Revista Palavra 2012 - Sesc
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EU RECOMENDO<br />
“Eu não sei se vi,<br />
se ouvi ou se morei lá...”<br />
Augusto Pessôa<br />
Um ovo é deixado no ninho para que as galinhas<br />
continuem a botar outros ovos. Ele é chamado de indez.<br />
Ou seja, é o estímulo para que a vida continue e<br />
a criação se perpetue. Conheci o livro Indez (editora<br />
Miguilim), do escritor mineiro Bartolomeu Campos<br />
de Queirós, no início dos anos 1990. Considero o<br />
título bastante explicativo para o entendimento de<br />
sua obra. Uma literatura feita de lirismos e imagens.<br />
Indez narra a infância de Antônio, que se mistura<br />
com as lembranças de menino do próprio autor.<br />
O encantamento com o clima poético é imediato.<br />
Uma poesia precisa e amadurecida. A sensação, ao<br />
ler a narrativa, foi de estar vivendo naquele universo<br />
de mineiridade delicada. Da mesma forma que<br />
a professora de Antônio começa a contar histórias<br />
de fadas com a frase “Eu não sei se vi, se ouvi<br />
ou se morei lá...”, as palavras de Bartolomeu me<br />
levaram a ter lembranças desse interior inocente.<br />
Lembranças que não são minhas, mas que ganhei<br />
de presente embrulhadas em papel de seda. Um<br />
universo que ensina como é infinita e poderosa a<br />
sabedoria popular. E são esses saberes que apresentam<br />
o ritual meticuloso das festas, das tradições<br />
e dos ritos de passagem. Aprendi por eles que<br />
brincar é poesia. E entendi que para o tempo é<br />
preciso ser paciente. Cada momento em sua hora.<br />
Foto: arquivo pessoal.<br />
Cada hora em seu lugar. Com essa mesma delicadeza<br />
os destinos são traçados. Quando o umbigo<br />
da criança cai, o local onde ele será plantado determina<br />
o que será sua vida: “se for plantado num<br />
jardim, a menina será bela e boa jardineira; se for<br />
na horta, o menino será lavrador e, se no curral,<br />
boiadeiro”. O umbigo do menino Antônio foi lançado<br />
na correnteza, e por isso ele tinha medo de<br />
ser abandonado. Mas as águas determinaram sua<br />
vida de poeta.<br />
Bartolomeu é um artesão da palavra. Seu texto é<br />
um bordado delicado feito com linhas coloridas. As<br />
palavras são escolhidas pacientemente para formar<br />
um mosaico com cheiro de bolo de fubá, de fruta<br />
colhida no pé, de crendices inacreditáveis. É com<br />
intimidade que o autor descreve esse interior mineiro<br />
que se transforma em universal. É a criação poética<br />
de um mundo que, por mais que não tenhamos<br />
vivido nele, se torna particular. Torna-se nosso.<br />
O Indez de Bartolomeu Campos de Queirós é real-<br />
mente um ovo deixado no ninho para que a cria-<br />
ção continue. Fazendo viva a poesia em um passeio<br />
mato adentro, com o coração em reza: “São Bento<br />
da água benta! Jesus Cristo no altar! Arreda cobra,<br />
arreda bicho, deixe o poeta passar”.<br />
Augusto Pessôa é formado em Artes Cênicas pela UNI-Rio. Tem várias obras publicadas, estreou duas peças teatrais<br />
e já recebeu prêmios de melhor figurinista e melhor cenógrafo nos II e III Festival de Novos Talentos.<br />
seis • julho <strong>2012</strong> REVISTA PALAVRA