Pedagogia dos monstros - Apresentação
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aliado bakhtiniano do popular. A partir de sua posição<br />
nos limites do conhecer, o monstro situa-se como uma<br />
advertência contra a exploração de seu incerto território.<br />
Juntos os gigantes da Patagônia, os dragões do Oriente<br />
e os dinossauros do Jurassic Park declaram que a curiosidade<br />
é mais freqüentemente punida do que recompensada,<br />
que se está mais seguro protegido em sua própria<br />
esfera doméstica do que fora dela, distante <strong>dos</strong> vigilantes<br />
olhos do Estado. O monstro impede a mobilidade (intelectual,<br />
geográfica ou sexual), delimitando os espaços<br />
sociais através <strong>dos</strong> quais os corpos priva<strong>dos</strong> podem se<br />
movimentar. Dar um passo fora dessa geografia oficial<br />
significa arriscar sermos ataca<strong>dos</strong> por alguma monstruosa<br />
patrulha de fronteira ou — o que é pior — tornarmo-nos,<br />
nós próprios, monstruosos.<br />
Lycaon, o primeiro lobisomem da literatura ocidental,<br />
sofre essa metamorfose lupina como a culminação<br />
de uma fábula de hospitalidade. 17 Ovídio<br />
(1916, I. 156-62) relata como os gigantes primevos<br />
tentaram mergulhar o mundo em uma anarquia ao<br />
arrebatar o Olimpo <strong>dos</strong> deuses, apenas para serem<br />
despedaça<strong>dos</strong> por raios divinos. De seu sangue, assim<br />
espalhado, surgiu uma raça de homens que continuou<br />
as malignas trajetórias de seus pais. Entre sua<br />
perversa progênie estava Lycaon, rei da Arcádia.<br />
Quando Júpiter chegou como hóspede à sua casa,<br />
Lycaon tentou matar o governante <strong>dos</strong> deuses enquanto<br />
ele dormia e, no dia seguinte, serviu-lhe, como<br />
comida, pedaços do corpo de um criado. O enraivecido<br />
Júpiter puniu essa violação da relação anfitriãohóspede,<br />
transformando Lycaon em uma monstruosa<br />
aparência daquele estado sem lei e sem deus ao qual<br />
suas ações fizeram a humanidade regredir:<br />
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