Génese e mentores do antijesuitismo na Europa Moderna - LusoSofia

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✐ ✐ ✐ ✐ 22 José Eduardo Franco rosos e não menos expeditos em denegrir este instituto religioso. Os que começaram a não ver com bons olhos a afirmação fulgurante desta ordem nova, procuraram contraditar esta aura de profetismo filojesuítico, aparelhando o seu antídoto. Recolheram, reinterpretaram e acomodaram um conjunto que podemos designar de anti-profecias dos Jesuítas, isto é, profecias que desabonavam a acção presente e futura desta Ordem, descrevendo-a como altamente prejudicial e maléfica para a Igreja e para a humanidade. Estas anti-profecias chegam a constituir a própria ordem como sendo de natureza maligna e todo o seu desempenho apostólico e educativo como nefasto, como se se tratasse de um meio que o próprio mal dispunha para aceder ao interior da própria Igreja. Textos proféticos atribuídos a Santa Hildegarda, ao Bispo de Canárias, Melchior Cano, ao Arcebispo de Dublin, George de Bronswel, e ao próprio São Francisco de Borja, vão ser amplamente divulgados pelo movimento antijesuítico para fundamentar também com algum pendor sobrenatural a sua campanha contra os Jesuítas, como veremos mais concretamente quando abordarmos oportunamente o processo de sistematização do mito no quadro do regalismo português. Ao próprio Inácio de Loyola foi atribuída pela literatura antijesuítica uma profecia revelada numa experiência mística alegadamente tida em Manresa, na qual teria auferido a visão da futura degeneração da sua Ordem em relação ao seu fervor inicial, principalmente por causa do pecado da soberba e da politização de muitos dos seus membros. Estas prevaricações extremadas fariam decair a sua Companhia sem remédio possível 22 . 22 Ibidem, p. 25 e ss., e p. 49 e ss. Obviamente que as histórias da Companhia de Jesus desmentem estas visões proféticas divulgadas pelos críticos da Companhia. É posta em causa pelos historiadores jesuítas até mesmo as alegadas experiências que Santo Inácio teria gozado em Manresa. Cf. Antonio Astrain, Historia de la Compañía de Jesús en la asistencia de España, tomo I, Madrid, 1912, p. 39. Ao referir que vários autores acreditaram no retiro místico feito por Inácio em Manresa, onde o Senhor, entre outras coisas lhe teria revelado a fundação da Companhia e o seu percurso futuro de ascensão e queda, desacredita-os, defendendo que não existem “provas positivas que apoiem esta crença, e seguramente não devem existir, pois o www.clepul.eu ✐ ✐ ✐ ✐

✐ ✐ ✐ ✐ Génese e mentores do antijesuitismo na Europa Moderna 23 O anti-iniguismo precede o antijesuitismo A história das suspeitas, das queixas e da hostilidade real em relação à Companhia de Jesus, desde a sua fundação uterina explica-se, em certa medida, pela feição inovadora que ela assumiu em alguns aspectos enquanto ordem religiosa no seio da Igreja Católica, ousando ostentar um perfil adaptado às exigências do seu tempo através da criação de uma estrutura organizativa peculiar que procurava distanciar-se da estrutura pesada das ordens religiosas monacais e até das mendicantes, flexibilizando o seu corpus institucional de modo a torná-lo mais maleável e capaz de responder de forma mais rápida aos desafios emergentes da evangelização na modernidade. Por seu lado, a Companhia de Jesus introduziu uma metodologia de actuação pautada pelo valor da eficácia a toda a prova. Além do mais, os Jesuítas nasceram num tempo invulgarmente promissor, em que o homem libertava as amarras dos horizontes fechados abrindo-se de forma arrojada para novos céus e novos mundos a explorar. Revolucionava-se os espaços, as fronteiras, como também, ao mesmo tempo, se revolucionavam as ideias. Copérnico, Maquiavel, Erasmo tinham repensado a posição do homem no cosmos, na sociedade e na Igreja. Rabelais gritava “fazei o que quiserdes!”, cantando a nova era antropocêntrica, em que o homem era colocado no centro e empurrava Deus para o céu. Lucien Febvre avaliou que “rarement l’humanité eut plus net le sentiment de vivre les jours énivrants d’un printemps plein de promesses. Rarement elle eut tirer d’elle-même plus de projets enthousiastes, mêlés à plus de rêveries” 23 . santo não falou com ninguém sobre este retiro, segundo afirma o P. Polanco”. Entre os autores antijesuíticos que atestam a historicidade dessas revelações destaca-se Barriobero no Tratado de las cosas íntimas de la Compañía de Jesus. Mas em abono deste deve-se ter em conta também as obras de autores como Baldontín, Soriano e Pey Ordeix, Jesuítas y judios ante la República, Barcelona, 1932. 23 Lucien Febvre, Au coeur religieux du XVI e siècle, Paris, 1983, p. 91. www.lusosofia.net ✐ ✐ ✐ ✐

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22 José Eduar<strong>do</strong> Franco<br />

rosos e não menos expeditos em denegrir este instituto religioso.<br />

Os que começaram a não ver com bons olhos a afirmação fulgurante<br />

desta ordem nova, procuraram contraditar esta aura de profetismo<br />

filojesuítico, aparelhan<strong>do</strong> o seu antí<strong>do</strong>to. Recolheram, reinterpretaram<br />

e acomodaram um conjunto que podemos desig<strong>na</strong>r de anti-profecias<br />

<strong>do</strong>s Jesuítas, isto é, profecias que desabo<strong>na</strong>vam a acção presente e futura<br />

desta Ordem, descreven<strong>do</strong>-a como altamente prejudicial e maléfica<br />

para a Igreja e para a humanidade. Estas anti-profecias chegam a<br />

constituir a própria ordem como sen<strong>do</strong> de <strong>na</strong>tureza malig<strong>na</strong> e to<strong>do</strong> o<br />

seu desempenho apostólico e educativo como nefasto, como se se tratasse<br />

de um meio que o próprio mal dispunha para aceder ao interior<br />

da própria Igreja. Textos proféticos atribuí<strong>do</strong>s a Santa Hildegarda, ao<br />

Bispo de Canárias, Melchior Cano, ao Arcebispo de Dublin, George de<br />

Bronswel, e ao próprio São Francisco de Borja, vão ser amplamente divulga<strong>do</strong>s<br />

pelo movimento antijesuítico para fundamentar também com<br />

algum pen<strong>do</strong>r sobre<strong>na</strong>tural a sua campanha contra os Jesuítas, como veremos<br />

mais concretamente quan<strong>do</strong> abordarmos oportu<strong>na</strong>mente o processo<br />

de sistematização <strong>do</strong> mito no quadro <strong>do</strong> regalismo português.<br />

Ao próprio Inácio de Loyola foi atribuída pela literatura antijesuítica<br />

uma profecia revelada numa experiência mística alegadamente tida<br />

em Manresa, <strong>na</strong> qual teria auferi<strong>do</strong> a visão da futura degeneração da sua<br />

Ordem em relação ao seu fervor inicial, principalmente por causa <strong>do</strong><br />

peca<strong>do</strong> da soberba e da politização de muitos <strong>do</strong>s seus membros. Estas<br />

prevaricações extremadas fariam decair a sua Companhia sem remédio<br />

possível 22 .<br />

22 Ibidem, p. 25 e ss., e p. 49 e ss. Obviamente que as histórias da Companhia de<br />

Jesus desmentem estas visões proféticas divulgadas pelos críticos da Companhia. É<br />

posta em causa pelos historia<strong>do</strong>res jesuítas até mesmo as alegadas experiências que<br />

Santo Inácio teria goza<strong>do</strong> em Manresa. Cf. Antonio Astrain, Historia de la Compañía<br />

de Jesús en la asistencia de España, tomo I, Madrid, 1912, p. 39. Ao referir<br />

que vários autores acreditaram no retiro místico feito por Inácio em Manresa, onde<br />

o Senhor, entre outras coisas lhe teria revela<strong>do</strong> a fundação da Companhia e o seu<br />

percurso futuro de ascensão e queda, desacredita-os, defenden<strong>do</strong> que não existem<br />

“provas positivas que apoiem esta crença, e seguramente não devem existir, pois o<br />

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