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J. Herculano Pires - Portal Luz Espírita

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75 – O ESPÍRITO E O TEMPO<br />

A timidez de Erasmo, os seus excessos de prudência, não lhe haviam<br />

deixado perceber o sentido profundo das próprias palavras evangélicas, atribuídas ao<br />

Cristo: “Não julgueis que vim trazer paz à terra; não vim trazer­lhe a paz, mas a<br />

espada”. (Mateus, 10:34.) Ou ainda: “Eu vim trazer fogo à terra, e que mais quero,<br />

senão que ele sé acenda?” (Lucas, 12:49) A mesma espada que dividiu os judeus na<br />

era apostólica, a partir da pregação do Cristo, o mesmo fogo que lavrou no seio do<br />

Judaísmo, devastando a sua unidade apática, haviam também de dividir os cristãos e<br />

calcinar o dogmatismo fideísta da nova estagnação religiosa. A “religião estática”<br />

cederia lugar aos impulsos revitalizadores da “religião dinâmica”; desse “élan vital”<br />

que teria de romper as estruturas materiais, para que a “religião em espírito e<br />

verdade” pudesse triunfar dos formalismos dominantes. Lutero sentira<br />

profundamente essa verdade; embora ainda não pudesse compreendê­la em<br />

plenitude. Erasmo a compreendeu, mas não a sentiu com a intensidade suficiente<br />

para impulsioná­lo à ação. Esse desajuste, entretanto, era necessário ao<br />

desenvolvimento do processo histórico, que não poderia prescindir das fases que<br />

caracterizam o desenrolar da história.<br />

A revolução luterana consolidou­se com o código de vinte e oito artigos da<br />

Confissão de Augsburg, elaborado por Melanchton, e expandiu­se rapidamente pela<br />

Alemanha e os países nórdicos, tornando­se religião estatal. Lutero pretendia<br />

substituir os símbolos medievais pela verdade evangélica, substituir o aparelhamento<br />

do culto pela presença do Cristo. Era um impulso decisivo de volta às origens<br />

cristãs. Mas as próprias circunstâncias apresentavam obstáculos diversos a esse<br />

retorno ideal. O luteranismo não conseguiu abolir completamente a simbólica<br />

religiosa do catolicismo­romano e terminou adaptando uma parte da mesma.<br />

Conservou os três sacramentos que considerava fundamentais: batismo, a comunhão<br />

e a penitência, e manteve a organização sacerdotal. Mas o mais curioso da Reforma<br />

foi a substituição de uma idolatria por outra. Em lugar dos ídolos, das relíquias, do<br />

instrumental variado do culto, do dogmatismo dos concílios e da autoridade papal, o<br />

luteranismo consagrou a idolatria da letra, a infalibilidade dos textos sagrados.<br />

Paulo, o apóstolo, já havia ensinado que a letra mata e somente o espírito<br />

vivifica. Mas também a liberdade subitamente conquistada pode matar. Livrando­se<br />

do peso morto dos ídolos materiais que atravancam a religião medieval, os<br />

reformadores da Renascença deviam apegar­se forçosamente a alguma coisa. Essa<br />

nova base, sobre a qual deviam firmar­se para prosseguir na luta, foi a “Palavra de<br />

Deus”, consubstanciada nos textos da Escritura. A Reforma estabeleceu o império<br />

do literalismo, o domínio da letra. Jamais Cristianismo europeu fizera tanto jus à<br />

denominação de “religião do livro”, que os maometanos lhe haviam dado. Nos<br />

templos reformados, a Bíblia substituiu a imagem. É fácil compreendermos que um<br />

grande passo estava dado, pois libertar a letra era a medida indispensável para<br />

conseguir­se a libertação do espírito, nela encerrado.

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