J. Herculano Pires - Portal Luz Espírita
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109 – O ESPÍRITO E O TEMPO<br />
Os que, fora do Espiritismo, condenam o que costumam chamar de<br />
duplicidade científicoreligiosa, ou lhe negam a natureza filosófica, estão agindo de<br />
máfé, muitas vezes na defesa de interesses próprios, sectários ou profissionais, ou<br />
revelam ignorar o processo do conhecimento, sua diversidade dialética no plano da<br />
análise ou da razão, e sua unidade sintética no momento vital da fusão afetiva.<br />
Tomando para exemplo uma expressão kantiana, podemos esclarecer melhor o<br />
assunto ao dizer que o homem precisa: primeiro, conhecer, para depois agir. O<br />
selvagem que derruba uma árvore e faz uma canoa, antes de qualquer coisa tomou<br />
conhecimento do meio físico em que vive, conheceu a árvore e sua natureza,<br />
conheceu o rio e sua natureza, conheceu a sua própria natureza de homem, o que lhe<br />
permitiu agir. Mas, no momentomesmo da ação, ao abater o tronco e trabalhálo, o<br />
selvagem estabelece uma relação profunda e afetiva entre ele e o objeto que modela.<br />
É essa a reciprocidade dialética vista por Hegel e sistematizada por Marx em sua<br />
teoria do valor. Modificando o mundo, o homem se modifica; aperfeiçoando o<br />
mundo, ele próprio se aperfeiçoa. O momento exato da modificação, do<br />
aperfeiçoamento, é também o da síntese afetiva, o da religião. Por isso, as religiões<br />
primitivas se caracterizam pelo “fazer”, se representam pelo “feito”, pelo fetiche. E<br />
ainda por isso o relativismocrítico entende que a síntese afetiva ou religiosa é de<br />
natureza estética, é uma síntese estética. Embora desenvolvendose “livre do espírito<br />
de sistema”, como queria Kardec, a Filosofia <strong>Espírita</strong> se enquadra necessariamente<br />
nas exigências fundamentais da consciência e procede na linha dessas exigências.<br />
Seu fundamento, portanto, constituise dos dados da experiência, elaborados numa<br />
representação teórica. Sua estrutura resulta dos dados da ação, elaborados na<br />
representação prática das normas de conduta e atividade, dos princípios que levam,<br />
como acentua Kardec, às consequências morais. Sua realização, porém, encontrase<br />
na fusão do saber e da ação, nesse momento vital em que o Espiritismo exige todo o<br />
ser do adepto e o absorve numa síntese afetiva, emocional, em que razão e<br />
sentimento, mente e coração, alma e corpo, consciência e mundo, se unificam, numa<br />
expressão de religião cósmica, universal, e por isso mesmo, de religião “em espírito<br />
e verdade”.<br />
Eis aqui uma das razões porque o Espiritismo, segundo a afirmação de<br />
Kardec em A GÊNESE, não podia constituirse em doutrina antes do<br />
desenvolvimento das ciências. Não podia surgir, aparecer no mundo, oferecerse à<br />
compreensão dos homens. Os dados da Ciência — com “c” maiúsculo, como<br />
entidade que abrange a variedade dos campos e objetos científicos — eram<br />
indispensáveis ao conhecimento do mundo e da vida, e portanto à elaboração de uma<br />
representação teórica capaz de fundirse com a representação prática da experiência<br />
vital.<br />
Porque o homem vive antes de conhecer e compreender, e por isso mesmo<br />
a sua experiência vital, desenvolvendose, criou uma distância e um desajuste entre a