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Pâncreas <strong>curto</strong> congênito, poliesplenia e trombose da veia porta / Baldisserotto M et al.<br />
Pâncreas <strong>curto</strong> congênito, poliesplenia<br />
e trombose da veia porta: associação<br />
ou achado casual?<br />
Relato de Caso<br />
Matteo Baldisserotto1 , Adriana Barcellos Peletti2 , Manoel Ângelo de Araújo2 , Ana Paula<br />
Cardoso Pertence2 , Marcelo Dourado Dora2 Descritores:<br />
Pâncreas <strong>curto</strong>; Poliesplenia; Trombose<br />
da veia porta.<br />
Recebido para publicação em 18/3/2005. Aceito,<br />
após revisão, em 14/7/2005.<br />
* Trabalho realizado no Hospital da Criança Conceição,<br />
Grupo Hospitalar Conceição – Ministério da<br />
Saúde, Porto Alegre, RS.<br />
1 MD, PhD, Hospital da Criança Conceição, Grupo<br />
Hospitalar Conceição.<br />
2<br />
MD, Hospital da Criança Conceição, Grupo Hospitalar<br />
Conceição.<br />
Correspondência: Dra. Adriana Barcellos Peletti.<br />
Rua Domingos Rubbo, 348, ap. 301. Porto Alegre,<br />
RS, 91040-000. E-mail: peletti@hotmail.com<br />
Resumo<br />
A síndrome de poliesplenia e <strong>pâncreas</strong> <strong>curto</strong> é considerada uma anomalia congênita rara, freqüentemente<br />
associada a malformações cardiovasculares e abdominais. Na literatura consultada não<br />
foram descritos casos desta síndrome associada à trombose da veia porta com transformação<br />
cavernomatosa da mesma. Neste estudo é apresentado o caso de um paciente com síndrome de<br />
poliesplenia, <strong>pâncreas</strong> <strong>curto</strong>, trombose da veia porta, sendo também observada má-rotação intestinal<br />
e interrupção da veia cava inferior com fluxo colateral para a veia ázigos. Enfatiza-se o papel<br />
dos métodos de imagem — trânsito intestinal, tomografia computadorizada e ecografia com Doppler<br />
em cores — no diagnóstico destas anomalias.<br />
Pâncreas <strong>curto</strong>, agenesia ou hipogenesia do <strong>pâncreas</strong> dorsal são condições raras<br />
que ocorrem isoladas ou, mais freqüentemente, como parte do espectro da síndrome<br />
de poliesplenia. Apesar de não encontrarmos na literatura revisada sua incidência<br />
e prevalência na população, esta síndrome é considerada uma anomalia congênita<br />
rara, comumente associada com outras malformações abdominais e cardíacas [1] .<br />
Em nosso estudo é relatado o caso de uma criança com <strong>pâncreas</strong> <strong>curto</strong>, múltiplas<br />
malformações e trombose da veia porta. Não foi encontrada menção sobre a<br />
associação desta síndrome com trombose da veia porta em nossa revisão da literatura.<br />
Este artigo também tem como objetivo descrever achados radiológicos, tomográficos<br />
e ecográficos com Doppler das múltiplas alterações desta síndrome.<br />
RELATO DO CASO<br />
Paciente do sexo feminino, oito anos de idade, admitida no Hospital da Criança<br />
Conceição com quadro clínico de dor abdominal vaga há um mês, principalmente<br />
periumbilical. No momento da internação apresentava, também, perda do apetite.<br />
Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, hidratada, com abdome indolor<br />
e sem sinais de irritação peritoneal.<br />
Os exames laboratoriais, que incluíram provas de função hepática, enzimas<br />
pancreáticas, hemograma e função renal, foram todos normais.<br />
Foi realizada ultra-sonografia abdominal em escala de cinza, que demonstrou<br />
ausência do corpo e cauda do <strong>pâncreas</strong>, poliesplenia e posição anormal da artéria<br />
e veia mesentérica superior, sugerindo má-rotação intestinal (Fig. 1). Foi feita seriografia<br />
do intestino delgado, que confirmou o diagnóstico de má-rotação intestinal<br />
(Fig. 2). À radiografia de tórax observou-se proeminência da veia ázigos (Fig. 3).<br />
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277
Baldisserotto M et al. / Pâncreas <strong>curto</strong> congênito, poliesplenia e trombose da veia porta<br />
A B<br />
Fig. 1 – (A) O exame ultra-sonográfico em escala de cinza no plano transversal demonstra a<br />
cabeça do <strong>pâncreas</strong> (setas) e ausência do corpo e cauda. (B) No plano coronal, múltiplos pequenos<br />
baços são observados adjacentes ao baço de tamanho normal.<br />
Fig. 3 – A radiografia de tórax em frontal demonstra aumento do calibre<br />
da veia ázigos (seta).<br />
A B<br />
278<br />
Fig. 2 – A radiografia tardia do exame contrastado<br />
seriado do intestino delgado demonstra<br />
alças de jejuno situado à direita da<br />
coluna vertebral.<br />
Devido ao conteúdo ecogênico da veia porta, foi<br />
realizada ecografia abdominal com Doppler em cores,<br />
que mostrou trombose da veia porta com transformação<br />
cavernomatosa (Fig. 4A) e recanalização distal dos<br />
ramos direito e esquerdo, que estavam pérvios. Demonstrou-se<br />
também interrupção do fluxo da veia cava inferior,<br />
com fluxo ascendente em continuação com a veia<br />
ázigos (Fig. 4B). Estas alterações também foram observadas<br />
por meio da tomografia computadorizada de abdome<br />
(Fig. 5).<br />
A ecocardiografia revelou hipertensão arterial pulmonar<br />
e leve aumento do ventrículo direito. O eletrocardiograma<br />
mostrou sobrecarga ventricular direita.<br />
Foi adotada conduta expectante em relação à doença<br />
de base, encontrada incidentalmente, e a paciente ficou<br />
assintomática. A dor cessou, após 48 horas, com o<br />
Fig. 4 – (A) O exame ecográfico com<br />
Doppler em cores demonstrou hiperecogenicidade<br />
e ausência de fluxo da<br />
veia porta (pontas de setas), com recanalização<br />
distal, ramos direito e esquerdo<br />
pérvios (setas). (B) O exame demonstrou,<br />
ainda, interrupção da veia<br />
cava inferior em seu terço proximal<br />
(setas menores), com fluxo ascendente<br />
via colateral realizado pela veia ázigos<br />
(seta maior).<br />
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A B<br />
uso de medicações sintomáticas. Atualmente, encontrase<br />
em acompanhamento ambulatorial nos serviços de<br />
gastroenterologia e cardiologia pediátrica da instituição.<br />
DISCUSSÃO<br />
O <strong>pâncreas</strong> desenvolve-se a partir de dois brotos<br />
separados — o broto ventral e o broto dorsal — que se<br />
fundem por volta da sétima semana de vida intra-uterina<br />
[1,2] . O broto ventral originará a cabeça e o processo<br />
uncinado do <strong>pâncreas</strong>, enquanto o broto dorsal originará<br />
o colo, o corpo e a cauda do <strong>pâncreas</strong> [2] . Além do<br />
<strong>pâncreas</strong> dorsal, o baço também tem origem no mesogástrio<br />
dorsal, explicando a associação freqüente de<br />
anomalias em ambos os órgãos.<br />
A síndrome de poliesplenia, além do <strong>pâncreas</strong> <strong>curto</strong>,<br />
pode abranger várias outras manifestações, que incluem:<br />
situs inversus parcial, veia porta pré-duodenal, veia cava<br />
inferior duplicada ou interrompida em continuação<br />
com a veia ázigos/hemiázigos, má-rotação intestinal,<br />
lobulação hepática simétrica, anomalias da vesícula biliar,<br />
atresia biliar, pulmões bilobados, anomalias geniturinárias<br />
como agenesia ou hipoplasia renal e duplicação<br />
ureteral [3,4] .<br />
Os múltiplos baços podem estar localizados do lado<br />
esquerdo ou direito do abdome, mas geralmente encontram-se<br />
ao longo da grande curvatura do estômago. O<br />
estômago e o fígado podem situar-se à esquerda, à direita<br />
ou na linha média. Atresia e estenose duodenal<br />
também são relatados. A aorta e a veia cava inferior<br />
podem estar localizadas do mesmo lado da linha média<br />
ou em lados opostos, tanto na posição habitual quanto<br />
inversa [2,3] .<br />
Pâncreas <strong>curto</strong> congênito, poliesplenia e trombose da veia porta / Baldisserotto M et al.<br />
Fig. 5 – (A) Tomografia computadorizada de abdome com contraste confirmou <strong>pâncreas</strong> <strong>curto</strong> consistindo somente de cabeça (pontas de<br />
setas pretas), com ausência do corpo e cauda. Veia esplênica dilatada (setas brancas). (B) O exame confirmou o aumento do calibre da veia<br />
ázigos proeminente (seta) e ausência do segmento hepático da veia cava inferior (asterisco).<br />
A má-rotação intestinal geralmente é assintomática<br />
e pode ser descoberta apenas incidentalmente. O exame<br />
seriado do intestino delgado demonstra alças localizadas<br />
inteiramente à direita [5] . Na ecografia em escala de<br />
cinza pode ser observada inversão na posição da artéria<br />
e veia mesentérica superior, nestes casos a veia situando-se<br />
à direta da artéria [6] .<br />
A maioria dos pacientes com poliesplenia tem anomalias<br />
cardíacas graves, com alta taxa de mortalidade [4] .<br />
Cerca de 5% a 10% desses pacientes apresentam coração<br />
normal ou somente defeitos cardíacos menores,<br />
como pequenos defeitos do septo interventricular, e<br />
chegam à idade adulta assintomáticos [4] . Entre as anomalias<br />
cardiovasculares podemos citar: veia cava superior<br />
bilateral, defeitos de septo atrial ou ventricular, arco<br />
aórtico à direita, transposição dos grandes vasos, estenose<br />
da válvula pulmonar, estenose subaórtica, câmara<br />
atrial ou ventricular única, tronco arterioso, drenagem<br />
venosa pulmonar anômala total [2,3] . Cerca de 50% dos<br />
pacientes evoluem para óbito nos primeiros seis meses<br />
de vida, em decorrência das alterações cardíacas [7] .<br />
Em uma revisão realizada com 23 pacientes adultos<br />
com síndrome de poliesplenia, a continuação da veia<br />
ázigos ou hemiázigos com a veia cava inferior associada<br />
à ausência do segmento hepático da veia cava inferior<br />
foi a segunda anomalia mais freqüente, sendo somente<br />
menos prevalente que o achado de múltiplos baços. A<br />
continuação da veia ázigos com a veia cava inferior é<br />
causa comum de aumento da veia ázigos, que resulta em<br />
aumento do fluxo sanguíneo [4] . Com relação às malformações<br />
vasculares, a interrupção da veia cava inferior<br />
em continuação com a veia ázigos/hemiazigos é vista<br />
quase invariavelmente associada a esta síndrome [8,9] .<br />
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Baldisserotto M et al. / Pâncreas <strong>curto</strong> congênito, poliesplenia e trombose da veia porta<br />
Embora existam vários relatos sobre a síndrome de<br />
poliesplenia e as possíveis anomalias citadas, não há<br />
relato na literatura de associação com trombose da veia<br />
porta. O caso que ora relatamos apresenta <strong>pâncreas</strong><br />
<strong>curto</strong>, poliesplenia, má-rotação intestinal e trombose da<br />
veia porta com transformação cavernomatosa. Não foi<br />
possível determinar a etiopatogenia da trombose da veia<br />
porta, pois a paciente não possuía qualquer fator de<br />
risco para trombose portal.<br />
Muitas são as causas de trombose da veia porta,<br />
todavia, em até 50% sua etiologia é desconhecida [10,11] .<br />
Quando ocorre na infância, a veia porta se transforma<br />
em um cordão fibroso, de difícil reconhecimento, e é<br />
substituída por numerosas veias colaterais por onde<br />
circula o sangue em sentido centrípeto — é a transformação<br />
cavernomatosa [10,11] . Os achados ecográficos da<br />
transformação cavernomatosa da veia porta incluem a<br />
presença de múltiplos vasos tortuosos no hilo hepático<br />
e a ausência de visualização da veia porta principal. A<br />
forma de onda Doppler pulsada mostra fluxo venoso<br />
não-pulsátil anterógrado ou bidirecional. A sensibilidade<br />
ultra-sonográfica no diagnóstico da transformação<br />
cavernomatosa é de praticamente 100% [12,13] . Ao<br />
exame tomográfico computadorizado, em imagens obtidas<br />
após a utilização de contraste endovenoso, constata-se<br />
ausência de realce da veia porta central, geralmente<br />
com realce periférico devido ao fluxo através dos<br />
vasa vasorum dilatados [14] .<br />
Concluindo, serão necessários estudos com novos<br />
casos para saber se a ocorrência de um caso de trombose<br />
da veia porta com síndrome de poliesplenia foi casual<br />
ou pode corresponder a uma nova associação presente<br />
nesta síndrome. Por isso, sugere-se incluir a investigação<br />
por Doppler em cores da circulação portal dos<br />
pacientes com esta síndrome, sendo este também importante<br />
para avaliação de outras malformações vasculares<br />
associadas, como a continuação da veia ázigos com a veia<br />
cava inferior.<br />
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Abstract. Congenital short pancreas, polysplenia, and portal vein thrombosis:<br />
an association or a chance finding?<br />
Polysplenia syndrome with short pancreas is a rare congenital<br />
anomaly usually associated with cardiovascular and abdominal<br />
malformations. We describe a patient with this syndrome associated<br />
with portal vein thrombosis and cavernous transformation, an<br />
association that has not been reported before. This patient also<br />
had intestinal malrotation and interruption of the inferior vena cava<br />
with azygous continuation. Special attention is drawn to the role<br />
of imaging studies — bowel transit, computed tomography and<br />
color Doppler sonography — in the diagnosis of these anomalies.<br />
Keywords: Short pancreas; Polysplenia; Portal vein thrombosis.<br />
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