J. Herculano Pires - Portal Luz Espírita
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3 – Os Mitos Agrários<br />
28 – J. <strong>Herculano</strong> <strong>Pires</strong><br />
A vida agrária, como já acentuamos, marcou profundamente o espírito<br />
humano, em seu desenvolvimento, nos rumos da civilização. Os mitos do horizonte<br />
agrícola exercem ainda poderosa influência em nosso mundo. Isso contribui para o<br />
descrédito das religiões, em face dos estudiosos de história, e mais ainda, dos que<br />
tratam de mitologia.<br />
Osíris, por exemplo, como típico deus agrário, parece constituir uma prova<br />
das origens míticas do dogma da ressurreição. Quando os cristãos proclamam a<br />
ressurreição de Cristo, os estudiosos sorriem com desdém, lembrando a ressurreição<br />
de Osíris. Vejamos porque. Osíris, filho da Terra e do Céu, cresce, viceja, esplende,<br />
e então é ceifado, retalhado ou moído, e por fim enterrado. Mas da terra, como as<br />
sementes, Osíris renasce, para começar novo ciclo, semelhante ao anterior. Morto e<br />
espostejado por Set, seu irmão, é ressuscitado por sua esposa e irmã, a deusa Ísis,<br />
através de ritos especiais. Está bem visível a analogia agrária. Osíris é como o trigo,<br />
que depois da ceifa sofre a debulha, volta a ser enterrado na semeadura, e por fim<br />
renasce. Às vezes, associado ao Nilo, é um deus fluvial. Cresce com a inundação,<br />
declina e morre na vazante, mas depois ressuscita e faz nascerem as plantas, com o<br />
poder mágico das águas. Osíris, deusfluvial, está naturalmente ligado ao cultivo da<br />
terra. No seu aspecto fluvial, porém, apresentanos um elemento novo, que é a<br />
magia da água. Vemos nele a “água pura”, que serve para purificar a terra seca,<br />
estéril, poeirenta, e com ela os homens e os animais; a “água da renovação”, usada<br />
largamente nas abluções sagradas e utilizada nas formas batismais, como no caso<br />
clássico de João Batista; e, por fim, a “água fecundante”, que representa a virilidade<br />
do deusfluvial, fecundando a terra. Por isso, na sua mais alta expressão mitológica,<br />
o Nilo flui das mãos de Osíris, para se derramar como uma bênção sobre a terra<br />
árida. “Deusagrário, — diz John Murphy — deus da inundação e de uma vida nova,<br />
a todos levava a esperança da ressurreição”. Essa esperança mantinha o prestígio do<br />
deus. Assim como ele morrera para ressuscitar, através dos ritos agrários de Ísis,<br />
assim também os homens, uma vez submetidos a ritos semelhantes, ressuscitavam.<br />
Essa crença ingênua faz lembrar o dogma cristão, nas palavras do apóstolo<br />
Paulo: “Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou”. (I.<br />
Coríntios, 15:12.) O sentido osírico da ressurreição cristã tomase mais evidente,<br />
quando os ritos agrários são exigidos para que a alma se salve, ou seja, para que<br />
realmente possa ressuscitar. Por outro lado, há um paralelismo histórico bastante<br />
comprometedor. Osíris, graças à ressurreição, mostrouse capaz de superar os outros<br />
deuses egípcios, da mesma maneira por que, mais tarde, graças à ressurreição, o<br />
Cristianismo superaria as demais religiões orientais que invadiram o Império<br />
Romano. O dogmatismo religioso não consegue furtarse ao impacto dessas