Entre o naufrágio e a eternidade - Universidade do Porto
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a postulação de Stanley Fish), como opacidade. É na medida em que Lönnrot toma a palavra<br />
<strong>do</strong> outro em toda a extensão <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s possíveis que ele pode, finalmente, aliar a crença à<br />
interpretação, oferecen<strong>do</strong> o corpo <strong>do</strong> seu pensamento à actuação produtiva de senti<strong>do</strong>s<br />
outros: para descodificar a série de crimes, ele deve concordar com o modelo de racionalidade<br />
requeri<strong>do</strong> pelas pistas recolhidas, isto é, ele deve a<strong>do</strong>ptar como válidas as premissas que visa<br />
compreender, certo de que apenas essa forma de solidariedade o poderá conduzir à verdade<br />
que outros construíram para si. Nesse pressuposto, Lönnrot dá corpo ao “leitor radical” que<br />
Donald Davidson encontra ao procurar pensar uma condição interpretativa universalmente<br />
válida, capaz de dar conta de qualquer afirmação, sem reservas contextuais. Um tal intérprete<br />
encontra-se em situação de plena receptividade, já que não acolhe o texto com os<br />
instrumentos cirúrgicos de um “manual de instruções”, mas com a ilimitada compreensão de<br />
uma partilha da crença como condição para o estabelecimento de uma plataforma de verdade:<br />
Since knowledge of beliefs comes only with the ability to interpret words, the only<br />
possibility at the start is to assume general agreement on beliefs. 32<br />
O que há de precioso em Lönnrot é ele fornecer-nos uma razão para continuarmos a ler:<br />
cada vez mais e melhor, nessa procura incessante da qual não poderemos sair ilesos, porque,<br />
mais <strong>do</strong> que abstractas estruturas, ensinar-nos-á algo sobre a vida, ou, pelo menos, sobre a<br />
memória dela.<br />
32 Donald DAVIDSON, «On the Very Idea of a Conceptual Scheme” (1974), in Inquiries into Truth and Interpretation, Oxford, Oxford<br />
University Press, 2009 [2001], p. 196.