Pedagogia dos monstros - Apresentação
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O processo pelo qual a exageração da diferença cultural<br />
se transforma em aberração monstruosa é bastante<br />
familiar. A distorção mais famosa ocorre na Bíblia, onde<br />
os habitantes aborígenes de Canaã, a fim de justificar a<br />
colonização hebraica da Terra Prometida, são imagina<strong>dos</strong><br />
como gigantes ameaçadores (Números, 13). Representar<br />
uma cultura prévia como monstruosa justifica seu<br />
deslocamento ou extermínio, fazendo com que o ato de<br />
extermínio apareça como heróico. Na França medieval<br />
as chansons de geste celebravam as cruzadas, ao transformar<br />
os muçulmanos em caricaturas demoníacas, cuja<br />
ameaçadora falta de humanidade podia ser lida a partir<br />
de seus bestiais atributos; ao definir culturalmente os<br />
“sarracenos” como monstra, os propagadores tornavam<br />
retoricamente admissível a anexação do Oriente pelo<br />
Ocidente. Esse projeto representacional era parte de<br />
todo um dicionário de definições estratégicas nas quais<br />
os monstra facilmente se transformavam em significações<br />
do feminino e do hipermasculino.<br />
Uma reportagem recente de jornal sobre a Iugoslávia<br />
nos faz lembrar quão persistentes podem ser essas<br />
mitologias divisivas, quão duradouras elas podem ser,<br />
quão distantes de qualquer base na realidade histórica:<br />
Um miliciano sérvio bósnio, indo de carona para<br />
Saravejo, diz a um repórter, com toda a franqueza,<br />
que os muçulmanos estão alimentando os animais do<br />
zoológico com crianças sérvias. A história é absurda.<br />
Não existe qualquer animal vivo no zoológico de Sarajevo.<br />
Mas o miliciano está convencido daquilo que<br />
conta e pode relembrar to<strong>dos</strong> os erros que os muçulmanos<br />
podem ou não ter cometido durante seus 500<br />
anos de domínio (GREENWAY, 1991, p. 1).<br />
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