J. Herculano Pires - Portal Luz Espírita
J. Herculano Pires - Portal Luz Espírita
J. Herculano Pires - Portal Luz Espírita
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
74 – J. <strong>Herculano</strong> <strong>Pires</strong><br />
reformador suíço, que vale a pena repetir. Erasmo foi comparado a Ulisses, o<br />
prudente, que somente o acaso arrastara para a luta, e que logo voltara para o seu<br />
mundo contemplativo, na ilha de Ítaca. Lutero, pelo contrário, era Ajax, o guerreiro<br />
que carregava a guerra no próprio sangue. Apesar das diferenças, entretanto, cada<br />
qual desempenhou o seu papel no drama histórico. A força serena do pensamento de<br />
Erasmo abriu caminho, e construiu o clima de segurança indispensável ao ímpeto<br />
revolucionário de Lutero.<br />
Esses dois homens encarnaram a luta contra os símbolos. Erasmo atacou<br />
serenamente, e seu pensamento se infiltrou de maneira dissolvente nos arcabouços<br />
religiosos, minandoos pela base. Lutero desfechou os golpes decisivos, para que a<br />
ruptura se verificasse. Depois, nas fendas abertas, surgiram os colaboradores da<br />
grande obra reformista. Muitos deles não estavam, como Calvino, à altura dos ideais<br />
libertadores. Mas nem por isso deixaram de contribuir vigorosamente para a<br />
derrocada necessária. A liquidação dos hereges pela violência, como acontecera<br />
anteriormente com os albigenses, os valdenses e os hussistas, já não era mais<br />
possível. A autoridade intelectual e moral de Erasmo, de um lado, e o apoio político<br />
dado a Lutero, de outro lado, conjugados com as condições da época, permitiam ao<br />
movimento da Reforma o seu pleno desenvolvimento.<br />
Zweig lembra, no seu livro, um episódio que nos mostra a perfeita<br />
conjugação de esforços entre Erasmo e Lutero, não obstante as divergências que os<br />
separavam. Nas vésperas da reunião da Dieta em Worms, Frederico da Saxônia, que<br />
protegia Lutero mas tinha dúvidas quanto à legitimidade de sua luta, interpelou<br />
Erasmo a respeito. O encontro do príncipe com o humanista verificouse em<br />
Colônia, a 5 de novembro de 1520. Erasmo respondeu honestamente que “o mundo<br />
suspirava pelo verdadeiro Evangelho”, e que não se devia negar a Lutero o direito de<br />
defender as suas teses. Nesse momento, como assinala Zweig, o destino de Lutero<br />
dependia da palavra de Erasmo. E esta não lhe faltou. Os dois lutadores, que nem<br />
sequer chegaram a se conhecer pessoalmente, e apesar de tão diversos quanto ao<br />
temperamento e às posições assumidas, marcharam juntos na luta contra os<br />
símbolos, forçados pelas contingências históricas. Prepararam juntos o terreno, para<br />
o advento do Espiritismo.<br />
3 – Fragmentação da igreja<br />
A partir da rebelião luterana, os arcabouços religiosos medievais cederam<br />
ao impacto do espírito renovador. A Igreja fragmentouse. Rompidos os arcabouços,<br />
o edifício gigantesco ameaçou ruir. Aquilo que Erasmo temia, verificouse de<br />
maneira inapelável. Durante séculos, o mundo não gozaria mais da unidade<br />
religiosa, e consequentemente, da pax romana da Idade Média.