Pedagogia dos monstros - Apresentação
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da proibição existe para demarcar os laços que mantêm<br />
unido aquele sistema de relações que chamamos<br />
cultura, para chamar a atenção — uma horrível atenção<br />
— a fronteiras que não podem — não devem —<br />
ser cruzadas.<br />
Essas fronteiras são colocadas, primariamente, para<br />
controlar o tráfico de mulheres ou, mais geralmente,<br />
para estabelecer vínculos estritamente homossociais<br />
— os laços entre homens que fazem com que a sociedade<br />
patriarcal continue sendo funcional. Como uma<br />
espécie de pastor, esse monstro delimita o espaço social<br />
através do qual os corpos culturais podem se movimentar<br />
e, na Época Clássica, por exemplo, validar<br />
um sistema fechado, hierárquico, de liderança e controle<br />
naturaliza<strong>dos</strong>, onde todo homem tinha um lugar<br />
funcional. 19 O protótipo na cultura ocidental para<br />
esse tipo de monstro “geográfico” é o Polyphemos,<br />
de Homero. Como uma descrição quintessencialmente<br />
xenófoba do estrangeiro (o bárbaro — aquele que é<br />
ininteligível no interior de um dado sistema lingüísticocultural),<br />
20 as Cíclopes são representadas como selvagens<br />
que não têm “uma lei para abençoá-las” e às quais<br />
falta a techne para produzir uma civilização (no estilo<br />
da grega). Seu arcaísmo é significado por meio de sua<br />
falta de hierarquia e de uma política do precedente.<br />
Essa dissociação da comunidade leva a um exacerbado<br />
individualismo que, em termos homéricos, só pode<br />
ser horrendo. Por viverem sem um sistema de tradição<br />
e costume, as Cíclopes são um perigo para os gregos<br />
que chegam, homens cujas identidades dependem<br />
de uma função compartimentalizada no interior de um<br />
sistema desindividualizador de subordinação e controle.<br />
As vítimas de Polyphemos são devoradas, engolidas,<br />
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