22.04.2013 Views

Mulheres_na_Antiguidade

Mulheres_na_Antiguidade

Mulheres_na_Antiguidade

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

MULHERES NA ANTIGUIDADE - NEA/UERJ<br />

(176), sublinhando com insistência a simetria dos favores prestados. É<br />

este para ela, como também para Ulisses, o argumento forte; ‗dar em troca‘<br />

(272) e ‗trocar um gesto recíproco de súplica‘ (275) sublinham o justo paralelo<br />

de duas situações (273-276), ‗tocaste-me mão e face … também eu te toco mão e<br />

face‘. A reciprocidade introduz o assunto do amor pela filha e da<br />

necessidade premente que a desventura lhe exige desse último afecto. Do<br />

seu infortúnio, Hécuba parte, num encadeamento lógico – como se de<br />

salvar a própria vida se tratasse –, para a desventura que é, <strong>na</strong> existência<br />

huma<strong>na</strong>, o contraponto da felicidade e do poder (282-283): ‗Os poderosos<br />

não devem abusar do seu poder, nem julgar, enquanto a sorte os bafeja, que ela<br />

durará para sempre‘. E logo recorre ao exemplo, o seu próprio, para abo<strong>na</strong>r<br />

o princípio (284-285). À efemeridade, o tempo vem opor um toque de<br />

ironia: o que parecia ‗eterno‘ (283) desmoro<strong>na</strong>-se ‗num só dia‘ (285). Na<br />

súplica fi<strong>na</strong>l, Hécuba retoma, sinteticamente, os argumentos anteriores,<br />

agora acrescidos de pontos que lhe parecem dever tocar um grego,<br />

homem público e prestigiado pelos seus; nomos,‗a prática ou a lei‘, que, <strong>na</strong><br />

Grécia, em questões de sangue, trata por igual homens livres e escravos<br />

(291-292); axioma, ‗o prestígio‘, com a sua capacidade particular de<br />

persuadir e de imprimir aos argumentos uma distinção de que um<br />

simples anónimo não é capaz (293-295) 319.<br />

Ulisses, instigado ao debate, não hesita <strong>na</strong> resposta que organiza,<br />

como expert que é em matéria retórica. Passando em claro o argumento<br />

da justiça, visivelmente desfavorável ao lado da conde<strong>na</strong>ção, expande-se<br />

sobre charis. O mesmo conceito regressa ao debate, agora torneado com<br />

cautela por um orador que se diz disposto a respeitar a reciprocidade que<br />

lhe é exigida, mas de um modo directo, circunscrito à sua benfeitora de<br />

outrora, Hécuba, e não à filha (301-305). Mas além dessa charis pessoal,<br />

há uma outra pública, que o enleia, a que deve, como membro de um<br />

colectivo, a um herói (304-305). E sem falar de justiça, Ulisses relativiza<br />

o valor da vida huma<strong>na</strong>, sobrepondo ao carácter absoluto do princípio o<br />

condicio<strong>na</strong>mento político do nomos (304-308). Estão em jogo, lado a<br />

lado, os interesses de um homem, o primeiro dos heróis entre os seus<br />

319 Sobre a valorização relativa dos argumentos aqui usados por Hécuba, vide A.<br />

W. H. Adkins (1966), ‗Basic Greek values in Euripides‘ Hecuba and Hercules<br />

Furens‘, Classical Quarterly 16, 193-219.<br />

244

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!