêntricos liga<strong>do</strong>s à degradação das solidariedades<br />
tradicionais e <strong>do</strong> sentimento de responsabilidade em relação ao to<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
qual somos partes.<br />
Nos tempos atuais existem <strong>do</strong>is princípios na ética que são vitais<br />
para os indivíduos e para as sociedades h<strong>um</strong>anas: a solidariedade e a<br />
responsabilidade.<br />
Na visão hegemônica <strong>do</strong> norte, a expertise de <strong>um</strong> especialista <strong>com</strong>petente<br />
n<strong>um</strong>a área substitui o <strong>pensamento</strong> que religa áreas diferentes. A<br />
expertise é parcelar, o <strong>pensamento</strong> religa. quem é que triunfa diante da<br />
perda <strong>do</strong> que é fundamental e <strong>do</strong> que é global? O que triunfa são as ideias<br />
parcelares. Ao mesmo tempo, o que triunfa são ideias globais ocas, que ignoram<br />
principalmente os laços entre unidade e diversidade. O que <strong>do</strong>mina<br />
é a causalidade mecânica, a causalidade determinista que é a das máquinas<br />
artificiais que produzimos nos grandes <strong>com</strong>plexos industriais. Aplicamos<br />
cada vez mais essa causalidade determinista cronometrada, linear,<br />
aos indivíduos e às sociedades.<br />
No entanto, é preciso considerar que nem o indivíduo h<strong>um</strong>ano nem a<br />
sociedade h<strong>um</strong>ana são máquinas triviais. <strong>um</strong>a máquina trivial é <strong>um</strong>a máquina<br />
totalmente determinista, cujos outputs são conheci<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> os<br />
inputs são também conheci<strong>do</strong>s; se conhecemos as informações e os programas<br />
que a integram, conhecemos os <strong>com</strong>portamentos e os re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong>s<br />
dela decorrentes. Ocorre que tu<strong>do</strong> o que aconteceu à h<strong>um</strong>anidade decorre<br />
<strong>do</strong> fato de que não somos máquinas triviais. Podemos também considerar<br />
que os grandes profetas — Jesus, Maomé —, que os grandes filósofos, os<br />
grandes cientistas, os grandes músicos — Mozart, Beethoven —, os grandes<br />
estadistas não eram máquinas triviais, já que levaram em consideração o<br />
inespera<strong>do</strong> e o cria<strong>do</strong>r. Cada <strong>um</strong> de nós também, mesmo subjuga<strong>do</strong>s a<br />
lógicas triviais, escapa, porém, da trivialidade por intermédio de nossas<br />
aspirações, nossos sonhos, nas nossas súbitas manifestações amorosas,<br />
estéticas, transgressoras.