Edição 143 - Jornal Rascunho
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: : inquérito : : AnDRéA DEL FUEGO<br />
Dedicação<br />
incondicional<br />
Nascida em São Paulo, em 1975, Andréa del Fuego<br />
deseja — e necessita — escrever, sem possibilidade de<br />
negociação. Dessa dedicação vieram os livros de contos<br />
Minto enquanto posso (2004), Nego tudo (2005),<br />
Engano seu (2007) e Nego fogo (2009), além de dois títulos<br />
juvenis e um infantil. Aos nove meses de gravidez, a escritora<br />
aceitou se submeter a este Inquérito e falar sobre hábitos de<br />
leitura e de escrita. Aqui, com a permissão do pequeno Francisco<br />
José, a vencedora do Prêmio José Saramago com o romance Os<br />
Malaquias (2010) nega a existência de limites para a ficção e<br />
conta o que nunca entraria em sua literatura.<br />
• Quando se deu conta de que<br />
queria ser escritora?<br />
Quando selecionei os primeiros<br />
contos, mas nessa época não tinha<br />
idéia do que seria uma dedicação<br />
incondicional. Isso aconteceu mais<br />
tarde, com as boas decepções que<br />
colocam à prova a empáfia inicial.<br />
• Quais são suas manias e obsessões<br />
literárias?<br />
Ouvir inúmeras vezes uma mesma<br />
música até terminar o texto. Depois<br />
essa música se transforma em<br />
algo insuportável.<br />
• Que leitura é imprescindível<br />
no seu dia-a-dia?<br />
Faço graduação em Filosofia, essa<br />
área tomou boa parte da minha leitura.<br />
Por conta do romance que estou<br />
terminando, tenho lido Gaston<br />
Bachelard com muita sede.<br />
• Quais são as circunstâncias<br />
ideais para escrever?<br />
Pela manhã, bule de café ao lado,<br />
sem interferências externas.<br />
• Quais são as circunstâncias<br />
ideais de leitura?<br />
À noite, depois de tudo.<br />
• O que considera um dia de<br />
trabalho produtivo?<br />
Dia em que segui meus planos de<br />
escrita, ainda mais quando consigo<br />
conciliar burocracias do cotidiano<br />
sem perder o elo com o livro em<br />
questão.<br />
• O que lhe dá mais prazer no<br />
processo de escrita?<br />
As páginas já escritas.<br />
• Qual o maior inimigo de um<br />
escritor?<br />
Ele mesmo, em crises de insegurança<br />
e/ou segurança, ambas nocivas.<br />
• O que mais lhe incomoda no<br />
meio literário?<br />
O lado burocrático da coisa, o mercado<br />
e seu engenho são desestimulantes.<br />
• Um autor em quem se deveria<br />
prestar mais atenção.<br />
Os autores contemporâneos brasileiros,<br />
o cardápio é imenso.<br />
• Um livro imprescindível e<br />
um descartável.<br />
Imprescindível é Philip roth, descartável<br />
é a preguiça.<br />
• Que defeito é capaz de destruir<br />
ou comprometer um livro?<br />
Um narrador supostamente neutro<br />
que deixa vazar o autor. Nesse<br />
caso, essa voz torna-se um personagem<br />
que limita a perspectiva<br />
que a “neutralidade” daria. Óbvio<br />
que nada é certo, errado ou constante<br />
na literatura, isso também<br />
pode ser um grande estilo.<br />
• Que assunto nunca entraria<br />
em sua literatura?<br />
Política explícita.<br />
• Qual foi o canto mais inusitado<br />
de onde tirou inspiração?<br />
reza de senhoras devotas em Bom<br />
jesus da Lapa.<br />
• Quando a inspiração não<br />
vem...<br />
Escrevo do mesmo jeito.<br />
• O que é um bom leitor?<br />
Aquele que se entrega e abandona<br />
o livro, se for o caso. Ou seja, o leitor<br />
que não se violenta.<br />
• O que lhe dá medo?<br />
Morrer.<br />
• O que lhe faz feliz?<br />
Poder escrever.<br />
• Qual dúvida ou certeza guia<br />
seu trabalho?<br />
A dúvida, ela por si é um guia. No<br />
começo ela pode imobilizar, mas o<br />
passo seguinte sempre é mais firme.<br />
• Qual a sua maior preocupação<br />
ao escrever?<br />
Perceber que aquilo não está pronto,<br />
que farei pelo menos mais mil<br />
leituras e reescritas.<br />
• A literatura tem alguma obrigação?<br />
Nenhuma, ela é fruição pura por<br />
não carregar obrigação.<br />
• Qual o limite da ficção?<br />
Nenhum, a palavra se desdobra infinitamente<br />
na ficção.<br />
• O que lhe dá forças para escrever?<br />
março de 2012<br />
17<br />
Uma vontade imensa, sem negociação.<br />
• Se um ET aparecesse na sua<br />
frente e pedisse “leve-me ao seu<br />
líder”, a quem você o levaria?<br />
Ao espelho, já que o mistério do<br />
que “há lá fora” é o que nos guia de<br />
alguma forma.<br />
• O que você espera da eternidade?<br />
Que ela já esteja acontecendo.