Entre o naufrágio e a eternidade - Universidade do Porto
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Every time a reader builds his own structure of significance, he is simultaneously being<br />
faithful to authorial meaning, and, indeed, he can be faithful only in that way. Rather<br />
than being opposed to authorial meaning, interpreter's meaning is necessary to its<br />
actualization. 5<br />
Muito rapidamente percebemos que é o próprio leitor quem se vê refém de um significa<strong>do</strong>:<br />
não apenas no senti<strong>do</strong> passivo de uma interpretação rigidamente veiculada e sancionada pelo<br />
texto, mas, bem mais subtil e eficazmente, como uma performance necessária para o<br />
cumprimento <strong>do</strong> próprio texto. O intérprete cumpre assim o papel que lhe está pré(e)scrito<br />
pelo texto, e a atribuição de significa<strong>do</strong> não é senão o corolário <strong>do</strong> reencontro <strong>do</strong> texto com a<br />
intenção <strong>do</strong> autor. A interpretação volve-se num movimento despossuí<strong>do</strong> de individualidade<br />
ontológica: ela é, em verdade, um satélite da intenção autoral, um simulacro, uma espécie de<br />
farsa encenada que convida o especta<strong>do</strong>r a desempenhar uma figura insignificante mas<br />
materialmente indispensável, para depois continuar, indiferente, o respectivo curso.<br />
Como o médico que, no final da operação, se esquece de instrumentos cirúrgicos<br />
dentro <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong> paciente, o texto caminha em frente, transportan<strong>do</strong> um bisturi e uma<br />
tesoura que só uma radiografia virá a denunciar. Com efeito, não é exagera<strong>do</strong> afirmar que<br />
toda a interpretação de motivação materialista flui para um modelo que pressupõe, mais ou<br />
menos explicitamente, uma ingenuidade essencial <strong>do</strong> leitor, gradualmente preenchida pela<br />
infinita transcendência <strong>do</strong> texto, num processo de completamento que se serve da<br />
interpretação para legitimar a extracção de narrativas a partir <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong> texto.<br />
A denúncia de Stanley Fish coloca em evidência a condição convencionada deste<br />
processo, demonstran<strong>do</strong> que nenhuma leitura pode ocupar esse lugar atópico, já que o texto,<br />
encara<strong>do</strong> na sua contingência imediata, se serve <strong>do</strong>s mesmos signos, códigos de significação,<br />
narrativas e ideologias de que se tece o quotidiano, o que determina simplesmente a<br />
impossibilidade de interpretar um texto a partir da sua imanência, já que ele é uma forma<br />
intrínseca de exterioridades. Neste senti<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> o que podemos afirmar é que os “signos<br />
textuais” adquirem varia<strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s, de acor<strong>do</strong> com as diferentes expectativas e valores<br />
<strong>do</strong>s diferentes leitores 6 .<br />
No fun<strong>do</strong>, a nossa realidade de seres situa<strong>do</strong>s e a impossibilidade de nos descartarmos<br />
<strong>do</strong> arquivo das nossas experiências singulares e subjectivas antes de começar o acto<br />
interpretativo, dizem-nos que temos ideias diferentes sobre o que representam os valores de<br />
5 Idem, ibidem.<br />
6 Cf. Idem, p. 7.