Revista Palavra 2012 - Sesc
Revista Palavra 2012 - Sesc
Revista Palavra 2012 - Sesc
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
2 - Outra grande distância e diferença entre ilustração<br />
e pintura é o modo de ver. A fruição correta da ilustração<br />
ocorre no passar das páginas, em sua reprodução.<br />
A ilustração é profundamente sequencial, estando inexoravelmente<br />
vinculada à temporalidade dos fatos.<br />
As gigantescas pinturas em preto e branco de<br />
um artista contemporâneo, como Richard Serra<br />
(1939), são sequenciais, mas dentro de uma galeria.<br />
A sequencialidade na ilustração é constituída<br />
de arquitetura gráfica, com espaços em branco das<br />
páginas, vinhetas, frontispícios, guarda, capitulares,<br />
tipografia, enfim, a ilustração possui, assim,<br />
como a música barroca, um baixo contínuo de<br />
sustentação.<br />
3 - Outra grande diferença de fruição da ilustração<br />
e da pintura é o seu aspecto presencial. Apesar de<br />
a pintura ser conhecida em nossos dias basicamente<br />
por meio de suas reproduções em livros de arte,<br />
arquivos digitais na internet, este fato não elimina a<br />
circunstância de que sua apreciação integral requer<br />
a fruição direta da obra original – ou em museus, ou<br />
em galerias de arte.<br />
Mesmo considerando as modernas linguagens<br />
das artes plásticas – como instalações, objetos<br />
de arte e performances –, elas geralmente<br />
exigem, do mesmo modo que a pintura tradicional<br />
de ca valete, a visão presencial do visitante<br />
ou do espectador. Todavia, a questão central da<br />
peça única permanece, excluindo movimentos<br />
artísticos intrinsecamente voltados para a utilização<br />
de objetos industriais, como nas obras de<br />
Duchamps (1887-1968) ou de Paolozzi (1924-<br />
2005). Mantêm-se, assim, os conceitos de peça<br />
única, e a necessidade presencial.<br />
Portanto, a pintura possui um rito de percepção que<br />
não existe na ilustração, que está comumente disposta<br />
ao longo de um livro e sempre referenciada<br />
a um texto. A ilustração não tem esse ritual, esse<br />
cerimonial de fruição. Os modernos processos de<br />
criação da imagem – sua captação e transporte direto<br />
para a impressão – fizeram com que o original, no<br />
sentido tradicional do termo, comumente não exista<br />
mais na ilustração.<br />
4 - Outra significativa diferença conceitual entre a<br />
ilustração e a pintura é o fato de a primeira sempre<br />
narrar e descrever uma história. Na ilustração,<br />
esses dois olhares são fundamentais e ocorrem simultaneamente.<br />
No caso da pintura, apesar de sua<br />
grande tradição narrativa no ocidente, ela pode, em<br />
determinados momentos, ausentar-se de contar uma<br />
história. É o caso de uma natureza morta, do portrait<br />
de uma representada anônima, ou mesmo de um nu.<br />
Neste caso, quando não fazemos nenhuma ilação, ou<br />
desconhecemos qualquer tipo de relação entre o pintor<br />
e a modelo, ou se ela é a favorita de alguém que<br />
pagou o artista para representá-la, como aconteceu<br />
com Gustave Courbet (1819-1877) em seu famoso<br />
e insólito nu denominado o Centro do mundo. Tais<br />
observações também valem para os secretos, ousa-<br />
A fruição correta da ilustração<br />
ocorre no passar das páginas, em<br />
sua reprodução. A ilustração é<br />
profundamente sequencial, estando<br />
inexoravelmente vinculada à<br />
temporalidade dos fatos.<br />
dos e sensuais nus masculinos desenhados por J. S.<br />
Sargent (1856-1925). São ilações, não histórias.<br />
Esses exemplos não representam narrativas, e, sim,<br />
fatos, vicissitudes humanas. Quando Rembrandt<br />
(1606-1669) realiza o último retrato de seu único<br />
e adorado filho Tito, por volta de 1660, é visível no<br />
rosto sombrio e febril do rapaz o triste presságio de<br />
Julho <strong>2012</strong> REVISTA PALAVRA • quarenta e um