Revista Palavra 2012 - Sesc
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vem antes ou depois, assim a poesia escreve, sem<br />
obedecer às regras banais do ato de escrever. O sentido<br />
não está pronto, se tece pelo leitor que já o tem<br />
na memória, na imaginação que se construiu sobre<br />
ele, se é atento ao mundo e sua festa, em que tudo<br />
já preexiste. Ler o livro é ler o mundo, mundo se<br />
torna livro, parece afirmar o escritor-poeta.<br />
O livro de Ana tem ilustrações que são sinais, rabiscos,<br />
figuras de um artista que desenha o mundo e capta<br />
seus sinais: Marconi Drummond traduziu o autor e<br />
deixou mínimas formigas marcharem em filas retas,<br />
em curvas, letras m, também em fila, talvez atrás de<br />
outras letras, desenhos de homens, páginas azuis,<br />
negras, brancas onde há começos e fins de criação:<br />
os homens e os animais. Redemoinhos azuis, tudo se<br />
criando, desde o firmamento até a lua, e o vento soprando<br />
o sol amarelo. O livro fala de cores e música<br />
e, pela escrita, conta a história das coisas grandes e<br />
pequenas, fazendo o leitor ver as letras se juntarem<br />
criando a escrita, recriando o início das coisas, onde<br />
só havia vazio.<br />
O tempo de Bartolomeu é outro,<br />
diferente dos teóricos. O dele corre,<br />
para, muda e mantém as coisas,<br />
mesmo que elas brotem e murchem,<br />
de forma diferente nos homens, nos<br />
bichos, nas borboletas...<br />
O avô escrevinhador e Ana, aquela que ensina<br />
a filha a conhecer o mundo desde sua origem,<br />
juntam-se no tempo, para exercer o ofício de ler e<br />
escrever o impossível de separar. A casa escrita do<br />
avô e o grande mundo da mãe são formas de saber<br />
que há dois espaços, o infinitamente pequeno e o<br />
infinitamente grande, se tentarmos, sem conseguir,<br />
compararmos um ao outro. Desses espaços, desse<br />
infinito, Bartolomeu escreve e faz sua escrita oscilar<br />
quarenta e oito • julho <strong>2012</strong> REVISTA PALAVRA<br />
em dimensões que cada criança lê em seus livros.<br />
Diante disso, não caiamos na questão da literatura<br />
infantil, juvenil ou adulta, em que a obra do escritor<br />
não se reduz. Destaco a epígrafe do livro Tempo de<br />
voo: “Só existe um tempo: o tempo vivo.”<br />
Volto a essa obra, pois gosto do voo, de ovo, de pas-<br />
sarinho e de pensar sobre o tempo. Lembro-me de<br />
que Bartolomeu já não tinha tanto tempo para viver,<br />
quando escreveu esse livro, mas foi capaz de fazer<br />
seu personagem dizer que “– ...cada um descobre se<br />
o tempo tem coração. Mas, se tem, traz amor e não<br />
o medo./ – Você tem medo do tempo?/ – Depende.<br />
Em dias de alegria, eu tenho; em dias de dor, não”.<br />
Não é o tempo cronológico que vai dizer quanto<br />
tempo temos, pois, diz ele, na epígrafe que citei: “Só<br />
existe um tempo: o tempo vivo”, o tempo da escrita<br />
permanece, mais ainda se é a escrita de um poeta.<br />
Na poesia, o tempo e o espaço têm outra medida<br />
e não podem ser contados por nossas tentativas de<br />
tudo colocar na dimensão cronológica, esta eterna<br />
busca de medir o que não cabe nesses parâmetros.<br />
O tempo poético mantém o corpo vivo do poeta,<br />
mantém sua voz em nossa memória de leitores amorosos,<br />
não só os leitores infantis, mas todos nós, já<br />
que a escrita, mais ainda a poética, muda o tempo.<br />
O tempo de Bartolomeu é outro, diferente dos<br />
teóricos. O dele corre, para, muda e mantém as coisas,<br />
mesmo que elas brotem e murchem, de forma diferente<br />
nos homens, nos bichos, nas borboletas, pois o tempo<br />
“é um fio inteiro, frágil, sem começo ou fim. Não<br />
tem pontas. Impossível encontrar o início do tempo”.<br />
Não quero ser teórica aqui, no fio desta escrita, pois<br />
a especulação é um limite filosófico e estou tentando<br />
falar da poesia, esse espaço rebelde a classificações<br />
e, pelo que conheci do poeta, acredito que<br />
não estou sendo infiel a suas posições diante de<br />
sua escrita que aprendi a amar, lendo-a e ouvindo-o