Jogar e Aprender Matemática - LP-Books
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<strong>Jogar</strong> e <strong>Aprender</strong><br />
<strong>Matemática</strong>
<strong>Jogar</strong> e <strong>Aprender</strong><br />
<strong>Matemática</strong><br />
Organizadoras :<br />
ADRIANA MARIA CORDER MOLINARI<br />
CAMILA LEME ZAIA<br />
LIA LEME ZAIA<br />
MARTA RABIOGLIO<br />
ORLY ZUCATTO MANTOVANI DE ASSIS<br />
SONIA BESSA
Editora<br />
<strong>LP</strong>-<strong>Books</strong><br />
www.lp-books.com<br />
Editor Responsável<br />
João Antonio Carvalho<br />
Produção editorial<br />
LivroPronto<br />
Studio e Gráfica<br />
Capa<br />
LivroPronto<br />
Studio e Gráfica<br />
<strong>Jogar</strong> e <strong>Aprender</strong> <strong>Matemática</strong><br />
Copyright © Orly Zucatto Mantovani de<br />
Assis<br />
Nenhuma parte desta publicação pode ser<br />
armazenada, fotocopiada, reproduzida por<br />
meios mecânicos, eletrônicos ou outros<br />
quaisquer sem a prévia autorização da<br />
Editora.<br />
lp-books@lp-books.com<br />
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)<br />
A848j<br />
Assis, Orly Zucatto Mantovani de,<br />
<strong>Jogar</strong> e <strong>Aprender</strong> <strong>Matemática</strong>/Orly Zucatto<br />
Mantovani de Assis - São Paulo: <strong>LP</strong>-<strong>Books</strong> 2012.<br />
174p; 21cm<br />
ISBN 978-85-7869-340-4<br />
1. <strong>Matemática</strong> - Jogos. I. Título.<br />
São Paulo, 2012<br />
1ª Edição<br />
CDU 519-83
É preciso ensinar os alunos a pensar, e é impossível<br />
aprender a pensar num regime autoritário. Pensar,<br />
é procurar por si próprio, é criticar livremente e é<br />
demonstrar de forma autônoma. O pensamento supõe<br />
então o jogo livre das funções intelectuais e não o<br />
trabalho sob pressão e a repetição verbal.<br />
Berna, 08 de julho de 1944.<br />
Jean Piaget.<br />
(in Piaget, Teoria e Prática , XIII Enc. Nac. de Prof. do<br />
Proepre)
Sumário<br />
1. CONSTRUTIVISMO E APRENDIZAGEM<br />
Constance Kamii................................................................. 13<br />
2. COMO AS CRIANÇAS CONSTROEM OS CONCEITOS<br />
MATEMÁTICOS<br />
Orly Zucatto Mantovani de Assis........................................ 23<br />
3. OS EFEITOS NOCIVOS DO ENSINO PRECOCE DOS<br />
ALGORÍTMOS<br />
Constance Kamii e Marta Rabioglio.................................... 39<br />
4. JOGAR PARA DESENVOLVER E CONSTRUIR<br />
CONHECIMENTO: jogar para desenvolver o prazer de<br />
aprender matemática<br />
Lia Leme Zaia..................................................................... 49<br />
5. EXERCITANDO O CÁLCULO MENTAL EM JOGOS<br />
Marta Rabioglio................................................................... 83<br />
6. SOLUÇÃO DE PROBLEMAS ARITMÉTICOS:<br />
possibilidades dos jogos<br />
Adriana Maria Corder Molinari.......................................... 107<br />
7. MATEMÁTICA: Implicações e relações<br />
Sonia Bessa da Costa Nicacio Silva................................. 127<br />
8. LÓGICA, MORAL E EDUCAÇÃO: que relação é esta?<br />
Amal Rahif Suleiman e Ricardo Leite Camargo............... 139<br />
9. ESTRUTURA DO TRABALHO DIÁRIO NAS AULAS DE<br />
MATEMÁTICA<br />
Lia Leme Zaia e Orly Zucatto Mantovani de Assis............ 151
Apresentação<br />
Com prazer apresento este livro, nascido do encontro<br />
de educadores e pesquisadores interessados no jogo, na<br />
matemática, na criança que aprende e em seu professor.<br />
O grupo formou-se para atender à necessidade específica<br />
dos professores de matemática que recebem, na quinta<br />
série, crianças que ainda não aprenderam as operações<br />
aritméticas.<br />
Interessados no trabalho preventivo, para evitar que<br />
outras crianças sejam colocadas na mesma situação, e<br />
conscientes da necessidade de recuperar o prazer e a<br />
possibilidade de aprender, os autores se apoiaram na teoria<br />
piagetiana. Ação e reflexão constituem a condição prioritária<br />
do desenvolvimento e aprendizagem. Os jogos de regras,<br />
na qualidade de instrumentos privilegiados para provocar<br />
a necessidade de pensar antes de agir, de refletir sobre a<br />
ação realizada e suas consequências, são propostos com o<br />
objetivo de propiciar a conquista da autonomia intelectual e<br />
moral.<br />
No capítulo “Construtivismo e Aprendizagem”,<br />
Constance Kamii explica como as crianças constroem o<br />
conhecimento, especialmente o da aritmética, diferenciando<br />
o conhecimento lógico-matemático do conhecimento físico e<br />
do social, apontando a importância de se permitir à criança<br />
errar, tentar, tomar consciência e autocorrigir-se.<br />
No capítulo “Como as crianças constroem os conceitos<br />
matemáticos”, Orly Zucatto Mantovani de Assis descreve<br />
pesquisas realizadas por Piaget, que envolvem conceitos<br />
numéricos e representação do espaço, cujos resultados<br />
se aplicam ao conhecimento humano e ao processo de<br />
aprendizagem em geral.
Constance Kamii e Marta Rabioglio escrevem o capítulo<br />
“<strong>Matemática</strong> no Ensino Fundamental: Os efeitos nocivos do<br />
ensino precoce dos algoritmos”, cujo título não deixa dúvidas<br />
sobre sua posição contrária ao ensino mecânico de fórmulas<br />
convencionais, na defesa dos procedimentos construídos<br />
pela criança.<br />
Lia Leme Zaia, em “jogar para desenvolver e construir<br />
conhecimento: jogar para desenvolver o prazer de aprender<br />
matemática” descreve o desenvolvimento do jogo na criança,<br />
analisa seu papel no desenvolvimento cognitivo, afetivo, social<br />
e moral. Descreve a construção da aritmética na criança, a<br />
partir da análise de quatro jogos, especialmente escolhidos<br />
por possibilitarem a aplicação de procedimentos e estratégias<br />
já construídos por ela.<br />
O capítulo “Exercitando o cálculo mental em jogos”,<br />
foi dividido por Marta Rabioglio em duas partes, na primeira<br />
discute o ensino e aprendizagem das operações aritméticas e<br />
a importância do cálculo mental, e na segunda parte apresenta<br />
e sugere jogos para a sala de aula.<br />
O capítulo “Solução de Problemas Aritméticos:<br />
possibilidades dos jogos”, de Adriana Maria Corder Molinari,<br />
discute a solução de problemas como um processo que<br />
favorece o desenvolvimento das estruturas cognitivas.<br />
Apresenta algumas características da operação aritmética<br />
de divisão e dois jogos que propiciam o desenvolvimento<br />
da capacidade de solucionar problemas e a construção da<br />
noção de divisão.<br />
Sônia Bessa da Costa Nicacio Silva, no capítulo<br />
“<strong>Matemática</strong>: Implicações e Relações”, discorre sobre<br />
algumas das descobertas da Epistemologia Genética e suas<br />
implicações pedagógicas, analisando formas de assegurar às<br />
novas gerações o direito de aprender matemática.<br />
Amal Rahif Suleiman e Ricardo Leite Camargo, em<br />
“Lógica, Moral e Educação: que relação é esta?”, estabelecem<br />
relações entre raciocínio moral e organização cognitiva,
a partir da teoria piagetiana e defendem o uso de jogos na<br />
educação com o objetivo de propiciar o desenvolvimento<br />
cognitivo e a conquista da autonomia.<br />
Encerrando as reflexões sobre jogo, educação e<br />
matemática, Orly Zucatto Mantovani de Assis apresenta uma<br />
proposta de trabalho inovadora “Estrutura do Trabalho Diário<br />
nas aulas de <strong>Matemática</strong>” que já vem sendo aplicada às<br />
diferentes áreas curriculares, propiciando o desenvolvimento<br />
da autonomia cognitiva e moral de crianças e adolescentes.<br />
Abril de 2010<br />
Lia Leme Zaia
<strong>Jogar</strong> e <strong>Aprender</strong> <strong>Matemática</strong><br />
CONSTRUTIVISMO E APRENDIZAGEM 1<br />
Na educação tradicional é fácil falar em ensinar e<br />
aprender. O professor apresenta o conhecimento aos<br />
estudantes e acredita que estes o aprendem por meio<br />
da internalização de tais informações. E, caso eles não<br />
aprendam, os adultos podem dizer que a responsabilidade é<br />
toda deles, pois não são suficientemente inteligentes.<br />
Pediram-me para escrever sobre o tema “Construtivismo<br />
e Aprendizagem”, notem que apenas o termo aprendizagem<br />
foi mencionado, enquanto ensino não o foi.<br />
Constance Kamii<br />
Professora titular da Faculdade de Educação da<br />
Universidade do Alabama em Birmingham nos EUA e professora<br />
adjunto da Universidade Chugoku Gakuen em Okayama, no<br />
Japão. Pós-doutorado sob coordenação de Jean Piaget no Centro<br />
Internacional de Psicologia Genética e Universidade de Genebra.<br />
1Tradução feita por Marta Rabioglio, em palestra proferida pela<br />
Prof. Dra. Constance Kamii, em 06/04/2010, no Seminário: Jogos e<br />
Educação <strong>Matemática</strong>, realizada na UNICAMP, pelo <strong>LP</strong>G/FE.<br />
13
14<br />
Orly Zucatto Mantovani de Assis<br />
As pessoas que me fizeram esta solicitação devem<br />
saber que primeiro devemos entender como os estudantes<br />
aprendem para depois começarmos a falar sobre como<br />
ensinar. Em outras palavras, quem me pediu para escrever<br />
sobre construtivismo e aprendizagem sabe que há uma<br />
grande diferença entre a forma que os construtivistas pensam<br />
sobre como as crianças aprendem e como os educadores<br />
tradicionais o veem. Na educação tradicional e positivista,<br />
acredita-se que o aprendizado parte da internalização de<br />
regras sociais, por meio dos sentidos. Em contrapartida, os<br />
construtivistas acreditam que a aprendizagem se dá a partir<br />
de uma construção interna do sujeito.<br />
O exemplo mais ilustrativo de como acontece esta<br />
construção interna se relaciona à forma como os bebês<br />
aprendem a falar. Na medida em que a maioria dos cidadãos<br />
norte americanos aprendem o inglês e a maioria dos brasileiros<br />
aprende o português, é fácil pensarmos que as crianças<br />
aprendem a língua por um processo de internalização do<br />
meio. Porém, se ouvirmos com atenção as primeiras falas<br />
dos bebês, notaremos que primeiro eles usam apenas uma<br />
palavra para se comunicar, como por exemplo: “bola!”, ao<br />
invés de dizerem “Eu quero a bola.” Depois eles usarão duas<br />
palavras, como por exemplo: “bola dá”. Observem que não<br />
podemos dizer que eles aprenderam esta forma de linguagem<br />
por internalização de regras sociais, já que nenhum adulto<br />
fala desta forma, “bola”, ou “bola dá”. Os bebês ouvem os<br />
adultos ao seu redor diariamente e, no entanto, constroem<br />
a sua primeira linguagem, usando apenas uma e depois<br />
combinando duas palavras.<br />
Por volta dos 6 ou 7 anos, elas cometem outros<br />
erros mais sofisticados, como dizer “Eu fazi.” Esses erros<br />
expressam a construção de regras, criadas por elas, sobre<br />
como devem ser os verbos no passado.<br />
A forma ou o caminho como as crianças aprendem<br />
a falar, por um processo de construção interna, ilustra um<br />
ponto muito importante enfatizado por Jean Piaget: As
<strong>Jogar</strong> e <strong>Aprender</strong> <strong>Matemática</strong><br />
crianças aprendem na medida em que passam de um nível<br />
de erros mais elementar para outro nível mais elevado. Em<br />
outras palavras, as crianças não aprendem saltando de uma<br />
completa ignorância para o conhecimento perfeitamente<br />
correto. Dizer “Bola dá”, usando apenas duas palavras,<br />
não está certo, porém é menos errado do que dizer apenas<br />
“Bola.”<br />
A compreensão de que a aprendizagem se dá por<br />
um processo de superação de erros de diferentes níveis, é<br />
um ponto importante para os professores que incentivam a<br />
ortografia “inventada”, ou o famoso “escreva do seu jeito”.<br />
Aqueles que têm conhecimento das pesquisas de Emília<br />
Ferreiro, já devem estar familiarizados com as surpreendentes<br />
formas em que as crianças podem escrever quando estão<br />
aprendendo. Professores que acreditam que elas aprendem<br />
por uma sucessão de erros, não as corrigem quando escrevem<br />
“TACSI”, querendo escrever a palavra “TAXI”.<br />
Construtivismo e Aritmética<br />
Passarei agora à discussão de como as crianças<br />
constroem a aritmética. Antes, porém, é necessário tratar<br />
dos três tipos de conhecimento distinguidos por Piaget,<br />
de acordo com suas principais fontes. Se não tivermos<br />
clara esta distinção, é impossível compreendermos como<br />
a criança constrói aritmética, naquilo que difere da forma<br />
como ela constrói a ortografia. Os três tipos de conhecimento<br />
apresentados por Piaget são: conhecimento físico,<br />
conhecimento social-convencional e conhecimento lógico<br />
matemático.<br />
Conhecimento físico é o conhecimento de objetos<br />
como papel, lápis, cadeiras, maçãs e laranjas. Sabermos que<br />
bolinhas de gude rolam, quando soltas no chão, também é um<br />
exemplo deste tipo de conhecimento e a sua fonte primeira<br />
está nos objetos do mundo externo.<br />
15
16<br />
Orly Zucatto Mantovani de Assis<br />
Um exemplo de conhecimento social-convencional<br />
são as línguas, como o português e o inglês. A escrita de<br />
símbolos como “ABC”, “46”, e “XLVI” e feriados como o<br />
natal, também ilustram este tipo de conhecimento, cuja fonte<br />
principal encontra-se nas convenções estabelecidas entre as<br />
pessoas.<br />
Enquanto o conhecimento físico e o social-convencional<br />
têm suas fontes no mundo externo, a fonte principal do<br />
conhecimento lógico matemático é o próprio sujeito. Se por<br />
exemplo, nos apresentarem uma maçã e uma laranja, nós<br />
podemos dizer que elas são diferentes. Nesta situação, a<br />
diferença não é observável porque ela não existe no mundo<br />
externo. A diferença - bem como a semelhança entre dois<br />
objetos - é uma relação mental estabelecida por cada sujeito,<br />
em cada situação. A maçã e a laranja são observáveis<br />
(conhecimento físico), mas a diferença entre elas não o é<br />
(conhecimento lógico matemático).<br />
Cada sujeito pode dizer ainda que a maçã e a laranja<br />
são semelhantes, e isto é tão verdadeiro quanto dizer que elas<br />
são diferentes. Um terceiro exemplo de relação mental que<br />
pode ser estabelecida entre as frutas é a relação numérica,<br />
dois. Cada objeto é observável (conhecimento físico),<br />
porém, os números “um” e “dois” não o são (conhecimento<br />
lógico matemático). A fonte principal de todos os números<br />
subsequentes que cada criança constrói (incluindo o “oito”,<br />
o “dez”, “uma dezena” e “duas dezenas”) é o seu próprio<br />
raciocínio.<br />
Dentre os 3 tipos de conhecimento, o mais difícil de<br />
ser compreendido é o conhecimento lógico matemático, na<br />
medida em que fomos criados em uma tradição empirista.<br />
E de acordo com o empirismo, os seres humanos adquirem<br />
conhecimento internalizando-o por meio dos sentidos. A<br />
teoria de Piaget é fundamentalmente diferente dessa ideia<br />
e fortemente influenciada pelo racionalismo, que coloca a<br />
ênfase no papel da razão. De acordo com Piaget, os conceitos<br />
numéricos só podem ser adquiridos por meio do raciocínio
<strong>Jogar</strong> e <strong>Aprender</strong> <strong>Matemática</strong><br />
de cada sujeito. De acordo com o empirismo, ao contrário,<br />
conceitos numéricos são adquiridos a partir dos objetos do<br />
mundo externo e das pessoas que ensinam as crianças a<br />
contar.<br />
Espero que tenha ficado claro que a ortografia é um<br />
conhecimento social-convencional, portanto não pode ser<br />
inventado pelas crianças. Não há como a criança inventar,<br />
por exemplo, como se escreve a palavra “TAXI”. Portanto, isto<br />
precisa ser ensinado, no sentido de ser transmitido a ela. Ao<br />
contrário, conceitos numéricos podem e devem ser inventados<br />
pelas crianças, por meio de seu próprio raciocínio. Em outras<br />
palavras, não há como um adulto ensinar diretamente estes<br />
conceitos a ela.<br />
Apresentarei a seguir um exemplo que mostra o que<br />
acontece quando a aritmética é ensinada à criança de fora<br />
para dentro, ou ao contrário, ela é encorajada a construir ou<br />
inventar, de dentro para fora. O exemplo diz respeito à adição<br />
de números com dois algarismos. Eu não preciso dizer-lhes<br />
que, comumente as crianças são orientadas a usar a regra do<br />
“vai 1” para responder a uma pergunta como essa:<br />
87<br />
+ 24<br />
Ao contrário, quando são encorajadas a construir<br />
procedimentos a partir de sua maneira própria de pensar, as<br />
crianças universalmente começam a adição pelas grandes<br />
unidades (no caso, as dezenas) para depois somar as<br />
unidades menores. Assim, elas começam fazendo: 80 + 20<br />
= 100, e depois 7 + 4 = 11, que dá 111. 2 Um pesquisador nos<br />
2 Em um vídeo (Kamii, 1989), que está disponível em meu site<br />
(www.constancekamii.org) você pode ver diferentes crianças inventando<br />
procedimentos desse tipo.<br />
17
18<br />
Orly Zucatto Mantovani de Assis<br />
E. U. A. chamado Robert Ashlock (1972, 1976, 1982, 1986,<br />
1990, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010) vem, a pelo menos 40<br />
anos, estudando os diferentes tipos de erro cometidos por<br />
crianças que aprendem os algoritmos convencionais a partir<br />
de regras como o “vai 1”. Segue um exemplo de um tipo<br />
de erro encontrado por Ashlock. Será que você consegue<br />
descobrir que regra é esta que a criança construiu a partir da<br />
regra do “vai 1” ensinada por sua professora?<br />
1 4<br />
74 385<br />
+ 43 + 667<br />
18 9116<br />
Este tipo de erro demonstra que a aprendizagem se dá,<br />
não pela internalização de regras arbitrárias, mas por uma<br />
construção interna do sujeito 3 .<br />
Há sim crianças cujo conhecimento lógico matemático<br />
já está desenvolvido o suficiente para compreender a<br />
explicação da regra do “vai 1” pelo professor. Essas crianças<br />
são capazes de construir para si a regra apresentada em<br />
sala de aula. Há, contudo, muitas outras crianças cujo<br />
conhecimento lógico matemático está menos desenvolvido<br />
e os erros que acabei de apresentar, demonstram o grande<br />
esforço que elas fazem para extrair sentido daquilo que o<br />
professor ensinou. Em outras palavras, de acordo com o<br />
construtivismo, as crianças sempre usam o conhecimento<br />
que já construíram para construir o próximo nível. Se elas<br />
já se encontram em um nível elevado de desenvolvimento,<br />
elas conseguem ver sentido nas explicações do professor.<br />
Se ao contrário, estiverem em um nível mais baixo, não verão<br />
3 O que estas crianças fizeram foi inventar uma nova regra, justapondo<br />
uma técnica convencional, que ainda não compreendem, a uma ideia criada<br />
por elas mesmas, de que se deve começar a resolver a operação pela<br />
esquerda, onde se encontram as ordens maiores.
<strong>Jogar</strong> e <strong>Aprender</strong> <strong>Matemática</strong><br />
sentido e procurarão construir a melhor aproximação daquilo<br />
que ouviram. Tanto é verdade que, se perguntarmos a elas<br />
onde aprenderam tais regras, elas nos dirão com convicção:<br />
“Foi meu professor que ensinou”.<br />
Até agora eu tenho discutido a partir do ponto de vista do<br />
construtivismo sobre como as crianças aprendem. No entanto,<br />
se eu digo que as crianças aprendem construindo a aritmética<br />
de dentro para fora, isto não significa que ao professor cabe<br />
cruzar os braços e esperar por essa construção. Ao contrário,<br />
o papel do professor é muito importante, porque quanto<br />
mais as crianças usarem o próprio raciocínio, mais elas<br />
desenvolverão o conhecimento lógico matemático. A questão<br />
que precisa ser respondida agora é: Como os professores<br />
podem encorajar as crianças a raciocinar? Como fazê-las<br />
pensar de forma própria e genuína?<br />
Princípios construtivistas do ensino da aritmética<br />
Há dois princípios básicos que as professoras do vídeo<br />
mencionado anteriormente seguem. São eles:<br />
1. Oferecer problemas que estejam no nível adequado<br />
e encorajar as crianças a inventar suas próprias soluções,<br />
sem mostrar-lhes como fazer.<br />
2. Quando as crianças derem alguma resposta, não<br />
dizer a elas “Está certo” ou “Está errado’, em vez disso,<br />
encorajá-las a trocar pontos de vista com o grupo classe.<br />
Como já dito, as crianças constroem (inventam) novas<br />
formas de resolver problemas, usando o conhecimento que<br />
já construíram. Portanto, é importante que o professor saiba<br />
o que elas já sabem.<br />
19
20<br />
Orly Zucatto Mantovani de Assis<br />
Se o professor sabe, por exemplo, que seus estudantes<br />
já possuem um conhecimento sólido de todas as combinações<br />
que formam o número 10 com duas parcelas (9+1, 8+2,<br />
7+3 etc.), ele pode perguntar: “Qual é um caminho rápido e<br />
fácil para saber quanto é 9 + 6?” A solução que as crianças<br />
geralmente inventam é: 9 + 6 = 10 + 5 = 15.<br />
Se o professor, ao contrário, mostra às crianças como<br />
resolver cada problema, elas se tornam dependentes de suas<br />
instruções. Além disso, não é por imitação do professor que<br />
elas aprendem aritmética. Como vimos, os diferentes tipos<br />
de erro apresentados por Ashlock mostram o resultado de se<br />
forçar as crianças a reproduzir procedimentos que não fazem<br />
o menor sentido para elas.<br />
Na educação tradicional, é papel do professor reforçar<br />
as respostas corretas e corrigir as erradas. Contudo, quando<br />
o professor afirma que uma dada resposta está certa, todo<br />
o raciocínio se paralisa. Se, ao invés disso, ele se voltar à<br />
classe e perguntar: “Todos concordam com o ponto de vista de<br />
fulano?”, as crianças se sentirão ávidas em tentar convencer<br />
os outros de que sua resposta é melhor que qualquer outra.<br />
Da mesma forma, se a turma debater suficientemente, eles<br />
certamente chegarão a um consenso sobre qual é a resposta<br />
correta. (Se isto não acontecer, provavelmente a pergunta foi<br />
difícil demais para a classe.)<br />
O conhecimento lógico matemático se desenvolve<br />
por meio do uso do raciocínio, (pelo engajamento em ações<br />
mentais). A troca de ideias é importante porque, ao tentar<br />
convencer o outro de que seu raciocínio faz sentido, a criança<br />
precisa encontrar argumentos e raciocinar com afinco.<br />
Você, que é professor, deve ter vivido a experiência<br />
de corrigir os mesmos tipos de erro, reiteradas vezes. Isto<br />
prova que a correção, quando realizada de fora para dentro é<br />
inócua. As crianças precisam aprender a se corrigir, a partir de<br />
seu próprio ponto de vista. O debate, que leva ao intercâmbio<br />
de idéias em sala de aula, promove muitas oportunidades
<strong>Jogar</strong> e <strong>Aprender</strong> <strong>Matemática</strong><br />
de cada um rever o seu raciocínio e se corrigir. No vídeo<br />
mencionado por mim anteriormente, você poderá ver uma<br />
criança anunciar à classe: “Eu discordo de mim mesmo!”<br />
Espero ter dado indicações importantes sobre como o<br />
ensino de matemática precisa se transformar, baseado no que<br />
hoje sabemos sobre a forma pela qual a criança aprende.<br />
Referências<br />
ASHLOCK, Robert B. Error Patterns in Computation.<br />
Boston: Allyn & Bacon, 2010, 2006, 2002, 1998, 1994, 1990,<br />
1986,1982, 1976, 1972.<br />
KAMII, Constance. Adição de números com dois<br />
algarismos: professoras usando a teoria de Piaget (video).<br />
New York: Teachers College Press, 1989. (disponível em inglês<br />
no site: www.constancekamii.org)<br />
_____ Desvandando a Aritmética. Campinas, SP:<br />
Papirus Editora, 1995. (sobre a 3ª série – 4º ano do EF de 9 anos)<br />
_____ Crianças Pequenas Reinventam a Aritmética. 2ª<br />
ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002. ( sobre a 1ª série – 2º<br />
ano do EF de 9 anos)<br />
_____ Crianças Pequenas Continuam Reinventando<br />
a Aritmética. Porto Alegre: Artmed Editora, 2005. (sobre a 2ª<br />
série – 3º ano do EF de 9 anos)<br />
21