Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi
Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi
Para um pensamento do sul : diálogos com Edgar Morin - BVS-Psi
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
104<br />
Claro que é preciso haver diálogo constante, <strong>um</strong>a relação dialógica<br />
entre os <strong>do</strong>is polos, e ainda procurar o <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Leste, <strong>do</strong> Oes-<br />
te, <strong>do</strong> Sudeste, <strong>do</strong> Su<strong>do</strong>este, manten<strong>do</strong> a metáfora <strong>do</strong>s pontos cardeais.<br />
Com isso, ultrapassamos as dicotomias que acabam polarizan<strong>do</strong> e empobrecen<strong>do</strong><br />
a <strong>com</strong>plexidade <strong>do</strong>s diversos mo<strong>do</strong>s de pensar, de fazer e<br />
de ser, a partir de olhares superiores, superficiais e hegemônicos, por<br />
melhores que sejam as intenções.<br />
Boaventura de Souza Santos, em A crítica da razão in<strong>do</strong>lente: contra<br />
o desperdício da experiência (2000), propõe a construção de <strong>um</strong> <strong>pensamento</strong><br />
de fronteira e de <strong>um</strong>a política da tradução, no senti<strong>do</strong> de que<br />
nunca seremos o Outro. No máximo, para que o diálogo seja realmente<br />
possível, entre iguais, é preciso construir <strong>um</strong>a linguagem <strong>com</strong><strong>um</strong>, entenden<strong>do</strong><br />
que estaremos em <strong>um</strong> território que não é o nosso, e por isso<br />
a h<strong>um</strong>ildade e o estranhamento tornam-se condições necessárias para<br />
<strong>um</strong>a <strong>com</strong>unicação respeitosa.<br />
No texto "<strong>Para</strong> <strong>um</strong> <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Sul", <strong>Edgar</strong> <strong>Morin</strong> sugere que "temos<br />
que ass<strong>um</strong>ir a herança cultural <strong>do</strong> Renascimento, porque hoje devemos<br />
problematizar o mun<strong>do</strong>". Outra proposição importante para <strong>um</strong> (e<br />
não o) <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Sul: questionar conceitos <strong>do</strong>minantes, valores e<br />
mesmo objetos construí<strong>do</strong>s; questionar a própria forma de questionar, a<br />
própria hegemonia da razão, os processos epistemológicos da modernidade,<br />
já que sabemos hoje existirem várias racionalidades, vários mo<strong>do</strong>s<br />
"certos" de agir e pensar; várias realidades.<br />
O autor propõe "misturar essas heranças culturais mediterrâneas <strong>com</strong><br />
as heranças culturais africanas e <strong>sul</strong>-americanas". Consideramos, entretanto,<br />
que o desafio ainda é maior <strong>do</strong> que fazer a mistura, até porque<br />
ela já existe. Somos frutos de <strong>um</strong>a miscelânea cultural e o que importa é<br />
descobrirmo-nos <strong>com</strong>o tal, para respeitarmos todas as origens, a nossa<br />
relação <strong>com</strong> a natureza e <strong>com</strong> o cosmo.<br />
Resta-nos ultrapassar a dicotomia <strong>do</strong> bem e <strong>do</strong> mal, <strong>do</strong> certo e <strong>do</strong><br />
erra<strong>do</strong>, entender que a razão il<strong>um</strong>inista trouxe luz, ciência, tecnologia,<br />
mas também trouxe a escuridão, as guerras, o <strong>pensamento</strong> unificante,<br />
homogeneizante, que destrói as singularidades.<br />
Por fim, <strong>Morin</strong> afirma que o "<strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Sul deveria estar apto<br />
para enfrentar as <strong>com</strong>plexidades de nossa vida, a <strong>com</strong>plexidade das realidades<br />
h<strong>um</strong>anas e da ‘insustentável <strong>com</strong>plexidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>'." Sem<br />
dúvida, esse é o grande desafio, mas não só <strong>do</strong> <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Sul, acredito<br />
que também <strong>do</strong> <strong>pensamento</strong> <strong>do</strong> Norte, e, assim, pode ser possível<br />
restaurar a esperança no improvável, sempre possível.