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Revista Palavra 2012 - Sesc

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A palavra desestabilizada<br />

Um dia estava trabalhando em casa e deitei no chão.<br />

Tenho às vezes uma dor na coluna. Deitei no chão do<br />

escritório. Tinha feito muita coisa naquele dia. De<br />

repente, vi uma formiguinha descendo depressa a<br />

parede branca do escritório. Olhando para ela, fiquei<br />

tão abismado. Eu sabia fazer tanta coisa, mas não<br />

sabia quem botou o desejo do açúcar no coração da<br />

formiga. Aí, a literatura não dá conta. Os pequenos<br />

gestos da natureza me encabulam muito. Sei que a<br />

palavra não dá conta. Mesmo sabendo que é a palavra<br />

que organiza o caos. No Gênesis, Ele veio e disse:<br />

“Faça-se a luz!” E a luz se fez. Foi a palavra que organizou<br />

o caos. Você vai ao psicanalista porque está em<br />

desordem e acredita que a palavra irá te organizar. A<br />

palavra cura. De repente essa palavra não dá conta<br />

de dizer muita coisa. Ao mesmo tempo a palavra desestabiliza.<br />

A palavra é uma coisa muito pesada. [...]<br />

Movimento por um Brasil Literário<br />

Andei pensando muito antes de fazer o Movimento<br />

por um Brasil Literário. Conversava muito com<br />

o pessoal da Fundação Nacional do Livro sobre<br />

como a escola não pode ser a única responsável<br />

pela formação do leitor. A escola não pode e<br />

nem dá conta disso. Se a criança chega em casa<br />

e não encontra nem o pai, nem a mãe, nem avó<br />

lendo, como é que a escola quer que ela leia? [...]<br />

Precisamos de uma sociedade inteira envolvida<br />

nesse trabalho de formação de leitor. Não quis<br />

chamar de plano de leitura, projeto de leitura. Eu<br />

queria um movimento de leitura, com pessoas que<br />

acreditam que a literatura é boa, faz bem, com<br />

quem possa ajudar, indicar um livro, fazer um grupo<br />

de leitura. Quem pode fazer isso pode entrar no<br />

nosso movimento, pode entrar no site (www.brasilliterario.org.br).<br />

[...] Acho que a literatura tem<br />

a função de tornar a sensibilidade mais aguçada.<br />

As pessoas mais intuitivas, mais prontas para as<br />

minúcias, para os retalhos, como diz o Manoel de<br />

Barros, para os restos, para as pequenas coisas.<br />

A literatura pode nos ajudar muito.<br />

Nem luz própria<br />

[...] Precisamos de amparo com a nossa dúvida. E a<br />

literatura nos ampara. Tenho muito medo da verdade.<br />

Não acredito que haja nada verdadeiro. Tive um<br />

professor de filosofia, o padre Henrique Vaz, para<br />

quem eu perguntei “o que era a fé”. Ele me respondeu<br />

que a fé é a dúvida. Tem dias que você tem<br />

muita, tem dias que tem pouca, tem dias que não<br />

tem nenhuma. Isso se chama fé, porque nos é possível<br />

somente a dúvida. Hoje, estamos com muita<br />

gente encontrando a verdade. Quando uma pessoa<br />

encontra a verdade, a única coisa que ela adquire<br />

é a impossibilidade de escutar o outro. Ela só fala,<br />

não escuta mais. Quem encontra a verdade só fala.<br />

Verdade mais profunda<br />

A memória é o nosso grande lugar. Na memória tem<br />

tanto o que vivi quanto o que sonhei ter vivido. Não<br />

acredito em memória pura. Toda memória é ficcional.<br />

É um pedaço da memória com mais um pedaço<br />

da fantasia. A fantasia é o que temos de mais real<br />

dentro de nós. A fantasia é a minha verdade mais<br />

profunda. A fantasia é aquilo que não conto para<br />

ninguém, só para as pessoas que amo muito. [...]<br />

Sociedade falante<br />

Quando uma sociedade e seus valores ficam muito<br />

perdidos, ela ganha muita força para a autoajuda. É<br />

uma sociedade que procura o que fazer, como viver.<br />

Precisa muito de receita. O melhor diálogo que travamos<br />

na vida é com o silêncio. Conversar com o silêncio<br />

é fascinante. Vivemos em uma sociedade em que<br />

o silêncio está interditado. As pessoas falam o tempo<br />

inteiro. Você entra no aeroporto e a tevê está ligada<br />

o tempo inteiro. No hotel, a tevê está ligada o tempo<br />

inteiro. Tem uma música tocando no elevador, tem<br />

alguém falando no celular. Tem pessoas com três celulares.<br />

É um mundo que fala o tempo inteiro. [...]<br />

Editada a partir da entrevista original concedida por Bartolomeu<br />

Campos de Queirós, em 7 de junho de 2011, ao Paiol Literário,<br />

projeto cultural promovido pelo jornal Rascunho em parceria com a<br />

Fundação Cultural de Curitiba, o Sesi Paraná e a Fiep.<br />

Julho <strong>2012</strong> REVISTA PALAVRA • dezenove

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