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Hérnia <strong>de</strong> Morgagni: relato <strong>de</strong> caso<br />
Hérnia <strong>de</strong> Morgagni: relato <strong>de</strong> caso / Freitas LF et al.<br />
Relato <strong>de</strong> Caso<br />
Leonardo Furtado Freitas 1 , Flávio Malaquias Amâncio 1 , Luis Ronan Marquez Ferreira <strong>de</strong> Souza 2 ,<br />
Marcelo Rodrigues Pinto <strong>de</strong> Oliveira3 , Thiago Carneiro da Cunha Bosi3 , Fernando Coelho Goulart<br />
<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> 3 , Marcelo Cunha Fatureto 4 , Gesner Pereira Lopes 5<br />
Descritores:<br />
Hérnia diafragmática; Morgagni; Tórax;<br />
Tomografia computadorizada.<br />
Recebido para publicação em 2/10/2006. Aceito,<br />
após revisão, em 14/8/2007.<br />
Trabalho realizado na Disciplina <strong>de</strong> Radiologia e<br />
Diagnóstico por Imagem da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG.<br />
1<br />
Graduandos em Medicina da UFTM.<br />
2<br />
Professor Assistente Doutor da Disciplina <strong>de</strong><br />
Diagnóstico por Imagem da UFTM.<br />
3 Médicos Resi<strong>de</strong>ntes da Disciplina <strong>de</strong> Diagnóstico<br />
por Imagem da UFTM.<br />
4<br />
Professor Adjunto, Responsável pela Disciplina <strong>de</strong><br />
Cirurgia Torácica da UFTM.<br />
5<br />
Professor Assistente Mestre da Disciplina <strong>de</strong><br />
Diagnóstico por Imagem da UFTM.<br />
Correspondência: Leonardo Furtado Freitas. Avenida<br />
Leopoldino <strong>de</strong> Oliveira, 4190/1002, Centro.<br />
Uberaba, MG, 38010-000. E-mail: furtadoleof58@<br />
hotmail.com<br />
Resumo<br />
Apresentamos um raro caso <strong>de</strong> <strong>hérnia</strong> diafragmática congênita (<strong>hérnia</strong> <strong>de</strong> Morgagni), no qual os<br />
achados radiológicos evi<strong>de</strong>nciaram consolidação no hemitórax inferior direito. Suspeitou-se <strong>de</strong><br />
pneumonia, mas como não houve melhora com o tratamento, foi indicada tomografia computadorizada,<br />
que sugeriu lipomatose pleural. O diagnóstico final foi no intra-operatório. A seguir fazemos<br />
uma revisão concisa sobre este tema e sua apresentação clínica, assim como seus principais achados<br />
radiológicos.<br />
A <strong>hérnia</strong> <strong>de</strong> Morgagni é uma rara <strong>hérnia</strong> diafragmática congênita na qual ocorre<br />
a passagem <strong>de</strong> estruturas e/ou <strong>de</strong> vísceras abdominais através do trígono esternocostal<br />
(forame <strong>de</strong> Morgagni/espaço <strong>de</strong> Larrey).<br />
O entendimento da anatomia do diafragma, principalmente <strong>de</strong> sua parte anterior,<br />
é essencial para a compreensão da origem da <strong>hérnia</strong> <strong>de</strong> Morgagni [1] . O diafragma<br />
é formado por duas porções musculares, e cada porção, por três partes —<br />
esternal, costal e lombar — que se unem no centro tendíneo. O trígono esternocostal<br />
localiza-se entre as partes esternal (origina-se posteriormente ao processo xifói<strong>de</strong><br />
e se insere no centro tendíneo) e costal (origina-se da parte externa das seis cartilagens<br />
costais inferiores e das quatro costelas mais inferiores, inserindo-se na parte<br />
ântero-lateral do centro tendíneo). É um espaço que permite passagem apenas para<br />
os vasos epigástricos superiores, juntamente com alguns linfáticos [1,2] , com pequenas<br />
fissuras diafragmáticas <strong>de</strong> formato triangular <strong>de</strong> cada lado do limite esternal<br />
inferior, resultantes da união do septo transverso com a pare<strong>de</strong> torácica [3] .<br />
RELATO DO CASO<br />
Paciente do sexo masculino, 25 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, branco, portador <strong>de</strong> síndrome<br />
<strong>de</strong> Down (trissomia do cromossomo 21), hipertenso, asmático e obeso mórbido (índice<br />
<strong>de</strong> massa corpórea > 40 kg/m²), referia dispnéia a pequenos esforços há alguns<br />
meses, ortopnéia e e<strong>de</strong>ma <strong>de</strong> membros inferiores. Na admissão hospitalar, ao<br />
exame físico apresentava broncoespasmo mo<strong>de</strong>rado, redução dos sons e submacicez<br />
na meta<strong>de</strong> do hemitórax direito. O eletrocardiograma foi normal e a ecocardiografia<br />
mostrou fração <strong>de</strong> ejeção <strong>de</strong> 78% no ventrículo esquerdo, com exames hematológicos<br />
normais.<br />
A radiografia <strong>de</strong> tórax evi<strong>de</strong>nciou opacida<strong>de</strong> no hemitórax inferior direito, que<br />
se acentuava com o <strong>de</strong>cúbito dorsal (Fig. 1). A espirometria caracterizou distúrbio<br />
obstrutivo e restritivo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rada e severa intensida<strong>de</strong>, respectivamente. Foi tratado<br />
para provável pneumonia.<br />
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Freitas LF et al. / Hérnia <strong>de</strong> Morgagni: relato <strong>de</strong> caso<br />
Fig. 1 – Radiografia <strong>de</strong> tórax em póstero-anterior (A) e perfil (B). Nota-se massa radio<strong>de</strong>nsa (seta) no terço inferior e anterior do hemitórax<br />
direito, que apresenta contornos bem <strong>de</strong>finidos em sua porção superior e mal <strong>de</strong>finidos na inferior (sinal da silhueta).<br />
Como não se obteve melhora do quadro clínico, foi<br />
indicada a realização <strong>de</strong> tomografia computadorizada,<br />
que caracterizou processo expansivo <strong>de</strong> origem pleural<br />
ocupando 70% do hemitórax direito, com <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
tecido adiposo, o que po<strong>de</strong>ria sugerir uma lipomatose<br />
pleural (Fig. 2).<br />
O paciente foi submetido, alguns dias <strong>de</strong>pois, a toracotomia<br />
direita submamária, durante a qual se i<strong>de</strong>ntificou<br />
volumosa herniação do epíplon por um forame<br />
<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 8 cm lateralmente ao esterno. O tecido gorduroso<br />
se reduzia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um saco herniário à medida<br />
que era dissecado. A sutura das bordas diafragmáticas<br />
foi feita em figura <strong>de</strong> 8 com polipropileno zero. O<br />
paciente foi extubado na sala <strong>de</strong> operação, e o pós-operatório<br />
foi normal.<br />
DISCUSSÃO<br />
A <strong>hérnia</strong> <strong>de</strong> Morgagni ocorre <strong>de</strong>vido à falha da fusão<br />
embriológica das porções costal e esternal do diafragma,<br />
anterior à linha média (posição retroesternal),<br />
criando o chamado forame <strong>de</strong> Morgagni [4] (Fig. 3). Esse<br />
<strong>de</strong>feito po<strong>de</strong> ocorrer em ambos os lados, mas predomina<br />
à direita, possivelmente pelo fato <strong>de</strong> que o coração<br />
protege o forame no lado esquerdo, po<strong>de</strong>ndo ser<br />
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total ou parcial. O forame à direita já po<strong>de</strong> permitir a<br />
passagem <strong>de</strong> vísceras abdominais para o tórax ainda na<br />
vida embrionária, enquanto no à esquerda po<strong>de</strong> ocorrer<br />
por aumento brusco da pressão intra-abdominal,<br />
como em casos <strong>de</strong> tosse, obesida<strong>de</strong> e outros esforços abdominais<br />
[5] . O conteúdo abdominal encontrado é representado,<br />
em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>crescente, por omento, cólon,<br />
estômago, fígado e intestino <strong>de</strong>lgado [6] .<br />
Apesar <strong>de</strong> ser anomalia congênita, as crianças costumam<br />
ser assintomáticas e geralmente é <strong>de</strong>scoberto ao<br />
acaso, quando se realiza radiografia <strong>de</strong> tórax por outra<br />
razão [3,7] . Os sintomas da <strong>hérnia</strong> <strong>de</strong> Morgagni em geral<br />
aparecem em adultos (principalmente no sexo feminino)<br />
<strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong>, entretanto, são freqüentemente oligossintomáticos<br />
(<strong>de</strong>vido ao pequeno volume ocupado pelas<br />
vísceras abdominais contidas no saco herniário).<br />
A <strong>hérnia</strong> <strong>de</strong> Morgagni representa 2% a 3% <strong>de</strong> todas<br />
as <strong>hérnia</strong>s diafragmáticas [6] . Entretanto, outras alterações<br />
po<strong>de</strong>m estar associadas, principalmente quando<br />
é sintomática em lactentes, como a má-rotação intestinal,<br />
o <strong>de</strong>feito longitudinal do esterno inferior, <strong>de</strong>feitos<br />
da pare<strong>de</strong> abdominal supra-umbilical e pericárdica<br />
(<strong>de</strong>xtrocardia) com ou sem malformação cardíaca [8] .<br />
Esse conjunto <strong>de</strong> anormalida<strong>de</strong>s recebe o nome <strong>de</strong> pentalogia<br />
<strong>de</strong> Cantrell [3,8,9] .<br />
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Hérnia <strong>de</strong> Morgagni: relato <strong>de</strong> caso / Freitas LF et al.<br />
Fig. 2 – Tomografia computadorizada helicoidal do tórax com contraste endovenoso em janela mediastinal. Observa-se, na região ântero-lateral<br />
direita do coração, volumosa massa com <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gordura (ROI = –103 UH e –77 UH), que apresenta vasos sanguíneos <strong>de</strong> permeio,<br />
correspon<strong>de</strong>ntes ao mesentério intestinal herniado.<br />
Fig. 3 – Secção transversal representando as localizações mais comuns<br />
da gordura justacava e <strong>de</strong> Morgagni, e <strong>hérnia</strong>s <strong>de</strong> Bochdalek e hiatal.<br />
Seta = gordura justacava; ver<strong>de</strong> = trígono lombar (forame <strong>de</strong> Bochdalek);<br />
rosa = hiato esofágico; amarelo = forame <strong>de</strong> Morgagni. (Modificado<br />
<strong>de</strong> Gaerte e cols. [6] ).<br />
Excluindo-se os pacientes com essa pentalogia, a<br />
sobrevida é <strong>de</strong> quase 100% [9] . Os adultos que têm sintomas<br />
(minoria) apresentam <strong>de</strong>sconforto e pressão no<br />
esterno inferior e epigástrio, e em algumas vezes, sintomas<br />
cardiorrespiratórios (infecções, dispnéia aos esforços)<br />
e gastrintestinais (vômitos, plenitu<strong>de</strong> pós-prandial)<br />
[10,11] .<br />
A conduta diagnóstica <strong>de</strong>ve ser direcionada nos<br />
achados radiográficos do tórax (póstero-anterior e perfil),<br />
<strong>de</strong>vido ao quadro clínico inespecífico ou ausente.<br />
Na radiografia em póstero-anterior po<strong>de</strong>m ser visualizadas<br />
alças (cólon, estômago) no tórax ou massa<br />
cheia <strong>de</strong> ar <strong>de</strong>ntro do mediastino anterior (fortemente<br />
indicativo <strong>de</strong> <strong>hérnia</strong> <strong>de</strong> Morgagni). Na radiografia em<br />
perfil i<strong>de</strong>ntifica-se opacida<strong>de</strong> bem <strong>de</strong>finida no ângulo<br />
cardiofrênico direito, homogênea (lobo acessório do<br />
fígado, por exemplo) ou heterogênea, <strong>de</strong>vido à presença<br />
<strong>de</strong> ar em alça intestinal [11] . Em casos <strong>de</strong> dúvida, po<strong>de</strong><br />
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se complementar o estudo com contraste (esôfago-estômago-duo<strong>de</strong>no<br />
ou enema opaco) [10] .<br />
A tomografia computadorizada e a ressonância<br />
magnética são ótimas ferramentas diagnósticas, com<br />
imagens nos planos sagital e coronal que <strong>de</strong>monstram<br />
os <strong>de</strong>feitos diafragmáticos e i<strong>de</strong>ntificam a natureza do<br />
conteúdo herniado. Cabe ressaltar, ainda, alguns diagnósticos<br />
diferenciais, como tumores da pleura, cisto pericárdico<br />
e coxim gorduroso pericárdico [6] .<br />
O tratamento é cirúrgico, <strong>de</strong> caráter eletivo e indicado<br />
mesmo nos pacientes assintomáticos, com o objetivo<br />
<strong>de</strong> evitar complicações, como <strong>hérnia</strong>s encarceradas<br />
e estrangulamento intestinal, além <strong>de</strong> tratar os sintomas,<br />
quando presentes. A cirurgia consiste na redução das<br />
vísceras, ressecamento do saco herniário (se houver), e<br />
fechamento do <strong>de</strong>feito mediante sutura da borda posterior<br />
do diafragma à lâmina posterior da bainha do músculo<br />
reto abdominal, <strong>de</strong>vido à ausência <strong>de</strong> diafragma anterior.<br />
A via mais indicada é a laparoscópica [10] , e a incisão<br />
é subcostal e paramediana. O pós-operatório é semelhante<br />
ao <strong>de</strong> qualquer paciente submetido a cirurgia<br />
abdominal extensa e, na maioria dos casos, recebese<br />
alta hospitalar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> seis a <strong>de</strong>z dias da cirurgia [12] .<br />
REFERÊNCIAS<br />
1. Galé ME. Anterior diaphragm: variations in the CT appearance.<br />
Radiology 1986;161:635–9.<br />
2. Gardner E, Gray DJ, O’Rahilly R. Anatomia. Estudo regional do<br />
corpo humano. 4ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RJ: Guanabara Koogan,<br />
1988;263–4.<br />
70<br />
3. Maksoud JG. Cirurgia pediátrica. 2ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RJ:<br />
Revinter, 2003;495.<br />
4. Way LW, Doherty GM. Cirurgia – diagnóstico e tratamento. 11ª<br />
ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2004;414–5.<br />
5. Berardinelli A. Doenças pulmonares. 3ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RJ:<br />
Guanabara Koogan, 1990;646.<br />
6. Gaerte SC, Meyer CA, Winer-Muram HT, Tarver RD, Conces DJ.<br />
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Issue):S61–S78.<br />
7. Bethlem N. Pneumologia. 4ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RJ: Atheneu,<br />
1995;922.<br />
8. Juhl JH, Crummy AB, Kuhlman JE. Interpretação radiológica.<br />
6ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 1996;873–4.<br />
9. Way LW, Doherty GM. Cirurgia – diagnóstico e tratamento. 11ª<br />
ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2004;1099–100.<br />
10. Murahovschi J. Pediatria – diagnóstico e tratamento. 6ª ed. São<br />
Paulo, SP: Sarvier, 2003;86.<br />
11. Fraser RS, Paré JAP. Diagnosis of diseases of the chest. Phila<strong>de</strong>lphia,<br />
London, Toronto: WB Saun<strong>de</strong>rs, 1970;1229–30.<br />
12. Pearson FG, Cooper JD, Deslauriers J, et al. Thoracic surgery. 2ª<br />
ed. New York, Edinburgh, London, Phila<strong>de</strong>lphia: Churchill<br />
Livingstone, 2002;1533–6.<br />
Abstract. Morgagni hernia: a case report.<br />
We present a rare case of congenital diaphragmatic hernia (Morgagni),<br />
in which the radiological findings had evi<strong>de</strong>nced a consolidation<br />
in right inferior hemithorax. The first diagnostic was pneumonia,<br />
however it did not have improvement with the treatment,<br />
and a computed tomography was ma<strong>de</strong> which suggested a pleural<br />
lipomatosis. However, the diagnosis was only carried through during<br />
the surgery. We make a revision on this clinical presentation,<br />
as well as its main imaging findings.<br />
Keywords: Diaphragmatic hernia; Morgagni; Thorax; Computed tomography.<br />
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