J. Herculano Pires - Portal Luz Espírita
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131 – O ESPÍRITO E O TEMPO<br />
segundo a sua própria determinação. Existe, pois, uma dialética do determinismo,<br />
que é ao mesmo tempo a dialética da liberdade. Podemos colocar assim o problema:<br />
há um determinismo subjetivo, que é o da vontade do homem, e um determinismo<br />
objetivo, que é o das condições de sua própria existência. Da oposição constante<br />
dessas duas vontades, a do homem e a das coisas, resulta a liberdaderelativa da sua<br />
possibilidade de opção e ação. O item 844 de O LIVRO DOS ESPÍRITOS nos propõe<br />
essa tese de maneira simples, ao tratar do desenvolvimento infantil: “Nas primeiras<br />
fases da vida a liberdade é quase nula; ela se desenvolve e muda de objeto com as<br />
faculdades. Estando os pensamentos da criança em relação com as necessidades da<br />
sua idade, ela aplica o seu livrearbítrio às coisas que lhe são necessárias”. Isso nos<br />
mostra que o homem não amadurece como o fruto, mas como espírito. Na proporção<br />
em que a criança amadurece, ela deixa de ser criança, para tornarse adulto. Assim, o<br />
homem, na proporção em que amadurece, deixa de ser homem — essa criatura<br />
humana, contraditória e falível, enleada nas ilusões da vida física — para tornarse<br />
Espírito. A morte, em vez de ser a frustração do existencialismo sartreano, ou o fim<br />
da vida, ou ainda o momento de mergulhar no desconhecido, de toda a tradição<br />
religiosa, apresentase como o momento de maturação e de alforria. Morrer, como o<br />
disse Victor Hugo, não é morrer, mas simplesmente mudarse. A mudança do<br />
homem, entretanto, não é completa. Ele não deixa de ser o que é. Sua essência<br />
permanece a mesma. Perdendo a condição existencial terrena, ele passa<br />
imediatamente para a condição existencial psíquica. Nessa outra condição, terá de<br />
enfrentar o mesmo processo de oposição dialética: de um lado, o determinismo<br />
subjetivo da sua vontade, do seu próprio querer; de outro, o determinismo objetivo<br />
das circunstâncias. Nestas circunstâncias, porém, avultam as consequências de seus<br />
atos na vida física. O que ele fez, a maneira por que pensou, quis, sentiu e agiu, toda<br />
a trama das suas próprias ações, agora o enleia.<br />
Como se vê, sua liberdade ampliouse, pois é ele quem agora se limita no<br />
exterior. As circunstâncias em que se encontra foram determinadas pela sua própria<br />
vontade. Isso lhe desperta a compreensão de sua capacidade de agir, e<br />
consequentemente de sua responsabilidade. É então que ele deseja voltar à<br />
existência física, ao mundo em que gerou o seu próprio mundo espiritual, a fim de<br />
reformar a sua obra. E já então, ao voltar, aqui mesmo, no mundo material, ele não<br />
vem enfrentar apenas a vontade estranha das coisas, mas também a sua própria<br />
vontade, representada nas circunstâncias de uma vida apropriada às necessidades do<br />
seu posterior, desenvolvimento. É assim que, pouco a pouco, o livrearbítrio supera<br />
o determinismo. A liberdade de se determinar a si próprio confere ao homem o<br />
poder de criar. Ele cria o seu próprio mundo, as suas formas de vida, o seu destino.<br />
A princípio, o faz de maneira quase inconsciente, como a criança que se queima na<br />
chama da vela, por querer pegála. Mas, depois, as experiências o acordam para a<br />
plenitude consciencial de que ele deve desfrutar, segundo o seu destino natural.