O Capitão-mór André Gaudie Ley - Biblioteca Virtual José de Mesquita
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O CAPITÃO-MÓR ANDRÉ GAUDIE LEY E A SUA DESCENDÊNCIA<br />
Já vimos que o <strong>Capitão</strong>-<strong>mór</strong> exerceu o governo por duas<br />
vezes nessa época que immediatamente antece<strong>de</strong>u á “Rusga”<br />
isto é <strong>de</strong> 1830 a 1831 e <strong>de</strong>pois, em 1833 e é ocioso<br />
accentuarmos que essa <strong>de</strong>licadíssima phase <strong>de</strong> nossa Historia<br />
exigia dos dirigentes qualida<strong>de</strong>s excepcionaes <strong>de</strong> discreção,<br />
energia e critério para se anteporem á onda <strong>de</strong>magógica que<br />
ameaçava, como uma maré montante <strong>de</strong> anarchia, as nascentes<br />
instituições. (16)<br />
Um estudo acurado <strong>de</strong>sse período nos leva á conclusão<br />
<strong>de</strong> que o <strong>Capitão</strong>-<strong>mór</strong> <strong>Gaudie</strong> representa no mesmo o papel <strong>de</strong><br />
um espírito tolerante e conciliador, a voz calma da pon<strong>de</strong>ração<br />
e da prudência no meio daquelle torvelim <strong>de</strong> paixões<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas, procurando evitar a calamida<strong>de</strong>, amparar <strong>de</strong><br />
injustas represálias o elemento mais fraco na lucta que se<br />
<strong>de</strong>lineava e, alfim, se <strong>de</strong>sfechou num lúgubre remate<br />
sanguinolento.<br />
A sua attitu<strong>de</strong> valeu-lhe o epitheto <strong>de</strong> “caramurú” como<br />
então se <strong>de</strong>signavam os brazileiros que man-<br />
(16) Simptomatisa eloqüentemente a situação que prece<strong>de</strong>u ao<br />
motim <strong>de</strong> 34, o offcio dirigido pelo Vice-pte., <strong>Gaudie</strong> <strong>Ley</strong>, em 30 <strong>de</strong> Maio<br />
<strong>de</strong> 33 (um anno precisamente antes da explosão) ao Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Goyaz<br />
<strong>José</strong> Rodrigues Jardim, em resposta aquelle em que o mesmo lhe solicitava<br />
noticia do “estado actual <strong>de</strong> Cuyabá”. Nesse officio <strong>de</strong>clara o Cap.-<strong>mór</strong> que<br />
“a província acha-se com effeito em uma continua oscillação, reinando nesta<br />
Cida<strong>de</strong>, comtudo, uma tranquillida<strong>de</strong> apparente: nenhum rompimento tem<br />
havido pelas precauções tomadas pelo Governo.” Dos termos <strong>de</strong>sse<br />
communicado se <strong>de</strong>prehen<strong>de</strong> a cautelosa prudência do administrador que<br />
procurava garantir a calma reconhecendo, com a sua perspicaz visão, quão<br />
apparente era a tranquillida<strong>de</strong> que reinava. Nem menos flagrantes<br />
syndromas do estado <strong>de</strong> cousas são o officio do mesmo <strong>Gaudie</strong> <strong>Ley</strong>, em data<br />
<strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 33, ao Juiz <strong>de</strong> Paz <strong>de</strong> Cuyabá, <strong>de</strong>terminando que se abrisse<br />
rigorosa <strong>de</strong>vassa sobre os “pasquins” que tinhão pparecido na cida<strong>de</strong>; o<br />
Bando <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> Junho do mesmo anno, suspen<strong>de</strong>ndo os officiaes e praças<br />
das 4 Companhias da Guarda Nacional, por 6 mezes por terem<br />
caprichosamente <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cido ás or<strong>de</strong>ns do Governo e, na linguagem<br />
incisiva do mesmo Bando “para evitar a que os conspiradores possam<br />
proteger a revolta, divertindo os soldados ou guardas da obediência e<br />
trabalhem para diminuir o respeito e a confiança <strong>de</strong>vidos ás autorida<strong>de</strong>s<br />
constituidas.”<br />
A energia e calma com que A.G.<strong>Ley</strong> enfrentou a situação espélhase<br />
ainda no caso do Secretario Patricio Manso, que, <strong>de</strong> accordo com a<br />
<strong>de</strong>cisão do Conselho Provincial, foi, no seu governo, <strong>de</strong>stituído do cargo e<br />
submettido a processo (officios <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> Maio, ao Secretario do Governo<br />
Antonio Luiz Patrício da Silva Manso, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> Julho ao Juiz <strong>de</strong> Paz <strong>de</strong><br />
Cuyabá e <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> Julho ao mesmo Secretario).<br />
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JOSÉ DE MESQUITA<br />
tinham boas relações com os portuguezes ou eram suspeitos <strong>de</strong><br />
parcialida<strong>de</strong> em favor do elemento extranho.<br />
Para se não expor á animosida<strong>de</strong> reinante houve mister<br />
o <strong>Capitão</strong>-<strong>mór</strong> occultar-se em uma casa amiga <strong>de</strong>sta capital e<br />
retirar-se, logo <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> Cuyabá, refugiando-se no sitio <strong>de</strong><br />
Joaquim da Silva Prado, a 30 léguas da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> seguiu<br />
<strong>de</strong>pois para Goyaz, lá se conservando por algum tempo, até que<br />
a normalida<strong>de</strong> das cousas se restabelecesse na capital mattogrossense.<br />
(17)<br />
Quer numa phase, quer noutra, das luctas que<br />
prece<strong>de</strong>ram e succe<strong>de</strong>ram a In<strong>de</strong>pendência — a do movimento<br />
nativista <strong>de</strong> 1821 e <strong>de</strong>posição <strong>de</strong> Magessi e a da reacção <strong>de</strong><br />
1834 contra os “bicudos” — o papel <strong>de</strong> <strong>André</strong> <strong>Gaudie</strong> <strong>Ley</strong> é<br />
sempre digno e nobre: no primeiro, collocando-se ao lado do<br />
elemento nativista contra o jugo odioso da Metrópole, no<br />
segundo procurando impedir ou diminuir os effeitos da, reacção<br />
nativista, nos seus excessos e <strong>de</strong>smandos censuráveis.<br />
Sempre a mesma linha <strong>de</strong> conducta e a mesma rectidão<br />
<strong>de</strong> caracter que, atravez <strong>de</strong> toda a sua vida, <strong>de</strong>finiram<br />
superiormente a sua organização moral privilegiada.<br />
(17) (Vi<strong>de</strong> Taunay op. cit. pg. 110)<br />
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