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JORGE MEDAUAR - O Homem que Sabia - Emanuel Pimenta

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<strong>JORGE</strong> <strong>MEDAUAR</strong><br />

o homem <strong>que</strong> sabia demais<br />

calor.<br />

42<br />

São Paulo, Novembro 11. 1986<br />

emanuel dimas de melo pimenta<br />

Meu caro <strong>Emanuel</strong>,<br />

Escrevo-lhe sob um imenso temporaval – temporal e vendaval – de verão. Chove e faz<br />

Estamos na<strong>que</strong>la zona tropical de miasmas e mosquitos, de noites indormidas e dias<br />

<strong>que</strong> pedem bermudas e camisas de cambraia. As praias estão superlotadas. E como vivemos<br />

os gloriosos dias do cruzado – <strong>que</strong> Deus nos perdôe – já não temos refrigerantes – o <strong>que</strong> é<br />

um bem, sobretudo quando falta Coca-Cola – nem cerveja. E olhe <strong>que</strong> cerveja nunca foi um<br />

luxo, como a carne.<br />

Mas, eis <strong>que</strong> tudo se encontra quando você entra com essa nova moeda <strong>que</strong> foi<br />

introduzida em circulação, imediatamente após o cruzado: o ágio.<br />

Esse ágio funciona como a chave dos mistérios e dos segredos. É o abre-te-sésamo.<br />

É o barxixe <strong>que</strong> funcionava no Egito. É, numa palavra, o azeite ou o óleo <strong>que</strong> faz a máquina<br />

emperrada andar, ou deslizar. Mas, há um outro nome <strong>que</strong> o ágio encobre: inflação. O<br />

nome da inflação é ágio. Com esse tru<strong>que</strong> ou esse passe de mágica, já não há inflação no<br />

país. E assim nós vamos vivendo de amor... Mas, tudo isso não importa, quando sabemos<br />

<strong>que</strong> um amigo triunfa de um prélio bastante concorrido, tal como foram os seus exames<br />

de seleção* E, mais ainda, quando se alça para o primeiro lugar. Parabéns. Mas, não lhe<br />

parece pouco? Saiba <strong>que</strong> o <strong>que</strong> desejo é muito, muito mais. Ainda os <strong>que</strong>ro ver no pináculo,<br />

se me restar vida. Quanto à nossa roubalheira, é a mesma de sempre. Desde <strong>que</strong> para cá<br />

vieram colonizadores e exploradores.<br />

Nossos homens vendiam ou contrabandeavam tudo. E de tudo. Do Pau Brasil ao<br />

sexo das índias, nativas <strong>que</strong> foram ludibriadas no prazer e na luxúria, <strong>que</strong> desconheciam,<br />

por serem apenas rebentos da Natureza. Hoje, o roubo ou a ratonice é mais civilizada. Os<br />

criminosos de colarinho branco estão por onde se gire o olhar. Na política. Sobretudo. Nas<br />

repartições, ministérios etc. Nas ruas, somos assaltados por pés-de-chinelo. Mas somos. E<br />

muitas vezes somos mortos. Não sei qual seria outra imagem do Brasil fora daqui, quando<br />

são assaltados e mortos turistas de quase todo o mundo. Gostei da lembrança dos índices<br />

de respeitabilidade dos países através das suas moedas. É isso mesmo. A nossa é vil. Sei <strong>que</strong><br />

você fala de Portugal e do Brasil com a<strong>que</strong>le mesmo sentimento do velho Eça, <strong>que</strong> tanto<br />

amava o seu país. Por isso é <strong>que</strong> ele dizia <strong>que</strong> Lisboa não tinha «caráteres, tem esquinas».

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