Revista Palavra 2012 - Sesc
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Todos os outros animais podem ser adestrados.<br />
Educar pressupõe deixar o outro ser dono do seu<br />
próprio destino. A educação se faz pela liberdade.<br />
Liberdade que você dá ao outro para que ele escolha<br />
o seu destino. Vejo que os processos de educação, o<br />
que chamamos de escola, não deixam de ser processos<br />
de adestramento. Não é uma educação plena,<br />
é um processo de adestramento. É uma criança<br />
sujeita ao desejo do professor. [...]<br />
Encantar o outro<br />
[...] A literatura é feita de fantasia. Tudo o que penso,<br />
posso escrever. Nada é interditado, tudo posso dizer,<br />
desde que com uma forma elegante, bem organizada.<br />
Posso até dizer “os livro”, “os peixe nada”. Posso até<br />
dizer, mas propositadamente, conhecendo uma gramática<br />
profundamente. Aí, posso dizer qualquer coisa<br />
que quero. Só rompemos quando dominamos. Caso<br />
contrário não há rompimento. É preciso uma tradição<br />
para romper. A literatura é essa coisa exagerada de<br />
fantasia. A gente só fantasia o que não temos. Não<br />
fantasiamos o que temos. Então, a literatura é feita<br />
de falta. O que escrevo é o que me falta. É isso que a<br />
literatura faz. A literatura é o lugar da falta. [...]<br />
Ser escritor<br />
Estava estudando fora do Brasil [início da década de<br />
1970], no Instituto Pedagógico da França, era bolsista<br />
e comecei a sentir saudade do Brasil. Morava<br />
perto de um jardim que tinha um lago. No fim de<br />
semana, sentava-me neste jardim para ler e sentia<br />
saudade do Brasil, de comer feijoada, de dormir<br />
na cama com lençol passado, dos meus amigos.<br />
Nunca pensei em ser escritor. Um dia, pensei:<br />
por que você não pensa em uma coisa que nunca<br />
pensou? E tinha o lago e sempre vinha um peixe e<br />
botava a cabeça do lado de fora. Havia várias gaivotas<br />
que mergulhavam no lago e tornavam a sair.<br />
Comecei a olhar aquilo e a pensar que cada coisa<br />
tinha um lugar. Se o peixe saísse fora da água, morreria<br />
afogado no ar. Mas se a gaivota ficasse dentro<br />
da água, morreria afogada. Comecei a olhar os dois<br />
Há crianças que não aprendem<br />
porque o olhar do professor não<br />
deixa. Há criança que não usa a<br />
liberdade porque tem medo<br />
do olhar do professor. O olhar do<br />
professor imobiliza. Muitas vezes,<br />
jogamos nas costas dos métodos<br />
a não aprendizagem da criança,<br />
quando, às vezes, a aprendizagem<br />
da criança é interditada pelo olhar<br />
do professor, que é a primeira<br />
leitura que ela faz.<br />
A literatura é feita de fantasia.<br />
Tudo o que penso, posso escrever.<br />
Nada é interditado, tudo posso<br />
dizer, desde que com uma forma<br />
elegante, bem organizada.<br />
Julho <strong>2012</strong> REVISTA PALAVRA • dezessete