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Mulheres_na_Antiguidade

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MULHERES NA ANTIGUIDADE - NEA/UERJ<br />

ao seu dispor, quando reflecte (824-825): ‗Talvez este seja um argumento<br />

vazio, o apelo a Cípris. Mas pouco importa, vou usá-lo‘. Na sua nova abordagem<br />

da causa que defende, mantém-se fiel aos valores em discussão,philia e<br />

charis; mas ao retomá-los, mostra como são relativos no seu mérito,<br />

como podem ser distorcidos e amesquinhados, por interesses pequenos<br />

e condenáveis. Philia é, neste caso, o vínculo erótico que Agamémnon<br />

mantém com Cassandra, as noites partilhadas, os abraços de amor (828-<br />

829); charis, o reconhecimento face a uma amante, a quem se deve o<br />

prazer de noites memoráveis (830, 832) 325. Tomada enfim por algum<br />

desespero que se vai tor<strong>na</strong>ndo em delírio, Hécuba remata num apelo,<br />

como interessante metamorfose de uma súplica num golpe de retórica<br />

(836-840): ‗Que ganhassem voz os meus braços, mãos, cabelos, pés, por artes de<br />

Dédalo ou de um deus, para se prenderem, todos a um tempo, aos teus joelhos, por<br />

entre lágrimas e apelos, com todo o tipo de argumentos‘. E só depois do fulgor<br />

desta Persuasão, encar<strong>na</strong>da num gesto falante de súplica, uma última<br />

palavra, discreta e apagada, é ainda devida à justiça (844-845), como a<br />

desejável punição para quem prevarica. Não restam dúvidas sobre a<br />

escala de valores com que Hécuba apela, nem da sua hierarquização em<br />

sociedade. Porque fi<strong>na</strong>lmente eis que a primeira vitória lhe sorri, <strong>na</strong><br />

cedência de Agamémnon a arbitrar o último dos agones a que o poeta a<br />

sujeita, contra Polimestor. O Atrida afirma-se sensível à súplica (850-<br />

851), respeitador dos princípios da piedade, justiça e hospitalidade (852-<br />

853), mas também ele, como Ulisses, se vê enleado em compromissos.<br />

Uma teia controversa de razões deixa-o manietado; teria todo o prazer<br />

em agradar a Hécuba, se não parecesse, perante o exército, dar<br />

prioridade ao amor de Cassandra (855). Porque o exército vê no Trácio<br />

um amigo (858) e no morto um inimigo (859-860). Este é o padrão do<br />

árbitro que tem <strong>na</strong> mão a execução da justiça, comprometido, peado por<br />

325 Segal, op. cit., 123, sublinha o tom degradante que este argumento reveste <strong>na</strong><br />

boca de Hécuba, quando se serve da escravização a que Cassandra está sujeita, o<br />

que a tor<strong>na</strong> tão vítima quanto a própria Políxe<strong>na</strong>. Diz Segal: ‗Os Gregos usam o<br />

corpo de Políxe<strong>na</strong> como oferenda a Aquiles para lhe expressarem charis e para<br />

obterem o seu patrocínio; Hécuba usa o corpo de Cassandra para obter charis de<br />

Agamémnon e o seu favor‘. A passagem abrupta, <strong>na</strong> rhesis de Hécuba, do<br />

argumento da justiça para o do sexo deixa bem clara a ineficácia profunda da<br />

legalidade e a sua inoperância como valor pessoal e social..<br />

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