Revista Palavra 2012 - Sesc
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infantil e juvenil. São Paulo: IBEP Nacional,<br />
1995).<br />
Conta o autor, em entrevistas, ter se afeiçoado ao<br />
silêncio de quem escreve, ao trabalho minucioso<br />
com a palavra. Devido à sua inclinação para<br />
o convívio com as palavras, passou a dedicar-se<br />
à escrita literária, à educação pela arte. A sua<br />
escrita, matizada pelo viés autobiográfico, revela<br />
muito do tempo de sua infância, quando precisou<br />
elaborar perdas afetivas e se defrontar com a solidão.<br />
Nos seus livros, verificam-se, com frequência,<br />
enredos contendo um narrador a espreitar os<br />
porquês da vida, o modo singular como os adultos<br />
agem no mundo: Ciganos; Indez; Por parte de<br />
pai; Ler, escrever, fazer conta de cabeça; Faca<br />
afiada; Até passarinho passa; O olho de vidro do<br />
meu avô; Tempo de voo e Vermelho amargo são<br />
alguns dos livros fundamentais para se conhecer<br />
esta faceta do autor, pois trazem marcas simbólicas<br />
da experiência da infância transfigurada em<br />
matéria literária.<br />
Em Vermelho amargo:<br />
Em Ciganos:<br />
Sem o colo da mãe eu me fartava em falta de<br />
amor. O medo de permanecer desamado fazia<br />
de mim o mais inquieto dos enredos. Para<br />
abrandar minha impaciência, sujeitava-me<br />
aos caprichos de muitos. Exercia a arte de<br />
me supor capaz de adivinhar os desejos<br />
de todos que me cercavam (QUEIRÓS,<br />
2011, p. 10).<br />
Foi de seu pai que ele herdou essa mania<br />
calada, esse jeito escondido e mais a saudade<br />
de coisas que ele não conhecia, mas<br />
imaginava. Sua vontade de partir veio,<br />
porém, do desamor. Tudo em casa já andava<br />
ocupado: as cadeiras, as camas, os<br />
vinte e oito • julho <strong>2012</strong> REVISTA PALAVRA<br />
pratos, os copos. Mesmo o carinho distribuído<br />
(QUEIRÓS, 2004, p. 3).<br />
Ao lado das narrativas intimistas, destacam-se<br />
os livros que privilegiam as construções literárias<br />
elaboradas à luz de recursos lúdicos, momento<br />
em que o autor se dedicou a explorar a forma<br />
gráfica das palavras, à combinação das formas<br />
verbais de modo inusitado. Aproximava, assim, seu<br />
estilo do modo singular por meio do qual a criança<br />
percebe o mundo, o que pode ser notado em: Raul,<br />
Estória em 3 atos, Onde tem bruxa tem fada..., O<br />
guarda-chuva do guarda e Isso não é um elefante.<br />
A seguir, um trecho de O guarda-chuva do guarda<br />
como forma de ilustração:<br />
O guarda guarda o guarda-chuva no<br />
guarda-roupa. O guarda da minha rua é<br />
anjo da guarda e me guarda. O guarda de<br />
guarda-chuva aguarda a chuva chover.<br />
Chove chuva, no guarda-chuva do guarda.<br />
Contudo, uma vez que o homem é finito, a partida<br />
resulta inevitável. Deve ter sido por inspiração de<br />
O guarda-chuva do guarda que o dia 16 de janeiro<br />
de <strong>2012</strong> amanheceu tão chuvoso. Os fiéis leitores,<br />
amantes da literatura infantil e juvenil de qualidade,<br />
souberam pelos noticiários do falecimento do autor,<br />
que há algum tempo tinha sido acometido de grave<br />
doença renal. Bartolomeu Campos de Queirós deve<br />
ter encontrado, enfim, o silêncio profundo que tanto<br />
amava. De fato, ele mesmo não cansava de anunciar<br />
que: Até passarinho passa.<br />
A passagem é inevitável, mas não de modo irremediável.<br />
O seu legado é amplo: mais de 40 livros entre<br />
prosa, poesia, ensaios, antologias; muitos deles<br />
traduzidos para outras línguas. Compartilhá-los com<br />
a família em casa, ler e comentá-los com os colegas<br />
na escola, levá-los aos espaços culturais; as possibilidades<br />
são tão variadas. Todavia, por ora, vamos<br />
nos deter na leitura de sua prosa poética.