J. Herculano Pires - Portal Luz Espírita
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63 – O ESPÍRITO E O TEMPO<br />
adverte à mulher samaritana que Deus devia ser adorado, não através de fórmulas<br />
exteriores, em locais considerados sagrados, mas “em espírito e verdade”.<br />
Quando observamos o fenômeno do aparecimento e da propagação do<br />
Cristianismo, primeiramente ria Palestina, e depois no mundo, verificamos que se<br />
tratava de uma verdadeira revolução. Mas a característica dessa revolução é<br />
precisamente o apelo à razão. O Cristianismo exigia das criaturas o uso desse poder<br />
misterioso do raciocínio, que as fazia senhoras de si mesmas, responsáveis pelos<br />
seus atos. Contra a autoridade das Escrituras e dos Rabinos, bem como da própria<br />
tradição, Jesus proclamava a soberania da consciência. Limpar o vaso por dentro, e<br />
não apenas por fora; servirse do sábado, em vez de escravizarse a ele; orar<br />
conscientemente, sabendo que Deus, sendo Pai, não dá pedra a quem lhe pede pão,<br />
nem cobra a quem lhe pede peixe.<br />
Os homens ainda não estão preparados para compreender todos os<br />
princípios dessa revolução. Continuarão apegados, por muito tempo, aos velhos<br />
moldes autoritários, subjugados pelos antigos preceitos. Mas o fermento está<br />
lançado na medida de farinha, e inevitavelmente a fará levedar. Os próprios<br />
apóstolos não assimilarão suficientemente as lições do Mestre. Procurarão ajustar o<br />
Cristianismo aos velhos moldes judaicos, retêlo nas sinagogas, prendêlo ao<br />
Templo de Jerusalém. Pedro, o velho pescador, não admitirá cristão que não se<br />
submeta a ser circuncidado. Mas Jesus conhece um homem que amadureceu o<br />
suficiente para fazer prevalecer a razão sobre o costume, o uso, a tradição. Esse<br />
homem é Paulo de Tarso, que promoverá no Cristianismo nascente o movimento<br />
vivo de repulsa ao predomínio do passado. A reforma grega do Orfismo pelo<br />
Pitagorismo, a reforma indiana do Hinduísmo pelo Budismo, a reforma chinesa do<br />
Taoísmo pelo Confucionismo, e a reforma síria do Judaísmo pelo Cristianismo, eis<br />
os grandes eventos históricos que assinalam o advento mundial, no horizonte<br />
profético, da era da razão.<br />
Pitágoras é o primeiro a ensaiar, na Grécia do século sexto, e no mundo<br />
inteiro, a união do pensamento místico ao racional. E a partir dos pitagóricos, o<br />
grande drama da evolução humana, durante milênios, se desenvolverá nesse plano: a<br />
luta pela racionalização da fé. A crença pela crença, a fé pela fé, a obrigação e a<br />
necessidade de aceitar a tradição, como verdade absoluta, acabada e perfeita, são<br />
característicos dos horizontes primitivos, das fases de predomínio do instinto e do<br />
sentimento. Na proporção em que a razão se desenvolve, em que o homem aprende a<br />
pensar e a julgar, a fé cega, tradicional, já não pode satisfazêlo. A fórmula<br />
comodista: “Creio porque creio”, exigirá um substituto dinâmico e fecundo: “Creio<br />
porque sei”. O horizonte profético se encerra com o predomínio da razão. Ao<br />
contrário do que se costuma dizer, a razão não aparece como exclusivamente grega,<br />
não obstante a contribuição da Grécia seja a mais decisiva para o seu<br />
desenvolvimento.