Revista Palavra 2012 - Sesc
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RESENHA • PRÊMIO SESC DE LITERATURA 2011/<strong>2012</strong> • CONTO<br />
Réveillon e outros dias<br />
O autor de Réveillon e outros dias não tem medo<br />
de temas difíceis. Este livro de contos – ao contrário<br />
do que é tão comum na literatura brasileira<br />
contemporânea – não se compraz no detalhe chocante,<br />
naquele tipo de gesto quase terrorista do narrador que,<br />
temendo a desatenção do leitor, mimetiza na própria<br />
escrita a violência que pretende criticar.<br />
Aborto, incesto, estupro: até mesmo nessas pala-<br />
vras há uma conotação de brutalidade (e, no pla-<br />
no literário, de sensacionalismo) capaz de dar uma<br />
ideia equivocada sobre o tipo de tratamento, simultaneamente<br />
grave e íntimo, que Réveillon e outros<br />
dias confere a tais realidades.<br />
Nem todos os contos resistem à tentação do choque<br />
e do bizarro, que parece ser uma das consequências,<br />
na literatura contemporânea, de certa crença na diminuição<br />
do próprio impacto real que a palavra escrita<br />
pode criar no público. É como se, imaginando<br />
não ser recebido com a atenção que merece, frente à<br />
concorrência do cinema e da televisão, para não citar<br />
o que se presencia de brutalidade no próprio noticiário,<br />
o novo escritor procurasse aumentar a estridência do<br />
tom, a sumariedade do entrecho e o detalhe aberrante.<br />
Réveillon e outros dias faz, na maioria das vezes,<br />
o caminho inverso. Relacionamentos doentios ou<br />
Rafael Gallo<br />
exteriormente estranhos são abordados aos poucos,<br />
“de dentro para fora”, de modo que só nos momentos<br />
finais de cada conto seja possível perceber uma<br />
realidade que, nas mãos de outros escritores, seria<br />
agitada imediatamente aos olhos do leitor.<br />
Tudo acontece como na situação belamente descrita<br />
no conto que dá título ao livro. Uma comunicação<br />
delicada entre pai e filho, baseada não em palavras<br />
pronunciadas em voz alta, mas no olhar e no tato,<br />
permite um intenso grau de franqueza e de verdade<br />
de sentimentos. Cada frase que os personagens trocam<br />
se imprime na pele e na carne, não como forma<br />
de agressão, mas de carinho.<br />
Carinho que, entretanto, nada tem de piegas. Os<br />
melhores contos de Réveillon e outros dias mensuram<br />
a insuficiência dos sentimentos humanos<br />
e o limite do amor de cada um perante situações<br />
extremas.<br />
As palavras não ditas, as possibilidades que nunca<br />
se realizam. As palavras que não podem ser pronunciadas,<br />
as possibilidades que nunca deveriam ter-se<br />
realizado. Temas como estes constituem o fugitivo<br />
fundamento dos contos; palavras e possibilidades não<br />
faltam, todavia, a seu autor, no caminho para construir<br />
uma obra literária de notável sensibilidade.<br />
Marcelo Coelho nasceu em São Paulo, onde se formou em Ciências Sociais e fez mestrado em Sociologia pela FFLCH-USP.<br />
Colabora no caderno Ilustrada do jornal Folha de São Paulo. Como ficcionista, publicou Noturno, Jantando com Melvin e<br />
Patópolis, além de histórias infantis em A professora de desenho e Minhas Férias.<br />
Foto: arquivo pessoal.<br />
sessenta e quatro • julho <strong>2012</strong> REVISTA PALAVRA