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a gestão dos tribunais: um olhar sobre a experiência das comarcas ...

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A GESTÃO NOS TRIBUNAIS<br />

Um <strong>olhar</strong> <strong>sobre</strong> a <strong>experiência</strong><br />

<strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto<br />

Boaventura de Sousa Santos<br />

Director Científico<br />

Conceição Gomes (coord.)<br />

Élida Santos<br />

Marina Henriques<br />

Diana Fernandes<br />

Tiago Ribeiro<br />

Março 2010


Relatório em realização do contrato de prestação de serviços celebrado entre o<br />

Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais/Observatório Permanente da Justiça Portuguesa e a<br />

Direcção-Geral de Administração da Justiça.<br />

Boaventura de Sousa Santos<br />

Director Científico<br />

Consultores<br />

Conceição Gomes (coord.)<br />

Élida Santos<br />

Marina Henriques<br />

Diana Fernandes<br />

Tiago Ribeiro<br />

Daniel Costa – Administrador Judiciário da Comarca Grande Lisboa-Noroeste<br />

José Morais – Especialista em controlo de <strong>gestão</strong> e engenharia de qualidade<br />

José Mouraz Lopes – Juiz Desembargador<br />

Luís Azevedo Mendes – Juiz Desembargador<br />

Margarida Mano – Professora da FEUC<br />

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS<br />

UNIVERSIDADE DE COIMBRA<br />

MARÇO 2010


ÍNDICE<br />

1 Introdução geral ....................................................................................................... 16<br />

Nota metodológica .................................................................................................. 24<br />

2 Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas ..................... 30<br />

Introdução ............................................................................................................... 30<br />

2.1 As abordagens clássicas................................................................................... 31<br />

2.2 O modelo burocrático e a modernidade organizacional ..................................... 33<br />

2.3 A perda da centralidade do modelo burocrático e a emergência de novos<br />

paradigmas ............................................................................................................. 37<br />

2.3.1 Da escola <strong>das</strong> relações h<strong>um</strong>anas às abordagens manageriais .................. 37<br />

2.4 As teorias manageriais ...................................................................................... 39<br />

2.5 O conceito de governação e as novas abordagens organizacionais ................. 42<br />

2.6 Dos conceitos de qualidade e de excelência: breve abordagem ....................... 49<br />

3 Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong> medi<strong>das</strong> gestionárias:<br />

da qualidade à excelência .......................................................................................... 56<br />

3.1 A qualidade no judiciário: a discussão em torno de alg<strong>um</strong>as componentes ...... 60<br />

3.2 Da qualidade à excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> ........................................................... 67<br />

4 A nova secretaria judicial em Espanha .................................................................... 74<br />

4.1 Breve contextualização da reforma ................................................................... 76<br />

4.2 O novo modelo de secretaria judicial: principais características ........................ 79<br />

4.2.1 Estrutura da nova secretaria judicial ........................................................... 80<br />

4.3 Recursos h<strong>um</strong>anos ........................................................................................... 86<br />

4.3.1 Os funcionários judiciais ............................................................................. 90<br />

4.4 Alguns problemas ............................................................................................. 92<br />

5 A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

................................................................................................................................... 96<br />

5.1 A preparação da reforma .................................................................................. 98


5.2 A governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>: entre a centralização e a proximidade ................ 103<br />

5.3 As potencialidades da nova lei de organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>: <strong>gestão</strong><br />

integrada e de proximidade ................................................................................... 119<br />

5.4 O novo modelo de <strong>gestão</strong> e os desafios da diversidade organizacional .......... 124<br />

5.5 Dinâmicas de governação no âmbito da articulação de competências entre as<br />

diversas entidades ................................................................................................ 137<br />

5.5.1. Gestão de recursos h<strong>um</strong>anos.................................................................. 138<br />

5.5.2 Gestão financeira ..................................................................................... 151<br />

5.5.3 Gestão do património e <strong>das</strong> infra-estruturas ............................................. 156<br />

5.5.4 Gestão da informação .............................................................................. 160<br />

6 Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho ..................... 168<br />

6.1 O impacto do modelo de <strong>gestão</strong> da nova LOFTJ nas rotinas e méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> ............................................................................................ 169<br />

6.2 Instr<strong>um</strong>entos de <strong>gestão</strong> ................................................................................... 176<br />

6.3 Rupturas e continuidades nas rotinas de funcionamento do sistema .............. 178<br />

7 Conclusões e Recomendações ............................................................................. 194<br />

7.1 Conclusões ..................................................................................................... 194<br />

7.2 Recomendações principais ............................................................................. 215<br />

Recomendações gerais relativas à reforma do mapa e da organização judiciária . 217<br />

Recomendações que visam criar capacitação gestionária ao nível do tribunal de<br />

comarca ................................................................................................................ 222<br />

Recomendações no âmbito da <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos ............................... 225<br />

Recomendações no âmbito da informatização ...................................................... 229<br />

Recomendações no âmbito da organização interna e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho ... 232<br />

8 Referências bibliográficas ...................................................................................... 240<br />

Anexo<br />

Seminário “Para <strong>um</strong> novo judiciário: transformações na organização interna e nos<br />

méto<strong>dos</strong> de trabalho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>” ........................................................................... 249


LISTA DE ACRÓNIMOS<br />

AIJA – Australian Institute of Judicial<br />

Administration<br />

APM – Associação Profissional da<br />

Magistratura<br />

CEPEJ – Comissão Europeia para a<br />

Eficiência da Justiça<br />

CES – Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais<br />

CFFJ – Centro de Formação <strong>dos</strong><br />

Funcionários de Justiça<br />

CGPJ – Conselho Geral do Poder Judicial<br />

COJ – Conselho <strong>dos</strong> Oficiais de Justiça<br />

CQI – Continuous Quality Improvement<br />

CSM – Conselho Superior de Magistratura<br />

DGAJ – Direcção-Geral de Administração<br />

da Justiça<br />

EADJ – Escrivão Adjunto<br />

EAUX – Escrivão Auxiliar<br />

ED – Escrivão de Direito<br />

EFQM – European Foundation for Quality<br />

Management<br />

ENCJ – European Network of Councils for<br />

the Judiciary<br />

EQA – European Quality Award<br />

ICCE – International Consorti<strong>um</strong> for Court<br />

Excellence<br />

IFCE – International Framework for Court<br />

Excellence<br />

IGFIJ – Instituto de Gestão Financeira e de<br />

Infra-estruturas da Justiça<br />

ITIJ – Instituto <strong>das</strong> Tecnologias de<br />

Informação na Justiça<br />

JUSE – Japanese Union of Scientists and<br />

Engineers<br />

LOFTJ – Lei de Organização e<br />

Funcionamento <strong>dos</strong> Tribunais Judiciais<br />

LOPJ – Lei Orgânica do Poder Judicial<br />

MBNQA – Malcolm Baldrige Award<br />

MP – Ministério Público<br />

NCSC – National Center for State Courts<br />

OPJ – Observatório Permanente da Justiça<br />

Portuguesa<br />

SATURN – Study and Analysis of Judicial<br />

Time Research Network<br />

SCE – Serviço Com<strong>um</strong> de Execuções<br />

SCG – Serviço Com<strong>um</strong> Geral<br />

SCOP – Serviço Com<strong>um</strong> de Ordenação do<br />

Processo<br />

SCP – Serviço Com<strong>um</strong> Processual<br />

SQSP – Sistema de Qualidade em Serviços<br />

Públicos<br />

TCPS – Trial Court Performance Standards<br />

TQM – Total Quality Management<br />

UA – Unidade Administrativa<br />

UPAD – Unidade Processual de Apoio<br />

Directo<br />

UPSJ – União Progressista de Secretários<br />

Judiciais


AGRADECIMENTOS<br />

O presente estudo, realizado pelo Observatório Permanente da Justiça<br />

Portuguesa do Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais da Universidade de Coimbra, foi<br />

solicitado pela Direcção-Geral da Administração da Justiça e tem como objecto<br />

central a análise do impacto do modelo de <strong>gestão</strong> introduzido com a nova<br />

reforma do mapa e da organização judiciária na organização e funcionamento<br />

interno <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />

Com a entrada em vigor daquela reforma, em Abril de 2009, Portugal, à<br />

semelhança de outros países, ass<strong>um</strong>e que as medi<strong>das</strong> gestionárias<br />

desempenham <strong>um</strong> papel central na política pública de justiça no sentido da<br />

consolidação de <strong>um</strong> sistema judiciário com mais qualidade e mais eficiência.<br />

Esta é, contudo, <strong>um</strong>a perspectiva recente da política de justiça, a desenvolver-<br />

se n<strong>um</strong> contexto em que a reflexão, entre nós, é, ainda, escassa, pouco<br />

aprofundada e restrita.<br />

A análise que se apresenta neste relatório é <strong>um</strong>a análise precursora –<br />

necessariamente limitada, porque circunscrita ao modelo de <strong>gestão</strong> – e<br />

contribui para a produção de conhecimento <strong>sobre</strong> esta matéria tendo em vista,<br />

<strong>sobre</strong>tudo, a necessária reflexão e avaliação que o período experimental da lei<br />

exige antes do seu alargamento a outras <strong>comarcas</strong>. A via experimental, que a<br />

reforma do mapa e da organização judiciária seguiu, só fará verdadeiramente<br />

sentido se incorporar <strong>um</strong> exigente programa de monitorização e de avaliação<br />

em to<strong>das</strong> as suas vertentes. Se assim não for, não é possível consolidar boas


práticas, aperfeiçoar ou alterar efeitos perversos e dificilmente serão<br />

alcança<strong>dos</strong> ganhos que contribuam para <strong>um</strong>a verdadeira alteração estrutural<br />

do sistema judicial para a qual a reforma do mapa judiciário poderia<br />

decisivamente contribuir.<br />

Como escrevemos em estudo anterior (OPJ, 2006), não seria expectável<br />

que a reforma do mapa e da organização judiciária resolvesse, só por si, to<strong>dos</strong><br />

os bloqueios e problemas com que se confronta o sistema judiciário. Mas, se<br />

integrada n<strong>um</strong>a agenda estratégica mais vasta de reforma, não só poderia<br />

contribuir, de forma decisiva, para a sua solução, como poderia ser mesmo a<br />

alavanca desse processo. A avaliação do período experimental da reforma é,<br />

por isso, crucial para <strong>um</strong>a melhor definição <strong>dos</strong> pontos dessa agenda<br />

estratégica.<br />

A complexidade da matéria abordada neste relatório convoca, para além<br />

de <strong>um</strong> aprofundado conhecimento da prática, <strong>um</strong>a abordagem multidisciplinar.<br />

Daí que, para a produção analítica deste estudo foi fundamental a prestimosa<br />

colaboração, não só <strong>dos</strong> consultores, mas também <strong>dos</strong> diferentes actores do<br />

sistema judicial. Sem essa cooperação alargada não seria possível levar a<br />

cabo esta reflexão e análise. Queremos, assim, acentuar, n<strong>um</strong>a nota geral, o<br />

quanto estamos a to<strong>dos</strong> profundamente gratos. A riqueza <strong>dos</strong> contributos exige<br />

que, pública e individualmente, se dê conta deles.<br />

Um primeiro agradecimento é devido à Direcção-Geral da Administração<br />

da Justiça pela confiança depositada no Observatório Permanente da Justiça<br />

Portuguesa e nesta equipa de investigadores para a realização de <strong>um</strong> estudo<br />

desta natureza.<br />

Aos senhores magistra<strong>dos</strong> e funcionários que manifestaram a sua<br />

disponibilidade para participarem no painel de discussão, para serem<br />

entrevista<strong>dos</strong> e para nos auxiliarem na observação que levámos a cabo nos<br />

juízos queremos deixar <strong>um</strong>a especial palavra de agradecimento.<br />

Deixamos aqui o nosso reconhecido agradecimento, pela disponibilidade<br />

para participarem no painel de discussão, aos senhores juízes presidente <strong>das</strong>


<strong>comarcas</strong> piloto: Dra. Ana Azeredo Coelho, Dra. Maria João Santos e Dr. Paulo<br />

Brandão, bem como às senhoras procuradoras coordenadoras <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong><br />

Grande Lisboa-Noroeste e Baixo Vouga, Dra. Paula Figueiredo e Dra. Maria<br />

José Bandeira.<br />

Agradecemos, também, aos senhores administradores judiciários <strong>das</strong><br />

<strong>comarcas</strong> piloto, Daniel Costa, Júlio Almeida e Vítor Mendes.<br />

Aos senhores magistra<strong>dos</strong> judiciais e do Ministério Público e<br />

funcionários judiciais, que connosco colaboraram nas entrevistas, e que de<br />

seguida se identificam, deixamos também o nosso reconhecido agradecimento.<br />

São eles:<br />

Magistra<strong>dos</strong> judiciais: Fernando de Jesus Monteiro; Isabel Palma<br />

Calado, Joaquim Manuel da Silva, Mafalda Faria Pestana e Teresa Carla Faria<br />

de Brito.<br />

Magistra<strong>dos</strong> do Ministério Público: Antónia Soares, Carlos Azevedo,<br />

Henrique Novo e Judite Resende.<br />

Jerónimo.<br />

Secretárias de justiça: Fátima Pequito, Filomena Constantino e Manuela<br />

Escrivães de direito: António Tavares, Elisabete Direito, Fátima Varela,<br />

Lucília Matos e Maria João Gonçalves.<br />

Escrivães adjuntos: Adélia Macela, Celeste Nunes, Elisabete Fortes,<br />

Joaquim Salvador, José Rigal, Luciana Peixoto, Pedro Batista, Rosa Gomes e<br />

Vítor Costa.<br />

Escrivães auxiliares: Cristina Godinho, Elisabete Martins, Helena<br />

Mendes, Isabel Rodrigues, João Gomes, João Lopes, José Dinis, Madalena<br />

Pereira, Miguel Candeias, Patrícia Machado, Paula Parente, Paulo Santos,<br />

Paulo Teixeira e Telmo Figueiredo.<br />

Ao Doutor Ignacio Colomer e ao Doutor Luís Martín Contreras , que com<br />

grande entusiasmo aceitaram o nosso convite, queremos agradecer os


contributos que trouxeram para esta discussão, não só no seminário realizado<br />

no âmbito deste estudo 1 , mas também na reunião científica que se lhe seguiu.<br />

Queremos, ainda, realçar o seu esforço em darem <strong>um</strong> testemunho objectivo e<br />

alargado <strong>dos</strong> diferentes aspectos da reforma da nova secretaria judicial em<br />

Espanha. Aquela reunião científica beneficiou, ainda, da participação <strong>dos</strong><br />

nossos consultores, bem como do Dr. Nuno Coelho e da Doutora Teresa Carla<br />

Oliveira, a quem deixamos aqui o nosso reconhecimento.<br />

Apresentamos em anexo a transcrição do seminário Para <strong>um</strong> novo<br />

Judiciário: Transformações na Organização Interna e nos Méto<strong>dos</strong> de Trabalho<br />

<strong>dos</strong> Tribunais. Consideramos que importantes aspectos da reforma foram aí<br />

discuti<strong>dos</strong> e tal deveu-se, <strong>sobre</strong>tudo, à qualidade da reflexão trazida pelos seus<br />

oradores. Queremos, por isso, salientar a intervenção do senhor Secretário de<br />

Estado da Justiça, Dr. João Correia, <strong>dos</strong> senhores juízes presidentes <strong>das</strong> três<br />

<strong>comarcas</strong> piloto, do Engenheiro José Morais, da Doutora Margarida Mano, do<br />

Doutor Ignacio Colomer e do Doutor Luís Martín Contreras.<br />

Para além da intervenção <strong>dos</strong> oradores, deve ser destacada a<br />

participação da audiência (cerca de 70 pessoas) constituída, <strong>sobre</strong>tudo, por<br />

operadores judiciários, mas também por outras profissões relaciona<strong>das</strong> directa<br />

ou indirectamente com o sistema de justiça, o que enriqueceu decisivamente o<br />

debate. A sua disponibilidade para, n<strong>um</strong>a sexta-feira à tarde por largas horas,<br />

participarem n<strong>um</strong>a reflexão <strong>sobre</strong> esta temática merece ser relevada.<br />

A intervenção <strong>dos</strong> nossos consultores, em vários momentos ao longo<br />

1 O Seminário “Para <strong>um</strong> novo judiciário: transformações na organização interna e nos méto<strong>dos</strong><br />

de trabalho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>” foi realizado em 8 de Janeiro de 2010 no Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais,<br />

e contou com a participação do Sr. Secretário de Estado da Justiça, Dr. João Correia; Doutor<br />

Ignacio Colomer (professor de Direito Processual na Universidade Pablo de Olavide de<br />

Sevilha) e Doutor Luis Martín Contreras (Secretário Gestor da Audiência Nacional), ambos<br />

dando conta da <strong>experiência</strong> da nova secretaria judicial em Espanha; bem como da Sra. Juíza<br />

Presidente da Comarca Grande Lisboa-Noroeste, Dra. Ana Azeredo Coelho; da Sra. Juíza<br />

Presidente da Comarca Alentejo Litoral, Dra. Maria João Santos; do Sr. Juiz Presidente da<br />

Comarca Baixo Vouga, Dr. Paulo Brandão; da Doutora Margarida Mano e do Engenheiro José<br />

Morais, especialistas nas questões relativas à <strong>gestão</strong> e à qualidade nas organizações.


deste trabalho, foi essencial. Queremos, por isso, deixar aqui <strong>um</strong><br />

agradecimento muito especial aos consultores deste estudo: Daniel Costa,<br />

José Morais, José Mouraz Lopes, Luís Azevedo Mendes e Margarida Mano. Ao<br />

Sr. Daniel Costa queremos, ainda, agradecer o seu inexcedível apoio no<br />

trabalho de campo e a fundamental ajuda na interpretação de alguns da<strong>dos</strong><br />

empíricos. Ao Dr. Luís Azevedo Mendes, queremos agradecer a sua<br />

colaboração na revisão <strong>dos</strong> organogramas que integram este relatório. À<br />

Doutora Margarida Mano, <strong>um</strong> agradecimento singular é também devido pela<br />

sua colaboração com <strong>um</strong> texto que integra o ponto 2.6 deste relatório.<br />

Além da equipa de investigação, este trabalho contou, em vários<br />

momentos, com o apoio <strong>dos</strong> Drs. Alexandra Silva, Carla Soares, Catarina<br />

Trincão, Fátima Antunes, Fátima de Sousa, Marta Cancela, José Borges Reis e<br />

Paula Fernando.


INTRODUÇÃO GERAL<br />

1


1 INTRODUÇÃO GERAL<br />

16<br />

O contexto social do exercício <strong>das</strong> funções <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> sofreu<br />

profun<strong>das</strong> alterações ao longo <strong>das</strong> últimas déca<strong>das</strong>, designadamente, no<br />

Estado, na sociedade e na economia, alterando significativamente o vol<strong>um</strong>e e o<br />

perfil da procura judiciária, com consequências nas condições da relação <strong>dos</strong><br />

cidadãos com o sistema de justiça. A perda de centralidade do Estado como<br />

garante de direitos fundamentais e de direitos sociais constitucionalmente<br />

consagra<strong>dos</strong> – o que tem levado o judiciário a expandir-se para áreas que<br />

tradicionalmente se situavam na esfera <strong>dos</strong> poderes executivo e legislativo –, a<br />

crise de legitimação <strong>dos</strong> poderes executivo e legislativo, a alta exposição<br />

pública e a mediatização da justiça e de muitos <strong>dos</strong> seus agentes são factores<br />

que colocam novos e exigentes desafios ao poder judicial para os quais, não só<br />

não estava preparado, como tem mostrado especiais dificuldades em se<br />

preparar.<br />

Essa preparação não depende exclusivamente do próprio judiciário,<br />

como, aliás, se verá ao longo deste relatório. No nosso sistema de governação<br />

da justiça, os recursos financeiros, materiais e, nalguns casos, h<strong>um</strong>anos, que<br />

suportam a acção do sistema judicial globalmente considerado dependem, na<br />

sua maioria, do poder executivo. Também da acção do poder político depende<br />

a verificação de outras condições com impacto decisivo na qualidade e<br />

eficiência do desempenho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, como, por exemplo, perícias,<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


einserção social ou segurança social. Destaca-se, ainda, o recrutamento e a<br />

formação <strong>dos</strong> agentes judiciais.<br />

Vários estu<strong>dos</strong> do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa 2<br />

mostram como o desempenho do sistema judicial, no que se refere à qualidade<br />

e à eficácia depende, em muitos casos, de igual qualidade e eficácia de<br />

resposta de outros serviços do Estado. As limitações relativas à capacidade<br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, isto é, os recursos de que dispõem para levar a cabo eficazmente<br />

a política judiciária, n<strong>um</strong> contexto de maior exposição e vulnerabilidade à<br />

pressão social coloca-os n<strong>um</strong> dilema que deveria levar o sistema judicial, se<br />

não quer continuar a perder legitimidade social, a <strong>um</strong>a profunda reflexão <strong>sobre</strong><br />

o seu papel sociopolítico.<br />

Ainda que os <strong>tribunais</strong> judiciais não sejam a única via para a efectivação<br />

de direitos, nas sociedades modernas são instr<strong>um</strong>entos centrais da qualidade<br />

da democracia, dado o papel que desempenham na garantia de direitos<br />

sociais, no combate à corrupção ou na resolução de conflitos <strong>dos</strong> cidadãos e<br />

<strong>das</strong> empresas. O impacto social destes conflitos evidencia a função simbólica<br />

exercida pelos <strong>tribunais</strong> face à garantia da cidadania e à transparência do<br />

sistema político. As reformas da justiça, quer na sua concepção, quer na sua<br />

execução, devem considerar essa essencialidade do papel <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> na<br />

configuração do sistema político.<br />

As reformas da justiça, inicialmente centra<strong>das</strong> em soluções de carácter<br />

processual – visando, <strong>sobre</strong>tudo, a simplificação <strong>das</strong> leis processuais – e no<br />

apetrechamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> com mais recursos h<strong>um</strong>anos e mais infra-<br />

estruturas, mostraram a sua insuficiência em responder satisfatoriamente à<br />

procura judicial e às expectativas <strong>dos</strong> cidadãos <strong>sobre</strong> a justiça, levando os<br />

governos a apostar, por <strong>um</strong> lado, em soluções de desprofissionalização e<br />

desjudicialização <strong>dos</strong> meios de resolução <strong>dos</strong> conflitos. Por outro lado, passou<br />

a investir-se n<strong>um</strong>a vertente de reforma tecnocrática da justiça, o que inclui o<br />

2 Por exemplo, no âmbito da justiça penal, ver OPJ (2009).<br />

Introdução geral 17


aprofundamento da reflexão em torno <strong>das</strong> questões da qualidade, da eficiência<br />

e da eficácia <strong>dos</strong> sistemas de justiça, colocando na agenda política as reformas<br />

da organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> judiciais.<br />

18<br />

No contexto europeu, as reformas que visam o reforço da capacidade de<br />

organização 3 e <strong>gestão</strong> da justiça tornaram-se apostas centrais <strong>das</strong> agen<strong>das</strong> de<br />

reforma em muitos países e integram recomendações do Conselho da Europa,<br />

designadamente, no âmbito <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho, da <strong>gestão</strong> de recursos e<br />

da melhor articulação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> com os serviços complementares da justiça.<br />

Apesar do relativo consenso, entre nós, quanto à essencialidade destas<br />

reformas, reconhecendo-se que o défice de organização, <strong>gestão</strong> e<br />

planeamento do sistema judicial é responsável por grande parte da ineficiência<br />

e ineficácia do seu desempenho funcional, a reflexão <strong>sobre</strong> esta matéria é<br />

reduzida 4 . A tal facto não é alheia a reconhecida carência de formação e de<br />

profissionalização no âmbito <strong>das</strong> áreas de administração e <strong>gestão</strong> de <strong>tribunais</strong>,<br />

o que introduz na governação do sistema judicial <strong>um</strong> factor permanente de<br />

limitação e incapacidade, dificultando, não só a eficácia <strong>das</strong> reformas, mas,<br />

também, suscitando lógicas de actuação pouco informa<strong>das</strong> e consolida<strong>das</strong> e,<br />

por vezes, adversas aos seus objectivos.<br />

O Observatório Permanente da Justiça tem procurado promover e trazer<br />

para a agenda sociopolítica os temas da organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>,<br />

quer através da produção destes estu<strong>dos</strong>, quer de outras acções de natureza<br />

formativa, quer, ainda, através da participação de seus membros em estu<strong>dos</strong><br />

compara<strong>dos</strong> de âmbito europeu e de actividades em rede <strong>sobre</strong> esta matéria.<br />

O objectivo é contribuir para a densificação do conhecimento <strong>sobre</strong> estes<br />

temas através de <strong>um</strong>a análise teórico-analítica em torno <strong>dos</strong> paradigmas da<br />

eficiência, qualidade e excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, destacando a centralidade <strong>das</strong><br />

3 Sobre as reformas do mapa e da organização judiciária na <strong>experiência</strong> comparada, ver OPJ<br />

(2006). Sobre os modelos de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, Ver estudo OPJ (2001, 2006 e 2008).<br />

4 A este propósito, cf., entre outros, Coelho (2008).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


medi<strong>das</strong> gestionárias.<br />

Em 2001, o OPJ levou a cabo o estudo A administração e <strong>gestão</strong> da<br />

justiça: análise comparada <strong>das</strong> tendências de reforma, cujo objecto de<br />

investigação se centrou nos modelos compara<strong>dos</strong> de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> na<br />

Europa, bem como o conjunto alargado de soluções em curso para responder<br />

às novas exigências de organização, funcionamento, qualidade e eficiência da<br />

justiça nos diferentes sistemas judiciais.<br />

Em 2006, o relatório do OPJ Como gerir os <strong>tribunais</strong>? Análise<br />

comparada de modelos de organização e <strong>gestão</strong> da justiça testou a hipótese<br />

da proliferação de reformas no âmbito da administração e <strong>gestão</strong> da justiça em<br />

diferentes países, estudada a partir <strong>das</strong> <strong>experiência</strong>s reformistas leva<strong>das</strong> a<br />

cabo na Europa e nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> da América. Neste estudo, visou-se,<br />

principalmente, identificar projectos em curso com o objectivo de atacar as<br />

irracionalidades burocráticas como bloqueios ao a<strong>um</strong>ento da eficácia, da<br />

eficiência e da qualidade do sistema de justiça. Neste sentido, foram estuda<strong>das</strong><br />

seis <strong>experiência</strong>s: Espanha, Bélgica, Holanda, Noruega, Irlanda e Esta<strong>dos</strong><br />

Uni<strong>dos</strong> da América (Estado do Michingan).<br />

Ainda em 2006, no relatório A geografia da justiça, a importância do<br />

tema da <strong>gestão</strong> e administração da justiça foi igualmente sublinhada. Neste<br />

estudo, chamamos a atenção para o facto do sucesso da reorganização<br />

judiciária não poder ser alcançado sem a realização de reformas conexas, para<br />

além de reformas processuais, entre elas, os mecanismos de <strong>gestão</strong> e<br />

administração, a formação <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> e funcionários judiciais e o uso de<br />

novas tecnologias de comunicação e informação.<br />

Em 2008, o relatório Para <strong>um</strong> novo judiciário: qualidade e eficiência na<br />

<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> processos cíveis abordava as questões da organização e <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, destacando a heterogeneidade e a inexistência de critérios<br />

objectivos na definição <strong>das</strong> rotinas e méto<strong>dos</strong> de trabalho, de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />

espaços, infra-estruturas, recursos h<strong>um</strong>anos e materiais. Outros dois aspectos<br />

mereceram especial reflexão no âmbito deste estudo: o impacto da reforma de<br />

Introdução geral 19


desmaterialização <strong>dos</strong> processos na tramitação <strong>dos</strong> processos e nos fluxos de<br />

informação e o papel do juiz na <strong>gestão</strong> processual (<strong>gestão</strong> do caso concreto).<br />

20<br />

A importância desta temática justificou a realização do curso de<br />

formação Organização e Gestão <strong>dos</strong> Tribunais, em 2008, enquadrado no<br />

Programa de Formação Avançada Justiça XXI 5 . De entre os temas do curso,<br />

salientam-se matérias relaciona<strong>das</strong> com as exigências de cariz organizativo e<br />

de <strong>gestão</strong> que se colocam ao sistema judicial e <strong>sobre</strong> os modelos mais<br />

actualiza<strong>dos</strong> de <strong>gestão</strong> e administração pública aplica<strong>dos</strong> ao domínio judiciário.<br />

O curso, para além da necessária orientação multidisciplinar, incluiu <strong>um</strong>a<br />

dimensão comparativa, motivando a discussão <strong>sobre</strong> os modelos de<br />

administração e <strong>gestão</strong> aplica<strong>dos</strong> em outros sistemas, dotando os forman<strong>dos</strong><br />

de instr<strong>um</strong>entos teóricos e práticos necessários à concretização <strong>dos</strong> objectivos<br />

da reforma organizativa, administrativa e de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. Este curso de<br />

formação avançada foi iniciado com a Conferência Internacional Estado,<br />

sociedade e justiça no Século XXI: democracia, qualidade e eficiência nos<br />

<strong>tribunais</strong> judiciais 6 .<br />

Mais recentemente, no âmbito do projecto de investigação cujos<br />

resulta<strong>dos</strong> se apresentam neste relatório, o OPJ organizou o Seminário Para<br />

<strong>um</strong> novo judiciário: transformações na organização interna e nos méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, onde se debateu, de modo comparativo, a nova<br />

secretaria judicial em Espanha e os desafios e as potencialidades que a<br />

reforma em curso coloca à organização interna e ao funcionamento <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong> em Portugal 7 .<br />

Ao dirigir-se ao impacto <strong>das</strong> transformações trazi<strong>das</strong> pela Lei de<br />

5 No âmbito de <strong>um</strong> protocolo celebrado entre a Associação Sindical <strong>dos</strong> Juízes Portugueses, o<br />

Centro de Estu<strong>dos</strong> Judiciários e o Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais da Universidade de Coimbra.<br />

6 Tendo contado com os seguintes oradores: Álvaro Laborinho Lúcio, Juiz Conselheiro do<br />

Supremo Tribunal de Justiça jubilado; Brian J. Ostrom, National Center for State Courts -<br />

Williamsburg (Virgínia, E.U.A.); Jacques Commaille, Ecole Normale Supérieure de Cachan e<br />

director da revista Droit et Société.<br />

7 Cf. nota 1.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Organização e Funcionamento <strong>dos</strong> Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/2008, de 28<br />

de Agosto), este estudo não tem qualquer pretensão de realizar <strong>um</strong>a avaliação<br />

global do período experimental. O relatório que agora se apresenta centra-se<br />

apenas na análise do novo modelo de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, limitando-se aos<br />

serviços judiciais, o que exclui os serviços específicos do Ministério Público.<br />

Como já referimos no âmbito de outros trabalhos do Observatório<br />

Permanente da Justiça Portuguesa, consideramos que as reformas<br />

estruturantes da justiça devem ser precedi<strong>das</strong> de estu<strong>dos</strong> assentes n<strong>um</strong>a<br />

análise rigorosa da realidade. Este esforço analítico, concretizado através da<br />

produção de diagnósticos sociológicos, permite informar o debate político e<br />

profissional, orientando as soluções em discussão, a sua execução prática, e<br />

actuando posteriormente no acompanhamento do processo de implementação<br />

da reforma.<br />

Um processo de reforma alicerçado em diagnósticos consistentes<br />

permite, desde logo, que a política a desenvolver incorpore <strong>um</strong>a perspectiva<br />

global do sistema de justiça de forma a evitar incongruências na reforma. A<br />

<strong>experiência</strong> comparada mostra que os processos de reformas estruturais do<br />

sistema de justiça que seguem aquela metodologia têm tido <strong>um</strong> grau de<br />

sucesso muito mais consolidado.<br />

Da<strong>das</strong> as suas virtualidades no que respeita à identificação atempada<br />

<strong>dos</strong> bloqueios à aplicação da lei e de possíveis efeitos perversos, temos<br />

defendido a importância da introdução de <strong>um</strong> experimentalismo na área da<br />

justiça. Esta estratégia permite associar àquele diagnóstico <strong>um</strong>a verificação<br />

empírica da aplicação da lei, ass<strong>um</strong>indo <strong>um</strong> carácter preventivo face a<br />

problemas que poderão surgir aquando da sua aplicação generalizada.<br />

Essa é claramente <strong>um</strong>a mais-valia da reforma em curso do mapa e da<br />

organização judiciária, devendo, por isso, sublinhar-se sua importância. Esta<br />

mais-valia só será plenamente eficaz se a experimentação for devidamente<br />

monitorizada e avaliada em to<strong>das</strong> as suas vertentes. E a avaliação global tem<br />

que pressupor a definição de <strong>um</strong> conjunto de critérios prévios. A existência de<br />

Introdução geral 21


critérios de referência relativamente aos quais se produz a avaliação tem <strong>um</strong><br />

impacto significativo no apuramento da eficácia da reforma, de forma a<br />

contrapor as opiniões de alguns protagonistas – importantes mas<br />

necessariamente parcelares e subjectivas – com da<strong>dos</strong> empíricos<br />

consolida<strong>dos</strong>.<br />

22<br />

O êxito do projecto experimental não é <strong>um</strong> fim em si mesmo, a sua<br />

grande vantagem reside antes no potencial de identificação <strong>das</strong> virtualidades e<br />

obstáculos do processo que pretende encetar. No caso da reforma do mapa e<br />

organização judiciária, por se tratar de <strong>um</strong> projecto-piloto, é fundamental que se<br />

prevejam e testem as diferentes possibilidades para que o alargamento seja,<br />

efectivamente, <strong>um</strong> alargamento consistente. Daí que o experimentalismo, por<br />

<strong>um</strong> lado, e a produção de <strong>um</strong> diagnóstico sociológico, por outro lado, devem<br />

ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong> carácter de complementaridade entre si na opção pela introdução<br />

de projectos-piloto nas reformas jurídicas.<br />

O novo modelo de <strong>gestão</strong> é <strong>um</strong>a realidade muito recente entre nós, visto<br />

que para além <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> já produzi<strong>dos</strong> pelo OPJ, o acervo de informação<br />

disponível é muito escasso. Por isso, este estudo, ao contribuir para a<br />

produção de conhecimento neste domínio, constitui <strong>um</strong>a reflexão pioneira.<br />

O presente trabalho beneficia, em primeiro lugar, do acervo de<br />

informação produzido, <strong>sobre</strong>tudo ao longo da última década, pelo Observatório<br />

da Justiça. De acordo com a recapitulação <strong>das</strong> principais conclusões do<br />

trabalho empírico, bem como com as orientações e recomendações<br />

ac<strong>um</strong>ula<strong>das</strong> nos diferentes estu<strong>dos</strong> do OPJ, formularam-se novas questões<br />

que permitem <strong>um</strong>a análise da evolução do modelo de organização e <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> à luz <strong>das</strong> alterações legislativas recentes.<br />

Da<strong>das</strong> as inovações trazi<strong>das</strong> pela reforma no que se refere à criação ou<br />

à reconfiguração de competências de <strong>gestão</strong> local, o curto período de vigência<br />

da reforma e a escassez de estu<strong>dos</strong> empíricos <strong>sobre</strong> esta temática, a<br />

investigação produzida ass<strong>um</strong>iu <strong>um</strong> papel exploratório. O trabalho de campo foi<br />

direccionado no sentido de avaliar as potencialidades e desafios desta <strong>gestão</strong><br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


local, tanto na articulação com as entidades que têm responsabilidades de<br />

centralização administrativa, como na direcção e supervisão <strong>das</strong> actividades no<br />

interior do tribunal, isto é, o conjunto de tarefas a serem desempenha<strong>das</strong> de<br />

forma articulada pelas diferentes unidades orgânicas.<br />

Assim, o relatório estrutura-se em torno de sete pontos. Após o ponto<br />

inicial, constituído pela introdução e a justificação metodológica da investigação<br />

realizada, o ponto 2 trata <strong>dos</strong> processos de mudança em curso na<br />

administração <strong>das</strong> organizações públicas, tendo em atenção não só as<br />

transformações ocorri<strong>das</strong> na organização e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> organizações, mas<br />

também dando conta do contributo <strong>das</strong> abordagens clássicas <strong>das</strong><br />

organizações, até chegar a conceitos organizacionais mais recentes como a<br />

governação.<br />

O ponto 3 aponta os novos caminhos da reforma da justiça e destaca a<br />

centralidade <strong>das</strong> medi<strong>das</strong> gestionárias, privilegiando os conceitos de qualidade<br />

e excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. Os conceitos de qualidade e excelência <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong> têm enquadramentos diferentes. Os modelos de excelência são<br />

instr<strong>um</strong>entos de referência ao modelo de <strong>gestão</strong> do tribunal por serem<br />

conceptualmente integradores de vários critérios, potenciando a coexistência<br />

matricial de diferentes tutelas e podendo ser utiliza<strong>dos</strong> em estádios muito<br />

diferentes <strong>das</strong> organizações e <strong>dos</strong> sistemas.<br />

O ponto 4 apresenta a reforma da secretaria judicial em Espanha. A<br />

secretaria judicial em Espanha caracterizava-se, no início da década 90, por<br />

<strong>um</strong>a ausência de critérios organizativos, funcionando de forma atomizada e<br />

auto-suficiente. Partindo da constatação de que o modelo de organização e<br />

funcionamento interno <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> não era, pela sua ineficiência, adequado<br />

ao actual contexto social e processual, esta reforma introduziu mudanças<br />

profun<strong>das</strong> no paradigma estrutural e funcional <strong>das</strong> secretarias judiciais. A<br />

escolha do caso da <strong>experiência</strong> espanhola deve-se, <strong>sobre</strong>tudo, à proximidade<br />

entre os problemas e as ineficiências estruturais do desempenho do sistema de<br />

justiça espanhol e a situação que ocorre em Portugal.<br />

Introdução geral 23


24<br />

Os pontos 5 e 6 apresentam os resulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong> através da realização<br />

do trabalho de campo, de acordo com <strong>um</strong>a dupla perspectiva analítica. Em<br />

primeiro lugar, de acordo com <strong>um</strong> eixo de análise de ordem macro,<br />

apresentam-se as dinâmicas de governação local/central <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e, em<br />

segundo lugar, recorre-se a <strong>um</strong>a análise micro <strong>dos</strong> desafios que se colocam à<br />

<strong>gestão</strong> local, designadamente a sua organização interna e os méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho.<br />

Assim, no ponto 5 damos conta <strong>das</strong> dinâmicas de governação <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong> destacando as potencialidades da nova lei de organização e <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> em termos de <strong>gestão</strong> integrada e de proximidade e os desafios<br />

coloca<strong>dos</strong> pela diversidade organizacional ao novo modelo de <strong>gestão</strong> e as<br />

dinâmicas de governação no âmbito da articulação entre as diversas entidades<br />

com competências de organização, direcção e supervisão <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />

O ponto 6 resulta de <strong>um</strong>a estratégia de investigação que permitiu<br />

recolher informação de acordo com <strong>um</strong>a perspectiva analítica bottom up, dando<br />

particular ênfase ao impacto <strong>das</strong> alterações introduzi<strong>das</strong> pelo novo modelo de<br />

<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> nas rotinas e tarefas <strong>dos</strong> diferentes agentes judiciais, de<br />

acordo com a investigação empírica levada a cabo, <strong>sobre</strong>tudo, nas secções de<br />

processos.<br />

Finalmente, no ponto 7 apresentam-se as principais conclusões e<br />

recomendações que resultam da investigação realizada.<br />

Nota metodológica<br />

Para a realização do trabalho de campo, revelou-se adequada a<br />

adopção de <strong>um</strong>a estratégia de investigação que permitisse recolher informação<br />

de acordo com duas perspectivas – top down e bottom up. Na perspectiva top<br />

down, analisou-se a concretização do modelo de <strong>gestão</strong> entre as diferentes<br />

figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. Por outro lado, de<br />

acordo com a perspectiva bottom up, foi dada ênfase à análise do impacto<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


destas alterações nas rotinas e tarefas <strong>dos</strong> diferentes agentes judiciais. Neste<br />

caso, foi dada especial atenção ao funcionamento da secção de processos,<br />

tendo em conta a relevância desta unidade orgânica no quotidiano da<br />

tramitação processual.<br />

Na selecção <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> onde decorreu a observação sistemática, para<br />

garantir maior diversidade da amostra, considerou-se pertinente a<br />

representatividade <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto (Baixo Vouga, Alentejo Litoral e Grande<br />

Lisboa-Nordeste), tendo sido selecciona<strong>das</strong> duas <strong>comarcas</strong> através do método<br />

de selecção aleatória. De acordo com estes critérios, foram selecciona<strong>das</strong> as<br />

<strong>comarcas</strong> de Baixo Vouga e Lisboa-Noroeste (designadamente, os juízos de<br />

família e menores e os juízos cíveis).<br />

Nestes <strong>tribunais</strong> aplicou-se <strong>um</strong> plano de pesquisa com recurso a duas<br />

técnicas metodológicas complementares: a realização de entrevistas semi-<br />

estrutura<strong>das</strong> aos profissionais de justiça envolvi<strong>dos</strong> e a observação<br />

sistemática.<br />

O modelo de entrevista aplicado foi o da entrevista semi-estruturada,<br />

cujas potencialidades consistem fundamentalmente na possibilidade de <strong>um</strong>a<br />

determinada flexibilidade na condução da entrevista e na exploração <strong>dos</strong> temas<br />

por parte do entrevistado. Assim, o recurso à metodologia da entrevista semi-<br />

estruturada junto do juiz presidente, magistrado do Ministério Público<br />

coordenador, administrador, secretários, magistra<strong>dos</strong> judiciais, procuradores e<br />

escrivães procurou obter testemunhos de combinação entre as suas vivências<br />

quotidianas e as perspectivas que propõem, tendo em vista o desenvolvimento<br />

de condições de visibilidade sociológica <strong>sobre</strong> a nova organização judiciária.<br />

As entrevistas possibilitaram apurar as percepções e opiniões <strong>dos</strong><br />

operadores face às dinâmicas e práticas procedimentais <strong>das</strong> respectivas<br />

unidades orgânicas, referindo questões como a definição de méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho, a divisão de tarefas, o impacto específico <strong>das</strong> recentes alterações na<br />

optimização <strong>das</strong> suas rotinas de trabalho, bem como as vantagens e<br />

dificuldades que associam à entrada em funcionamento da nova lei. A natureza<br />

Introdução geral 25


complementar face à observação sistemática aconselhou a sua realização no<br />

espaço de trabalho <strong>dos</strong> operadores entrevista<strong>dos</strong> e durante o seu horário de<br />

trabalho.<br />

26<br />

A observação sistemática centrou-se no objectivo da compreensão <strong>das</strong><br />

principais alterações introduzi<strong>das</strong> após a entrada em vigor da nova lei, em 14<br />

de Abril de 2009, e do funcionamento interno e quotidiano do tribunal. Para<br />

além disso, a observação foi multifocada, de modo a incluir os diferentes<br />

factores que concorrem para <strong>um</strong> trabalho de valor acrescentado mais eficiente<br />

e promotor da qualidade da justiça. Assim, a observação incorporou, para além<br />

<strong>das</strong> práticas e méto<strong>dos</strong> de trabalho, as condições físicas e materiais <strong>das</strong><br />

unidades orgânicas, bem como outros elementos integrantes da <strong>gestão</strong> de<br />

recursos h<strong>um</strong>anos.<br />

Procedeu-se, ainda, à realização de <strong>um</strong> painel que contou com a<br />

presença e participação <strong>dos</strong> juízes presidentes e <strong>dos</strong> procuradores do MP<br />

coordenadores de to<strong>das</strong> as <strong>comarcas</strong> piloto, bem como de académicos<br />

especialistas em <strong>gestão</strong> e qualidade, colocando-os em confronto orientado face<br />

às problemáticas levanta<strong>das</strong> no âmbito da investigação em curso.<br />

Promoveu-se, também, <strong>um</strong>a reunião científica (seminário já referido) que<br />

contou com a presença de operadores judiciais de Portugal e de Espanha,<br />

tendo em vista o confronto e a discussão da <strong>experiência</strong> comparada no que se<br />

refere concretamente à nova secretaria judicial em Espanha.<br />

A análise doc<strong>um</strong>ental foi fundamental, quer para a análise do sistema de<br />

governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> explicitado nos organogramas, quer da <strong>experiência</strong><br />

espanhola.<br />

O reduzido tempo de vigência do período experimental da nova lei de<br />

organização e funcionamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> não permitiu a averiguação<br />

quantitativa, nem mesmo através de da<strong>dos</strong> provisórios, do impacto <strong>das</strong><br />

alterações de <strong>gestão</strong> na produtividade <strong>dos</strong> funcionários e no tempo <strong>dos</strong><br />

processos. Por esta razão, privilegiou-se a análise qualitativa através da<br />

recolha <strong>das</strong> percepções <strong>dos</strong> agentes envolvi<strong>dos</strong> no processo bem como a<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


observação empírica <strong>das</strong> práticas e rotinas <strong>das</strong> unidades orgânicas.<br />

Após a análise de conteúdo <strong>das</strong> entrevistas, da observação sistemática<br />

efectuada, do painel de discussão realizado e <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> da reunião<br />

científica, apresentam-se neste relatório os resulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong> organiza<strong>dos</strong> de<br />

acordo com as categorias analíticas resultantes daquele exercício.<br />

Introdução geral 27


DINÂMICAS DE MUDANÇA NA ADMINISTRAÇÃO<br />

DAS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS<br />

2


2 DINÂMICAS DE MUDANÇA NA ADMINISTRAÇÃO<br />

DAS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS<br />

Introdução<br />

30<br />

Os modelos de administração e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> organizações públicas têm<br />

vindo a ser submeti<strong>dos</strong> a <strong>um</strong> contínuo processo de reflexão académica e<br />

política. Com contornos e intensidades diferentes, este é <strong>um</strong> processo<br />

generalizado a diferentes países com contextos políticos, sociais e económicos<br />

muito diferencia<strong>dos</strong>, ganhando particular visibilidade e aceleração nas últimas<br />

déca<strong>das</strong> no quadro do que se designa como a crise burocrática do Estado 8 .<br />

Trata-se de <strong>um</strong> desafio às principais características e dinâmicas prevalecentes<br />

nas organizações públicas suscitando, em regra, o consenso de amplos<br />

sectores da sociedade, que dependem <strong>dos</strong> seus resulta<strong>dos</strong>, da sua eficácia e<br />

da qualidade do seu desempenho, na busca de mudanças que as tornem cada<br />

vez mais eficientes e mais próximas <strong>dos</strong> cidadãos. Mas este processo é<br />

igualmente marcado, não só por perspectivas diferencia<strong>das</strong> relativamente ao<br />

sentido e aos instr<strong>um</strong>entos dessa mudança, como também por resistências de<br />

actores directamente envolvi<strong>dos</strong> nas organizações.<br />

8 Sobre o conceito e seus desenvolvimentos, Cf. Santos, 2002.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


A complexidade social e as crises que atravessam o Estado trouxeram<br />

para o centro do debate a questão da eficiência e da qualidade do desempenho<br />

funcional <strong>das</strong> organizações públicas. Apesar de esta questão ter ass<strong>um</strong>ido, ao<br />

longo da última década, novos contornos e <strong>um</strong>a nova dinâmica, não é nova a<br />

preocupação <strong>das</strong> ciências sociais em desenvolver <strong>um</strong> quadro analítico que<br />

permita pensar a administração e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> organizações em cenários<br />

caracteriza<strong>dos</strong> por acréscimos de complexidade institucional e social, com o<br />

objectivo de as tornar mais eficientes. Mais recentemente, os vectores da<br />

qualidade e excelência começam a destacar-se neste debate.<br />

Vejamos, de forma breve, como este quadro se tem vindo a desenvolver<br />

a partir <strong>das</strong> abordagens clássicas <strong>das</strong> organizações. Esta reflexão permite-nos<br />

enquadrar teoricamente a reforma <strong>das</strong> organizações do judiciário no contexto<br />

mais vasto <strong>das</strong> dinâmicas de mudança <strong>das</strong> organizações públicas.<br />

2.1 As abordagens clássicas<br />

Frederick Taylor é <strong>um</strong> <strong>dos</strong> principais precursores <strong>das</strong> abordagens<br />

clássicas, desenvolvendo o que veio a ficar conhecido como a organização<br />

científica do trabalho e abrindo o campo para <strong>um</strong> novo corpus teórico, que<br />

autonomizou as organizações industriais enquanto objecto de estudo. Taylor<br />

defendia <strong>um</strong>a perspectiva virtuosa do ciclo económico da produtividade,<br />

evidenciando o seu contributo para o crescimento da riqueza global, que<br />

garantia <strong>um</strong>a melhoria <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> empresariais e, em consequência, <strong>das</strong><br />

capacidades de investimento, gerando assim mais emprego, bem como <strong>dos</strong><br />

níveis salariais. A baixa produtividade, que considerava decorrer em grande<br />

parte de <strong>um</strong>a supervisão empírica e discricionária, fez Taylor introduzir a noção<br />

de recompensa salarial, enquanto mecanismo de encorajamento à<br />

produtividade, mecanismo que ainda hoje é problematizado pelo seu impacto<br />

sócio-profissional e pela relação, mais ou menos enviesada, com os conceitos<br />

de mérito, competição e desempenho.<br />

Na sua abordagem salienta, ainda, o desconhecimento, por parte <strong>dos</strong><br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 31


quadros administrativos, da rotina e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho e de <strong>gestão</strong><br />

(tempos, gestos, movimentos, pausas) que deveriam enquadrar a execução da<br />

multiplicidade de tarefas próprias do trabalho industrial. Considerava que esse<br />

desconhecimento era gerador, para além de tensões e conflitos funcionalmente<br />

evitáveis, de <strong>um</strong>a lógica de descoordenação impeditiva do incremento de<br />

técnicas racionais e científicas susceptíveis de evoluir no sentido da<br />

especialização e da estandardização. O planeamento, a preparação e a<br />

supervisão constituíam, assim, linhas essenciais às novas dinâmicas<br />

organizacionais, cuja articulação deveriam assegurar o máximo de eficiência<br />

com o mínimo de contingência, imprevisibilidade e desperdício.<br />

32<br />

O investimento reflexivo que este novo modelo comportava traduzia-se<br />

na observação sistemática de comportamentos, movimentos e operações, bem<br />

como na optimização da interacção organizacional entre os recursos h<strong>um</strong>anos<br />

e os recursos materiais e tecnológicos. Contudo, a constelação de práticas,<br />

discursos e representações associa<strong>dos</strong> aos modelos tradicionais de<br />

organização do trabalho – que considerava caracteriza<strong>dos</strong> por empirismo,<br />

negligência, desperdício e irracionalidade – resistiam e contrastavam com os<br />

novos méto<strong>dos</strong> científicos da organização do trabalho, que mobilizavam <strong>um</strong><br />

conjunto amplo de tecnologias organizacionais (como a cronometragem) e de<br />

méto<strong>dos</strong> de organização da divisão do trabalho (padronização). Também as<br />

doenças, os acidentes e a fadiga física deveriam ser contabiliza<strong>dos</strong>, dado o seu<br />

impacto negativo na produtividade. Não será por acaso que é precisamente<br />

neste contexto que a problemática da reparação <strong>dos</strong> acidentes de trabalho<br />

começa a dar os primeiros passos: mais do que a perspectiva da justiça para<br />

com o sinistrado, o objectivo era minorar, quer os custos adicionais com a<br />

sinistralidade, quer os custos sociais da desestabilização conflitual <strong>dos</strong><br />

trabalhadores como reacção aos riscos a que se encontravam expostos e às<br />

fracas garantias de protecção que lhes eram ofereci<strong>das</strong>.<br />

Em s<strong>um</strong>a, de acordo com Taylor, é possível res<strong>um</strong>ir em quatro princípios<br />

básicos a organização científica do trabalho: planeamento, preparação,<br />

controlo e separação entre a concepção e a execução do trabalho. Tais<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


princípios deveriam estar na base da organização do trabalho, pois só assim<br />

seria possível a eliminação do desperdício, a eficiência máxima e o a<strong>um</strong>ento da<br />

produtividade. Defendia, igualmente, <strong>um</strong> sistema regulado de recompensas<br />

salariais, formação e especialização, mas também de penalização <strong>dos</strong> desvios<br />

laborais ou funcionais, da generalização regulamentadora a to<strong>dos</strong> os processos<br />

organizacionais e, acima de tudo, da colocação do homem certo no lugar certo.<br />

Na mesma linha do pensamento taylorista, a perspectiva avançada por<br />

Henri Fayol (1925) ganhou, igualmente, grande influência no estudo da<br />

estruturação <strong>das</strong> organizações modernas. Para além do enfoque na formação<br />

e qualificação científica do corpo de gestores <strong>das</strong> empresas e <strong>das</strong> instituições,<br />

a sua arr<strong>um</strong>ação estrutural e funcional seria o factor decisivo para o<br />

c<strong>um</strong>primento eficiente <strong>dos</strong> respectivos objectivos gerais. Nesse sentido, propõe<br />

<strong>um</strong>a reconfiguração organizacional baseada em seis unidades estruturais, com<br />

funções muito específicas vocaciona<strong>das</strong> <strong>sobre</strong>tudo para organizações de<br />

natureza empresarial: técnica, comercial, financeira, securitária, contabilística e<br />

administrativa 9 . Como princípios gerais, salienta a indivisibilidade da relação<br />

autoridade-responsabilidade, a definição clara da comunicação no interior do<br />

sistema hierárquico (quem obedece a quem), a centralização <strong>dos</strong> processos<br />

enquanto factor de ordem interna e a equidade nas decisões de forma a evitar<br />

sentimentos de injustiça perturbadores do funcionamento da organização.<br />

2.2 O modelo burocrático e a modernidade<br />

organizacional<br />

O fenómeno burocrático, verdadeiramente revolucionário no domínio <strong>das</strong><br />

tecnologias de poder e da administração <strong>das</strong> organizações, foi primeiramente<br />

identificado e caracterizado por Max Weber no quadro da evolução e<br />

9 A unidade administrativa era considerada a função mais importante no funcionamento global<br />

da empresa, na medida em que, almejando a harmonização de to<strong>dos</strong> os actos organizacionais,<br />

concentraria competências de planeamento, organização, comando, coordenação e controlo<br />

<strong>dos</strong> múltiplos processos organizacionais.<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 33


acionalização histórica do capitalismo e da afirmação do Estado Liberal.<br />

Ideologicamente, contesta a centralidade da conflitualidade de classe<br />

desenvolvida pela tradição do pensamento marxista <strong>sobre</strong> a génese da<br />

modernidade capitalista, recolocando a problemática no quadro de valores<br />

emergentes nas sociedades ocidentais e conferindo particular atenção à<br />

natureza da acção social que se lhe encontra associada.<br />

34<br />

Esta abordagem encontra no movimento de racionalização <strong>das</strong><br />

instituições – e do Estado em particular – os fundamentos basilares da nova<br />

ordem social e económica, nascida a partir do século XIX, distinguindo e<br />

analisando os vários tipos de acção predominantes no comportamento social<br />

moderno. Os diferentes tipos de acção encontram-se indexa<strong>dos</strong> a modelos<br />

gerais de autoridade e dominação que estariam subjacentes, não apenas ao<br />

aparelho do Estado, mas também a outras instituições, organizações ou corpos<br />

sociais modernos. A problemática da legitimidade – por oposição ao poder 10<br />

discricionário, coercivo e infundado – no exercício de poder organizacional<br />

conduz o pensamento weberiano à criação de <strong>um</strong>a tipologia tripartida de<br />

autoridade, em que a autoridade legal-racional representa, por excelência, a<br />

modernidade burocrática 11 .<br />

A importância conferida à legalidade faz com que a normatividade da lei<br />

ou da regra seja a fonte de legitimidade no interior <strong>das</strong> organizações e o seu<br />

principal factor de mobilização ou desmobilização organizacional. A<br />

formalização <strong>dos</strong> procedimentos (cultura formalista) constitui a referência para<br />

a validade da acção organizacional, pelo que a burocracia se converte no único<br />

dispositivo de codificação e descodificação da linguagem organizacional, tal<br />

10 Do ponto de vista weberiano, a noção de poder não deverá ser confundida com a noção de<br />

autoridade. Se a primeira remete para a capacidade impositiva de <strong>um</strong>a vontade <strong>sobre</strong> outrem,<br />

a segunda requer que “quem domina tenha a noção, e acredite, que tem o direito de exercer o<br />

poder <strong>sobre</strong> os seus subordina<strong>dos</strong>. Em contrapartida, quem é dominado e simultaneamente<br />

subordinado considera <strong>um</strong> dever e <strong>um</strong>a obrigação obedecer às ordens que provêm <strong>dos</strong> seus<br />

superiores” (Ferreira et al., 1996: 20).<br />

11 São sociologicamente diferencia<strong>das</strong> a autoridade tradicional, a autoridade carismática e a<br />

autoridade racional/legal/burocrática.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


como no único meio de exercer e obedecer à autoridade e à hierarquia da<br />

organização. Por comparação com os modelos de autoridade tradicional e<br />

carismática, este modelo demonstrava ganhos exponenciais de produtividade,<br />

eficiência e funcionalidade, revelando-se intimamente articulado com as lógicas<br />

instr<strong>um</strong>entais do sistema capitalista em progressiva expansão, comportando,<br />

nesse sentido, <strong>um</strong>a transformação organizacional indispensável à própria<br />

sustentabilidade <strong>das</strong> dinâmicas económicas, sociais e institucionais de <strong>um</strong><br />

período muito concreto da modernidade: o capitalismo organizado (Santos,<br />

1999).<br />

Protagonizando <strong>um</strong> reformismo institucional sem precedentes, este<br />

modelo de autoridade organizacional burocrática desfrutou de amplos níveis de<br />

disseminação nas administrações públicas ocidentais, inspirando igualmente<br />

muitas <strong>das</strong> transformações empresariais opera<strong>das</strong> ao longo do século XX e<br />

influenciando as próprias organizações do terceiro sector (economia social).<br />

Apresentamos, em seguida, de forma breve, as principais características deste<br />

modelo organizacional, apresenta<strong>das</strong> por Max Weber na sua obra de referência<br />

Economia e Sociedade (1922).<br />

A racionalidade jurídica era trazida para o interior <strong>das</strong> organizações<br />

através de regras formais e regulamentos escritos, instr<strong>um</strong>entos de aplicação,<br />

específica e concreta, de leis gerais e abstractas. As organizações eram,<br />

assim, desdobra<strong>das</strong> em serviços defini<strong>dos</strong>, com o máximo de rigor técnico e<br />

procedimental, encorajando-se o c<strong>um</strong>primento escrupuloso <strong>das</strong> respectivas<br />

tarefas, por parte <strong>dos</strong> seus funcionários, e evitando-se margens de liberdade<br />

que introduzissem incerteza, imprevisibilidade e arbitrariedade no contexto<br />

organizacional.<br />

O sistema burocrático estruturava-se, ainda, de acordo com o princípio<br />

de organização hierárquica e vertical da autoridade, de forma a assegurar a<br />

ordem interna e a garantir que a subordinação não suscitasse ambiguidade<br />

prática e regulamentar. A noção de competência técnica ganhou relevância na<br />

selecção e avaliação <strong>dos</strong> funcionários, pelo que a sua admissão, transferência<br />

ou promoção se encontrava estritamente vinculada a critérios de mérito<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 35


objectivos e formais aferi<strong>dos</strong> através de <strong>um</strong> conjunto de instr<strong>um</strong>entos<br />

avaliativos e comprovativos como diplomas, exames e concursos.<br />

36<br />

Defendia-se a prevalência <strong>das</strong> relações de tipo formal, procurando<br />

extinguir ou limitar a informalidade e despersonalizar as práticas e as<br />

dinâmicas organizacionais, corporizando a emergência de <strong>um</strong>a cultura<br />

doc<strong>um</strong>ental e procedimental, tanto ao nível <strong>dos</strong> processos decisórios como <strong>dos</strong><br />

padrões de comunicação e interacção desenvolvi<strong>dos</strong> nas organizações. O<br />

profissionalismo e a impessoalidade c<strong>um</strong>priam, do ponto de vista weberiano,<br />

<strong>um</strong>a função essencial à modernização e racionalização <strong>das</strong> organizações,<br />

visando ultrapassar os efeitos negativos do nepotismo e da discricionariedade<br />

que, na sua perspectiva, dominavam nas organizações pré-burocráticas. É,<br />

assim, possível afirmar que a aliança entre a equidade e a tecnicidade é<br />

estruturante <strong>das</strong> organizações burocráticas, revelando <strong>um</strong>a forte desconfiança<br />

administrativa face à espontaneidade do comportamento social (daí o controlo,<br />

a formalização e a imparcialidade relacional).<br />

Os mecanismos promocionais passaram a depender de <strong>um</strong>a fórmula<br />

que articula o desempenho técnico competente com a <strong>experiência</strong> ac<strong>um</strong>ulada<br />

na função. A remuneração regular <strong>dos</strong> funcionários – acompanhando as<br />

grandes transformações salariais nas sociedades contemporâneas – constituía<br />

ainda <strong>um</strong>a característica importante da administração burocrática,<br />

nomeadamente a ideia da segurança e estabilidade remuneratória, ancorada<br />

n<strong>um</strong>a visão contínua da carreira e de emprego fixo.<br />

Em jeito de conclusão, é possível dizer-se que, entre outras<br />

características particulares do modelo burocrático proposto por Max Weber, a<br />

precisão, a eficácia, a unidade, a subordinação estrita e a redução de custos<br />

constituem alguns <strong>dos</strong> aspectos introduzi<strong>dos</strong> por este movimento<br />

racionalizador da vida e do desempenho organizacional. Ainda que este<br />

modelo tenha entrado em crise, convém sublinhar o facto de ter sido a partir do<br />

conceito de burocracia que foi possível pensar reformas mais amplas e<br />

arroja<strong>das</strong> no domínio da administração pública e <strong>das</strong> organizações priva<strong>das</strong>,<br />

materializando aquilo que poderemos designar de modernidade organizacional.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


2.3 A perda da centralidade do modelo burocrático e a<br />

emergência de novos paradigmas<br />

2.3.1 Da escola <strong>das</strong> relações h<strong>um</strong>anas às abordagens<br />

manageriais<br />

Um <strong>dos</strong> primeiros e mais significativos movimentos de reacção às<br />

abordagens clássicas <strong>das</strong> organizações foi protagonizado, entre outros, por<br />

teóricos como Elton Mayo, Kurt Lewin e John Dewey, precursores da Escola<br />

<strong>das</strong> Relações H<strong>um</strong>anas. Este movimento, inspirado na filosofia pragmática e<br />

em ideais h<strong>um</strong>anistas, centrou as suas preocupações na crítica ao<br />

mecanicismo, à instr<strong>um</strong>entalidade e ao formalismo propostos pelas abordagens<br />

clássicas, explorando a ideia de que os níveis de integração social e<br />

organizacional são tão ou mais importantes para o desempenho global <strong>das</strong><br />

organizações que a lógica científica e burocrática de divisão e organização do<br />

trabalho.<br />

Assim, mais do que as competências técnicas estritas, a capacidade<br />

social <strong>dos</strong> trabalhadores, as dinâmicas de grupo, as interacções e<br />

sociabilidades informais e o grau de motivação e satisfação <strong>dos</strong> trabalhadores<br />

constituíam os eixos mais importantes, a partir <strong>dos</strong> quais seria possível dotar<br />

as organizações de maior eficiência e eficácia.<br />

Esta abordagem considerava, ainda, que a especialização excessiva do<br />

trabalho constituía <strong>um</strong>a fragmentação da actividade organizacional que poderia<br />

vir a ter <strong>um</strong> impacto negativo no desempenho global. Em termos gerais, se as<br />

teorias clássicas pensavam as organizações como máquinas, enfatizando as<br />

tarefas e a tecnologia e inspirando-se em sistemas de engenharia, a teoria <strong>das</strong><br />

relações h<strong>um</strong>anas focava-se <strong>sobre</strong>tudo no ambiente organizacional 12 , nas suas<br />

estruturas grupais e na dimensão h<strong>um</strong>ana subjacente às relações de trabalho.<br />

12 Para <strong>um</strong>a recensão da história e da problemática do clima organizacional, cf. Chambel e<br />

Curral (2008).<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 37


A importância atribuída às equipas de trabalho legitimava agora <strong>um</strong> sistema de<br />

delegação de autoridade que beneficiava da autonomia confiada aos<br />

trabalhadores. Em s<strong>um</strong>a, o respeito pelas regras e regulamentos cedia lugar à<br />

ênfase nas relações h<strong>um</strong>anas e na dinâmica grupal e interpessoal.<br />

38<br />

Esta teoria veio dar visibilidade e preponderância à motivação, à<br />

liderança e à comunicação organizacionais, enquanto factores decisivos a <strong>um</strong>a<br />

<strong>gestão</strong> flexível e eficiente do trabalho, gerando novas abordagens teóricas e<br />

conceptuais de grande importância. Contudo, a sua oposição às abordagens<br />

clássicas, descartando muito do seu contributo racionalizador, a sua concepção<br />

<strong>das</strong> relações de trabalho como se a autodisciplina fosse apanágio natural <strong>dos</strong><br />

grupos sociais e ainda o enfoque excessivo na informalidade organizacional,<br />

evidenciavam, para muitos autores, as suas limitações.<br />

Nas críticas ao modelo burocrático destaca-se Robert Merton (1949),<br />

chamando a atenção para as disfunções burocráticas, o impacto da prescrição<br />

estrita de tarefas <strong>sobre</strong> a motivação <strong>dos</strong> emprega<strong>dos</strong>, a resistência às<br />

mudanças e desvirtuamento de objectivos provocado pela obediência acrítica<br />

às normas (apud Secchi, 2009: 353) constituem efeitos negativos da<br />

administração burocrática <strong>das</strong> organizações, a par do enfoque na antiguidade<br />

como critério promocional, desencorajando <strong>um</strong>a salutar competição interna e<br />

convidando à inércia organizacional. É, aliás, nesse sentido que se questiona a<br />

eficiência da burocracia quando as organizações gozam de <strong>um</strong>a situação de<br />

monopólio na prestação de serviços públicos, que as imuniza a estímulos<br />

concorrenciais a partir do exterior.<br />

A abertura à sociedade será, como veremos adiante, <strong>um</strong> ponto de<br />

partida para repensar as lógicas organizacionais na perspectiva da qualidade<br />

<strong>dos</strong> seus outputs e da satisfação <strong>dos</strong> seus beneficiários, utentes ou clientes. A<br />

partir de mea<strong>dos</strong> do século XX, intensificam-se as críticas ao modelo<br />

burocrático, ainda que com proveniências e direcções distintas e, por vezes,<br />

contraditórias, entrando-se no que se designa de era pós-burocrática.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


2.4 As teorias manageriais<br />

No essencial, esta nova era, genericamente adjectivada como<br />

managerial, caracteriza-se por <strong>um</strong> conjunto de orientações comuns no domínio<br />

organizacional que, de acordo com Lane (1995), representa <strong>um</strong>a gradual<br />

substituição de <strong>um</strong> Estado Administrativo, ideologicamente conotada com o<br />

modelo burocrático 13 , como resposta à ineficácia deste. Essas novas<br />

orientações apontam para a profissionalização da <strong>gestão</strong>; a empresarialização;<br />

a redução <strong>dos</strong> níveis hierárquicos e, consequente, achatamento <strong>dos</strong> designs<br />

piramidais <strong>das</strong> organizações; a descentralização e fragmentação em unidades<br />

administrativas; a competição intra e interorganizacional; a focalização nos<br />

resulta<strong>dos</strong>; a prestação de contas (accountability); e a marketização.<br />

Hood (1995) sintetiza as principais características da administração<br />

pública managerial, concedendo destaque à desagregação <strong>dos</strong> serviços<br />

públicos em unidades especializa<strong>das</strong>, à competição entre organizações<br />

públicas e entre serviços públicos e priva<strong>dos</strong>, ao recurso a práticas de <strong>gestão</strong><br />

típicas da administração privada, ao empreendedorismo organizacional, à<br />

autonomia decisória, à avaliação do desempenho e à centralização nos<br />

outputs. A capacidade de resposta, a flexibilidade e elasticidade são conceitos<br />

chave associa<strong>dos</strong> a este novo modelo de <strong>gestão</strong>.<br />

A emergência e hegemonia destas novas teorias, no quadro <strong>das</strong><br />

reformas desencadea<strong>das</strong> na administração pública a partir <strong>dos</strong> anos 80 –<br />

com<strong>um</strong>mente designa<strong>das</strong> como New Public Management –, têm sido<br />

percepciona<strong>das</strong> com relativa ambivalência: por <strong>um</strong> lado, procura-se superar as<br />

limitações e os constrangimentos intrínsecos aos modelos burocráticos de<br />

organização, caracteriza<strong>dos</strong> pela sua rigidez funcional, fechamento orgânico à<br />

13 O que significa que a emergência deste novo paradigma ocorre não apenas com base n<strong>um</strong><br />

consenso tecnocrático <strong>sobre</strong> as organizações mas, igualmente, n<strong>um</strong> consenso ideológico<br />

<strong>sobre</strong> o papel do Estado nas sociedades contemporâneas, <strong>sobre</strong> as relações de poder nas<br />

organizações públicas e <strong>sobre</strong> a preponderância do sector privado na provisão de bens e<br />

serviços.<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 39


sociedade e ineficiência administrativa; por outro, como corporizante de <strong>um</strong>a<br />

transformação política mais ampla, assente n<strong>um</strong> novo consenso ideológico de<br />

natureza neoliberal: o Estado e a administração pública são sinónimos de<br />

desperdício irreformável, abrindo campo a <strong>um</strong> novo receituário político baseado<br />

na privatização do máximo de subsectores públicos alienáveis para o mercado<br />

e na adopção de modelos de <strong>gestão</strong> equipara<strong>dos</strong> ao sector privado, no caso da<br />

sua manutenção na esfera pública.<br />

40<br />

Assim, ganha corpo a ideia segundo a qual, à semelhança <strong>das</strong><br />

organizações priva<strong>das</strong> que se considera funcionarem de forma mais eficiente<br />

por serem orienta<strong>das</strong> pelo lucro e pela oferta <strong>dos</strong> seus bens e serviços estar<br />

relacionada à procura <strong>dos</strong> mesmos, o Estado também dever organizar-se com<br />

base n<strong>um</strong>a filosofia similar (Ng, 2007: 11). Adverte-se, porém, que, embora os<br />

referenciais da <strong>gestão</strong> empresarial possam ser úteis à reforma da <strong>gestão</strong><br />

pública, não devem ser transplanta<strong>dos</strong> para as organizações públicas sem que<br />

se tenha na devida conta a sua missão primordial, os seus objectivos e os seus<br />

principais fundamentos políticos. Desde logo, o conceito de cidadania deverá<br />

prevalecer face ao estatuto de cons<strong>um</strong>idor 14 .<br />

A aferição <strong>dos</strong> padrões de desempenho, a qualidade e a eficácia <strong>das</strong><br />

organizações públicas recentram-se na satisfação <strong>dos</strong> cidadãos utentes <strong>dos</strong><br />

serviços a<strong>um</strong>entando a confiança social nas organizações e, em consequência,<br />

conferindo-lhes maior legitimidade. Como melhor se verá adiante, no quadro<br />

<strong>dos</strong> modelos de excelência, o critério sociedade ou o retorno social ass<strong>um</strong>em-<br />

se como <strong>um</strong> importante dispositivo e sendo precisamente aquele que, a par<br />

<strong>dos</strong> ganhos de eficiência e da qualidade nos resulta<strong>dos</strong>, permite <strong>um</strong>a<br />

ampliação da noção de prestação de contas, para além <strong>dos</strong> mecanismos de<br />

14 Para Madureira e Rodrigues, “a escola managerial não só não resolveu os problemas<br />

públicos de forma taxativa, como incorreu em incoerências diversas, proclamando não raras<br />

vezes a descentralização, a delegação de competências e a desregulação como medi<strong>das</strong><br />

fundamentais para a mudança de paradigma na reforma administrativa, mas mantendo o poder<br />

hierárquico altamente centralizado na prática. Este foi o terreno propício para que,<br />

independentemente de to<strong>das</strong> as discussões conceptuais acerca do mesmo, o conceito de<br />

governance tivesse ganho peso” (2006: 158).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


esponsabilização, transparência e controlo. Neste contexto, a prestação de<br />

contas <strong>das</strong> organizações públicas exerce <strong>um</strong>a função equivalente à<br />

concorrência nas organizações priva<strong>das</strong> e lucrativas. Considera-se, ainda, que<br />

o envolvimento regrado e operacionalizado <strong>dos</strong> cidadãos na vida <strong>das</strong><br />

organizações – que poderá reportar-se tanto à definição <strong>dos</strong> padrões de<br />

atendimento e acessibilidade, como a outros procedimentos organizacionais<br />

socialmente relevantes e escrutináveis –, para além de constituir <strong>um</strong> factor<br />

facilitador da <strong>gestão</strong> da complexidade, obriga à transparência <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong><br />

como complemento do controlo político normal e da legitimidade democrática<br />

(Langbroek, 2005: 50).<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 41


2.5 O conceito de governação e as novas abordagens<br />

organizacionais<br />

42<br />

Nos anos mais recentes, novas perspectivas teóricas têm vindo a ser<br />

desenvolvi<strong>das</strong> à volta <strong>dos</strong> conceitos de governação e de excelência,<br />

protagonizando <strong>um</strong>a transformação importante nos estu<strong>dos</strong> organizacionais<br />

contemporâneos e comportando, não apenas <strong>um</strong>a nova linguagem<br />

caracterizadora <strong>das</strong> dinâmicas e <strong>dos</strong> processos organizacionais, como <strong>um</strong><br />

novo campo de técnicas e de oportunidades gestionárias. Para alguns 15 , a<br />

governação organizacional deveria c<strong>um</strong>prir, <strong>sobre</strong>tudo, <strong>um</strong>a função<br />

catalizadora que, ao invés de concentrar para si o comando, a <strong>gestão</strong> e a<br />

implementação de medi<strong>das</strong>, deveria dar prioridade à harmonização da acção<br />

desenvolvida por diferentes actores organizacionais. A descentralização<br />

deliberativa e funcional permite <strong>um</strong> melhor aproveitamento <strong>dos</strong> conhecimentos,<br />

<strong>das</strong> capacidades e <strong>das</strong> competências existentes na organização, estimulando a<br />

inovação prática e reflectindo-se na motivação <strong>dos</strong> funcionários.<br />

O conceito de governação organizacional, importado de outros campos<br />

disciplinares, ganhou forte expressão ideológica e académica com o fenómeno<br />

da globalização 16 . Em traços largos, remete para o afastamento do Estado,<br />

enquanto entidade autónoma e isolada na sua função provisional e regulatória<br />

e, portanto, para a transição para <strong>um</strong> modelo colaborativo e articulado entre<br />

diferentes actores estatais e não estatais 17 na produção de políticas públicas. A<br />

penetração daquele conceito na esfera e na linguagem organizacional pública<br />

está fortemente relacionada, tanto com o a<strong>um</strong>ento da complexidade e <strong>dos</strong><br />

15 Na linha do famoso best-seller de Peters e Waterman, In Search of Excellence (1982),<br />

Osborne e Gaebler (1992) dedicaram-se ao estudo do governo empreendedor enquanto<br />

modelo pragmático de <strong>gestão</strong> pública, explorando <strong>um</strong> conjunto amplo de dimensões gerenciais<br />

decisivas à transformação de <strong>um</strong>a organização pública burocrática n<strong>um</strong>a organização pública<br />

racional, eficaz, competitiva e flexível.<br />

16 Para <strong>um</strong>a genealogia crítica do conceito, cf. Santos (2003).<br />

17 Sobre o papel do Estado como Novíssimo Movimento Social, protagonista da coordenação<br />

<strong>dos</strong> diferentes actores provisionais e regulatórios, cf. Santos (2002).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


fluxos de informação a que as organizações se encontram expostas, como com<br />

a necessidade de <strong>um</strong> maior e mais eficaz controlo <strong>dos</strong> processos e <strong>dos</strong><br />

resulta<strong>dos</strong> reivindica<strong>dos</strong> pelos diferentes stakeholders. Nesse sentido,<br />

administrar o sector público passa por <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> de redes complexas,<br />

compostas por actores diversos (com aprendizagens, expectativas e<br />

comportamentos diferencia<strong>dos</strong>), por grupos de pressão, grupos políticos,<br />

instituições sociais e empresas priva<strong>das</strong>. Existindo conflito de interesses entre<br />

estes actores, a <strong>gestão</strong> pública deve ser capaz de os gerir, não devendo impor<br />

unilateralmente a sua vontade (Madureira e Rodrigues, 2006: 157). Todo este<br />

processo envolve <strong>um</strong>a transformação profunda nos cenários organizacionais,<br />

sendo que a antecipação, a adaptação e a capacidade de influência <strong>sobre</strong> as<br />

mudanças em curso são factores determinantes para a sustentabilidade deste<br />

novo paradigma administrativo <strong>das</strong> organizações.<br />

No quadro deste novo conceito, a <strong>gestão</strong> por objectivos, focalizada nos<br />

outputs e no impacto social da actividade organizacional, a par da satisfação<br />

<strong>dos</strong> cidadãos utentes, ass<strong>um</strong>e <strong>um</strong> papel central. O planeamento estratégico<br />

<strong>das</strong> organizações deve, ainda, incentivar <strong>um</strong>a cultura preventiva e pró-activa<br />

face aos problemas menos rotiniza<strong>dos</strong>, contrariando as lógicas reactivas típicas<br />

do comportamento burocrático perante a contingência e a incerteza.<br />

A sua aplicação às organizações públicas não pode, contudo, perder de<br />

vista que elas são portadoras de <strong>um</strong>a racionalidade distinta e que, por vezes,<br />

alg<strong>um</strong>as <strong>das</strong> referi<strong>das</strong> características são ofensivas <strong>dos</strong> princípios e garantias<br />

de que as organizações públicas, e os <strong>tribunais</strong> em particular, são portadores.<br />

Pelo que as noções mais normativas e hegemónicas de informalidade,<br />

simplificação e celeridade de procedimentos não poderão aplicar-se acrítica e<br />

irresponsavelmente em instituições públicas, em particular judiciárias, nas<br />

quais os elementos procedimentais e burocráticos também constituem<br />

modernas garantias <strong>dos</strong> cidadãos.<br />

Este novo conceito abre, igualmente, espaço à problematização <strong>dos</strong><br />

fenómenos inter-organizacionais e à cultura de interface e de articulação que,<br />

nalguns países e sectores se tem vindo a consolidar; enquanto noutros, pelo<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 43


contrário, tem revelado dificuldades de sedimentação nas organizações<br />

públicas. Esta é, aliás, <strong>um</strong>a componente, como temos vindo a demonstrar em<br />

vários trabalhos do OPJ, que revela muitas debilidades no sector da justiça<br />

entre nós. O sistema não consegue responder eficientemente à progressiva<br />

intensidade e complexidade da relação entre as estruturas judiciais e as<br />

múltiplas instituições conexas. Esta circunstância obriga a que se faça <strong>um</strong>a<br />

análise crítica e exaustiva <strong>das</strong> redes organizacionais e do grau de preparação<br />

<strong>das</strong> organizações para as mudanças necessárias à afirmação de <strong>um</strong>a lógica de<br />

projecto e de parceria que efective a qualidade nos resulta<strong>dos</strong> finais, nos<br />

serviços presta<strong>dos</strong> aos cidadãos e, em última instância, na garantia <strong>dos</strong> seus<br />

direitos legalmente consagra<strong>das</strong>. Isto significa que, embora constituam temas<br />

aparentemente distantes, as dinâmicas organizacionais possuem <strong>um</strong>a relação<br />

íntima e decisiva com aquilo que de mais essencial pode existir n<strong>um</strong>a noção<br />

realista e sociologicamente construída de Estado de direito democrático.<br />

44<br />

As novas abordagens organizacionais salientam, igualmente, outras<br />

vertentes. Preparar, qualificar e operacionalizar as organizações públicas para<br />

as mudanças, requeri<strong>das</strong> tanto por novos como por velhos desafios (de ordem<br />

cívica, jurídica e social), significa, entre outras coisas, conferir <strong>um</strong>a especial<br />

atenção ao papel <strong>das</strong> lideranças na condução e no acompanhamento desse<br />

processo, partindo da relação estreita entre cultura, estratégia e liderança.<br />

Neste sentido, Schein (1993) propõe <strong>um</strong>a distinção que se revela, neste<br />

contexto, particularmente útil, entre liderança transaccional e liderança<br />

transformacional, de forma a caracterizar técnicas, comportamentos e atitudes<br />

liderantes adequa<strong>dos</strong> a carências e etapas organizacionais, a partir da tensão<br />

entre estabilidade e mudança.<br />

Se a primeira (transaccional) se reporta à capacidade de assegurar a<br />

rotinização <strong>dos</strong> processos, baseando-se n<strong>um</strong>a relação líder/subordina<strong>dos</strong> na<br />

motivação destes últimos para o c<strong>um</strong>primento <strong>dos</strong> objectivos pré-defini<strong>dos</strong> e na<br />

clarificação de papéis associa<strong>dos</strong> às tarefas, a segunda (transformacional) visa<br />

influenciar o curso de recomposições e alterações mais amplas na<br />

organização, procurando mobilizar e capacitar os seus membros para a<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


mudança organizacional. Capacidade na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> riscos, <strong>das</strong> oportunidades<br />

e <strong>das</strong> expectativas são traços liderantes fundamentais para o sucesso da<br />

transformação e adaptação <strong>das</strong> organizações a novas orientações funcionais e<br />

administrativas. É, aliás, por essa via que, na esteira de Hood e Lodge (2004),<br />

é possível afirmar que a administração pública moderna se passou a<br />

apresentar essencialmente como <strong>um</strong> mediador de actores, factores e<br />

circunstâncias variáveis: a reforma administrativa poderá ser encarada como<br />

<strong>um</strong> projecto integrado, complexo e diversificado onde é realmente necessária<br />

<strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> atenta e conciliadora <strong>dos</strong> diversos actores, <strong>dos</strong> seus<br />

comportamentos e <strong>das</strong> suas expectativas, de forma a que se possam servir<br />

to<strong>das</strong> sem arbítrios (Madureira e Rodrigues, 2006: 157). A liderança deve<br />

flexibilizar-se e ajustar-se em função <strong>dos</strong> cenários e <strong>dos</strong> contextos específicos<br />

que caracterizam as organizações, ultrapassando a rigidez categorial <strong>das</strong><br />

concepções que prevaleceram, <strong>sobre</strong>tudo, até à década de 60.<br />

Neste processo, a aprendizagem organizacional ass<strong>um</strong>e <strong>um</strong> papel<br />

crucial. A incorporação de conhecimento (tanto no domínio técnico,<br />

especializado, como no campo <strong>dos</strong> saberes relacionais, interpessoais e<br />

informais, imprescindíveis ao desenvolvimento de <strong>um</strong>a nova cultura<br />

profissional) e a potenciação da alteração comportamental constituem os<br />

termos mais estruturantes dessa aprendizagem que pode definir os termos da<br />

relação entre estabilidade e mudança 18 .<br />

Na perspectiva de Fiol e Lyles (1985), os ambientes demasiado estáveis<br />

não convidam à alteração <strong>das</strong> práticas nem suscitam novas oportunidades.<br />

Mas, o seu contrário também não reunirá as características mais propícias à<br />

aprendizagem, nomeadamente, à rentabilização organizacional do processo<br />

18 A relação entre mudança e aprendizagem não é, contudo, linear. De acordo com Hedberg<br />

(1981), o conceito de mudança reporta-se ao ajustamento defensivo a <strong>um</strong> estímulo, de<br />

proveniência interna ou externa à organização, ao passo que o conceito de aprendizagem<br />

envolve a compreensão <strong>dos</strong> nexos e <strong>das</strong> razões associa<strong>das</strong> à mudança operada no sistema de<br />

práticas e no ambiente organizacional, contribuindo para a produção, ass<strong>um</strong>pção e<br />

disseminação de novos saberes úteis à dinâmica funcional, cultural e comunicacional <strong>das</strong><br />

organizações.<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 45


aquisitivo, na medida em que as situações de extrema instabilidade implicam,<br />

geralmente, <strong>um</strong>a elevada <strong>sobre</strong>carga para os comportamentos quotidianos,<br />

impondo respostas adaptativas imediatas sem que seja garantido espaço para<br />

o desenvolvimento cognitivo <strong>dos</strong> sujeitos, o que exige mudanças graduais<br />

(Parente, 2006: 90).<br />

46<br />

Do ponto de vista <strong>das</strong> condições para a execução da mudança, o<br />

envolvimento <strong>dos</strong> intervenientes será tanto mais importante quanto mais a<br />

orientação gestionária adoptar <strong>um</strong>a estratégia antropocêntrica, por oposição a<br />

<strong>um</strong>a estratégia tecnocêntrica. Se esta última é dirigida às dimensões<br />

estritamente operacionais, a primeira assenta n<strong>um</strong>a tónica gerencial centrada<br />

no potencial e no capital h<strong>um</strong>ano 19 <strong>das</strong> organizações, procurando enriquecer<br />

os conteú<strong>dos</strong> desenvolvi<strong>dos</strong> na actividade organizacional. Daí que as<br />

condições de aprendizagem que a figura seguinte ilustra devam ser ti<strong>das</strong> em<br />

conta pelas lideranças (Parente, 2006).<br />

19 A noção de capital h<strong>um</strong>ano tem sido objecto de <strong>um</strong>a discussão sociológica própria. Sendo<br />

vasta a literatura que se tem dedicado à sua conceptualização e operacionalização, tem vindo<br />

a sofrer diferentes reconstruções e ampliações desde a sua proposta inicial nos anos 60<br />

(Becker, 1994), ultrapassando o seu significado e a sua aplicação original. Para novos<br />

desenvolvimentos, cf. Oliveira e Holland (2007).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Figura 1. Condições organizacionais de aprendizagem<br />

Fonte: Parente, 2006: 100<br />

Uma dimensão sociológica fundamental <strong>dos</strong> processos de mudança nas<br />

organizações consiste na forma como se estruturam as múltiplas frentes de<br />

resistência à introdução de novos méto<strong>dos</strong> de trabalho e, em geral, à<br />

transformação racionalizadora da vida organizacional. As condições de<br />

aprendizagem organizacional são, como vimos, factores importantes, no<br />

sentido de ganhar ou cativar os seus membros e destinatários para as reformas<br />

a desenvolver. Mas, como salientam Madureira e Rodrigues (2006), a questão<br />

interpretativa apresenta excepcional relevância, na medida em que a forma<br />

como são percepciona<strong>dos</strong> e experimenta<strong>dos</strong> os termos da mudança (direcção,<br />

justificação, condução e implicações directas e indirectas) nas organizações<br />

constitui <strong>um</strong> elemento determinante do seu sucesso ou do seu fracasso.<br />

De acordo com Kanter, Stein e Jick (1992), são várias as circunstâncias<br />

e os conteú<strong>dos</strong> da mudança susceptíveis de gerar reacções adversas por parte<br />

<strong>dos</strong> colaboradores. Desde logo, o impacto da mudança nas condições laborais<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 47


e nos vínculos contratuais constitui <strong>um</strong> elemento objectivo com efeitos no clima<br />

organizacional. No caso específico da administração pública portuguesa, este<br />

problema pode ganhar contornos mais agu<strong>dos</strong> pelo facto do sector beneficiar<br />

de <strong>um</strong> enquadramento mais protector/garantístico no domínio da legislação<br />

laboral. Neste aspecto, os estatutos sócio-profissionais do sector da justiça<br />

obrigam a especiais cuida<strong>dos</strong> no impacto <strong>das</strong> políticas organizacionais para<br />

este sector.<br />

48<br />

A perda de privilégios ou de controlo organizacional, a par da perda da<br />

hegemonia <strong>das</strong> competências (por via, por exemplo, da introdução de<br />

tecnologias que os colaboradores não dominam), constituem áreas de<br />

mudança fortemente carrega<strong>das</strong> de potencial de resistência, pelo que a aposta<br />

em novas competências comportamentais para os funcionários [pode] ser<br />

importante para a restituição de confiança e de auto-estima <strong>dos</strong> mesmos, que<br />

não devem sentir-se excluí<strong>dos</strong> [...]. Se existir <strong>um</strong>a exclusão generalizada <strong>dos</strong><br />

funcionários n<strong>um</strong> processo de mudança, este pode tornar-se contra-producente<br />

e mesmo perigoso para a <strong>sobre</strong>vivência <strong>das</strong> organizações públicas (Madureira<br />

e Rodrigues, 2006: 163). Conquistar os agentes, tornando-os parte activa do<br />

processo de mudança é, por isso, fundamental nos processos de reforma.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


2.6 Dos conceitos de qualidade e de excelência: breve<br />

abordagem 20<br />

Os múltiplos significa<strong>dos</strong> e o carácter corrente da palavra qualidade – de<br />

origem latina qualitas, que significa qualidade, maneira de ser, propriedade <strong>das</strong><br />

coisas [o que determina o que a coisa é (Aristóteles)] – quando utilizada em<br />

contextos varia<strong>dos</strong>, não deixa de ter alg<strong>um</strong>a analogia com as perspectivas<br />

diferencia<strong>das</strong> que o termo pode revelar n<strong>um</strong> contexto de <strong>gestão</strong>.<br />

A evolução do conceito de qualidade, revisto largamente na literatura,<br />

pode ser hoje de forma consensual tipificado em cinco fases:<br />

Inspecção: focalizada no produto, onde o conceito de qualidade surge<br />

ligado à medição, comparação, verificação <strong>das</strong> actividades que determinam<br />

a classificação do produto (década de 20);<br />

Controlo da qualidade: focalizado no processo produtivo, onde o conceito<br />

de qualidade surge ligado ao controlo estatístico e monitorização do<br />

processo (déca<strong>das</strong> de 30 a 50);<br />

Garantia de qualidade: focalizado em outros processos da organização,<br />

para além do processo produtivo, onde a qualidade surge associada ao<br />

planeamento, aos projectos, etc. (década de 60);<br />

Gestão da qualidade: focalizada no cliente, nas suas necessidades e nível<br />

de satisfação, onde o conceito de qualidade é integrado na <strong>gestão</strong> global<br />

da organização. O planeamento, controlo e a melhoria estão em conjunto<br />

presentes (década de 70 e 80);<br />

Qualidade na excelência: focalizada n<strong>um</strong>a cultura da organização que<br />

assegura a satisfação <strong>dos</strong> clientes (a partir da década de 90).<br />

Ao longo do último século, o quadro conceptual da qualidade foi<br />

crescendo de abrangência e de complexidade, embora tenha sido<br />

fundamentalmente a partir da década de setenta que o debate teórico se<br />

20 O texto constante deste ponto, ligeiramente revisto, é da autoria da consultora deste projecto<br />

Margarida Mano.<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 49


desenvolveu significativamente 21 . Neste percurso, o conceito de excelência<br />

enquadra-se n<strong>um</strong>a fase de maturidade do processo, n<strong>um</strong>a óptica de qualidade<br />

total (Total Quality Management) ou, conforme usualmente referenciado nas<br />

áreas da educação e da saúde nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> da América (EUA), de<br />

melhoria de qualidade contínua (Continuous Quality Improvement).<br />

50<br />

Aos modelos de excelência, ou de qualidade total, subjaz <strong>um</strong>a filosofia<br />

de <strong>gestão</strong> que centra a organização naquele que é a razão de ser última da<br />

sua actividade (o cliente/o utente/o cidadão) e n<strong>um</strong>a dinâmica de melhoria<br />

contínua. Neste contexto, pressupõe-se <strong>um</strong>a abordagem sistémica 22 com<br />

princípios de <strong>gestão</strong> aplica<strong>dos</strong> em to<strong>dos</strong> os níveis, to<strong>dos</strong> os estádios e to<strong>dos</strong> os<br />

departamentos da organização, tendo sido cria<strong>dos</strong> a nível internacional vários<br />

programas de incentivos à utilização destes modelos, designa<strong>dos</strong> de prémios<br />

de excelência, de que se destacam: Deming Prize fundado no Japão, pelo<br />

Japanese Union of Scientists and Engineers, em 1951; Malcolm Baldrige<br />

Award, nos EUA, cujo primeiro prémio foi distribuído em 1988; e European<br />

Quality Award na Europa, primeiro prémio atribuído pela European Foundation<br />

for Quality Management em 1992.<br />

O modelo baseado na filosofia da <strong>gestão</strong> pela qualidade total de<br />

referência na Europa é o modelo da EFQM. Trata-se de <strong>um</strong>a ferramenta que<br />

pretende possibilitar melhores práticas de <strong>gestão</strong> e dessa forma melhorar o<br />

desempenho <strong>das</strong> organizações, podendo ser utilizado para verificação do<br />

estado da organização (auto-avaliação), como ferramenta de planeamento ou<br />

enquanto ferramenta de <strong>gestão</strong> da mudança.<br />

21 Juran (1974), Crosby (1979), Ishikaw (1982), Deming (1986), Feigenba<strong>um</strong> (1987), Kanji<br />

(1998), Dahlgaard et al (1998)] e Oakland (2000), entre outros.<br />

22 TQM is a structured attempt to re-focus the organization‟s behaviour, planning and working<br />

practices towards a culture which is employee driven, problem solving, customer oriented, and<br />

open and fear-free. “Furthermore, the organization‟s devolution of decision making, removal of<br />

functional barriers, eradication of sources of errors, team working and fact-based decision<br />

making”, Ghobadian et al. (1998:10).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


A premissa de base em que assenta o modelo, ilustrada na figura<br />

seguinte, é a de <strong>um</strong> processo dinâmico em que resulta<strong>dos</strong> excelentes relativos<br />

aos clientes, pessoas e sociedade são alcança<strong>dos</strong> através de liderança na<br />

condução da estratégia, que é transferida através <strong>das</strong> pessoas, <strong>das</strong> parcerias,<br />

<strong>dos</strong> recursos e <strong>dos</strong> processos, <strong>dos</strong> produtos e <strong>dos</strong> serviços.<br />

Figura 2. Modelo de Excelência da EFQM<br />

Enablers Results<br />

Leadership People<br />

Strategy<br />

Partnerships<br />

& Resources<br />

Processes,<br />

Products &<br />

Services<br />

Fonte: www.efqm.org<br />

People<br />

Results<br />

Customer<br />

Results<br />

Society<br />

Results<br />

Key<br />

Results<br />

Learning, Creativity and Innovation<br />

O modelo de excelência da EFQM, inicialmente vocacionado para<br />

grandes empresas do sector privado, tem vindo a ser revisto no sentido da sua<br />

generalização a to<strong>das</strong> as organizações, independentemente da dimensão e<br />

sector de actividade. Desta tendência é exemplo a evolução recente para a<br />

versão de 2010 23 , que reforça a integração entre os nove critérios<br />

23 EFQM (2009).<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 51


apresenta<strong>dos</strong> na figura e os conceitos fundamentais da excelência 24<br />

(reformula<strong>dos</strong> com <strong>um</strong>a designação mais dinâmica): a) alcançar resulta<strong>dos</strong><br />

equilibra<strong>dos</strong>; b) acrescentar valor para o cliente; c) liderar com visão, inspiração<br />

e integridade; d) gerir por processos; e) alcançar o sucesso através <strong>das</strong><br />

pessoas; f) alimentar a criatividade e a inovação; g) construir parcerias; e h)<br />

ass<strong>um</strong>ir a responsabilidade por <strong>um</strong> futuro sustentável.<br />

52<br />

Taking Responsability<br />

for a Sustainable Future<br />

Building<br />

Partnerships<br />

Nurturing Creativity<br />

& Innovation<br />

Figura 3. Modelo de Excelência da EFQM<br />

Achieving Balanced Results<br />

Succeeding through People<br />

Fonte: wwww.efqm.org<br />

Adding Value for<br />

Customers<br />

Leading with Vision,<br />

Inspiration & Integrity<br />

Managing by Processes<br />

A qualidade no serviço público teve <strong>um</strong> desenvolvimento tardio,<br />

<strong>sobre</strong>tudo a partir da década de oitenta, quando a comparação entre padrões<br />

24 Reforça-se também a integração com a lógica do RADAR que mantém os quatro elementos<br />

(Resulta<strong>dos</strong>; Abordagem; Desdobramento e Avaliação e Refinamento) embora sofra alterações<br />

ao nível <strong>dos</strong> atributos, nomeadamente <strong>dos</strong> Resulta<strong>dos</strong>.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


públicos e priva<strong>dos</strong>, a par com a estratégia de supervisão estatal condicionada<br />

pela escassez de recursos, determinaram a orientação de vários <strong>olhar</strong>es<br />

críticos para os serviços públicos.<br />

Em Portugal é definido em 1999 <strong>um</strong> referencial público inspirado em<br />

princípios de qualidade total: o Sistema de Qualidade em Serviços Públicos (DL<br />

n.º 166-A/99, de 13 de Maio). O diploma considera que a qualidade em<br />

serviços públicos é <strong>um</strong>a filosofia de <strong>gestão</strong> que permite alcançar <strong>um</strong>a maior<br />

eficácia e eficiência <strong>dos</strong> serviços, a desburocratização e simplificação de<br />

processos e procedimentos e a satisfação <strong>das</strong> necessidades explícitas e<br />

implícitas <strong>dos</strong> cidadãos. Este diploma potenciava <strong>um</strong> modelo que, volvi<strong>dos</strong><br />

onze anos, se quedou pelo estabelecimento de princípios enquadradores, não<br />

sendo utilizado, conforme previsto no seu Capítulo III, enquanto referencial de<br />

<strong>um</strong> sistema de certificação de órgãos e serviços.<br />

Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 53


OS NOVOS CAMINHOS DA REFORMA DA JUSTIÇA<br />

E A CENTRALIDADE DAS MEDIDAS GESTIONÁRIAS:<br />

DA QUALIDADE À EXCELÊNCIA<br />

3


3 OS NOVOS CAMINHOS DA REFORMA DA JUSTIÇA E<br />

A CENTRALIDADE DAS MEDIDAS GESTIONÁRIAS: DA<br />

QUALIDADE À EXCELÊNCIA<br />

56<br />

As organizações do judiciário não escapam àquele novo contexto e<br />

novas dinâmicas da administração pública, embora este seja <strong>um</strong> <strong>dos</strong> sectores<br />

do Estado ao qual as reformas gestionárias mais tardiamente chegaram. Tal<br />

como em outras organizações do Estado e da sociedade, os modelos<br />

burocráticos de administração <strong>das</strong> organizações têm vindo a ser submeti<strong>dos</strong> a<br />

<strong>um</strong> processo de reflexão e reavaliação política e académica. Até à década de<br />

90 do século passado, a resposta do sistema à sua crise centrou-se,<br />

<strong>sobre</strong>tudo, em reformas de natureza processual e no crescimento de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos e materiais. Mudanças no Estado e na sociedade mudaram o<br />

contexto social da justiça, cujos sinais mais visíveis são o a<strong>um</strong>ento exponencial<br />

do vol<strong>um</strong>e e da complexidade da litigação, obrigando à procura de novos<br />

caminhos para a reforma do sistema e à conclusão pela necessidade de outro<br />

tipo de reformas estruturais.<br />

Assim, a partir de finais da década de 90 do século passado, em linha<br />

com outros sectores do Estado, o sistema judicial começa também ele a ser<br />

objecto de análise e recomendações que pretendem explorar <strong>um</strong>a nova<br />

dimensão gestionária, considerando-se que o défice de organização, <strong>gestão</strong> e<br />

planeamento <strong>das</strong> organizações do judiciário em geral, eram responsáveis por<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


grande parte da ineficiência e ineficácia do seu desempenho funcional. Os<br />

<strong>tribunais</strong> eram e ainda continuam a ser, generalizadamente, aponta<strong>dos</strong> como<br />

<strong>um</strong>a <strong>das</strong> organizações mais burocráticas do Estado, sendo a burocracia da sua<br />

organização e funcionamento <strong>um</strong> entrave à eficácia, eficiência e qualidade do<br />

seu desempenho. Defende-se, por isso, a introdução de medi<strong>das</strong> que visem a<br />

alteração de méto<strong>dos</strong> de trabalho, <strong>um</strong>a melhor e mais eficaz <strong>gestão</strong> de<br />

recursos (h<strong>um</strong>anos, materiais e <strong>dos</strong> processos) e <strong>um</strong>a melhor articulação <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong> com os serviços complementares da justiça. As reformas que visam o<br />

reforço da capacidade de organização e <strong>gestão</strong> do sistema de justiça tornaram-<br />

se, assim, apostas centrais <strong>das</strong> agen<strong>das</strong> de reforma em muitos países. Nos<br />

últimos anos, como melhor se verá adiante, o debate evoluiu para a reflexão<br />

<strong>sobre</strong> como implementar no judiciário os novos conceitos de qualidade total e<br />

ou de excelência.<br />

O Conselho da Europa, especialmente através da Comissão Europeia<br />

para a Eficiência da Justiça, deu <strong>um</strong> especial impulso a este movimento. Em<br />

2001 (Recomendações (2) e (3)) chamou a atenção para a importância <strong>das</strong><br />

novas tecnologias, enquanto instr<strong>um</strong>ento auxiliar da administração e <strong>gestão</strong> da<br />

justiça, apelando ao seu uso mais intensivo em contexto judiciário, de modo a<br />

permitir, entre outros, a padronização e automatização de procedimentos<br />

repetitivos a melhoria <strong>das</strong> comunicações, quer internamente, quer <strong>das</strong><br />

diferentes organizações com o exterior. A informatização passou, ainda, a ser<br />

vista como <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento essencial para a obtenção de indicadores<br />

estatísticos que permitam melhor definir medi<strong>das</strong> gestionárias e obter<br />

indicadores de avaliação. Mais recentemente, com o conceito de e-governance<br />

(Recomendação (15) de 2004), a vertente transparência e comunicação com<br />

os cidadãos emerge com <strong>um</strong>a <strong>das</strong> componentes do sector da justiça a<br />

dinamizar.<br />

No que se refere aos estu<strong>dos</strong> desenvolvi<strong>dos</strong> no âmbito da CEPEJ 25 ,<br />

25 Para mais desenvolvimentos, cf. OPJ (2008).<br />

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />

medi<strong>das</strong> gestionárias 57


destaca-se a publicação, em 2006, de <strong>um</strong> compêndio de boas práticas de<br />

<strong>gestão</strong> do tempo <strong>dos</strong> processos judiciais. Trata-se de <strong>um</strong> doc<strong>um</strong>ento que reúne<br />

alg<strong>um</strong>as boas práticas desenvolvi<strong>das</strong> em <strong>tribunais</strong> e recomenda<strong>das</strong> pelo<br />

Conselho da Europa, bem como decisões, neste âmbito, do Tribunal Europeu<br />

<strong>dos</strong> Direitos H<strong>um</strong>anos 26 . Naquele doc<strong>um</strong>ento, as questões da administração e<br />

<strong>gestão</strong>, designadamente <strong>sobre</strong> o papel a desempenhar pelos agentes judiciais,<br />

e o uso <strong>das</strong> novas tecnologias de informação e de comunicação ass<strong>um</strong>em<br />

especial relevância. Defende-se a adopção, pelos Esta<strong>dos</strong>, de princípios<br />

orientadores, para todo o sistema judicial, embora se considere que deverão<br />

ser, caso a caso, os próprios <strong>tribunais</strong> a desenvolverem as suas estratégias de<br />

<strong>gestão</strong> atendendo às respectivas especificidades, às dinâmicas contextuais e,<br />

ainda, aos usos e cost<strong>um</strong>es do foro.<br />

58<br />

Defende-se, naquele relatório da CEPEJ, a adopção de políticas e boas<br />

práticas de <strong>gestão</strong> processual, apontando-se a necessidade de adaptação da<br />

tramitação processual à complexidade <strong>dos</strong> casos considerando, entre outros, o<br />

valor da acção, o número de interessa<strong>dos</strong> ou as questões jurídicas que o caso<br />

concreto suscita. Avança-se, ainda, com a recomendação de várias outras<br />

medi<strong>das</strong>, tendo em vista, por exemplo, a redução <strong>dos</strong> adiamentos de<br />

audiências, a realização de <strong>um</strong>a conferência prévia entre as partes com vista à<br />

calendarização <strong>dos</strong> actos processuais, evitando, assim, o desperdício de tempo<br />

e de recursos 27 e a adopção de formatos concisos e padroniza<strong>dos</strong> nas<br />

decisões judiciais 28 , de modo a que os juízes se foquem nas questões<br />

jurisdicionais.<br />

26 As questões são agrupa<strong>das</strong> em cinco linhas temáticas: estabelecimento de calendarizações<br />

realistas e mesuráveis para a realização <strong>dos</strong> actos processuais; assegurar o c<strong>um</strong>primento <strong>dos</strong><br />

prazos fixa<strong>dos</strong>; monitorização e disseminação de da<strong>dos</strong>; desenvolvimento de medi<strong>das</strong><br />

referentes à avaliação e de resposta ao vol<strong>um</strong>e processual; promoção de políticas e práticas<br />

de <strong>gestão</strong> processual.<br />

27 Além daquelas vantagens são ainda aponta<strong>das</strong> outras como, por exemplo, o a<strong>um</strong>ento de<br />

acor<strong>dos</strong> extrajudiciais.<br />

28 Pretende-se fazer diminuir o peso arg<strong>um</strong>entativo da decisão que, em parte, podia ser feito<br />

por remissão.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Destaca-se, ainda, a preocupação com a criação de medi<strong>das</strong> que<br />

permitam <strong>um</strong> rápido ajustamento do sistema judicial à variação do vol<strong>um</strong>e da<br />

procura. A CEPEJ alerta para a importância <strong>das</strong> variações no vol<strong>um</strong>e<br />

processual e na carga de trabalho. Os <strong>tribunais</strong> devem, por isso, ter em linha<br />

de conta os fluxos da procura e a flexibilização da capacidade de resposta na<br />

definição estratégica de medi<strong>das</strong> de <strong>gestão</strong> e na monitorização do seu<br />

desempenho 29 . A adequada monitorização do vol<strong>um</strong>e processual e da carga de<br />

trabalho pressupõe a definição prévia da capacidade de trabalho <strong>dos</strong> recursos<br />

h<strong>um</strong>anos do tribunal e <strong>um</strong>a distribuição adequada <strong>dos</strong> recursos materiais 30 .<br />

Neste contexto é, por isso, dada especial ênfase à flexibilidade enquanto factor<br />

fundamental <strong>das</strong> respostas a desenvolver. A importância deste factor prende-<br />

se, essencialmente, com a emergência de alterações significativas, não<br />

previstas ou imprevisíveis, que exigem o recurso a medi<strong>das</strong> correctivas 31 .<br />

Mais recentemente, e com vista a ultrapassar dificuldades na obtenção<br />

de da<strong>dos</strong> quantitativos comparativos relativamente à duração <strong>dos</strong> processos,<br />

foi criado, no âmbito da CEPEJ, <strong>um</strong> centro denominado SATURN 32 , que tem<br />

como objectivo a identificação de categorias e definições comuns. O objectivo é<br />

que estas categorias e definições venham a ser utiliza<strong>das</strong> em to<strong>dos</strong> os<br />

Esta<strong>dos</strong>-membros aquando da recolha de da<strong>dos</strong> relativamente à duração <strong>dos</strong><br />

processos. Também em 2007, a CEPEJ lançou o desafio aos Esta<strong>dos</strong>-<br />

membros de promoverem estu<strong>dos</strong> em torno de temas como o acesso à justiça,<br />

a duração <strong>dos</strong> processos, a monitorização e avaliação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, o uso às<br />

tecnologias de informação e comunicação nos <strong>tribunais</strong> e a administração e<br />

29 Para tal é necessário <strong>um</strong> acompanhamento sistemático da evolução <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> que<br />

permitem traçar os fluxos quer através da recolha de da<strong>dos</strong> por meio automatiza<strong>dos</strong>, quer<br />

através de sistemas mais simples e tradicionais.<br />

30 Para mais desenvolvimentos no que respeita ao caso português, ver o estudo do OPJ<br />

(2002).<br />

31 Recomenda-se, por exemplo, o recurso à criação de task-forces de juízes, <strong>um</strong>a maior<br />

flexibilidade <strong>das</strong> normas processuais de distribuição <strong>dos</strong> processos ou o alargamento <strong>das</strong><br />

competências <strong>dos</strong> funcionários judiciais.<br />

32 Cf. CEPEJ (2007).<br />

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />

medi<strong>das</strong> gestionárias 59


<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />

3.1 A qualidade no judiciário: a discussão em torno de<br />

alg<strong>um</strong>as componentes<br />

60<br />

No último relatório da CEPEJ, publicado em 2008, ass<strong>um</strong>e-se <strong>um</strong>a<br />

evolução em relação ao desafio da qualidade no judiciário. As orientações da<br />

CEPEJ que, até então, se centravam, <strong>sobre</strong>tudo, na defesa de modelos de<br />

<strong>gestão</strong> para melhorar a eficiência do sistema de justiça, passam a dar relevo e<br />

especial atenção aos aspectos relaciona<strong>dos</strong> com a qualidade. Neste contexto,<br />

foi criado <strong>um</strong> grupo de trabalho (CEPEF-GT-QUAL), responsável pela recolha<br />

de informação, pela avaliação <strong>das</strong> iniciativas e pelo desenvolvimento de<br />

ferramentas que permitam promover a qualidade do judiciário nos diferentes<br />

Esta<strong>dos</strong>-membros.<br />

Como já se referiu, no contexto europeu, só no final da década de 90 do<br />

século passado é que se começa a juntar à preocupação com a eficiência o<br />

conceito de qualidade 33 , iniciando-se então o debate acerca do<br />

desenvolvimento e consolidação da administração da justiça orientada para a<br />

eficiência e qualidade, isto é, para garantir, partindo de valores comuns, que<br />

determina<strong>dos</strong> padrões e níveis de qualidade possam ser desenvolvi<strong>dos</strong>,<br />

implementa<strong>dos</strong> e garanti<strong>dos</strong> pelas organizações do judiciário e pelos seus<br />

membros.<br />

Para alguns autores, como P. Langbroek (2005), o funcionamento<br />

adequado de <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> orientada para a qualidade, principalmente em<br />

organizações com as características <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, depende muito da forma<br />

como se alcança <strong>um</strong> acordo na definição de padrões de qualidade,<br />

considerando os princípios com<strong>um</strong>mente aceites nas organizações judiciárias<br />

33 Para mais desenvolvimentos <strong>sobre</strong> a questão da qualidade no judiciário, cf. Rivero-Cabouat<br />

(2005).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


europeias, como a independência e imparcialidade judicial. Outros princípios ou<br />

linhas orientadoras, como a duração adequada <strong>dos</strong> processos, a eficiência, a<br />

certeza e segurança jurídica, o acesso à justiça, a eficácia de desempenho e a<br />

prestação de contas, são essenciais nesse consenso. Nem sempre é fácil<br />

compatibilizar to<strong>dos</strong> aqueles princípios com determina<strong>das</strong> vertentes e<br />

características <strong>das</strong> organizações judiciárias, designadamente, o seu desenho<br />

institucional de governação e funcionamento organizacional ou a tensão entre<br />

os domínios de acção política e judiciária. Defende-se, por isso, que <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />

principais vectores a considerar n<strong>um</strong> modelo de justiça orientado para a<br />

qualidade é o seu desenho institucional de governação e a relação que, através<br />

dele, se estabelece entre os vários poderes do Estado e, em particular, entre o<br />

poder judicial e o poder executivo.<br />

M. Fabri (2005) sintetiza em quatro grupos as medi<strong>das</strong> ou políticas que<br />

têm vindo a ser estabeleci<strong>das</strong> em diferentes países, tendo em vista melhorar a<br />

qualidade da justiça. São elas: políticas de governação direcciona<strong>das</strong> para a<br />

mudança <strong>das</strong> instituições que governam o judiciário; políticas estruturais<br />

relaciona<strong>das</strong> com a alteração do número ou <strong>das</strong> funções <strong>das</strong> organizações do<br />

sistema; políticas processuais que visam alterarem as regras tradicionais de<br />

responder a problemas do judiciário; e políticas de <strong>gestão</strong> direcciona<strong>das</strong> para a<br />

qualidade e eficiência de resposta ao vol<strong>um</strong>e e natureza da litigação, para a<br />

avaliação do desempenho funcional e para o investimento em tecnologias.<br />

Nesta nova orientação para a qualidade, ass<strong>um</strong>e especial relevância a<br />

reflexão <strong>sobre</strong> os mecanismos de avaliação externa e de prestação de contas.<br />

São vertentes em debate em diferentes países, reconhecendo-se a sua<br />

complexidade, desde logo, porque não podem colocar em causa os princípios<br />

da independência e da autonomia do poder judicial. Malleson 34 é <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />

autores que mais se tem destacado na reflexão acerca desta temática. Começa<br />

por distinguir duas formas de prestação de contas: a prestação de contas<br />

34 Cf. Malleson (1990).<br />

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />

medi<strong>das</strong> gestionárias 61


política e a prestação de contas limitada. A primeira, que pode incluir medi<strong>das</strong><br />

como a demissão, a responsabilidade civil ou criminal, não será aplicável ao<br />

poder judicial em respeito pelo princípio da independência judicial. O segundo<br />

tipo centra-se na transparência procedimental e na mudança da relação,<br />

considerando o novo contexto social, com os diferentes intervenientes<br />

processuais e com a sociedade em geral, este sim aplicável às instituições do<br />

judiciário 35 .<br />

62<br />

A adopção de <strong>um</strong>a perspectiva gestionária, orientada para a eficiência e<br />

qualidade, impõe que se tenha em consideração aspectos relaciona<strong>dos</strong> com a<br />

organização e funcionamento interno <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, incluindo os méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho 36 . Para H. Fix-Fierro (2003), intervir na organização e funcionamento<br />

interno, adoptando objectivos e orientações comuns e claros é, n<strong>um</strong>a<br />

perspectiva gestionária, essencial. Aquelas orientações devem, por <strong>um</strong> lado,<br />

constituir <strong>um</strong> pressuposto de avaliação do desempenho funcional e, por outro<br />

lado, criar <strong>um</strong> ambiente de envolvimento para que to<strong>dos</strong> os intervenientes<br />

sintam que trabalham para <strong>um</strong> fim com<strong>um</strong>. Neste contexto, o desenvolvimento<br />

de medi<strong>das</strong> que assegurem <strong>um</strong>a adequada divisão do trabalho e de funções<br />

dentro da organização tribunal permite garantir, quer <strong>um</strong> nível mais elevado de<br />

eficiência, quer a criação de condições de trabalho mais favoráveis, reduzindo<br />

custos de coordenação e a<strong>um</strong>entando a capacidade de motivação ou de<br />

reacção a situações de crise.<br />

Santos Pastor (2003) alerta para a importância <strong>das</strong> orientações e<br />

princípios comuns mas, também, para a necessidade <strong>das</strong> políticas de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos assegurarem a flexibilidade <strong>dos</strong> conteú<strong>dos</strong> funcionais de modo a<br />

permitirem <strong>um</strong>a maior mobilidade. Reflecte, ainda, acerca da importância da<br />

definição <strong>dos</strong> pressupostos e critérios de progressão na carreira profissional,<br />

que devem incluir critérios vincula<strong>dos</strong> ao desempenho; do adequado<br />

35 Cf. Ng (2007).<br />

36 Esta é <strong>um</strong>a questão que se discute há longos anos nos países da Common Law. Nos países<br />

de tradição jurídica continental apenas recentemente começou a ser alvo de reflexão.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


planeamento que impeça a permanente rotatividade <strong>dos</strong> funcionários; da<br />

garantia de formação; e, ainda, da adequada divisão de trabalho que permita<br />

atribuir tarefas mais qualifica<strong>das</strong> a pessoal mais qualificado.<br />

A importância da intervenção a este nível, leva autores como Gar Yein<br />

Ng (2007) a concluir que, para a implementação de mecanismos de qualidade<br />

nos <strong>tribunais</strong>, é necessário reformular a organização interna e funcionamento<br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> de forma a eliminar, ou pelo menos a esbater, o seu carácter<br />

atomístico.<br />

N<strong>um</strong>a perspectiva gestionária, orientada, para a eficiência e qualidade<br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> mostra-se, ainda, fundamental definir medi<strong>das</strong> susceptíveis de<br />

actuar <strong>sobre</strong> os mecanismos de distribuição <strong>dos</strong> processos, quer entre<br />

diferentes <strong>tribunais</strong> (organização judiciária), quer dentro de cada tribunal pelos<br />

diferentes magistra<strong>dos</strong> judiciais. Como já referimos em anterior estudo 37 , estas<br />

medi<strong>das</strong> confrontam-se com dois princípios inerentes ao poder judicial: o<br />

princípio da inamovibilidade e o princípio do juiz natural. A flexibilização na<br />

distribuição de processos (movimentando os processos ou o juiz), quer por<br />

razões de vol<strong>um</strong>e processual, quer por razões de natureza do conflito é <strong>um</strong>a<br />

questão complexa. Enfatizando o princípio da inamovibilidade ou, para alguns,<br />

<strong>um</strong>a interpretação restrita daquele princípio, são vários os sistemas judiciais,<br />

incluindo o nosso, que não permitem a movimentação, fora de concurso próprio<br />

ou de regras de afectação de <strong>um</strong> juiz, por razões conjunturais de vol<strong>um</strong>e ou de<br />

natureza da litigação, quer de <strong>um</strong> tribunal para o outro, quer mesmo entre<br />

secções do mesmo tribunal. Há, contudo, países em que sendo os juízes<br />

coloca<strong>dos</strong> n<strong>um</strong> espaço territorial mais alargado (por exemplo, na comarca em<br />

vez de em determinado juízo) é possível <strong>um</strong>a maior flexibilidade na colocação<br />

<strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos, desde que com respeito por critérios pré-defini<strong>dos</strong> 38 .<br />

O papel do presidente do tribunal na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos,<br />

37 Cf. OPJ (2008).<br />

38 Para mais desenvolvimentos <strong>sobre</strong> esta temática, cf. OPJ (2006).<br />

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />

medi<strong>das</strong> gestionárias 63


incluindo os magistra<strong>dos</strong>, e na distribuição <strong>dos</strong> processos é diferente nos vários<br />

sistemas judiciais, suscitando, assim, diferentes interpretações daqueles<br />

princípios 39 . Os sistemas judiciais em que o presidente do tribunal desempenha<br />

<strong>um</strong> papel mais activo, quer no que respeita à distribuição processual, quer à<br />

<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos são, em regra, dota<strong>dos</strong> de maior flexibilidade.<br />

64<br />

É certo que as regras de distribuição processual têm, genericamente, <strong>um</strong><br />

duplo objectivo: garantir a imparcialidade do tribunal e assegurar <strong>um</strong>a<br />

distribuição tendencialmente igualitária de carga processual. Mas, para os<br />

defensores de <strong>um</strong>a maior flexibilidade, o respeito pelo princípio da<br />

independência é assegurado através de regras gerais e abstractas que<br />

previamente definem os critérios da distribuição. Daí que, para alguns<br />

autores 40 , a rigidez <strong>das</strong> regras relativas à distribuição processual dificulta a<br />

distribuição de determina<strong>dos</strong> processos mais complexos que deveriam poder<br />

ser tramita<strong>dos</strong> por juízes tecnicamente mais prepara<strong>dos</strong> para o tipo de questão<br />

que aí se discute 41 .<br />

No contexto europeu, encontramos diferenças significativas em sistemas<br />

de justiça como os da Alemanha e de Itália, por <strong>um</strong> lado, e os sistemas de<br />

justiça da Dinamarca, Inglaterra e País de Gales, por outro. Essas diferenças<br />

acentuam-se, essencialmente, no que respeita ao nível de formalismo da<br />

distribuição de processos. Existe, contudo, <strong>um</strong> terceiro grupo de países,<br />

<strong>sobre</strong>tudo a França e a Holanda, situa<strong>dos</strong> a meio termo entre aqueles dois<br />

outros grupos que têm vindo a desenvolver regras internas que permitem <strong>um</strong>a<br />

maior flexibilidade da distribuição de processos (OPJ, 2008).<br />

A análise da <strong>experiência</strong> comparada mostra que as preocupações de<br />

39 Em França, por exemplo, compete ao presidente do tribunal distribuir os juízes do tribunal<br />

pelas várias secções. Na Noruega, por sua vez, é o presidente do tribunal que decide a<br />

distribuição <strong>dos</strong> processos pelos vários juízes.<br />

40 Cf. Langbroek e Fabri (2007).<br />

41 Por oposição, na Dinamarca, em Inglaterra e no País de Gales, a troca informal de<br />

processos entre juízes é relativamente frequente.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


<strong>gestão</strong> processual surgiram associa<strong>das</strong> aos países de tradição da common<br />

law, caracteriza<strong>dos</strong> por <strong>um</strong> processo de tipo adversarial, mas com <strong>um</strong> forte<br />

poder de conformação do juiz e onde, por regra, este é assessorado por <strong>um</strong><br />

conjunto de funcionários com competências específicas, não só no que<br />

respeita à administração do tribunal, mas também em matéria de direito. Por<br />

contraposição, no sistema continental de tradição histórica francesa e de cariz<br />

burocrático, a introdução de méto<strong>dos</strong> de <strong>gestão</strong> processual tem-se vindo a<br />

revelar muito mais resistente.<br />

Aliás, a perspectiva gestionária surge, <strong>sobre</strong>tudo, como <strong>um</strong>a<br />

necessidade de resposta ao crescimento da litigação, tendo por base a<br />

concepção segundo a qual a eficiência resulta menos <strong>das</strong> mudanças <strong>das</strong><br />

regras processuais do que da adequada monitorização do desempenho<br />

funcional <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e intervenientes no processo, tendo em conta o caso<br />

concreto 42 . Neste contexto, discute-se a adopção de medi<strong>das</strong> gestionárias com<br />

reflexos no caso concreto, como sejam a selecção adequada da<br />

calendarização <strong>das</strong> diligências; o encorajamento da solução do conflito por<br />

acordo; a estabilização da instância, decidindo-se, o mais cedo possível, to<strong>das</strong><br />

as questões formais; a adopção de critérios que possibilitem a definição de<br />

<strong>um</strong>a estimativa de duração provável <strong>dos</strong> processos de acordo com a natureza<br />

do litígio; a adopção de medi<strong>das</strong> que permitam prevenir a duplicação de prova<br />

e a obtenção da mesma a custos mais reduzi<strong>dos</strong>; que garantam <strong>um</strong>a produção<br />

de prova reduzida ao essencial; o recurso a funcionários judiciais com<br />

competência e formação especializada para o tratamento de determina<strong>das</strong><br />

matérias e ou litígios; a utilização eficiente <strong>das</strong> novas tecnologias de<br />

comunicação; e, ainda, sempre que possível, a utilização de formas<br />

processuais mais céleres.<br />

Como acima se referiu, as orientações de políticas gestionárias estão<br />

42 Assim sendo, <strong>um</strong>a <strong>das</strong> consequências desta nova concepção foi a mutação do tradicional<br />

papel do juiz, enquanto terceiro imparcial e distante, n<strong>um</strong> interveniente activo na <strong>gestão</strong> do<br />

processo, cf. Fix-Fierro (2003).<br />

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />

medi<strong>das</strong> gestionárias 65


intimamente liga<strong>das</strong> ao desenvolvimento <strong>das</strong> novas tecnologias de informação<br />

e de comunicação, considera<strong>das</strong> <strong>um</strong>a <strong>das</strong> componentes fundamentais de <strong>um</strong>a<br />

orientação estratégica para a qualidade e eficácia <strong>dos</strong> sistemas judiciais.<br />

Contudo, e como também já se deixou dito, a disponibilização de tecnologias<br />

de informação no sistema judiciário não constitui, por si, garantia de <strong>um</strong>a<br />

utilização optimizada <strong>das</strong> mesmas, acontecendo, com frequência, o seu uso<br />

ficar bastante aquém <strong>das</strong> suas potencialidades.<br />

66<br />

A diversidade europeia no que toca ao grau de implementação e à<br />

eficácia e finalidades <strong>das</strong> tecnologias de informação nos diversos sistemas<br />

judiciais é significativa. Neste sentido, M. Fabri e F. Contini (2001) concluem<br />

que, ao nível europeu e de <strong>um</strong> modo geral, a introdução <strong>das</strong> tecnologias de<br />

informação nos sistemas judiciários é conduzida tendo em vista a resolução de<br />

problemas específicos, e não a sua eficaz integração no sistema judicial e<br />

(mesmo na organização onde vão ser utiliza<strong>das</strong>) não prevendo nem <strong>um</strong>a visão<br />

integrada <strong>dos</strong> sistemas de informação, nem <strong>um</strong>a eficaz articulação entre as<br />

diferentes instituições do judiciário, como, por exemplo, entre os <strong>tribunais</strong>, as<br />

prisões ou as polícias. Chamam, igualmente, atenção para a circunstância de<br />

não existir troca de conhecimentos entre os diferentes Esta<strong>dos</strong>-membros <strong>sobre</strong><br />

as aplicações utiliza<strong>das</strong> e testa<strong>das</strong>. Entendem também que não são<br />

desenvolvi<strong>dos</strong>, em regra, programas de formação adequa<strong>dos</strong> para to<strong>dos</strong> os<br />

intervenientes do sistema judicial, desde juízes a funcionários, passando pelos<br />

advoga<strong>dos</strong>, que permitam <strong>um</strong>a eficaz utilização <strong>das</strong> tecnologias de informação<br />

e o reconhecimento do seu potencial para o desempenho funcional 43 . Tal<br />

formação ajudaria a ultrapassar resistências às reformas, embora para os<br />

autores a eliminação <strong>das</strong> resistências só seja possível através de mudanças<br />

significativas na cultura jurídica 44 .<br />

43 Cf. Oskamp, Lodder e Apisola (2004).<br />

44 Muitos autores têm apontado, no que se refere ao estudo do êxito <strong>das</strong> reformas, a<br />

importância da cultura jurídica. Não obstante a influência de outros factores, ressalta-se, em<br />

especial, o papel da cultura jurídica interna, isto é, os obstáculos que podem ser interpostos ao<br />

sucesso <strong>das</strong> reformas por parte de quem integra o sistema judicial (juízes, profissões jurídicas,<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


3.2 Da qualidade à excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 45<br />

A discussão em torno da evolução de <strong>um</strong> modelo sistémico de <strong>gestão</strong>,<br />

baseado em princípios de qualidade, para <strong>um</strong> outro baseado em princípios de<br />

excelência nos <strong>tribunais</strong> começa hodiernamente a ganhar relevo. O<br />

desenvolvimento deste modelo pressupõe <strong>um</strong>a prévia definição conceptual do<br />

modelo, com a assunção partilhada <strong>dos</strong> valores fundamentais a ter em conta<br />

pelos <strong>tribunais</strong> no desenvolvimento da sua missão, bem como <strong>um</strong>a clara<br />

definição <strong>das</strong> funções e responsabilidades <strong>dos</strong> agentes. Os valores nucleares<br />

do exercício da função judicial estão expressos nos enquadramentos<br />

legislativos respectivos e assentam em princípios, de <strong>um</strong> modo geral,<br />

consensualmente aceites. Apesar deste consenso, a sua explicitação não é<br />

neutra nem indiferente 46 .<br />

A definição da matriz de funções e responsabilidades, necessária em<br />

qualquer situação, ass<strong>um</strong>e no caso particular da justiça importância redobrada<br />

considerando que na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e <strong>dos</strong> seus recursos h<strong>um</strong>anos, co-<br />

existem duas funções distintas – a função jurisdicional e a função<br />

administrativa – que podem ter tutelas distintas e, na maioria <strong>dos</strong> países,<br />

efectivamente têm-na. A primeira é independente e essencial naquela que é a<br />

missão <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. A segunda é <strong>um</strong>a função de suporte à sua actividade,<br />

inerente ao funcionamento de qualquer entidade pública ou privada, tendo o<br />

seu funcionamento <strong>um</strong> impacto crucial na eficiência e na qualidade da primeira.<br />

Os modelos de excelência podem revelar-se, neste contexto, adequa<strong>dos</strong><br />

governo e funcionários judiciais) (OPJ, 2008).<br />

45 O texto que integra este ponto beneficiou de anteriores trabalhos do OPJ e corresponde, na<br />

sua essência, aos contributos da consultora deste projecto Margarida Mano.<br />

46 Os valores internacionalmente ass<strong>um</strong>i<strong>dos</strong> no âmbito do IFCE (International Framework for<br />

Court Excellence) são: a igualdade (perante a lei); equidade; imparcialidade; independência na<br />

tomada de decisão; competência; honestidade; transparência; acessibilidade; actualidade;<br />

segurança.<br />

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />

medi<strong>das</strong> gestionárias 67


enquanto instr<strong>um</strong>entos de referência ao modelo de <strong>gestão</strong> do tribunal. Se, por<br />

<strong>um</strong> lado, são conceptualmente integradores de vários critérios, suporta<strong>dos</strong> em<br />

diferentes dimensões organizativas, o que potencia a coexistência matricial de<br />

diferentes tutelas (desde que obrigatoriamente harmoniza<strong>das</strong> nas dimensões<br />

da liderança, da política e da estratégia) têm, por outro, a virtude de poderem<br />

ser utiliza<strong>dos</strong> em estádios muito diferentes <strong>das</strong> organizações e <strong>dos</strong> sistemas<br />

(estáticas, como pode ser a auto-avaliação, de planeamento ou de dinâmica de<br />

mudança).<br />

68<br />

A experimentação de modelos de <strong>gestão</strong> na justiça, inspira<strong>dos</strong> na TQM,<br />

tem já <strong>um</strong>a <strong>experiência</strong> de déca<strong>das</strong>. Nos EUA a discussão da aplicação <strong>dos</strong><br />

princípios e metodologias da TQM aos <strong>tribunais</strong> remonta aos anos oitenta, com<br />

a criação de <strong>um</strong> modelo de referência da qualidade através do Trial Court<br />

Performance Standards em 1987, acompanhando o Malcolm Baldrige National<br />

Quality Award 47 iniciado na mesma altura 48 . Na década de noventa, era<br />

possível encontrar, embora em número limitado, <strong>experiência</strong>s de aplicação<br />

destes modelos de <strong>gestão</strong> em diferentes Esta<strong>dos</strong>, em diferentes tipos de<br />

<strong>tribunais</strong> (municipais, estaduais; de família, criminais, etc.) e n<strong>um</strong>a ampla<br />

abrangência de processos ou áreas. Aikman (1994: 23-25) apresenta, n<strong>um</strong>a<br />

obra que pretendia ser, na altura, <strong>um</strong> manual para decisores políticos<br />

judiciários e administradores, <strong>experiência</strong>s de aplicação da TQM em áreas que<br />

vão desde a doc<strong>um</strong>entação e arquivo, à <strong>gestão</strong> de júris, organização de<br />

espaços, avaliação da <strong>gestão</strong>, formação de juízes e staff, etc. As preocupações<br />

<strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> e relatórios de então parecem estar centra<strong>das</strong> na importância da<br />

experimentação de práticas, eventualmente avulsas, que conduzam a<br />

melhorias efectivas do serviço prestado nos <strong>tribunais</strong> 49 .<br />

47 Cf. www.baldrige.nist.gov.<br />

48 Sobre esta matéria, cf. OPJ (2001) e OPJ (2008)<br />

49 Perhaps the center piece of the Judicial Branch TQM effort will be the utilization of Quality<br />

Improvement Teams assigned to specific designated projects or organizational units and<br />

supported with the necessary training and resources over a period of time. A Plan for the Use of<br />

Total Quality Management in the Maine Judicial Branch, September 1, 1992, page 12.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Hoje, a abordagem que se encontra nas <strong>experiência</strong>s de aplicação de<br />

modelos de <strong>gestão</strong> da TQM nos <strong>tribunais</strong> <strong>dos</strong> EUA é claramente distinta: trata-<br />

se de <strong>um</strong>a abordagem sistémica, focalizada na qualidade do serviço prestado<br />

pelos <strong>tribunais</strong> 50 . A análise de procedimentos surge apenas de modo<br />

instr<strong>um</strong>ental, englobando não apenas os tradicionais fluxos organizacionais,<br />

mas competências técnicas e comportamentais, formação, trabalho em equipa,<br />

etc.<br />

Como já referimos, na Europa, as primeiras <strong>experiência</strong>s no sentido de<br />

reflectir <strong>sobre</strong> <strong>um</strong> sistema integrado de qualidade nos <strong>tribunais</strong> datam do final<br />

da década de noventa, sendo destacado por Albers (2009: 6-9) o caso<br />

holandês e o caso finlandês. Uma abordagem mais concertada entre membros<br />

da União Europeia, ou estruturas europeias, começa a ganhar visibilidade nos<br />

últimos anos, embora apenas a <strong>um</strong> nível de discussão conceptual, com vários<br />

estu<strong>dos</strong> e relatórios da iniciativa do Parlamento Europeu; da CEPEJ 51 e da<br />

European Network of Councils for the Judiciary 52 , entre outros.<br />

Mais, recentemente, esta abordagem ganhou <strong>um</strong> novo fôlego com o<br />

International Consorti<strong>um</strong> for Court Excellence 53 que, a partir de 2007,<br />

desenvolveu <strong>um</strong> enquadramento para a excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> (International<br />

Framework for Court Excellence), instr<strong>um</strong>ento que consideram poder ser usado<br />

50 A título de exemplo, vejam-se as recomendações propostas por Patterson (2009: 58-64), na<br />

sequência do estudo efectuado neste âmbito nos Tribunais da Georgia: “(…) this report<br />

recommends the following actions to address existing service quality gaps as perceived by<br />

Georgia trial court managers: (1) To promote the use of service quality evaluations and other<br />

data-driven approaches to measuring and enhancing customer service; (2) To develop<br />

resources regarding no/low cost approaches to reward and recognize court employees; (3) To<br />

work in consultation with the various judges‟ councils, clerk‟s associations, and local court<br />

personnel to develop a broad array of plain language court brochures, materials and website<br />

content; (4) To develop and facilitate customer service training modules; (5) To should work with<br />

the various court groups to develop court-specific guidebooks for assisting pro se litigants”.<br />

51 CEPEJ (2007); CEPEJ (2008).<br />

52 ENCJ (2008).<br />

53 Os signatários do Consórcio são: The Australian Institute of Judicial Administration (AIJA);<br />

The Federal Judicial Center; The National Center for State Courts (NCSC); The Subordinate<br />

Courts of Singapore com a associação da European Comission for the Efficiency of Justice<br />

(CEPEJ); Spring Singapore and The World Bank.<br />

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />

medi<strong>das</strong> gestionárias 69


em to<strong>das</strong> as regiões do mundo para avaliar o nível de qualidade <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>,<br />

identificar áreas de melhoria e promover a excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. O modelo<br />

assenta em sete áreas de excelência, integra<strong>das</strong> com os valores nucleares de<br />

<strong>um</strong> tribunal, que acompanham de perto os nove critérios da EFQM, conforme<br />

se pode compreender a partir da figura seguinte.<br />

70<br />

Critérios do Modelo de Excelência da<br />

EFQM<br />

MEIOS<br />

RESULTADOS<br />

Figura 4. EFQM e IFCE<br />

Sete Áreas de Excelência nos Tribunais do IFCM<br />

1.Liderança 1.Gestão e liderança <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> LÍDER<br />

2.Estratégia 2.Políticas <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

3.Pessoas<br />

4.Parcerias e Recursos<br />

5. Processos, Produtos e<br />

Serviços<br />

6.Resulta<strong>dos</strong> Clientes<br />

7.Resulta<strong>dos</strong> Sociedade<br />

3.Recursos h<strong>um</strong>anos, materiais e<br />

financeiros<br />

4. Processos nos <strong>tribunais</strong><br />

5.Necessidade e satisfação<br />

6. Serviços disponíveis e acessíveis<br />

nos <strong>tribunais</strong><br />

8.Resulta<strong>dos</strong> Chave 7. Confiança social<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO<br />

SISTEMAS E<br />

CAPACITAÇÃO<br />

RESULTADOS<br />

Do ponto de vista instr<strong>um</strong>ental, o IFCE criou <strong>um</strong>a proposta de<br />

questionário de auto-avaliação da excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e tem promovido o<br />

benchmarking com base na análise de estu<strong>dos</strong> de caso à luz do modelo.<br />

Em Portugal, a utilização do termo qualidade no âmbito da justiça,<br />

apesar <strong>das</strong> reformas mais recentes do judiciário e do forte contexto de


mudança a que vem estando sujeita o sistema judicial 54 , parece ainda distante<br />

do enquadramento conceptual da excelência. O contexto de mudança,<br />

incentivado pela reforma do mapa e da organização judiciária, contribuiu para a<br />

promoção de modelos alternativos ao modelo formal, como é o caso <strong>dos</strong><br />

centros de arbitragem, da mediação e da atribuição de competências outrora<br />

exclusivas do juiz, a conservadores e a solicitadores, como também <strong>um</strong>a<br />

reflexão mais alargada <strong>sobre</strong> a organização do sistema de justiça. Contudo,<br />

como resulta <strong>das</strong> conclusões do estudo do OPJ Para <strong>um</strong> novo judiciário:<br />

qualidade e eficiência na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> processos cíveis (2008), as reformas do<br />

judiciário nesta matéria são, não só em Portugal, mas também na Europa,<br />

reformas centra<strong>das</strong> na discussão do modelo organizacional mais do que no<br />

modelo de <strong>gestão</strong>. A discussão continua a situar-se na resposta ao vol<strong>um</strong>e<br />

processual (número de processos entra<strong>dos</strong>, pendentes, fin<strong>dos</strong>, etc.), o que<br />

revela que as preocupações da qualidade se centram fundamentalmente na<br />

melhoria da eficiência e, portanto, n<strong>um</strong>a <strong>das</strong> fases iniciais do seu percurso: o<br />

controlo da qualidade.<br />

Contudo, nos estu<strong>dos</strong> mais recentes, em particular relativamente à<br />

discussão do novo mapa judiciário em Portugal, as oportunidades de melhoria<br />

são claras ao nível <strong>das</strong> sete áreas de excelência do IFCE:<br />

Gestão <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e liderança – (…) <strong>um</strong> <strong>dos</strong> grandes problemas com que<br />

se confrontam os <strong>tribunais</strong> portugueses decorre de deficiências<br />

organizativas e de <strong>gestão</strong> (OPJ, 2008: 43). A <strong>experiência</strong> <strong>das</strong> novas<br />

<strong>comarcas</strong>, com a figura do juiz presidente, tem evidenciado a necessidade<br />

de reforçar as suas competências, de forma a permitir <strong>um</strong>a liderança mais<br />

eficaz.<br />

Política da justiça – (…) é consensual que a definição de <strong>um</strong> novo<br />

paradigma de política pública da justiça deve estar no lastro da<br />

reorganização territorial do sistema de justiça (OPJ, 2008: 26).<br />

Recursos h<strong>um</strong>anos, materiais e serviços – a pouca flexibilidade da<br />

legislação no que respeita aos recursos h<strong>um</strong>anos, a <strong>gestão</strong> matricial e a<br />

dupla tutela de muitos <strong>dos</strong> recursos, além de alg<strong>um</strong>a indefinição e<br />

54 Cf. OPJ (2008).<br />

Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />

medi<strong>das</strong> gestionárias 71


72<br />

desadequação relativamente ao binómio centralizar/desconcentrar exige<br />

definição de princípios coerentes e integra<strong>dos</strong> no sentido de <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong><br />

adequada <strong>dos</strong> recursos e seus resulta<strong>dos</strong>. A criação de <strong>um</strong> novo modelo de<br />

recrutamento, formação, colocação e progressão na carreira <strong>dos</strong><br />

magistra<strong>dos</strong> e <strong>dos</strong> funcionários judiciais é <strong>um</strong>a proposta (OPJ, 2008: 49)<br />

que se insere nesta área de excelência.<br />

Procedimentos – (…) nos últimos anos (…) não assistimos a melhorias de<br />

eficiência, eficácia e qualidade significativas e houve mesmo alg<strong>um</strong>a<br />

degradação no domínio da duração processual (OPJ, 2008: 42). Neste<br />

contexto, <strong>um</strong>a <strong>das</strong> propostas do OPJ (2008: 51) é a informatização plena e<br />

eficaz do sistema de justiça, o seu funcionamento em rede e a criação de<br />

novos paradigmas processuais.<br />

Necessidades e satisfação <strong>dos</strong> clientes – não existem no sistema práticas<br />

regulares de auscultação <strong>das</strong> necessidades e do grau de satisfação <strong>dos</strong><br />

clientes.<br />

Serviços acessíveis e financeiramente praticáveis – existem áreas que, até<br />

agora, revelam graves constrangimentos de acessibilidade, de que são<br />

exemplos paradigmáticos os conflitos de família e menores (OPJ, 2008:<br />

49). Deste modo, a endogeneização de <strong>um</strong>a justiça itinerante e a criação de<br />

<strong>um</strong>a rede de serviços de justiça multifacetada representam alg<strong>um</strong>as <strong>das</strong><br />

propostas inovadoras em cima da mesa.<br />

Confiança social – finalmente, a actual crise da justiça, que o cidadão<br />

absorve diariamente no discurso público, é reveladora do desfasamento<br />

existente ao nível desta área de excelência.<br />

De acordo com o debate em curso e olhando para o futuro, há dinâmicas<br />

de mudança para sistemas de <strong>gestão</strong> e avaliação substancialmente diferentes<br />

daqueles que têm sido correntemente usa<strong>dos</strong>. Existe <strong>um</strong>a percepção<br />

generalizada, por parte <strong>dos</strong> diferentes agentes presentes neste debate, de <strong>um</strong>a<br />

necessidade de mudança em que a excelência pode ser <strong>um</strong> padrão de<br />

referência instr<strong>um</strong>ental na <strong>gestão</strong>.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


A NOVA SECRETARIA JUDICIAL EM ESPANHA<br />

4


4 A NOVA SECRETARIA JUDICIAL EM ESPANHA<br />

74<br />

A pertinência de conhecer e trazer para o debate interno os principais<br />

vectores em que assenta a reforma da secretaria judicial em Espanha, para<br />

além da proximidade cultural, consubstanciada na similitude da matriz jurídica,<br />

justifica-se pelo facto da reforma da secretaria judicial em Espanha partir de<br />

<strong>um</strong>a constatação <strong>sobre</strong> problemas e ineficiências estruturais idênticas às<br />

identifica<strong>das</strong> entre nós.<br />

O legislador reformista considerava que as secretarias judiciais<br />

funcionavam de forma atomizada e auto-suficiente, como compartimentos<br />

estanques, onde se realizavam múltiplas e diversas funções. Partindo da<br />

consideração de que o modelo de organização e funcionamento interno <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong> não era, pela sua ineficiência, adequado ao actual contexto social e<br />

processual, a reforma avançou para mudanças profun<strong>das</strong> no paradigma<br />

estrutural e funcional <strong>das</strong> secretarias judiciais.<br />

Com o objectivo de conferir mais qualidade e eficiência ao sistema de<br />

justiça, a intervenção no âmbito da secretaria judicial traduziu-se n<strong>um</strong>a reforma<br />

verdadeiramente pluriforme. A sua concretização convoca a intervenção em<br />

outras áreas do sistema de justiça, como seja no âmbito processual (de modo a<br />

transferir para o secretário judicial a competência pela prática de alguns actos),<br />

na remodelação <strong>das</strong> infraestruturas de modo a adaptar os espaços, na criação<br />

de novas unidades orgânicas, na informatização e no uso mais intensivo de<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


meios telemáticos.<br />

No que respeita a esta última vertente, o programa de reforma incluiu a<br />

implementação de vários programas informáticos 55 no sentido de avançar para<br />

<strong>um</strong>a justiça sem papel em todo o território nacional 56 . Neste âmbito, é de<br />

referir, a título exemplificativo, várias medi<strong>das</strong> inovadoras. Por <strong>um</strong> lado, a<br />

criação de <strong>um</strong> sistema de agendamento electrónico de diligências, gerido por<br />

<strong>um</strong> serviço centralizado (agenda programada), o qual vai marcando as<br />

diligências de cada processo de acordo com o seu iter processual e as<br />

prioridades estabeleci<strong>das</strong> na lei 57 . Por outro, encontra-se em curso <strong>um</strong><br />

projecto-piloto de implementação do processo digital na Audiência Nacional.<br />

Também as penhoras e as ven<strong>das</strong> judiciais passarão a ser realiza<strong>das</strong> por via<br />

electrónica (sob a direcção do secretário judicial).<br />

55 Os principais sistemas informáticos utiliza<strong>dos</strong> são os seguintes: a) MIG – Módulo de<br />

Intercâmbio Genérico (1. comunicação por via telemática entre as unidades orgânicas de <strong>um</strong>a<br />

mesma secretaria judicial e entre secretarias judiciais diferentes; 2. assinatura digital <strong>das</strong><br />

decisões judiciais); b) Lextnet (envio para os <strong>tribunais</strong> de peças processuais e doc<strong>um</strong>entos por<br />

meios telemáticos); e c) Minerva NOJ (1. assinatura electrónica; 2. módulo de relacionamento<br />

entre diferentes unidades da secretaria; 3. modificação de esquemas de tramitação processual;<br />

4. modificação <strong>dos</strong> modelos anexos aos esquemas de tramitação processual). Foram, ainda,<br />

desenvolvi<strong>das</strong> medi<strong>das</strong> para a implementação destes programas em todo o território nacional,<br />

como o “Esquema Judicial de Interoperabilidade e Segurança” e o “Esquema Judicial de<br />

Interoperabilidade de Sistemas”, cria<strong>dos</strong> com o propósito de permitir a conexão entre os<br />

diferentes sistemas informáticos <strong>das</strong> comunidades autónomas. Foram igualmente celebra<strong>dos</strong>,<br />

para o efeito, varia<strong>dos</strong> convénios de colaboração entre o Ministério da Justiça, entidades<br />

congéneres de várias comunidades autónomas, o CGPJ e a Fiscalía General. De entre esses<br />

convénios, destacam-se os relativos à cessão de uso do Lexnet e à interoperabilidade de<br />

sistemas informáticos e segurança (Alías Garoz e Casado Navarro, 2009: 32-33).<br />

56 Um <strong>dos</strong> objectivos do sistema de informatização é ultrapassar a descoordenação criada pelo<br />

desenvolvimento de diferentes programas em várias comunidades autónomas, muitos deles<br />

incompatíveis entre si, de modo a que seja possível o trabalho em rede, independentemente da<br />

comunidade autónoma em que estejam localiza<strong>dos</strong>. A informação estatística e o arquivo já<br />

estão centraliza<strong>dos</strong>. As decisões judiciais são envia<strong>das</strong>, por to<strong>dos</strong> os órgãos judiciais, ao<br />

CGPJ, e a recolha estatística estão sedea<strong>das</strong> n<strong>um</strong> centro de doc<strong>um</strong>entação ligado ao CGPJ.<br />

57 São também considera<strong>das</strong> as necessidades e disponibilidades logísticas e de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos, bem como o tempo necessário para a citação/notificação de to<strong>dos</strong> os intervenientes.<br />

A responsabilidade central por to<strong>dos</strong> os agendamentos cabe ao secretário judicial.<br />

A nova secretaria judicial em Espanha 75


4.1 Breve contextualização da reforma<br />

76<br />

O Livro Branco da Justiça, elaborado pelo Conselho Geral do Poder<br />

Judicial, em 1997, ao caracterizar e avaliar o sistema judicial, constitui <strong>um</strong><br />

marco no processo de reforma da administração da justiça 58 . No que toca à<br />

organização interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, em especial da secretaria judicial, salientava-<br />

se a heterogeneidade organizativa e a compartimentação do seu<br />

funcionamento. Chamava-se a atenção para o facto de, na prática diária, se<br />

misturarem actividades de carácter administrativo e actividades de carácter<br />

jurisdicional, sem que existisse <strong>um</strong> modelo com<strong>um</strong> de trabalho ou incentivos ao<br />

trabalho diferenciado e especializado. Era, ainda, entre outros, salientado como<br />

ponto negativo o facto de nas secretarias se cruzarem funcionários,<br />

profissionais liberais e público em geral, o que provocava contínuas<br />

interrupções no trabalho <strong>dos</strong> primeiros.<br />

Em face deste diagnóstico, o Livro Branco da Justiça avançava com<br />

alg<strong>um</strong>as linhas de orientação relativamente às secretarias judiciais, avançando<br />

já para a densificação <strong>dos</strong> serviços comuns, para <strong>um</strong>a diferente interacção<br />

entre o juiz e a secretaria e para a possibilidade de transferência de alg<strong>um</strong>as<br />

funções da exclusiva competência do juiz para o secretário judicial.<br />

A proposta de criação de serviços comuns foi considerada como <strong>um</strong><br />

elemento-chave na reforma <strong>das</strong> secretarias judiciais no sentido da sua maior<br />

eficiência. Através da criação daqueles serviços, procurava-se evitar a<br />

repetição de tarefas, uniformizando-as, libertando as diferentes secções de<br />

praticar actos e tarefas semelhantes e criando <strong>um</strong>a estrutura especializada no<br />

atendimento ao público.<br />

Uma outra proposta veio, igualmente, abrir caminho à actual reforma.<br />

Propunha-se que o perfil profissional do secretário judicial avançasse para a<br />

58 Neste ponto, seguimos de perto o relatório do OPJ A Administração e Gestão da Justiça –<br />

Análise comparada <strong>das</strong> tendências de reforma. Cf. OPJ (2001).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


especialização de funções, o que incluía, para além de conhecimentos jurídicos<br />

avança<strong>dos</strong>, conhecimentos de <strong>gestão</strong>, de forma a permitir o exercício de<br />

tarefas de apoio técnico, informação, assessoria e <strong>gestão</strong> de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos e materiais. O Livro Branco enfatizava, ainda, a necessidade de<br />

definição de programas de formação permanente dirigi<strong>dos</strong> a to<strong>dos</strong> os agentes<br />

judiciais.<br />

Com este pano de fundo, a Proposta de Modernização da Administração<br />

da Justiça, de 1991, após fazer o elenco <strong>dos</strong> problemas identifica<strong>dos</strong> no<br />

funcionamento e organização da secretaria judicial, apontava para <strong>um</strong> modelo<br />

que distinguia as três actividades principais da administração da justiça: a<br />

actividade jurisdicional, a actividade processual e a actividade estritamente<br />

administrativa. O modelo apontava para a agregação de tarefas homogéneas<br />

com a criação de unidades especializa<strong>das</strong>.<br />

Esta nova perspectiva organizacional veio a ter acolhimento na Lei<br />

Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro, que introduziu o novo modelo de<br />

secretaria judicial, vindo dar forma a alguns objectivos do Pacto de Estado para<br />

a Justiça 59 . Como principais alterações com impacto no funcionamento <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong>, destacam-se: (1) a libertação do juiz de actos não jurisdicionais<br />

(liberta-se o juiz do trabalho burocrático, podendo deste modo dedicar a<br />

totalidade do seu tempo ao exercício da função exclusivamente jurisdicional);<br />

(2) a criação da nova figura do director da secretaria judicial (secretário judicial,<br />

considerado <strong>um</strong> especialista com alto nível de competência e eleva<strong>dos</strong><br />

conhecimentos jurídicos, com especiais competências no que se refere ao<br />

funcionamento da secretaria e à tramitação processual); (3) a agregação de<br />

tarefas repetitivas em serviços comuns, tanto ao nível da tramitação processual<br />

propriamente dita, como de actividades de suporte; (4) a especialização <strong>dos</strong><br />

funcionários judiciais; (5) a informatização da justiça; e (6) a nova configuração<br />

<strong>dos</strong> espaços físicos (remodelação <strong>das</strong> infra-estruturas).<br />

59 Especificamente, no que diz respeito às diferentes fases do processo de implementação da<br />

nova secretaria judicial, cf. OPJ (2008).<br />

A nova secretaria judicial em Espanha 77


78<br />

Apesar da discussão <strong>sobre</strong> esta matéria em Espanha ter mais de <strong>um</strong>a<br />

década e acolhimento de há alguns anos na legislação, a sua implementação<br />

tem revelado dificuldades, n<strong>um</strong> ambiente de dissensos e com <strong>um</strong> atraso<br />

significativo relativamente ao calendário previsto. Após <strong>um</strong>a quebra acentuada<br />

no ritmo da implementação do novo modelo de secretaria judicial, verificada<br />

nos três últimos anos, assiste-se actualmente a <strong>um</strong> novo empenho, por parte<br />

do Ministério da Justiça, na sua efectivação em todo o território nacional, em<br />

conexão com <strong>um</strong> novo plano de modernização: o Plano Estratégico de<br />

Modernização da Justiça 2009-2012. Este Plano veio, efectivamente, dar <strong>um</strong><br />

novo impulso à reforma que prevê, não só <strong>um</strong> enfoque redobrado no projecto<br />

da nova secretaria judicial, mas também obviar vários <strong>dos</strong> problemas que se<br />

foram tornando visíveis ao longo do seu processo de implementação (Alías<br />

Garoz e Casado Navarro, 2009: 31-33).<br />

O Plano assenta, especificamente, em quatro pontos estratégicos: (1)<br />

obtenção de <strong>um</strong> serviço público de qualidade na justiça, o que passa,<br />

primordialmente, pela implementação definitiva do novo modelo de secretaria<br />

judicial e pela reforma do mapa judiciário; (2) incorporação de novas<br />

tecnologias para a efectiva informatização <strong>dos</strong> serviços (devendo estes<br />

trabalhar em rede, independentemente da comunidade autónoma em que<br />

estejam localiza<strong>dos</strong>); (3) alterações aos estatutos de to<strong>dos</strong> os funcionários ao<br />

serviço da administração da justiça; (4) criação de <strong>um</strong> registo civil único para<br />

todo o território nacional. 60<br />

60 Para responder a estes objectivos, o orçamento de Estado para o ano de 2010 prevê o<br />

investimento de 1.804,82 milhões de euros, dirigi<strong>dos</strong> especificamente a: (1) modernização<br />

tecnológica e aos registos civis; (2) implementação da nova secretaria judicial; (3) novo mapa<br />

judiciário; (4) organismos como o CEJ; (5) outras actividades relaciona<strong>das</strong> com violência de<br />

género e com as fiscalías.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


4.2 O novo modelo de secretaria judicial: principais<br />

características<br />

Vejamos, mais em detalhe, os traços fundamentais deste novo modelo<br />

de secretaria judicial, que o legislador espanhol define como a organização de<br />

carácter instr<strong>um</strong>ental que serve de suporte e apoio à actividade jurisdicional de<br />

juízes, juízes leigos e <strong>tribunais</strong>, configurando-se, assim, como o meio que deve<br />

proporcionar à actividade jurisdicional a infraestrutura técnica e h<strong>um</strong>ana que<br />

esta requer 61 .<br />

São objectivos centrais deste novo modelo, o reforço da independência<br />

do poder jurisdicional, a racionalização da utilização <strong>dos</strong> meios ao dispor do<br />

sistema judicial e o aprofundamento da qualidade <strong>dos</strong> serviços presta<strong>dos</strong> aos<br />

cidadãos em consonância com a Carta <strong>dos</strong> Direitos <strong>dos</strong> Cidadãos face à<br />

Justiça. A actual Lei Orgânica do Poder Judicial estabelece expressamente que<br />

a secretaria judicial deve funcionar de acordo com critérios de agilidade,<br />

eficácia, eficiência, racionalização do trabalho, responsabilidade pela <strong>gestão</strong>,<br />

coordenação e cooperação entre os vários serviços.<br />

Para tal, como se verá de seguida, pretende-se acabar com a<br />

atomização <strong>dos</strong> serviços, concentrando recursos em serviços comuns<br />

especializa<strong>dos</strong>, criando-se equipas ou unidades especializa<strong>das</strong> dedica<strong>das</strong> a<br />

tarefas específicas, de forma a evitar dispersões ou repetições inúteis de<br />

tarefas idênticas em diferentes serviços. Pretende-se, ainda, separar, por<br />

unidades e categorias de funcionários distintos, actividades de tramitação mais<br />

complexas de actividades mais repetitivas (como recepção de doc<strong>um</strong>entos,<br />

citações e notificações, etc.) e de actividades de suporte. O novo modelo vem,<br />

ainda, reconfigurar o papel <strong>dos</strong> secretários judiciais, prevendo que estes<br />

ass<strong>um</strong>am o duplo papel de técnicos processuais e de gestores da sua unidade.<br />

61 Cf. Exposição de Motivos da Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro, que introduziu a<br />

nova secretaria judicial.<br />

A nova secretaria judicial em Espanha 79


80<br />

4.2.1 Estrutura da nova secretaria judicial<br />

O novo desenho da secretaria judicial incorpora <strong>um</strong>a estrutura básica,<br />

mas suficientemente flexível, permitindo a sua aplicação e adaptação a órgãos<br />

de âmbito nacional, autonómico, provincial, distrital ou municipal. A lei prevê<br />

que a sua dimensão e organização concretas sejam determina<strong>das</strong> em função<br />

do vol<strong>um</strong>e e da natureza do trabalho a desenvolver, para permitir qualquer<br />

forma de organização necessária n<strong>um</strong> determinado momento, até porque se<br />

considera que a reforma nunca poderá estar terminada em menos de sete ou<br />

oito anos, pelo que <strong>um</strong> tal suporte normativo era fundamental para a<br />

concretização <strong>dos</strong> objectivos propostos (Dorado Picón, 2003: 5368).<br />

Mostramos, de seguida, como se estrutura a nova secretaria judicial. O<br />

seu elemento organizativo básico é a Unidade, que pode ser de dois tipos:<br />

Unidade Processual de Apoio Directo e de Serviços Comuns Processuais.<br />

Prevê-se, ainda, a criação de Unidades Administrativas. A figura 5 mostra a<br />

estrutura orgânica da secretaria judicial.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Figura 5 – Estrutura Orgânica da Secretaria Judicial<br />

Fonte: Ministério da Justiça Espanhol<br />

As Unidades da secretaria judicial: UPAD e SCP<br />

Nesta reorganização estabelece-se <strong>um</strong>a diferença clara entre o apoio<br />

directo à função jurisdicional, tarefa cometida às unidades processuais de<br />

apoio directo, e a tramitação processual, função, <strong>sobre</strong>tudo, a cargo <strong>dos</strong><br />

serviços comuns processuais, que podem executar tarefas de tramitação<br />

processual de <strong>um</strong> ou mais juízes, juízos, secções ou <strong>tribunais</strong>.<br />

Entre nós, as tarefas de tramitação processual e de apoio à função<br />

jurisdicional são assegura<strong>das</strong> pela mesma unidade: a secção de processos.<br />

Uma diferença fundamental é o facto de, em Espanha, se ter logrado conseguir<br />

<strong>um</strong>a distinção entre actividade exclusivamente jurisdicional (atribuída aos<br />

juízes) e actividade processual ou de ordenação do processo (que<br />

relativamente a certos actos pode ser da responsabilidade <strong>dos</strong> secretários).<br />

Alg<strong>um</strong> paralelismo nesta solução organizacional, para Portugal, pode ser<br />

encontrado na proposta, nunca concretizada, de criação do gabinete do juiz.<br />

A nova secretaria judicial em Espanha 81


Unidades Processuais de Apoio Directo<br />

82<br />

As UPAD constituem, conjuntamente com o juiz titular, o órgão judicial.<br />

Ocupam-se do apoio directo aos juízes no exercício <strong>das</strong> suas funções<br />

jurisdicionais, pelo que existem tantas unidades deste tipo quantos os juízes,<br />

juízos ou secções, dependendo da carga de trabalho.<br />

Estas unidades são competentes para a realização de to<strong>dos</strong> os actos<br />

que requerem, por lei, a intervenção do juiz. A sua dotação, definida em<br />

diploma próprio, é condicionada pelo vol<strong>um</strong>e e tipo de trabalho adstrito ao juiz.<br />

Apesar de a lei determinar <strong>um</strong>a dotação-base 62 prevê-se flexibilidade de modo<br />

a que a sua composição seja adaptável ao vol<strong>um</strong>e de trabalho.<br />

As UPAD são dirigi<strong>das</strong> por <strong>um</strong> secretário judicial, podendo o mesmo<br />

secretário exercer funções em mais de <strong>um</strong>a destas unidades, e são compostas<br />

pelo número de funcionários necessário ao apoio ao respectivo juiz. A redução<br />

<strong>das</strong> funções jurisdicionais, com a transferência de competências para os<br />

secretários, determinará que, de acordo com Picón (2003: 5370), cada UPAD<br />

não possua, em regra, mais do que três a quatro funcionários, que pertencem a<br />

dois corpos profissionais: funcionários gestores e funcionários tramitadores. 63<br />

Aos primeiros são cometi<strong>das</strong>, entre outras, as seguintes funções: (1) gerir a<br />

tramitação processual própria da UPAD, que não é atribuída ao SCOP (serviço<br />

com<strong>um</strong> de ordenação do processo); (2) elaborar notas de referência, res<strong>um</strong>os<br />

<strong>dos</strong> autos, etc., como principais colaboradores do juiz; (3) elaborar e assinar,<br />

com capacidade de certificação, doc<strong>um</strong>entos comprovativos da comparência<br />

<strong>das</strong> partes e demais intervenientes processuais perante a UPAD; (4) expedir<br />

62 A dotação-base <strong>das</strong> UPAD é actualmente determinada pela Ordem JUS/3244/2005, de 18 de<br />

Outubro, do Ministério da Justiça. Contudo, esta Ordem, embora ainda em vigor, encontra-se já<br />

desactualizada, porque desadequada às profun<strong>das</strong> alterações em sede processual decorrentes<br />

da Lei Orgânica 13/2009 e da sua lei complementar 1/2009, pelas quais muitas <strong>das</strong><br />

competências até agora privativas do juiz são transferi<strong>das</strong> para o secretário judicial. Aguar<strong>das</strong>e,<br />

portanto, a promulgação de <strong>um</strong> novo diploma que revogue este.<br />

63 De acordo com a Ordem JUS/3244/2005, a dotação de pessoal para as UPAD variam<br />

segundo o tipo de tribunal a que estejam adstritas. Por exemplo, n<strong>um</strong> tribunal de competência<br />

exclusivamente cívil de primeira instância, prevê-se <strong>um</strong> secretário judicial por cada duas UPAD,<br />

<strong>um</strong> funcionário gestor e <strong>um</strong> funcionário tramitador por cada <strong>um</strong>a UPAD.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


cópias simples de doc<strong>um</strong>entos solicita<strong>dos</strong> pelas partes processuais e por<br />

interessa<strong>dos</strong> legítimos. Aos segun<strong>dos</strong> cabe: (1) receber, registar e classificar<br />

toda a correspondência recebida na UPAD; (2) realizar os actos de tramitação<br />

que não sejam atribuí<strong>dos</strong> ao SCOP; (3) redigir e emitir notificações e citações;<br />

(4) introduzir no sistema informático os despachos e as decisões do juiz.<br />

Serviços Comuns Processuais<br />

Os SCP são unidades da secretaria judicial que, não estando afectas ou<br />

integra<strong>das</strong> n<strong>um</strong> órgão judicial concreto, ass<strong>um</strong>em funções centraliza<strong>das</strong> de<br />

<strong>gestão</strong> e apoio à tramitação processual. Ao transferir para serviços comuns <strong>um</strong><br />

conjunto de funções, até então adstritas a <strong>um</strong> órgão judicial concreto, o<br />

legislador pretendeu, por esta via, diminuir custos, especializar os serviços<br />

comuns e evitar colapsos na tramitação processual. Os SCP podem apoiar <strong>um</strong><br />

ou mais órgãos judiciais de <strong>um</strong>a determinada área territorial,<br />

independentemente da ordem jurisdicional a que pertençam e da extensão da<br />

sua jurisdição. Podemos, assim, ver nestes SCP como que macro-secretarias a<br />

exercer funções para diferentes órgãos judiciais (Martín Morato, 2005).<br />

Diferentemente <strong>das</strong> UPAD, cujas funções aí desenvolvi<strong>das</strong> têm como fim<br />

o suporte directo à função jurisdicional, os SCP são dirigi<strong>dos</strong> por <strong>um</strong> secretário<br />

judicial, ao qual são atribuí<strong>das</strong> competências próprias, dele dependendo<br />

funcionalmente os demais secretários aí a exercer funções, bem como os<br />

restantes funcionários judiciais. O secretário no topo da hierarquia ass<strong>um</strong>e,<br />

assim, <strong>um</strong>a dupla função, como técnico processual especializado, com<br />

competências próprias e exclusivas, e como gestor da unidade. De acordo com<br />

Dorado Picón (2003: 5371-5372), esta disposição veio criar <strong>um</strong> aceso debate<br />

durante o processo de elaboração da lei, dado que estava em causa a<br />

possibilidade de tramitar o processo na esfera de unidades (os SCP) nas quais<br />

não intervêm juízes e cuja direcção cabe ao secretário judicial. Discordando<br />

daqueles que se opunham a esta opção do legislador, Picón veio reiterar que a<br />

actuação <strong>dos</strong> SCP é instr<strong>um</strong>ental face à actividade jurisdicional, pelo que, na<br />

prática, tais actos servem para, no âmbito de determinado processo, dar<br />

A nova secretaria judicial em Espanha 83


c<strong>um</strong>primento a ordens do juiz.<br />

84<br />

São funções essenciais <strong>dos</strong> SCP: (1) registo e distribuição de<br />

doc<strong>um</strong>entos; (2) actos de comunicação (notificações, citações, editais, etc.); (3)<br />

apoio ao juiz; (4) execução de decisões judiciais; (5) actos de jurisdição<br />

voluntária.<br />

Os SCP podem estruturar-se em secções que, por sua vez, se podem<br />

dividir em subunidades. A criação destas subunidades, sempre precedida de<br />

parecer favorável do CGPJ, tem, em regra, como objectivo a realização de<br />

determina<strong>das</strong> tarefas específicas (estatística judicial, execução de sentenças).<br />

Na primeira fase de implantação da nova secretaria judicial foram cria<strong>das</strong> as<br />

seguintes subunidades no âmbito <strong>dos</strong> SCP: (1) serviço com<strong>um</strong> geral (SCG); (2)<br />

serviço com<strong>um</strong> de ordenação do processo (SCOP); e (3) serviço com<strong>um</strong> de<br />

execuções (SCE).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Serviço Com<strong>um</strong> Geral<br />

Tal como outros serviços, o SCG pode organizar-se em secções e/ou<br />

equipas de acordo com as necessidades do trabalho a desenvolver. Atendendo<br />

às funções que leva a cabo, o desenho institucional prevê que dentro do SCG<br />

exista <strong>um</strong>a secção inc<strong>um</strong>bida da prática de actos de comunicação em geral,<br />

como, por exemplo, notificações às partes, peritos e testemunhas; <strong>um</strong>a secção<br />

para a realização de actos de execução, nomeadamente, embargos, editais,<br />

apreensões, remoções e depósitos; e <strong>um</strong>a secção de depósito e arquivo.<br />

Serviço Com<strong>um</strong> de Ordenação do Processo<br />

A este serviço é cometida competência para a prática de actos de<br />

processo para os quais não seja necessário a intervenção directa de <strong>um</strong><br />

magistrado. Considerando as funções que lhe poderão ser distribuí<strong>das</strong>, <strong>um</strong><br />

SCOP poderá possuir <strong>um</strong>a ou mais <strong>das</strong> seguintes secções: (1) tramitação<br />

cível; (2) tramitação contencioso-administrativa; (3) tramitação social; (4)<br />

tramitação penal; (5) agendamento de diligências; (6) apoio às partes,<br />

profissionais forenses e demais intervenientes.<br />

Serviço Com<strong>um</strong> de Execuções<br />

O SCE pode ser integrado pelas seguintes secções: (1) execução cível;<br />

(2) execução contenciosa-administrativa; (3) execução social; (4) execução<br />

penal; (5) contabilidade e caixa judicial; (6) apoio ao cidadão, às partes e<br />

demais intervenientes e a profissionais forenses.<br />

Unidades Administrativas<br />

Embora não estando integra<strong>das</strong> nas secretarias judiciais, as Unidades<br />

Administrativas ass<strong>um</strong>em, no âmbito da organização da administração de<br />

justiça, funções de coordenação e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos da secretaria<br />

judicial, bem como <strong>dos</strong> meios informáticos, novas tecnologias e restantes<br />

meios materiais. Diferentemente do estabelecido para a secretaria judicial, a<br />

criação, organização e desenho <strong>das</strong> UA (bem como a sua subdivisão em<br />

A nova secretaria judicial em Espanha 85


unidades de apoio a <strong>um</strong>a ou várias secretarias judiciais) são deixa<strong>dos</strong> ao<br />

critério da administração da comunidade autónoma onde esteja implantado o<br />

respectivo tribunal.<br />

86<br />

Estas unidades englobam tarefas no âmbito: (1) recursos h<strong>um</strong>anos; (2)<br />

abastecimento e património; (3) informática e reprografia; (4) manutenção e<br />

obras; (5) assistência jurídica gratuita; (6) assistência a peritos e intérpretes; (7)<br />

gabinetes de assistência a vítimas; (8) atendimento ao cidadão; (9) prevenção<br />

de acidentes laborais; (10) assistência ao juiz decano e ao presidente da<br />

audiência provincial.<br />

São referi<strong>dos</strong> os seguintes tipos de UA: (1) unidade de <strong>gestão</strong> da<br />

secretaria; (2) unidade de orientação jurídica; (3) unidade de <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> salas<br />

de audiência; (4) unidade de meios audiovisuais; (5) unidade de apoio às<br />

vítimas de crimes violentos e de crimes sexuais.<br />

4.3 Recursos h<strong>um</strong>anos<br />

O novo modelo de secretaria judicial, para além de trazer profun<strong>das</strong><br />

alterações na sua estrutura organizacional, também implicou a redefinição de<br />

competências e funções profissionais. Como já se referiu, os secretários<br />

judiciais ass<strong>um</strong>em, neste modelo, <strong>um</strong>a forte centralidade funcional, constituindo<br />

para alguns autores o elemento-chave desta reforma. Constituem <strong>um</strong> corpo<br />

próprio, conferindo-lhes a lei carácter de autoridade 64 . Dependendo<br />

directamente do ministro da justiça estão hierarquiza<strong>dos</strong> de acordo com a<br />

seguinte estrutura: secretário-geral da administração da justiça 65 , secretários<br />

64 São defini<strong>dos</strong> por lei como “funcionários públicos que constituem <strong>um</strong> corpo superior jurídico,<br />

único de carácter nacional, ao serviço da administração da justiça, dependendo do Ministério<br />

da Justiça, e que exercem as suas funções com carácter de autoridade” (cf. artigo 440.º, da<br />

LOPJ).<br />

65 A nova figura do secretário-geral da administração da justiça encontra-se na dependência<br />

hierárquica directa do ministro da justiça. Trata-se de <strong>um</strong> novo órgão inserido na estrutura do<br />

Ministério da Justiça, no qual se centralizam to<strong>das</strong> as competências <strong>sobre</strong> to<strong>dos</strong> os secretários<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


gestores de tribunal superior 66 ; secretário coordenador provincial 67 e<br />

secretários judiciais 68 . Têm competência para dirigirem tecnicamente os<br />

recursos h<strong>um</strong>anos <strong>das</strong> secretarias, coordenando a sua acção e dando ordens e<br />

instruções necessárias ao seu desempenho funcional.<br />

Também como já referimos, a Lei de 13/2009, de 3 de Novembro, veio<br />

transferir para este corpo profissional <strong>um</strong> conjunto de funções até então da<br />

judiciais e, em última análise, <strong>sobre</strong> a organização <strong>dos</strong> serviços da justiça. Mais<br />

concretamente, esta figura possui competências centraliza<strong>das</strong> de direcção e coordenação de<br />

to<strong>dos</strong> os secretários judiciais que exercem funções no território nacional. Note-se, contudo, que<br />

embora expressamente previsto na LOPJ, até à data ainda não foi nomeado o secretário-geral<br />

da administração da justiça.<br />

66 Existe <strong>um</strong> secretário gestor no Supremo Tribunal e na Audiência Nacional, bem como em<br />

cada Tribunal Superior de Justiça <strong>das</strong> Comunidades Autónomas e nas cidades de Ceuta e<br />

Melilla. Como superior hierárquico deste corpo profissional, este ass<strong>um</strong>e a direcção de to<strong>dos</strong><br />

os secretários judiciais que exerçam funções em to<strong>das</strong> as secretarias judiciais do respectivo<br />

tribunal superior, bem como nas cidades de Ceuta e Melilla. De entre as suas funções,<br />

destacam-se as disciplinares, de inspecção, de estatística, de direcção e organização <strong>dos</strong><br />

secretários judiciais, velando pela sua independência no exercício <strong>das</strong> funções que lhes são<br />

adstritas, as de propor a nomeação e desoneração de secretários judiciais e de concessão de<br />

autorizações e licenças a secretários judiciais, entre outras.<br />

67 Em cada província existe <strong>um</strong> secretário coordenador. Se se tratar de <strong>um</strong>a comunidade<br />

autónoma uniprovincial, as funções de secretário coordenador serão ass<strong>um</strong>i<strong>das</strong> pelo respectivo<br />

secretário gestor de tribunal superior, excepto se tal não for possível por razões de serviço.<br />

Este encontra-se na dependência directa do secretário gestor, exercendo, entre outras, as<br />

funções de dar instruções directas aos funcionários; controlar a correcta execução de circulares<br />

e instruções do secretário gestor; colaborar com a administração autonómica em questões<br />

relativas a meios h<strong>um</strong>anos e materiais, coordenar o funcionamento <strong>dos</strong> SCP; propor ao<br />

ministério da justiça comissões de serviço; diligenciar para a substituição <strong>dos</strong> secretários<br />

judiciais; dar conta ao secretário gestor <strong>dos</strong> temas relevantes para o serviço; bem como de<br />

outras funções que sejam determina<strong>das</strong> por regulamentação avulsa.<br />

68 As suas competências incluem: o exercício da fé pública judicial; a organização, <strong>gestão</strong>,<br />

inspecção e direcção do pessoal em aspectos técnico-processuais, assegurando a<br />

coordenação com os órgãos de <strong>gestão</strong> do poder judicial e com as comunidades autónomas<br />

com competência na administração da justiça; dirigir, no aspecto técnico-processual, o pessoal<br />

integrante da secretaria judicial; a responsabilidade central por to<strong>dos</strong> os agendamentos de<br />

diligências; garantir que a distribuição de assuntos se realiza em conformidade com as regras<br />

aprova<strong>das</strong>, sendo responsáveis pelo bom funcionamento do registo e recepção de<br />

doc<strong>um</strong>entos, expedindo as certificações solicita<strong>das</strong> pelas partes e demais interessa<strong>dos</strong><br />

legítimos; facultar às partes e a to<strong>dos</strong> aqueles que manifestem interesse legítimo a informação<br />

<strong>sobre</strong> o andamento do processo; promover a boa utilização <strong>dos</strong> meios técnicos, audiovisuais e<br />

informáticos de doc<strong>um</strong>entação de que a unidade onde exerce funções disponha; competências<br />

de ìndole “jurisdicional em sede de processo civil declarativo; competências de índole<br />

“jurisdicional em sede de processo civil executivo; competências concorrentes com o juiz de<br />

paz em sede de conciliação; e responsável pelo depósito de bens e objectos, pelo arquivo<br />

judicial de <strong>gestão</strong> e pela estatística judicial <strong>dos</strong> seus serviços.<br />

A nova secretaria judicial em Espanha 87


estrita competência do juiz. O objectivo central é o de libertar o juiz de funções<br />

de natureza mais burocrática, permitindo maior disponibilidade para o exercício<br />

da função jurisdicional. Por exemplo, no âmbito do processo declarativo, foram<br />

alarga<strong>das</strong> as competências do secretário judicial, não apenas para dar início ao<br />

processo judicial, admitindo a petição inicial, mas também, nalguns casos, para<br />

lhe pôr termo 69 . Em sede de processo executivo os secretários judiciais<br />

adquiriram competências alarga<strong>das</strong> para a tramitação processual: competência<br />

para autorizar to<strong>dos</strong> actos executórios necessários, como arrolamentos,<br />

arrestos, penhoras e ven<strong>das</strong> judiciais, assim como competência decisória no<br />

caso de ac<strong>um</strong>ulação de execuções (apensação de acções).<br />

88<br />

Nas secretarias judiciais, seguindo a estrutura de configuração piramidal,<br />

os secretários judiciais encontram-se organiza<strong>dos</strong> de acordo com a relação de<br />

postos de trabalho de cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> serviços em que estes prestam funções,<br />

sendo escalona<strong>dos</strong> em três categorias diferentes. Note-se que, no caso de se<br />

tratar de SCP de maiores dimensões, nos quais existam vários secretários<br />

judiciais, estes também serão escalona<strong>dos</strong> de acordo com a respectiva relação<br />

de postos de trabalho.<br />

Até à reforma de 2003, a responsabilidade disciplinar pelos actos <strong>dos</strong><br />

secretários judiciais no exercício <strong>das</strong> suas funções encontrava-se nas mãos de<br />

outros corpos profissionais, em particular <strong>dos</strong> juízes, através do Conselho<br />

Geral do Poder Judicial. Em consonância com o novo desenho institucional, a<br />

competência para o exercício da acção disciplinar relativamente aos<br />

secretários passou, em última instância, para o Ministério da Justiça, através<br />

do secretário-geral da administração da justiça, tendo sido delegada nos<br />

secretários gestores e aos secretários coordenadores provinciais dentro do<br />

respectivo âmbito territorial. A imposição <strong>das</strong> sanções mais gravosas<br />

69 São os casos de declaração do termo antecipado do processo por desistência do autor, por<br />

resolução por acordo do litígio, caducidade da instância por inactividade <strong>das</strong> partes, e ainda em<br />

casos de conciliação. Outra alteração legislativa recente passa pela atribuição de<br />

competências ao secretário judicial, concorrentes com o juiz de paz, em sede de conciliação,<br />

sendo tais acor<strong>dos</strong> dota<strong>dos</strong> de idêntica força executiva.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


(suspensão do exercício de funções, transferência forçada e afastamento) é da<br />

competência do órgão ministerial.<br />

A nova secretaria judicial em Espanha 89


90<br />

4.3.1 Os funcionários judiciais<br />

O corpo de funcionários, que desempenham funções de tramitação<br />

processual, é composto pelos chama<strong>dos</strong> funcionários gestores, que vieram<br />

substituir o anterior corpo de oficiais de justiça. Para aceder a esta categoria<br />

profissional é, actualmente, necessária a titularidade de <strong>um</strong>a licenciatura<br />

(anteriormente bastava o bacharelato), aproximando-se, assim, estes<br />

funcionários de categorias profissionais de maior relevo na administração<br />

pública. A lei confere-lhes as seguintes competências: (1) colaborar na<br />

actividade processual de nível superior e realizar as tarefas processuais que<br />

lhes são próprias; (2) gerir a tramitação <strong>dos</strong> processos, devendo dar conta ao<br />

secretário judicial <strong>dos</strong> casos que exijam <strong>um</strong>a interpretação da lei processual<br />

mais complexa; (3) executar, assinar e certificar doc<strong>um</strong>entos comprovativos da<br />

comparência <strong>das</strong> partes em actos realiza<strong>dos</strong> no órgão jurisdicional; (4) elaborar<br />

notas explicativas, de referência ou s<strong>um</strong>arizadoras <strong>sobre</strong> elementos do<br />

processo, dando delas conhecimento aos superiores; (5) realizar tarefas de<br />

registo, recepção e distribuição de doc<strong>um</strong>entos; (6) expedir cópias simples de<br />

doc<strong>um</strong>entos constantes de autos não secretos ou reserva<strong>dos</strong>, com<br />

conhecimento do secretário judicial; (7) ocupar os postos <strong>das</strong> UPAD e SCP que<br />

correspondam à sua categoria profissional, actuando de acordo com o<br />

estabelecido nos protocolos de serviço respectivos; (8) colaborar com os<br />

órgãos competentes em matéria de <strong>gestão</strong> administrativa, desempenhando<br />

funções relativas à <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos e materiais da unidade da<br />

secretaria judicial em que exerçam funções, sempre que tal esteja<br />

expressamente no protocolo de serviço respectivos; (9) exercer funções em<br />

secretarias de julga<strong>dos</strong> de paz ou agrupamentos destas, sempre que a carga<br />

de trabalho justifique a sua presença, bem como em unidades administrativas,<br />

nas mesmas condições e possuindo preparação para tanto; (10) podem, ainda,<br />

ser nomea<strong>dos</strong> secretários substitutos.<br />

O antigo corpo de funcionários auxiliares foi substituído pelos actuais<br />

funcionários tramitadores. Para aceder a esta categoria profissional é<br />

necessária a titularidade de bacharelato ou curso equivalente (anteriormente,<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


astava o ensino secundário). A lei confere-lhes competência para: (1) realizar<br />

to<strong>dos</strong> actos de apoio à tramitação processual; (2) proceder à tramitação geral<br />

<strong>dos</strong> processos, implicando a execução de actas, diligências e notificações, bem<br />

como de cópias e a sua junção ao processo; (3) proceder ao registo e<br />

classificação da correspondência; realizar e autos e expedientes, sob<br />

supervisão do superior hierárquico; (4) realizar as tarefas auxiliares<br />

necessárias para proceder aos actos de comunicação; (5) realizar outras<br />

tarefas que sejam inerentes ao posto de trabalho que ocupem e estejam<br />

previstas no protocolo do respectivo serviço ou requeri<strong>das</strong> pelos superiores<br />

hierárquicos, inclusivamente em unidades administrativas, conquanto se<br />

insiram no âmbito <strong>das</strong> suas funções como tramitadores.<br />

Além daqueles corpos profissionais, existe, ainda, o corpo de auxiliares<br />

que vieram substituir o antigo corpo de agentes judiciais. A exigência<br />

académica para o ingresso nesta categoria profissional é ao nível do 12.º ano<br />

ou diploma equivalente. Têm competência para a realização de to<strong>das</strong> as<br />

tarefas que apoiem a actividade <strong>dos</strong> órgãos judiciais. De entre estas, a lei<br />

precisa as seguintes: (1) executar to<strong>dos</strong> os actos de comunicação que<br />

consistam em notificações, citações, agendamentos e requerimentos; (2)<br />

proceder à execução de embargos e actos similares, como agentes de<br />

autoridade; (3) actuar como polícia judicial, nas vestes de agente de autoridade<br />

na investigação de crimes e na identificação de criminosos, sem prejuízo <strong>das</strong><br />

competências <strong>dos</strong> membros <strong>das</strong> forças de segurança e órgãos de polícia<br />

criminal; (4) arquivar autos e expedientes, sob a supervisão do secretário<br />

judicial; (5) velar pelas condições de utilização <strong>das</strong> salas onde se realizem<br />

audiências de julgamento e outras diligências e manter a ordem nas mesmas;<br />

(6) verificar que os meios técnicos e tecnológicos necessários para a realização<br />

<strong>dos</strong> actos processuais se encontram em boas condições de utilização e, em<br />

caso de necessidade, requerer a presença do pessoal técnico necessário,<br />

dando de tal conhecimento ao secretário judicial; (7) realizar outras tarefas que<br />

sejam inerentes ao posto de trabalho e ocupem e estejam previstas no<br />

protocolo do respectivo serviço ou sejam requeri<strong>das</strong> pelos superiores<br />

hierárquicos.<br />

A nova secretaria judicial em Espanha 91


4.4 Alguns problemas<br />

92<br />

Não obstante o optimismo de muitos autores/operadores, como Dorado<br />

Picón (2003: 5379), a reforma da secretaria judicial ou, quando muito, alg<strong>um</strong>as<br />

<strong>das</strong> suas vertentes, não é consensual, quer como política em si, quer no que<br />

respeita à eficiência da sua execução. Vejamos, de forma breve, alg<strong>um</strong>as <strong>das</strong><br />

questões que se têm levantado.<br />

Em primeiro lugar, os sucessivos atrasos e <strong>um</strong>a certa falta de<br />

coordenação na execução de alg<strong>um</strong>as <strong>das</strong> mais importantes vertentes da<br />

reforma mais ampla (como sejam a reforma <strong>das</strong> leis processuais, a formação<br />

<strong>dos</strong> operadores para a utilização <strong>dos</strong> sistemas informáticos e a construção de<br />

novas instalações) está, na perspectiva de vários operadores, a comprometer<br />

<strong>um</strong>a efectiva e atempada entrada em vigor do novo modelo de secretaria<br />

judicial e, em sentido mais amplo, do novo modelo de administração da justiça.<br />

A falta de recursos financeiros para a administração da justiça (a nível nacional,<br />

autonómico e/ou local) é apontada como <strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais sérios condicionadores.<br />

Em segundo lugar, a transferência de competências, em sede da<br />

administração da justiça, para alg<strong>um</strong>as comunidades autónomas, em datas e<br />

em grau variado, tem como consequência actuações parcelares,<br />

descoordena<strong>das</strong> e até mesmo antagónicas em diferentes circunscrições<br />

territoriais, o que torna <strong>um</strong>a reforma que se pretende homogeneizadora e<br />

agregadora difícil de executar em simultaneidade. Daí que vários autores<br />

tenham salientado a urgência de levar a acabo a reorganização do(s)<br />

território(s) da justiça, reforma incluída no Plano Estratégico de Modernização<br />

da Justiça 2009-2012. Esta circunstância leva a que a implementação da<br />

reforma da nova secretaria judicial, bem como a modernização/adaptação <strong>dos</strong><br />

espaços esteja a ocorrer a velocidades muito distintas, podendo encontrar-se<br />

em território espanhol diferentes modelos de secretaria judiciais.<br />

Também o processo de informatização, a implementar de forma<br />

descentralizada pelas comunidades autónomas com competência em sede de<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


administração da justiça (note-se que o País Basco foi a comunidade<br />

precursora da desmaterialização, no início <strong>dos</strong> anos 90, exportando<br />

posteriormente a sua tecnologia para a administração central), está longe da<br />

uniformização e compatibilização necessárias entre programas informáticos<br />

distintos. A implementação do programa que prevê estabelecer a conexão e<br />

coordenação entre os diferentes sistemas informáticos, a realizar pelo<br />

Conselho Geral do Poder Judicial, ainda não foi levada a cabo.<br />

Em quarto lugar, o processo de redimensionamento <strong>dos</strong> recursos<br />

h<strong>um</strong>anos, que a nova secretaria judicial veio exigir, está também muito<br />

atrasado. Acresce que, se é certo que no processo de reestruturação <strong>dos</strong><br />

serviços, o legislador definiu com rigor as alterações necessárias, não o fez<br />

considerando os processos pendentes, o que veio criar dificuldades nesta<br />

matéria.<br />

Ainda no contexto <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos, é salientada a falta de<br />

definição prévia de linhas orientadoras e de protocolos de actuação <strong>dos</strong><br />

funcionários judiciais, nos quais se concretizassem e delimitassem as<br />

competências e tarefas específicas <strong>das</strong> diferentes categorias de funcionários<br />

em cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> serviços. Contudo, é de sublinhar que este problema tem sido<br />

minimizado pela acção de associações profissionais, como a União<br />

Progressista de Secretários Judiciais, as quais têm desempenhado <strong>um</strong> papel<br />

relevante de interface de <strong>experiência</strong>s entre secretarias judiciais de diferentes<br />

<strong>tribunais</strong> e de diferentes comunidades autónomas.<br />

Um sexto problema decorre da alteração, pela reforma da nova<br />

secretaria judicial, do padrão de relacionamento funcional entre juízes,<br />

secretários judiciais e restantes funcionários judiciais. À cabeça, como principal<br />

factor de tensão, está a nova distribuição de competências entre juízes e<br />

secretários judiciais. O caso Mari Luz fez emergir muita dessa tensão, neste<br />

caso, protagonizada publicamente pelas posições da Associação Profissional<br />

da Magistratura e da UPSJ. Estando em causa eventuais responsabilidades<br />

disciplinares por falhas na execução da sentença do arguido (o qual foi mantido<br />

alg<strong>um</strong> tempo, sem qualquer razão que o justificasse, em liberdade após ter<br />

A nova secretaria judicial em Espanha 93


sido proferida a decisão condenatória final), discutiu-se se a responsabilidade<br />

pela falha pertenceria (ou deveria pertencer) ao juiz ou à secretaria judicial,<br />

maxime, ao secretário judicial como director da secretaria e titular de funções<br />

alarga<strong>das</strong> em sede de execução penal. Decidindo em sede do processo<br />

disciplinar instaurado contra o juiz, a Comissão Disciplinar do CGPJ entendeu<br />

que a total responsabilidade pelas falhas na execução <strong>das</strong> sentenças era do<br />

secretário judicial e <strong>dos</strong> demais funcionários do SCP em causa, e não do juiz,<br />

entendendo que, na reforma da LOPJ, aquelas competências passaram para o<br />

secretário judicial. Contra a posição do CGPJ, a UPSJ considerava que, no<br />

caso, se tratava de competências reserva<strong>das</strong> ao juiz. As diferentes posições<br />

mostram as dificuldades de compreensão e de execução <strong>dos</strong> novos papéis.<br />

94<br />

A reforma criou <strong>um</strong> outro foco de tensão entre juízes e secretários<br />

judiciais ao conferir a estes últimos o agendamento <strong>das</strong> diligências. Para<br />

muitos juízes, os secretários, não só carecem de preparação/ <strong>experiência</strong> para<br />

levar a cabo esta tarefa, como ela cerceia a actividade jurisdicional do juiz, em<br />

especial, quando estejam em causa processos urgentes.<br />

Por último, o facto de a nomeação de secretários judiciais para certos<br />

cargos de especial responsabilidade ou conhecimentos técnicos ser de<br />

nomeação livre, sem prévio concurso público, é visto como <strong>um</strong> aspecto<br />

negativo da reforma e da reestruturação deste corpo profissional.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


A REFORMA DO MAPA E DA<br />

ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E OS DESAFIOS<br />

À GESTÃO DOS TRIBUNAIS<br />

5


5 A REFORMA DO MAPA E DA ORGANIZAÇÃO<br />

JUDICIÁRIA E OS DESAFIOS À GESTÃO DOS<br />

TRIBUNAIS<br />

96<br />

Como já referimos na introdução geral, o trabalho que se apresenta<br />

neste relatório não tem qualquer pretensão de fazer a monitorização e<br />

avaliação da reforma experimental <strong>das</strong> novas <strong>comarcas</strong> piloto. Contudo, ao<br />

contribuir para a produção de conhecimento acerca do modelo de <strong>gestão</strong><br />

introduzido com a nova organização judiciária – dimensão fulcral desta reforma<br />

– este trabalho apresenta <strong>um</strong>a análise pioneira.<br />

O novo modelo de <strong>gestão</strong> é <strong>um</strong>a realidade muito recente em que, para<br />

além <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> já produzi<strong>dos</strong> pelo OPJ, o acervo de informação disponível é<br />

escasso. Acresce que o reduzido tempo de vigência do período experimental<br />

da reforma não permite <strong>um</strong>a averiguação cabal de to<strong>das</strong> as suas implicações.<br />

Impossibilita, por exemplo, <strong>um</strong>a avaliação quantitativa, mesmo através de<br />

da<strong>dos</strong> provisórios, do impacto <strong>das</strong> alterações gestionárias na produtividade <strong>dos</strong><br />

agentes judiciais e no tempo <strong>dos</strong> processos, até porque, dado o carácter<br />

original da reforma, se tornam difíceis as comparações de desempenho com o<br />

modelo anterior. Alguns impactos, designadamente de duração <strong>dos</strong> processos,<br />

podem ser induzi<strong>dos</strong> pelas alterações no âmbito da organização judiciária.<br />

Assim, privilegiou-se a análise qualitativa através da recolha <strong>das</strong><br />

percepções <strong>dos</strong> agentes envolvi<strong>dos</strong> no processo, bem como da observação<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


empírica <strong>das</strong> práticas e rotinas <strong>das</strong> unidades orgânicas.<br />

Partindo <strong>das</strong> virtualidades do novo modelo de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, cuja<br />

concretização máxima se sente ao nível local, o trabalho de campo foi<br />

direccionado no sentido de avaliar as potencialidades e os desafios deste<br />

processo de localização da <strong>gestão</strong>, analisando tanto a articulação entre as<br />

entidades que têm responsabilidades na administração e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos,<br />

como na direcção e supervisão <strong>das</strong> actividades no interior do tribunal, com<br />

ênfase no conjunto <strong>das</strong> tarefas a serem desempenha<strong>das</strong>, de forma articulada,<br />

pelos agentes judiciais <strong>das</strong> diferentes unidades orgânicas.<br />

Atendendo aos objectivos deste estudo, revelou-se adequada a adopção<br />

de <strong>um</strong>a estratégia de investigação que permitisse recolher informação de<br />

acordo com duas perspectivas – top down e bottom up. Na perspectiva top<br />

down, observou-se a concretização do modelo de <strong>gestão</strong> entre as diferentes<br />

figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. De acordo com a<br />

perspectiva bottom up, foi dada ênfase à análise do impacto destas alterações<br />

nas rotinas e tarefas <strong>dos</strong> diferentes agentes judiciais. Neste caso, foi dada<br />

especial atenção ao funcionamento da secção de processos, dada a relevância<br />

desta unidade orgânica no quotidiano da tramitação processual.<br />

Os resulta<strong>dos</strong> do trabalho de campo são trata<strong>dos</strong> nesta secção do<br />

relatório em duas vertentes: em primeiro lugar, de acordo com <strong>um</strong> eixo de<br />

análise de ordem macro, apresentam-se as dinâmicas de governação<br />

central/local <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>; e, em segundo lugar, recorre-se a <strong>um</strong>a análise micro<br />

<strong>dos</strong> desafios que se colocam à <strong>gestão</strong> local, designadamente, no âmbito da<br />

organização interna e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho.<br />

Como acima salientámos, o sucesso <strong>das</strong> reformas depende, em grande<br />

medida, da sua preparação. O trabalho de campo fez emergir, no que respeita<br />

à vertente gestionária da reforma, alg<strong>um</strong>as fragilidades de que damos conta a<br />

seguir.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 97


5.1 A preparação da reforma<br />

98<br />

Uma questão prévia com impacto decisivo no sucesso da reforma e <strong>das</strong><br />

inovações introduzi<strong>das</strong> pelo novo modelo de <strong>gestão</strong> está relacionada com a<br />

preparação da sua execução. Este é <strong>um</strong> vector fulcral para o sucesso <strong>das</strong><br />

reformas estruturais de qualquer sector. O carácter inovador do modelo e <strong>das</strong><br />

medi<strong>das</strong> propostas exigia <strong>um</strong>a discussão especificamente a ele dirigida. Se é<br />

certo que a <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, em especial a <strong>gestão</strong> local, teve alg<strong>um</strong><br />

destaque no debate público da discussão da reforma do mapa e organização<br />

judiciária, esta discussão não foi acompanhada de estu<strong>dos</strong> e de <strong>um</strong> debate<br />

específico que contribuísse, com linhas orientadoras, para a concretização da<br />

reforma 70 .<br />

O trabalho de campo levado a cabo para a execução deste estudo<br />

mostrou que o projecto experimental da nova organização judiciária não<br />

contou, pelo menos no que diz respeito ao modelo de <strong>gestão</strong>, com o cuidado e<br />

o apoio necessário para <strong>um</strong>a transição bem sucedida, que é exigido n<strong>um</strong>a<br />

reforma estrutural desta natureza. Daí que as dificuldades deste ensaio<br />

experimental devam ser devidamente considera<strong>das</strong> no processo de<br />

alargamento a outras <strong>comarcas</strong>.<br />

Em primeiro lugar, como adiante melhor se verá, alguns <strong>dos</strong> problemas<br />

verifica<strong>dos</strong> no plano da execução desta componente gestionária da reforma<br />

decorrem da insuficiência ou dificuldade de precisão conceptual do texto da<br />

própria lei. Destaca-se a heterogeneidade interpretativa relativamente às<br />

competências funcionais <strong>das</strong> figuras de <strong>gestão</strong> ao nível local (juiz presidente,<br />

70 Da parte do OPJ (2008), salientámos a importância de se ter em atenção <strong>um</strong> conjunto de<br />

factores fundamentais para o sucesso de reforma nesta vertente, mostrando alg<strong>um</strong>as<br />

características e debilidades que deveriam merecer particular atenção. Ao longo desta secção<br />

voltaremos a esse trabalho, mas salientamos, desde já, a reflexão <strong>sobre</strong> o modelo técnicoburocrático<br />

de tramitação processual e <strong>sobre</strong> as ineficiências do sistema de informatização,<br />

incluindo a ausência de formação consistente.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


administrador judiciário, magistrado do MP coordenador) quando confronta<strong>das</strong><br />

com outras competências, igualmente previstas na lei, no âmbito da actuação<br />

<strong>dos</strong> secretários judiciais e de entidades centrais da administração da justiça.<br />

Em segundo lugar, esta vertente da reforma exigia e exige a definição de<br />

<strong>um</strong> planeamento estratégico e a criação de <strong>um</strong> conjunto de instr<strong>um</strong>entos de<br />

suporte que potenciem <strong>um</strong>a adequada e eficiente <strong>gestão</strong> da mudança. Estão<br />

neste âmbito, por exemplo, a definição de <strong>um</strong> conjunto de acções de <strong>gestão</strong><br />

prática da mudança que previssem e envolvessem, designadamente, os<br />

principais canais de comunicação e de informação no interior e exterior do<br />

sistema, bem como as pessoas mais directamente afecta<strong>das</strong> pelo processo de<br />

mudança.<br />

Uma circunstância verdadeiramente demonstrativa da forma algo<br />

errática da entrada em vigor da reforma é o facto <strong>das</strong> figuras chave deste novo<br />

modelo, os juízes presidentes, apenas terem sido nomea<strong>dos</strong> e ass<strong>um</strong>ido<br />

funções depois de já estarem constituí<strong>das</strong> as equipas de trabalho, isto é, os<br />

funcionários já tinham sido distribuí<strong>dos</strong> pelo secretário e pelas diferentes<br />

secções. To<strong>das</strong> as medi<strong>das</strong> posteriores relativamente a esta matéria, da<br />

iniciativa <strong>dos</strong> juízes presidentes, foram apenas pontuais e correctivas. Também<br />

no que se refere à proposta do orçamento o juiz presidente não teve qualquer<br />

possibilidade de intervir, dado que já se encontrava concluída.<br />

Ainda no âmbito do planeamento e da transição para a mudança,<br />

chama-se à atenção (devendo prevenir-se situações futuras) para <strong>um</strong> outro<br />

problema relativo às obras e às tarefas logísticas que tal transição exigia. Deve<br />

ter-se em conta que <strong>um</strong>a <strong>das</strong> componentes importantes da <strong>gestão</strong> da mudança<br />

é a prevenção <strong>das</strong> resistências, que serão sempre mais atenua<strong>das</strong> quanto<br />

mais claro e participado for o processo de transição.<br />

São vários os relatos que mostram alg<strong>um</strong>as deficiências de planeamento<br />

e as dificuldades decorrentes da execução simultânea de obras, de mudança<br />

de processos (a nova reorganização judiciária, alterando a competência<br />

territorial, implicou a redistribuição entre <strong>tribunais</strong> de largos milhares de<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 99


processos), de funcionários e de juízes e da marcação e desmarcação de<br />

diligências. São, <strong>sobre</strong>tudo, ressalta<strong>das</strong> as deficiências de planeamento na<br />

transferência de processos, quer em suporte físico, quer telemático, o que<br />

levou a erros, ao cancelamento de diligências em cima da hora, a dificuldades<br />

de dar informação ao público e advoga<strong>dos</strong>, designadamente, <strong>sobre</strong> a<br />

localização do processo. E, no que respeita ao arquivo de processos – questão<br />

importante dado que muitos processos poderão continuar a serem necessários<br />

durante vários anos – há, em alguns juízos, ainda alguns problemas que<br />

exigem <strong>um</strong>a solução que deve ser globalmente definida ao nível da nova<br />

comarca.<br />

100<br />

(…) No dia 14 nós recebemos perto de 2000 processos. E no dia 1 caìram aqui os<br />

advoga<strong>dos</strong> e telefonemas, havia advoga<strong>dos</strong> a querer saber do julgamento, havia<br />

processos marca<strong>dos</strong> de outros <strong>tribunais</strong>. Gerou-se a confusão total. Se nas próximas<br />

vezes fizerem assim, é a confusão total. Diariamente, nós tínhamos <strong>um</strong>a agenda de 3 a<br />

4 julgamentos por juiz de manhã e 3 a 4 julgamentos por juiz à tarde. (Ent. 21F)<br />

Quiseram implantar a NUT e ao mesmo tempo fazer obras. As NUT, como estão a ser<br />

implanta<strong>das</strong>, dão sempre muita confusão. Isto porque quem decide não tem a mínima<br />

noção do trabalho que dá. Em vez de implantarem as NUT por fases, por exemplo,<br />

primeiro o tribunal do comércio nas várias NUT, depois os juízos de execução nas<br />

várias NUT onde são coloca<strong>das</strong> pessoas logo de raiz sem prejudicar as secções. (Ent.<br />

20F).<br />

Em terceiro lugar, a falta de suporte organizacional às inovações<br />

gestionárias revela-se em alg<strong>um</strong>as deficiências, destacando-se a falta de<br />

previsão de <strong>um</strong> gabinete de apoio ao juiz presidente. A lei veio conferir<br />

importantes competências em matéria gestionária ao juiz presidente e, a <strong>um</strong><br />

nível menor, ao administrador do tribunal. Ora, dificilmente as poderão exercer<br />

cabalmente sem suporte organizacional. É certo que, na prática, os actuais<br />

juízes presidentes tentaram minimizar esse efeito criando <strong>um</strong> apoio de<br />

secretariado mínimo, mas a solução é pontual, ad hoc, e não resolve<br />

adequadamente aquela ausência.<br />

Em quarto lugar, com a publicação da Portaria n.º 114/2008, de 6 de<br />

Fevereiro, o Governo pretendia dar <strong>um</strong> passo decisivo na informatização do<br />

sistema de justiça, cujo objectivo final é a tramitação telemática <strong>dos</strong> processos.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Acontece que alguns <strong>dos</strong> problemas já identifica<strong>dos</strong> em anteriores estu<strong>dos</strong>,<br />

incluindo o estudo do OPJ (2008) 71 , que mostravam ineficiências e<br />

insuficiências várias do sistema de informatização, não só não foram corrigi<strong>dos</strong><br />

antes da entrada em funcionamento <strong>das</strong> novas <strong>comarcas</strong> piloto, como ainda se<br />

mantêm. Por ora, saliente-se que, no que diz respeito à vertente gestionária,<br />

mostra-se importante assegurar, de forma expedita, o acesso a indicadores por<br />

parte <strong>das</strong> entidades coordenadoras, de forma a permitir <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> efectiva<br />

<strong>dos</strong> recursos e <strong>dos</strong> processos.<br />

Não está previsto que alguém trabalhe directamente comigo, assim como não está<br />

previsto que eu tenha <strong>um</strong>a aplicação informática com a qual possa trabalhar.<br />

Relativamente à <strong>gestão</strong> interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, penso que precisávamos de ter outros<br />

instr<strong>um</strong>entos, designadamente, no âmbito da informática, que permitam <strong>um</strong><br />

conhecimento, em tempo real, obtido de forma rápida, da situação do tribunal, quer no<br />

que respeita ao movimento processual, incluindo o vol<strong>um</strong>e e a natureza da litigação,<br />

quer à situação <strong>dos</strong> recursos. (Ent. 3J)<br />

Em quinto lugar, emerge <strong>um</strong> problema que poderíamos caracterizar<br />

como endémico ao sistema de justiça, transversal a vários sectores, ao qual<br />

urge dar solução: a formação. A formação é fundamental, não só para o<br />

exercício <strong>das</strong> funções específicas, mas também como instr<strong>um</strong>ento de<br />

sistematização e de uniformização de princípios e linhas orientadoras. A<br />

questão da formação coloca-se em vários domínios com reflexo na <strong>gestão</strong> e<br />

nos méto<strong>dos</strong> de trabalho. Será reduzido o impacto positivo resultante da<br />

introdução de inovações se os agentes que as deverão executar, em especial<br />

aqueles que desempenham <strong>um</strong> papel central de coordenação ou de direcção,<br />

não forem devidamente prepara<strong>dos</strong> para tal.<br />

Salienta-se, desde logo, a falta de formação adequada para o<br />

desempenho <strong>das</strong> novas funções de <strong>gestão</strong> e coordenação previstas na lei, até<br />

porque o seu pioneirismo determina novas práticas e rotinas que tenderão a<br />

influenciar, por largo tempo, novos padrões de desempenho. Esta situação<br />

ass<strong>um</strong>e contornos especiais no caso da figura do juiz presidente, dada a<br />

71 Ver, em especial, o ponto 6, relativo à prática <strong>dos</strong> actos na tramitação processual.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 101


amplitude <strong>das</strong> competências e funções que a lei lhe atribui, e do administrador<br />

do tribunal, mas também no que se refere às demais funções de coordenação.<br />

Aliás, é a própria lei a prever <strong>um</strong>a formação prévia ao início <strong>das</strong> competências<br />

de <strong>gestão</strong>.<br />

102<br />

A formação é, ainda, fundamental ao nível da chefia da secção, isto é,<br />

<strong>das</strong> funções desempenha<strong>das</strong> pelo escrivão de direito 72 . A eficácia <strong>das</strong> políticas<br />

gestionárias da justiça, ao nível local, depende muito da capacidade de<br />

coordenação e dinamização do escrivão da secção de processos.<br />

A carência de formação em geral, com reflexos na eficiência <strong>das</strong><br />

actividades desenvolvi<strong>das</strong> no tribunal é, ainda, particularmente sentida no<br />

domínio da utilização <strong>das</strong> novas aplicações e ferramentas informáticas, em<br />

particular, aquando da sua introdução em simultâneo com alterações legais<br />

com reflexos nos programas informáticos. Um exemplo recente consiste na<br />

alteração do Código de Custas Judiciais cuja mudança do sistema informático<br />

trouxe graves problemas de adaptação para os funcionários, acabando por se<br />

traduzir em atrasos na conta do processo.<br />

72 Em OPJ (2008) <strong>um</strong>a <strong>das</strong> principais conclusões e recomendações ia no sentido do<br />

investimento na formação <strong>dos</strong> cargos de chefia <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


5.2 A governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>: entre a centralização e a<br />

proximidade<br />

Pretendemos aqui reflectir <strong>sobre</strong> a dinâmica de governação <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong>, concretizando-se em três níveis de abordagem: (1) as<br />

potencialidades da reforma em curso em termos de <strong>gestão</strong> integrada e de<br />

proximidade; (2) os desafios coloca<strong>dos</strong> pela diversidade organizacional ao<br />

novo modelo de <strong>gestão</strong> e as dinâmicas de governação, ao nível central e local;<br />

(3) a articulação entre as diversas entidades com competência de organização,<br />

direcção e supervisão <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />

Ao analisarmos a <strong>experiência</strong> comparada, podemos encontrar modelos<br />

de administração e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> muito diferencia<strong>dos</strong>, dependendo,<br />

designadamente, do nível de concentração/desconcentração da administração<br />

da justiça, da distribuição de competências, nesta matéria, entre poder judicial<br />

e poder executivo, mas também da interpretação culturalmente dominante do<br />

princípio da independência do poder judicial e do juiz natural. Facilmente se<br />

compreende que n<strong>um</strong> sistema em que prevaleça <strong>um</strong>a concepção mais restrita,<br />

em especial daquele último princípio, que não permita, por exemplo, a<br />

imposição de medi<strong>das</strong> de <strong>gestão</strong> processual ou a impossibilidade de<br />

mobilidade <strong>dos</strong> juízes dentro de <strong>um</strong>a comarca mais alargada, a sua<br />

governação terá características diferentes de <strong>um</strong> sistema em que tal<br />

concepção esteja mais próxima e mais circunscrita ao exercício estrito da<br />

função jurisdicional 73 .<br />

A governação <strong>dos</strong> sistemas de justiça em muitos países tem sido<br />

tributária de <strong>um</strong> modelo organizativo designado, por alguns autores, de<br />

bonapartiano (Andres Ibañez, 2003). Este modelo, desenvolvido dentro de <strong>um</strong>a<br />

matriz política liberal de neutralização do poder judicial, resulta n<strong>um</strong>a<br />

administração e <strong>gestão</strong> que integra o governo da justiça a partir de <strong>um</strong><br />

73 Sobre os modelos de administração e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, cf. OPJ (2008).<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 103


Ministério no âmbito do poder executivo. Na sua concepção pura, aquele<br />

modelo levanta questões relevantes quanto à independência e autonomia do<br />

poder judicial, designadamente, quanto à possibilidade de cooptação política<br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e quanto à interferência hierárquica do executivo no judicial.<br />

104<br />

Em vários países, em especial da Europa Ocidental, como é o caso de<br />

Portugal, a superação deste modelo foi idealizada com a criação de conselhos<br />

judiciários, cujo objectivo era enfraquecer o tradicional papel de proeminência<br />

do poder executivo na governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> (Guarnieri, 2001).<br />

A composição destes conselhos é variada, dividindo-se entre <strong>um</strong>a<br />

composição mais endógena (exclusivamente magistra<strong>dos</strong>) ou mais exógena ao<br />

sistema judicial (juristas, cidadãos, entre outros), com sistemas de nomeação e<br />

eleição igualmente diferentes. Os conselhos são geralmente responsáveis pela<br />

admissão, colocação, transferência, promoção e disciplina <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>,<br />

além de exercerem competências administrativas (organização do próprio<br />

conselho e da carreira da magistratura), competências paranormativas<br />

(propostas de projectos e alterações de leis que regem a função judiciária) e<br />

competências jurisdicionais (decisões disciplinares). Diga-se que o<br />

recrutamento, selecção e formação <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> é <strong>um</strong>a <strong>das</strong> matérias em<br />

que é possível identificar soluções muito diferencia<strong>das</strong>.<br />

A criação <strong>dos</strong> conselhos veio permitir a transferência de competências<br />

no âmbito da governação do judiciário, até então na alçada do poder executivo,<br />

para estruturas próprias do poder judicial. O aprofundamento desta nova<br />

dinâmica de governação tem sido fomentado, não só pelos problemas de<br />

ineficiência do sistema, mas também como resposta à tensão entre os poder<br />

judicial e político. É interessante verificar que, entre nós, face a alguns<br />

problemas que a execução prática da reforma da organização judiciária está a<br />

enfrentar, a solução defendida por alguns vai no sentido de <strong>um</strong> maior<br />

alargamento <strong>das</strong> competências <strong>dos</strong> conselhos.<br />

Em Portugal, a governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> está configurada, a nível<br />

central, n<strong>um</strong> modelo de competências bicéfalo, repartido entre o Ministério da<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Justiça e os conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público. Por<br />

<strong>um</strong> lado, a previsão na estrutura orgânica do Ministério da Justiça de órgãos de<br />

administração indirecta responsáveis pela centralização da <strong>gestão</strong> financeira,<br />

do património, <strong>das</strong> tecnologias e da informação da justiça (ITIJ e IGFIJ)<br />

articula-se com órgãos de administração directa que centralizam competências<br />

de planeamento e <strong>gestão</strong> estratégica da política de justiça (DGAJ e DGPJ). Por<br />

outro, a <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> carreiras, controlo e disciplina <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>, é exercida<br />

pelos conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público.<br />

central.<br />

O organograma 1 ilustra a governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> em Portugal nível<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 105


Organograma 1 – A governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> ao nível central<br />

Fonte: OPJ


A transferência para os conselhos de importantes competências<br />

gestionárias veio densificar os princípios da independência e autonomia do<br />

poder judicial, mantendo, contudo, a característica de centralização do modelo<br />

de governação. Fora <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto, a transposição de competências de<br />

organização e <strong>gestão</strong> para o nível <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> é pouco relevante, não<br />

colocando em causa o modelo de centralização. O que significa que to<strong>das</strong> as<br />

reformas até à entrada em vigor da nova Lei de Organização e Funcionamento<br />

<strong>dos</strong> Tribunais Judiciais não potenciaram <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> local, integrada e de<br />

proximidade. A mudança dá-se com a reforma experimental e diplomas<br />

subsequentes ao prever competências de representação, direcção, <strong>gestão</strong><br />

processual e administrativas para o juiz presidente do tribunal de comarca<br />

(competências em toda a comarca), favorecendo igualmente outra figura de<br />

<strong>gestão</strong> local com competências próprias e <strong>um</strong> importante papel de coadjuvação<br />

<strong>das</strong> competências do juiz presidente – o administrador judiciário 74 .<br />

Para além <strong>das</strong> competências atribuí<strong>das</strong> ao juiz presidente e ao<br />

administrador, outra novidade trazida pela nova lei de organização judiciária no<br />

âmbito da <strong>gestão</strong> local é a criação do conselho de comarca, órgão com funções<br />

consultivas e de acompanhamento <strong>das</strong> actividades administrativas, de<br />

organização e funcionamento do tribunal. O conselho é constituído por <strong>um</strong><br />

conselho geral e <strong>um</strong>a comissão permanente, com <strong>um</strong>a composição mista <strong>dos</strong><br />

seus elementos que integra, de forma alargada, actores do sistema judicial<br />

(presidente do tribunal, magistrado do MP coordenador, administrador<br />

judiciário, representante <strong>dos</strong> funcionários de justiça, da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong><br />

e representante da Câmara <strong>dos</strong> Solicitadores) e, de fora do sistema judiciário,<br />

representantes <strong>dos</strong> municípios integra<strong>dos</strong> na comarca e <strong>dos</strong> utentes <strong>dos</strong><br />

serviços de justiça) 75 .<br />

74 No âmbito <strong>dos</strong> serviços do MP, a lei ainda cria a figura do Magistrado do MP coordenador.<br />

Neste relatório, como já se deixou dito na nota metodológica, dada a ênfase do trabalho de<br />

campo no funcionamento <strong>dos</strong> serviços judiciais, os resulta<strong>dos</strong> apresenta<strong>dos</strong> referem-se<br />

<strong>sobre</strong>tudo àqueles serviços.<br />

75 Cabe ao conselho geral dar parecer <strong>sobre</strong>: a) Os planos anuais e plurianuais de actividades<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 109


110<br />

O organograma 2 ilustra a nova divisão de competências central-local<br />

possibilitada pela nova Lei de Organização Judiciária, destacando as<br />

competências ao nível da comarca.<br />

e relatórios de actividades; b) Os regulamentos internos do tribunal de comarca e <strong>dos</strong><br />

respectivos juízos; c) Evolução da resposta do tribunal às solicitações e expectativas da<br />

comunidade; d) Existência e manutenção de condições de acessibilidade e qualidade <strong>dos</strong><br />

espaços e serviços do tribunal; e) Utilização, manutenção e conservação <strong>dos</strong> equipamentos<br />

afectos aos respectivos serviços; f) Outras questões que lhe sejam submeti<strong>das</strong> pelo presidente<br />

do tribunal.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Organograma 2 – A governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> ao nível da comarca<br />

Fonte: OPJ


A nova Lei de Organização Judiciária, ao reconfigurar o perfil funcional<br />

do presidente do tribunal e ao criar <strong>um</strong>a nova figura (administrador judiciário 76 ),<br />

constrói o que se poderá designar de estrutura nuclear de <strong>gestão</strong> local do<br />

tribunal. Outro elemento chave na estrutura de <strong>gestão</strong> do tribunal é o<br />

Magistrado do MP Coordenador que ass<strong>um</strong>e na comarca competências<br />

anteriormente concentra<strong>das</strong> na procuradoria-geral distrital. 77<br />

N<strong>um</strong>a dada vertente, o juiz presidente passa a ass<strong>um</strong>ir competências de<br />

representação e direcção do tribunal 78 . N<strong>um</strong>a outra dimensão, mais densa do<br />

76 A Lei n.º 3/1999, de 13 de Janeiro, previa a figura do administrador do tribunal nos <strong>tribunais</strong><br />

cuja dimensão justificasse. As competências do administrador circunscreviam-se à preparação<br />

e elaboração do projecto de orçamento, aquisição de bens e serviços, conservação e<br />

segurança <strong>das</strong> instalações, entre outras (artigo 76.º). Muito embora tivesse sido prevista na lei,<br />

esta figura nunca foi colocada em prática.<br />

77 De acordo com a lei, cabe ao magistrado do MP coordenador dirigir e coordenar a actividade<br />

do MP na comarca, exercendo as seguintes competências: a) Acompanhar o movimento<br />

processual <strong>dos</strong> serviços, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes<br />

por tempo considerado excessivo ou que não são resolvi<strong>dos</strong> em prazo considerado razoável,<br />

informando a procuradoria-geral distrital; b) Acompanhar o desenvolvimento <strong>dos</strong> objectivos<br />

fixa<strong>dos</strong> para os serviços do Ministério Público por parte <strong>dos</strong> procuradores e <strong>dos</strong> funcionários; c)<br />

Proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República da mesma comarca e<br />

entre procuradores-adjuntos, sem prejuízo do disposto na lei; d) Promover a realização de<br />

reuniões de planeamento e de avaliação <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> do tribunal, com a participação <strong>dos</strong><br />

procuradores e funcionários; e) Adoptar ou propor às entidades competentes medi<strong>das</strong>,<br />

nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização <strong>das</strong><br />

tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça; f) Ser ouvido pelo Conselho<br />

Superior do Ministério Público, sempre que seja ponderada a realização de inspecções<br />

extraordinárias ou sindicâncias à comarca; g) Elaborar os mapas e turnos de férias <strong>dos</strong><br />

procuradores e autorizar e aprovar os mapas de férias <strong>dos</strong> funcionários; h) Exercer a acção<br />

disciplinar <strong>sobre</strong> os funcionários em funções nos serviços do Ministério Público, relativamente a<br />

pena de gravidade inferior à de multa, e, nos restantes casos, instaurar processo disciplinar, se<br />

a infracção ocorrer no respectivo tribunal; i) Definir méto<strong>dos</strong> de trabalho e objectivos<br />

mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo <strong>das</strong> competências e atribuições nessa<br />

matéria por parte do Conselho Superior do Ministério Público; j) Determinar a aplicação de<br />

medi<strong>das</strong> de simplificação e agilização processuais; l) Proceder à reafectação de funcionários<br />

dentro da respectiva comarca e nos limites legalmente defini<strong>dos</strong>.<br />

78 De entre as competências de representação e direcção, destacam-se: a) Representar e<br />

dirigir o tribunal; b) Acompanhar a realização <strong>dos</strong> objectivos fixa<strong>dos</strong> para os serviços do tribunal<br />

por parte <strong>dos</strong> funcionários; c) Promover a realização de reuniões de planeamento e de<br />

avaliação <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> do tribunal, com a participação <strong>dos</strong> juízes e funcionários; d) Adoptar<br />

ou propor às entidades competentes medi<strong>das</strong>, nomeadamente, de desburocratização,<br />

simplificação de procedimentos, utilização <strong>das</strong> tecnologias de informação e transparência do<br />

sistema de justiça; e) Ser ouvido pelo Conselho Superior da Magistratura, sempre que seja<br />

ponderada a realização de sindicâncias relativamente aos juízos da comarca; f) Ser ouvido<br />

pelo Conselho <strong>dos</strong> Oficiais de Justiça, sempre que seja ponderada a realização de inspecções<br />

extraordinárias quanto aos oficiais de justiça da comarca ou de sindicâncias relativamente às<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 113


ponto de vista da administração e <strong>gestão</strong>, agrega àquelas competências<br />

responsabilidades ao nível da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> funcionários judiciais e exerce<br />

competências importantes de <strong>gestão</strong> processual, fixação de objectivos,<br />

acompanhamento de resulta<strong>dos</strong> e planeamento de necessidades e actividades,<br />

planeamento de recursos h<strong>um</strong>anos e organização interna, que passam a exigir<br />

<strong>um</strong> constante interface e articulação com os órgãos de governação central:<br />

Ministério da Justiça e conselhos superiores 79 .<br />

114<br />

No que diz respeito às competências administrativas, o juiz presidente<br />

passa a concentrar a preparação e elaboração do projecto de orçamento,<br />

anteriormente atribuí<strong>das</strong> ao secretário de justiça, bem como a agregação de<br />

competências ao nível <strong>dos</strong> planos anuais e plurianuais e relatórios de<br />

actividades, regulamentos internos, alterações orçamentais, entre outros 80 . A<br />

lei confere-lhe, assim, competências próprias susceptíveis criar <strong>um</strong>a outra<br />

dinâmica de <strong>gestão</strong> ao nível local.<br />

secretarias da comarca; g) Elaborar, para apresentação ao Conselho Superior da Magistratura,<br />

<strong>um</strong> relatório semestral <strong>sobre</strong> o estado <strong>dos</strong> serviços e a qualidade da resposta, dando<br />

conhecimento do mesmo à Procuradoria-Geral da República e à Direcção-Geral da<br />

Administração da Justiça.<br />

79 O presidente do tribunal possui, ainda, as seguintes competências de <strong>gestão</strong> processual: a)<br />

Implementar méto<strong>dos</strong> de trabalho e objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem<br />

prejuízo <strong>das</strong> competências e atribuições nessa matéria por parte do Conselho Superior da<br />

Magistratura, designadamente na fixação <strong>dos</strong> indicadores do vol<strong>um</strong>e processual adequado; b)<br />

Acompanhar e avaliar a actividade do tribunal, nomeadamente a qualidade do serviço de<br />

justiça prestado aos cidadãos; c) Acompanhar o movimento processual do tribunal,<br />

identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado<br />

excessivo ou que não são resolvi<strong>dos</strong> em prazo considerado razoável, informando o Conselho<br />

Superior da Magistratura e propondo as medi<strong>das</strong> que se justifiquem; d) Promover a aplicação<br />

de medi<strong>das</strong> de simplificação e agilização processuais; e) Propor ao Conselho Superior da<br />

Magistratura a especialização de secções nos juízos; f) Propor ao Conselho Superior da<br />

Magistratura a reafectação <strong>dos</strong> juízes no âmbito da comarca, tendo em vista <strong>um</strong>a distribuição<br />

racional e eficiente do serviço; g) Proceder à reafectação de funcionários dentro da respectiva<br />

comarca e nos limites legalmente defini<strong>dos</strong>; h) Solicitar o suprimento de necessidades de<br />

resposta adicional, nomeadamente através do recurso ao quadro complementar de juízes.<br />

80 O presidente do tribunal possui também as seguintes competências administrativas: a)<br />

Elaborar o projecto de orçamento, ouvido o magistrado do Ministério Público coordenador, que<br />

fará sugestões sempre que entender necessário; b) Elaborar os planos anuais e plurianuais de<br />

actividades e relatórios de actividades; c) Elaborar os regulamentos internos do tribunal de<br />

comarca e <strong>dos</strong> respectivos juízos; d) Propor as alterações orçamentais considera<strong>das</strong><br />

adequa<strong>das</strong>; e) Participar na concepção e execução <strong>das</strong> medi<strong>das</strong> de organização e<br />

modernização <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>; f) Planear as necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


O perfil funcional do administrador judiciário concentra-se na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />

espaços, segurança, condições de acessibilidade <strong>das</strong> instalações,<br />

manutenção, conservação e racionalização da utilização <strong>dos</strong> equipamentos, o<br />

que leva a que seja por muitos percepcionado como <strong>um</strong> perfil exíguo,<br />

defendendo-se a densificação <strong>das</strong> suas competências próprias. Extravasando<br />

a previsão de competências próprias, destaca-se a possibilidade de<br />

coadjuvação pelo administrador do exercício <strong>das</strong> competências do<br />

presidente 81 .<br />

Sob a orientação do presidente do tribunal, nos casos em que existam<br />

juízos com mais de três juízes, <strong>um</strong> magistrado coordenador pode exercer<br />

competências de direcção e <strong>gestão</strong> processual específicas (acompanhar a<br />

realização <strong>dos</strong> objectivos fixa<strong>dos</strong>; implementar méto<strong>dos</strong> de trabalho e<br />

objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica; e acompanhar o<br />

movimento processual do tribunal identificando os processos pendentes.<br />

O organograma 3 condensa as principais alterações trazi<strong>das</strong> pela lei no<br />

âmbito da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> ao nível local, salientando-se a densificação <strong>dos</strong><br />

instr<strong>um</strong>entos de <strong>gestão</strong> ao nível local.<br />

81 O administrador do tribunal, em articulação com o presidente do tribunal e o magistrado do<br />

MP coordenador, tem as seguintes competências relativas aos espaços: a) Gerir a utilização<br />

<strong>dos</strong> espaços do tribunal, designadamente <strong>dos</strong> espaços de utilização com<strong>um</strong>, incluindo as salas<br />

de audiência; b) Assegurar a existência de condições de acessibilidade aos serviços do tribunal<br />

e a manutenção da qualidade e segurança <strong>dos</strong> espaços existentes; c) Regular a utilização de<br />

parques ou lugares privativos de estacionamento de veículos; d) Providenciar, em colaboração<br />

com os serviços competentes do Ministério da Justiça, pela correcta utilização, manutenção e<br />

conservação <strong>dos</strong> equipamentos afectos aos respectivos serviços; e) Providenciar, em<br />

colaboração com os serviços competentes do Ministério da Justiça, pela conservação <strong>das</strong><br />

instalações, <strong>dos</strong> bens e equipamentos comuns, bem como tomar ou propor medi<strong>das</strong> para a sua<br />

racional utilização.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 115


Organograma 3 – A nova lei de organização judiciária e as mudanças nas competências de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

Fonte: OPJ


5.3 As potencialidades da nova lei de organização e<br />

<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>: <strong>gestão</strong> integrada e de proximidade<br />

O desenho estratégico da reforma do mapa judiciário em curso assenta<br />

em três vectores principais: (1) <strong>um</strong>a nova matriz territorial, mais alargada; (2)<br />

<strong>um</strong>a acentuada especialização <strong>das</strong> jurisdições; (3) e <strong>um</strong> novo modelo de<br />

<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 82 . No que se refere a este último, as mudanças trazi<strong>das</strong><br />

pela lei relativamente à administração local da justiça constituem <strong>um</strong>a grande<br />

inovação, concentrando-se neste vector <strong>um</strong> <strong>dos</strong> principais desafios à<br />

implementação da reforma. Como temos vindo a referir, no âmbito da direcção<br />

e representação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e da <strong>gestão</strong> processual, a reforma introduziu<br />

<strong>um</strong>a mais-valia no sentido de criar perfis profissionais com competências<br />

próprias e <strong>um</strong>a actuação local baseada no conhecimento <strong>das</strong> necessidades e<br />

do funcionamento quotidiano do serviço.<br />

Como foi reconhecido por vários <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong>, a introdução de<br />

vectores de proximidade no modelo de <strong>gestão</strong> incorpora, como vantagem<br />

fulcral, a possibilidade de flexibilização. Dito de outro modo, é possível, em<br />

diferentes aspectos, a tomada de decisão local, de forma rápida e mais<br />

eficiente, no que se refere ao funcionamento <strong>dos</strong> serviços, tendo em atenção<br />

as suas carências e dificuldades. No novo quadro normativo, esta flexibilidade<br />

estende-se desde a distribuição <strong>dos</strong> funcionários (à excepção <strong>dos</strong> escrivães de<br />

direito 83 ) até à proposição de mudanças organizacionais e às rotinas de<br />

trabalho (implementação de méto<strong>dos</strong> de trabalho, reafectação de funcionários,<br />

criação de secções especializa<strong>das</strong>), passando pelo planeamento <strong>das</strong><br />

82 O OPJ, na proposta de reforma do mapa judiciário, apresentada no Relatório “A Geografia da<br />

Justiça - Para <strong>um</strong> novo mapa Judiciário” (2006) enfatizava esta vertente. Cf., ainda, entre<br />

outros http://www.mj.gov.pt/sections/justica-e-<strong>tribunais</strong>/injuncoes-teste/reforma-domapa/downloadFile/attachedFile_1_f0/Mais_Informacao_-<br />

_Mapa_Judiciario.pdf?nocache=1206543542.6<br />

83 De acordo com o art.º 34, do DL n.º 28/2008, os escrivães de direito são titulares da secção<br />

ou do serviço para o qual foram nomea<strong>dos</strong>, os restantes funcionários de justiça são<br />

distribuí<strong>dos</strong>, conforme os casos, pelo presidente do tribunal ou pelo magistrado do MP<br />

coordenador, ouvi<strong>dos</strong> os funcionários interessa<strong>dos</strong>.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 119


actividades, <strong>das</strong> necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos e elaboração da proposta<br />

de orçamento.<br />

120<br />

Noutra vertente, a criação de <strong>um</strong> órgão com poderes consultivos e de<br />

acompanhamento (conselho de comarca) beneficia o modelo de <strong>gestão</strong> por<br />

permitir <strong>um</strong>a participação alargada <strong>dos</strong> actores do sistema e da sociedade civil,<br />

o que pode trazer, não só benefícios de natureza gestionária, mas também<br />

aprofundar a proximidade e legitimidade social <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />

(…) tem sido muito interessante verificar, na prática, o modo de funcionamento destas<br />

duas estruturas [conselho geral e conselho de comarca]. (...) Na <strong>gestão</strong> de <strong>um</strong> tribunal,<br />

quer os magistra<strong>dos</strong>, quer os funcionários, quer outros operadores judiciários<br />

representa<strong>dos</strong> no conselho geral, precisamos de ter, cada vez mais, <strong>um</strong>a visão global<br />

do funcionamento do tribunal e <strong>das</strong> respectivas unidades orgânicas (...). Por outro lado,<br />

permite também <strong>um</strong>a certa abertura ao exterior. O tribunal deixa, tendencialmente, de<br />

ser <strong>um</strong>a entidade fechada, <strong>um</strong>a entidade vista como <strong>um</strong> lugar onde só se vai de vez<br />

em quando e de preferência que não se vá, para ser <strong>um</strong>a estrutura minimamente<br />

organizada e <strong>um</strong>a estrutura que, tendencialmente, poderá até estar aberta a novas<br />

iniciativas. (Ent. S7)<br />

As vantagens acima descritas, resultantes da interpretação <strong>das</strong><br />

potencialidades admiti<strong>das</strong> pela nova legislação, têm <strong>um</strong> carácter experimental,<br />

cuja concretização eficaz depende de se proceder a alguns ajustamentos<br />

importantes. O seu carácter experimental, a falta de preparação da reforma, a<br />

ausência de discussão e de directrizes de execução, são factores que, entre<br />

outros, leva a que aquelas potencialidades estejam a ser desenvolvi<strong>das</strong> de<br />

forma distinta em cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto de acordo com a <strong>experiência</strong>,<br />

o nível de iniciativa, o conhecimento da realidade do tribunal por parte <strong>dos</strong><br />

juízes presidentes.<br />

Apesar <strong>das</strong> lacunas de preparação e acompanhamento da reforma, o<br />

trabalho de campo realizado permitiu identificar alg<strong>um</strong>as dinâmicas locais<br />

consentâneas com os objectivos da reforma. Foi possível identificar<br />

<strong>experiência</strong>s positivas de optimização do funcionamento <strong>dos</strong> serviços, n<strong>um</strong>a<br />

postura activa de supervisão e controlo <strong>das</strong> actividades por parte do juiz<br />

presidente, com coadjuvação do administrador judiciário. Desde logo, o<br />

estabelecimento de metas e objectivos de produtividade, realização de<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


euniões de planeamento <strong>das</strong> actividades com as chefias <strong>das</strong> secções e com<br />

os magistra<strong>dos</strong> coordenadores ou, ainda, a experimentação de outros méto<strong>dos</strong><br />

de trabalho nas secções de processos de alguns juízos do tribunal. Registou-<br />

se, ainda, <strong>um</strong> acréscimo de racionalização no que se refere ao pedido de<br />

material, requisição de objectos e critérios de ocupação <strong>das</strong> salas de<br />

audiências por parte <strong>dos</strong> juízos.<br />

(…) Verifica-se, com esta nova <strong>gestão</strong>, muita diferença. Agora, o juiz presidente define<br />

objectivos, o que não se fazia antes. Nos primeiros tempos houve muitas reuniões para<br />

definir objectivos e toda a gente se empenhou em tentar c<strong>um</strong>prir esses objectivos. E<br />

não foi só a nível de funcionários, foi também a nìvel de magistra<strong>dos</strong> (…). (Ent. 16F)<br />

O maior ou menor êxito da aplicação <strong>das</strong> potencialidades da lei<br />

dependerá, também, da concretização de alguns factores objectivos, como a<br />

formação adequada <strong>dos</strong> administradores judiciários, <strong>dos</strong> juízes presidentes e<br />

de outras figuras com poderes de direcção em áreas relaciona<strong>das</strong> com a<br />

<strong>gestão</strong> judiciária; a existência de <strong>um</strong> gabinete de apoio administrativo e de<br />

<strong>gestão</strong> altamente qualificado associado à presidência do tribunal; e a<br />

possibilidade de acesso a da<strong>dos</strong> <strong>sobre</strong> as actividades e o funcionamento <strong>dos</strong><br />

serviços que permitam aferir, não só as características da procura e os<br />

resulta<strong>dos</strong> quantitativos da produtividade <strong>dos</strong> funcionários, mas, também,<br />

compreender as cadeias de decisão e processos de trabalho adopta<strong>dos</strong> em<br />

cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> unidades orgânicas. Esta última componente ass<strong>um</strong>e particular<br />

relevância se se tiver em atenção que a realidade de funcionamento <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong> é de diversidade organizacional e de méto<strong>dos</strong> de trabalho em<br />

diferentes níveis: entre <strong>tribunais</strong>, entre secretarias <strong>dos</strong> juízos e entre secções.<br />

A diversidade organizacional e de desempenho funcional existente<br />

entre/nos <strong>tribunais</strong> e a articulação de competências entre as diferentes figuras<br />

com poderes de organização, direcção e supervisão são duas condições com<br />

impacto estruturante na realização <strong>das</strong> potencialidades gestionárias da nova<br />

LOFTJ.<br />

As novas competências do juiz presidente e do administrador judiciário,<br />

com a criação de <strong>um</strong>a estrutura de <strong>gestão</strong> local tem a vantagem de permitir<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 121


<strong>um</strong>a maior desconcentração <strong>dos</strong> poderes de organização, supervisão e<br />

direcção <strong>das</strong> actividades <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, dando-se, assim, passos decisivos na<br />

direcção de <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> integrada e de maior proximidade. Contudo, a<br />

concretização deste vector revela <strong>um</strong>a complexa rede de divisão de<br />

competências entre os órgãos centrais executivos (DGAJ, IGFIJ, ITIJ), os<br />

órgãos de <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> profissões judiciais (CSM, CSMP, COJ) e os poderes<br />

locais de <strong>gestão</strong> do tribunal de comarca (juiz presidente, magistrado do MP<br />

coordenador, administrador judiciário, magistra<strong>dos</strong> e procuradores<br />

coordenadores), que para o seu funcionamento eficiente exige <strong>um</strong>a forte<br />

articulação.<br />

122<br />

Em diversos momentos, a lei prevê a combinação e articulação de<br />

competências centrais e locais de modo a permitir <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> integrada que<br />

tenha como referência o tribunal de comarca. Por exemplo:<br />

A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong>, avaliação e disciplina <strong>dos</strong><br />

funcionários judiciais da DGAJ e do COJ, com os poderes atribuí<strong>dos</strong> ao juiz<br />

presidente no que se refere à distribuição de escrivães adjuntos e auxiliares,<br />

implementação de méto<strong>dos</strong> de trabalho e fixação de objectivos para as<br />

unidades orgânicas, planeamento <strong>das</strong> necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos,<br />

reafectação <strong>dos</strong> funcionários dentro da comarca;<br />

A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> juízes e acompanhamento da<br />

actividade <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e sua organização exerci<strong>das</strong> pelo Conselho<br />

Superior da Magistratura e a possibilidade de apresentação, junto do<br />

Conselho, pelo juiz presidente, de propostas de mudanças organizacionais<br />

(criação de secções especializa<strong>das</strong>), reafectação de juízes e necessidades<br />

de resposta adicional no quadro de juízes;<br />

A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong> financeira, do património, <strong>das</strong><br />

instalações e <strong>dos</strong> equipamentos <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> partilha<strong>das</strong> entre o ITIJ, o<br />

IGFIJ e a DGAJ com as competências de elaboração e proposição de<br />

alterações orçamentais exerci<strong>das</strong> pelo juiz presidente e as competências do<br />

administrador judiciário no que se refere aos espaços, equipamentos e<br />

segurança <strong>das</strong> instalações do tribunal.<br />

O êxito deste modelo de <strong>gestão</strong> depende, assim, da realização plena e<br />

eficiente do princípio de cooperação (Decreto-lei n.º 28/2009), não só entre o<br />

presidente do tribunal de comarca, o magistrado do MP coordenador, os<br />

magistra<strong>dos</strong> coordenadores e o administrador do tribunal, entre estes e os<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


outros membros do conselho de comarca, mas, também, entre esta estrutura<br />

local de <strong>gestão</strong> do tribunal com os órgãos centrais de administração da justiça<br />

(DGAJ, CSM, CSMP, COJ, CEJ, CFFJ, ITIJ, IGFIJ).<br />

A necessidade de articulação entre as diferentes figuras com poderes<br />

directivos na administração <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> exigirá <strong>um</strong> aprofundamento da sua<br />

concretização na definição <strong>dos</strong> perfis profissionais com poderes de <strong>gestão</strong><br />

local, esclarecendo as suas tarefas e responsabilidades e aprofundando as<br />

interfaces e canais de comunicação com os organismos centrais.<br />

A articulação de tudo isto é <strong>um</strong> pouco complicada. São atribuí<strong>das</strong> competências<br />

próprias ao presidente, ao administrador, que não se percebe, depois, se são com a<br />

orientação do presidente. O administrador tem <strong>um</strong> papel de coadjuvação do presidente<br />

e, depois, outras competências devem ser delega<strong>das</strong> pela DGAJ e pelo IGFIJ. O que<br />

não vejo como é que pode haver integração, <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> integrada neste caso. Pareceme<br />

que é <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> que acaba por ser bicéfala. Relativamente às competências da<br />

DGAJ houve delegação, o IGFIJ penso que não delegou. Como é que é? Mas, é sob<br />

orientação do Presidente, não é sob orientação do Presidente? (Ent. 3J).<br />

O modelo parecia avançar no sentido do administrador ser, no tribunal, alguém que<br />

poderia actuar com competências delega<strong>das</strong> do juiz presidente, da Direcção-Geral da<br />

Administração da Justiça ou do Instituto de Gestão Financeira. O juiz presidente<br />

delegou competências, a Direcção-Geral delegou competências, o Instituto de Gestão<br />

Financeira nunca o fez. E não o fez porque, talvez não tenha lido a lei, ou se a leu<br />

nunca quis passar nenh<strong>um</strong>a <strong>das</strong> competências para o tribunal. A questão é a de saber<br />

o que é que os serviços centrais, face a esta nova lei, querem efectivamente passar<br />

para a responsabilidade do administrador. O administrador actua no tribunal sob a<br />

direcção e a dependência funcional do juiz presidente. E o juiz presidente há coisas de<br />

que fica dependente, se o administrador puder ou não puder executá-las. A pergunta<br />

fundamental é o que os serviços centrais querem descentralizar? (Ent. P11)<br />

No ponto 4.5 desenvolveu-se, em detalhe, importantes vertentes de<br />

articulação de competências em diferentes âmbitos: <strong>gestão</strong> de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos, <strong>gestão</strong> de recursos financeiros, <strong>gestão</strong> do património e <strong>das</strong> infra-<br />

estruturas e <strong>gestão</strong> da informação.<br />

Seguidamente, analisa-se o modo como as desigualdades <strong>dos</strong><br />

diferentes <strong>tribunais</strong> a nível organizacional condicionam as respostas do modelo<br />

de <strong>gestão</strong>, em especial na racionalização e operacionalização da unidade<br />

administrativa do tribunal de comarca.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 123


5.4 O novo modelo de <strong>gestão</strong> e os desafios da<br />

diversidade organizacional<br />

124<br />

As mudanças trazi<strong>das</strong> pela nova lei no que respeita à nova matriz<br />

territorial e à especialização <strong>das</strong> jurisdições não constituem o objecto central<br />

deste estudo. São, contudo, dimensões que podem ass<strong>um</strong>ir relevância<br />

analítica enquanto variáveis com impacto significativo no novo modelo de<br />

<strong>gestão</strong> e, nessa medida, não podem deixar de ser ti<strong>das</strong> em conta.<br />

O Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro, que regula a organização<br />

<strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto, determinou os diferentes juízos em que se desdobra cada<br />

<strong>um</strong> <strong>dos</strong> novos <strong>tribunais</strong> de comarca (o tribunal de comarca abrange toda a<br />

extensão territorial da comarca) e definiu as conversões <strong>dos</strong> anteriores<br />

<strong>tribunais</strong> de comarca e <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> de competência especializada nos<br />

diferentes juízos.<br />

Por sua vez, a Portaria n.º 170/2009, de 17 de Fevereiro, determinou a<br />

conversão <strong>das</strong> secretarias <strong>dos</strong> anteriores <strong>tribunais</strong> de comarca e de<br />

competência especializada nas secretarias <strong>dos</strong> actuais juízos e definiu os<br />

quadros de pessoal e a organização <strong>dos</strong> serviços judiciais (secção de<br />

processos), tendo como unidade de referência a secretaria.<br />

Da análise destes dois diplomas, no que se refere à organização e<br />

<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, resulta que, para este efeito, à anterior unidade tribunal<br />

passou a corresponder a actual unidade secretaria, o que tem consequências,<br />

como melhor se verá, em vários domínios, desde os recursos h<strong>um</strong>anos à<br />

informatização e tramitação telemática <strong>dos</strong> fluxos, levando a que, na prática,<br />

pouco se tenha alterado ao criarem-se novas unidades orgânicas e novas<br />

perspectivas gestionárias, mas mantendo-se o modelo de organização interna<br />

e de colocação de juízes e funcionários <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> anteriores.<br />

Esta dinâmica acaba por se traduzir, de comarca para comarca, em<br />

diferentes estruturas locais, quer considerando a organização <strong>dos</strong> serviços<br />

judiciais, quer a unidade administrativa de referência, com assinalável<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


heterogeneidade para a actuação do juiz presidente e <strong>das</strong> outras figuras<br />

directivas do tribunal. As <strong>comarcas</strong> piloto são ilustrativas desta situação, pois<br />

variam de <strong>um</strong> modelo com alto grau de dispersão daquelas unidades<br />

administrativas (Comarca Baixo Vouga), ainda que territorialmente próximas,<br />

para <strong>um</strong> modelo altamente concentrado de organização <strong>dos</strong> serviços (Comarca<br />

Grande Lisboa-Noroeste), conforme ilustrado nos organogramas 4, 5 e 6 84 .<br />

84 Os organogramas foram realiza<strong>dos</strong> tendo por base a previsão <strong>dos</strong> quadros de pessoal <strong>das</strong><br />

<strong>comarcas</strong> piloto na Portaria n.º 170/2009, bem como no quadro de juízes previstos no Decreto-<br />

Lei n.º 25/2009. Por esta razão, não estão representa<strong>das</strong> as colocações adicionais de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos não previstas no quadro, tal como a criação de secções para além <strong>das</strong> estabeleci<strong>das</strong><br />

na portaria, como é o caso da criação de equipas de recuperação de pendências.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 125


Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

Organograma 4 – Comarca Alentejo Litoral (orgânica e distribuição <strong>dos</strong> serviços judiciais)<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ALCÁCER<br />

DO SAL<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Instância<br />

Criminal<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

Juízo de Instância<br />

Criminal<br />

J1 J1 J1 J1<br />

Secção de processos<br />

Secção de processos<br />

Secção Central<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ODEMIRA<br />

J1<br />

Secção de processos<br />

Secção Central<br />

* sedeado em Santiago do Cacém<br />

JUIZ PRESIDENTE*<br />

ADMINISTRADOR JUDICIAL*<br />

ED ED<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE SANTIAGO DO CACÉM (sede)<br />

Juízo de Grande<br />

Instância Cível<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

J1 J2 J1<br />

Juízo de Instância<br />

Criminal<br />

J1 J2<br />

Secção de processos Secção de processos<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE GRÂNDOLA<br />

Secção Central<br />

J1<br />

Secção de processos<br />

ED ED ED ED<br />

Secção Central<br />

Secretário de Justiça<br />

2 EADJ 3 EAUX 2 EADJ 3 EAUX<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Competência Genérica<br />

3 EADJ 3 EAUX<br />

7 EADJ 8 EAUX<br />

2 T.<br />

Informática<br />

Fonte: OPJ<br />

4 Assist.<br />

Técnico<br />

3 Assist.<br />

Operacional<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE SINES<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo Misto do Trabalho e de Família e<br />

Menores<br />

Secção Central<br />

2 EADJ 3 EAUX


Juízo do Trabalho<br />

* sedeado em Sintra<br />

Organograma 5 - Comarca Grande Lisboa-Noroeste (orgânica e distribuição <strong>dos</strong> serviços judiciais)<br />

J1 J2 J3 J1 J2 J3 J4 J5 J1 J2<br />

Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />

Juízo de Pequena<br />

Instância Cível<br />

Juízo de Grande Instância Cível Juízo de Média Instância Cível<br />

ED ED ED ED ED ED ED<br />

J1 J1 J2 J3 J4 J5 J6<br />

Secção de processos<br />

Juízo de Pequena<br />

Instância Criminal<br />

J1 J2<br />

Secção de processos<br />

Juízo de Grande Instância Criminal<br />

Secção de processos Secção de processos<br />

Secção de processos Secção de processos<br />

Juízo de Média Instância Criminal<br />

Secção de processos Secção de processos<br />

ED ED ED ED ED<br />

Juízo de Execução<br />

J1 J2 J1<br />

Secção de processos<br />

Juízo de Comércio<br />

Secção de processos<br />

ED ED ED ED ED<br />

ED ED ED<br />

Juízo de Família e Menores<br />

MC<br />

Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />

J1 J2 J3 J4<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

Secretário de Justiça<br />

Secção Central<br />

Juízo de Pequena<br />

Instância Criminal<br />

ED ED ED ED ED<br />

ED ED<br />

54 EADJ 66 EAUX<br />

J1 J2 J3 J4<br />

Secção de processos<br />

Secção de processos<br />

JUIZ PRESIDENTE*<br />

SECRETARIA GERAL DOS JUÍZOS DE SINTRA (sede) SECRETARIA DOS JUÍZOS DE MAFRA<br />

MC<br />

2 T.<br />

Informática<br />

Secretário de Justiça<br />

MC MC<br />

6 Assist.<br />

Técnico<br />

Juízo de Instrução<br />

Criminal<br />

J1<br />

6 Assist.<br />

Operacional<br />

ADMINISTRADOR JUDICIAL*<br />

Secção de Serviço Externo<br />

Secção Central<br />

Fonte: OPJ<br />

J1<br />

Secção de processos<br />

5 EADJ 7 EAUX<br />

Juízo de Instrução<br />

Criminal<br />

J1<br />

Juízo de Média<br />

Instância Cível<br />

J1<br />

Secção de processos<br />

Secretário de Justiça<br />

Secção de processos Secção de processos<br />

Juízo de Pequena<br />

Instância Criminal<br />

J1 J1<br />

Secção de processos<br />

10 EADJ 15 EAUX<br />

1 Assist. Técnico<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE AMADORA<br />

Juízo de Família e Menores<br />

Secção de processos<br />

2 T.<br />

Informática<br />

J1 J2<br />

2 Assist.<br />

Técnico<br />

Secção de processos<br />

Secção Central<br />

1 Assist.<br />

Operacional


Juízo de Média<br />

Instância Criminal<br />

J1 J2 J3<br />

Secção de processos<br />

Juízo de Instrução<br />

Criminal<br />

J1 J2<br />

Secção de processos<br />

2 T.<br />

Informática<br />

2 EADJ<br />

3 EAUX<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

* sedeado em Aveiro<br />

Secção Central<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Grande<br />

Instância Cível<br />

J1 J2 J3<br />

Secção de processos<br />

Organograma 6 - Comarca Baixo Vouga (orgânica e distribuição <strong>dos</strong> serviços judiciais)<br />

5 EADJ<br />

ED ED ED ED ED ED ED ED ED ED<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

J1 J2<br />

Secção de processos<br />

ED ED<br />

Secção Central<br />

5 Assist.<br />

Técnico<br />

SECRETARIA DO JUÍZO DE SEVER DO VOUGA<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

J1<br />

ED ED ED<br />

Secção Central<br />

Juízo de Comércio<br />

J1<br />

Secção de processos<br />

Secção de Serviço Externo<br />

ED<br />

Juízo de Instância<br />

Criminal<br />

J1<br />

AVEIRO (sede)<br />

Secção Central<br />

SECRETARIA DO JUÍZO DO TRABALHO<br />

Juízo do Trabalho<br />

Secretário de Justiça<br />

J1 J2<br />

Secção de processos Secção de processos<br />

SECRETARIA DO JUÍZO DE FAMÍLIA E<br />

MENORES<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Família e<br />

Menores<br />

J1<br />

Secção de processos<br />

ED<br />

SECRETARIA DO JUÍZO DE ALBERGARIA-A-VELHA<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

Secção de processos Secção de processos<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ANADIA<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Grande<br />

Instância Cível<br />

ED<br />

Juízo de Instância<br />

Criminal<br />

J1 J2 J3 J1 J2 J3 J1<br />

Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />

1 Assist.<br />

Técnico<br />

8 Assist.<br />

Operacional<br />

2 Assist.<br />

Operacional<br />

13 EADJ<br />

19<br />

EAUX<br />

7 EADJ<br />

12<br />

EAUX<br />

4 EADJ<br />

4 EAUX<br />

4 EADJ<br />

5 EAUX<br />

3 EADJ<br />

3 EAUX<br />

Secção Central<br />

Secção Central<br />

J1<br />

SECRETARIA DO JUÍZO DE VAGOS<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

Secção Central<br />

Juízo de Instância<br />

Criminal<br />

J1<br />

ED<br />

Juízo de Média<br />

Instância Criminal<br />

J1 J1<br />

Secção de processos<br />

7 EAUX<br />

ED<br />

JUIZ PRESIDENTE*<br />

ADMINISTRADOR JUDICIAL*<br />

Juízo de Família e<br />

Menores<br />

ED ED ED ED ED ED<br />

ED<br />

ED<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ESTARREJA<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

Juízo de Instância<br />

Criminal<br />

J1<br />

J1 J1<br />

Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />

1 Assist.<br />

Técnico<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ÍLHAVO<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Média<br />

Instância Criminal<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

Juízo de Pequena<br />

Instância Criminal<br />

J1 J1<br />

J1<br />

Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />

1 Assist.<br />

Operacional<br />

Fonte: OPJ<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

Juízo de Execução<br />

J1<br />

Secção de processos<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Instância<br />

Criminal<br />

J1 J1 J2 J1<br />

Secção de processos<br />

Secção de processos<br />

Secção Central<br />

ÁGUEDA<br />

Juízo de Instrução<br />

Criminal<br />

ED<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE OLIVEIRA DO BAIRRO<br />

Juízo de Família e<br />

Menores<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

J1 J1<br />

Secção de processos Secção de processos<br />

Secção Central 7 EADJ<br />

Secção Central<br />

1 Assist.<br />

10<br />

Operacional<br />

EAUX<br />

8 EADJ<br />

10<br />

EAUX<br />

SECRETARIA DOS JUÍZOS DE OVAR<br />

Secretário de Justiça<br />

Juízo de Execução<br />

Juízo de Média e<br />

Pequena Instância<br />

Cível<br />

Juízo de Instância<br />

Criminal<br />

J1 J1 J2 J1 J2<br />

Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />

1 Assist.<br />

Técnico<br />

7 EADJ<br />

Secção Central 2 Assist.<br />

Secção Central<br />

8 EAUX<br />

Operacional<br />

2 Assist.<br />

Técnico<br />

3 Assist.<br />

Operacional<br />

1 EADJ<br />

2 EAUX<br />

SECRETARIA DO JUÍZO DO TRABALHO<br />

Secretário de Justiça<br />

Secção Central<br />

5 EADJ<br />

9 EAUX<br />

Juízo do Trabalho<br />

J1<br />

Secção de processos<br />

ED<br />

9 EADJ<br />

13<br />

EAUX


O privilégio da dimensão local no que diz respeito à estrutura de<br />

organização e <strong>gestão</strong> é, conforme ficou dito, <strong>um</strong>a potencialidade da nova lei, na<br />

medida em que introduz critérios de flexibilização e de proximidade na<br />

administração do tribunal. Importa, pois, reflectir acerca do nível de localização<br />

<strong>dos</strong> poderes directivos e de organização versus a necessidade de garantir<br />

alg<strong>um</strong>a centralização e unidade administrativa no novo tribunal de comarca que<br />

assegure a operacionalidade efectiva <strong>dos</strong> novos princípios e regras<br />

gestionários.<br />

Este aspecto adquire contornos especiais nas <strong>comarcas</strong> experimentais,<br />

<strong>um</strong>a vez que, como resulta da lei e se verifica nos organogramas<br />

apresenta<strong>dos</strong>, a criação <strong>das</strong> novas unidades orgânicas (juízos, secretarias)<br />

teve por base as estruturas físicas pré-existentes (anteriores <strong>tribunais</strong> de<br />

comarca ou anteriores <strong>tribunais</strong> especializa<strong>dos</strong>) e a distribuição territorial do<br />

modelo antigo, o que implicou a criação de <strong>um</strong> tribunal de comarca multipartido<br />

(secretarias de juízos, juízos, secções). Mesmo no caso da Comarca Grande<br />

Lisboa-Noroeste, este princípio de correspondência <strong>das</strong> anteriores estruturas<br />

às novas estruturas não se afastou muito, dado que, aí já existia <strong>um</strong> certo grau<br />

de concentração com a anterior secretaria-geral do Tribunal de Comarca e do<br />

Tribunal de Família e Menores de Sintra 85 . Onde havia dispersão, manteve-se.<br />

A questão que se coloca é, pois, a de saber quais deverão ser as<br />

unidades administrativas e organizacionais do tribunal de comarca: se o próprio<br />

tribunal de comarca, as secções de processos ou as secretarias <strong>dos</strong> diferentes<br />

juízos. A decisão <strong>sobre</strong> esta matéria que, como se disse, continuou a seguir o<br />

modelo atomizado anterior, tem, como melhor se verá, <strong>um</strong>a influência<br />

determinante na colocação e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos (magistra<strong>dos</strong> e<br />

funcionários), na elaboração e execução do orçamento, no planeamento e<br />

<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos materiais, no próprio modelo de informatização e,<br />

consequentemente, na execução <strong>das</strong> funções de direcção e coordenação<br />

85 Foram agrega<strong>das</strong> as secretarias <strong>das</strong> Varas de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra<br />

e a secretaria do Tribunal de Trabalho de Sintra, secretarias a funcionarem no mesmo edifício.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 133


exerci<strong>das</strong> no tribunal de comarca, nomeadamente a interface entre o juiz<br />

presidente, administrador e secretário de justiça.<br />

134<br />

Antigamente falava-se em <strong>tribunais</strong>, agora fala-se em juízos dentro do mesmo tribunal.<br />

Coloco a questão, deve ser o tribunal enquanto unidade detentora de <strong>um</strong> conjunto de<br />

juízos a ter o número de contribuinte ou deve ser cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> secretarias dentro do<br />

tribunal a ter o seu número de contribuinte? (Ent. P11)<br />

Um outro problema que eu sinalizo na organização da comarca, tendo em atenção o<br />

novo mapa judiciário, é que o mapa judiciário engloba <strong>um</strong> determinado número de<br />

unidades orgânicas, mas essas unidades orgânicas, estão organiza<strong>das</strong> sob o modelo<br />

<strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> anteriores. Ou seja, os juízes estão coloca<strong>dos</strong> naqueles juízos, os<br />

funcionários estão coloca<strong>dos</strong> naquelas secretarias e não consigo fazer <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong>,<br />

tanto de magistra<strong>dos</strong> como funcionários, a não ser que tenha a anuência dessas<br />

pessoas. (Ent. S8)<br />

A atomização do modelo entra em tensão com os objectivos de direcção<br />

e coordenação a <strong>um</strong>a escala maior (ao nível da comarca) centraliza<strong>dos</strong> no juiz<br />

presidente e no administrador, impedindo o seu cabal exercício. Note-se que a<br />

única comarca onde este efeito escala se poderá fazer sentir é na Comarca<br />

Grande Lisboa-Noroeste, mas apenas para os juízos de Sintra, porque, como<br />

acima se explicou, estando sedea<strong>dos</strong> to<strong>dos</strong> os juízos no mesmo edifício, na<br />

conversão <strong>das</strong> secretarias, apenas foi criada <strong>um</strong>a secretaria.<br />

Para melhor se compreender esta questão, vejamos, desde já, alg<strong>um</strong>as<br />

consequências na <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos relativamente aos funcionários,<br />

onde o problema está a ass<strong>um</strong>ir maior acuidade. Ao ass<strong>um</strong>ir-se que o<br />

provimento de funcionários judiciais tem como unidade as secções de processo<br />

(para os escrivães de direito) e a secretaria <strong>dos</strong> juízos para os restantes<br />

funcionários, tal condiciona fortemente as competências do juiz presidente na<br />

<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos, <strong>um</strong>a vez que o exercício desta competência é nula no<br />

caso <strong>dos</strong> escrivães de direito e tem como limite a secretaria <strong>dos</strong> juízos.<br />

A questão central é, pois, a de saber se para este efeito a unidade não<br />

deve ser o tribunal de comarca. Além deste enquadramento organizacional, a<br />

flexibilidade na <strong>gestão</strong> de recursos está igualmente condicionada pelas<br />

dificuldades relativas à mobilidade geográfica <strong>dos</strong> funcionários de justiça<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


esultante da interpretação sistemática do quadro normativo da nova LOFTJ<br />

com o Estatuto <strong>dos</strong> Funcionários de Justiça, a questão será tratada em detalhe<br />

mais adiante.<br />

Uma outra questão relacionada com esta prende-se com a manutenção<br />

do anterior modelo de fixação <strong>dos</strong> quadros de pessoal, agora com referência à<br />

secretaria. Para os agentes judiciais entrevista<strong>dos</strong>, há a percepção de alg<strong>um</strong>a<br />

irracionalidade na definição desses quadros de funcionários, constituída, por<br />

<strong>um</strong> lado, pela insuficiência do quadro de funcionários em alguns juízos e, por<br />

outro, por <strong>um</strong>a má distribuição <strong>dos</strong> funcionários entre juízos. Defendem, por<br />

isso, <strong>um</strong>a intervenção mais racionalizadora na definição <strong>dos</strong> quadros de<br />

pessoal <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong>, tendo em conta as suas necessidades e as<br />

especificidades da procura. É claro que esta questão coloca-se de modo<br />

diferente n<strong>um</strong> modelo que não esteja assente em quadros de pessoal tão<br />

atomizado.<br />

A percepção de irracionalidade de colocação e distribuição <strong>dos</strong><br />

funcionários estende-se aos assessores técnicos e, em especial, no que se<br />

refere aos técnicos de informática.<br />

Outra questão conexa com esta é a do quadro <strong>dos</strong> funcionários (...) tem a ver com o<br />

dimensionamento do quadro, ou seja, de saber, em primeiro lugar, se os quadros legais<br />

de funcionários para cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> NUT, <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto, se elas estão ou não<br />

correctamente dimensiona<strong>das</strong>. (Ent. P9)<br />

Se, em alguns casos, triplicaram os processos e o quadro de pessoal é o mesmo,<br />

alg<strong>um</strong>a coisa não pode funcionar. Se noutros casos, saíram de lá os processos e<br />

continuam com o mesmo número de pessoas (...) Como é que <strong>um</strong>a pessoa no tribunal<br />

X, por exemplo, pode ter mil processos a cargo e <strong>um</strong>a pessoa no tribunal Y tem cem?<br />

A pessoa não pode produzir o mesmo, ganha o mesmo mas a responsabilidade que<br />

tem é completamente diferente, isso tem que se traduzir no serviço. Eu acho que a<br />

Direcção-Geral devia racionalizar melhor os meios, torná-los mais uniformes, coisa que<br />

não são actualmente. (Ent. 17F)<br />

No tribunal devia estar sempre <strong>um</strong> funcionário de informática. Devia estar<br />

permanentemente cá. (Ent. 21F)<br />

Esta questão, embora com diferentes contornos, também diz respeito à<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 135


colocação <strong>dos</strong> juízes, isto é, à definição da unidade de colocação: os juízos do<br />

tribunal de comarca ou <strong>um</strong> determinado juízo. Facilmente se compreende que<br />

a flexibilidade gestionária é diferente se, por exemplo, os juízes forem<br />

coloca<strong>dos</strong> nos juízos de família do tribunal de comarca ou em determinado<br />

juízo de família. A definição <strong>sobre</strong> o lugar de provimento do juiz pode contribuir<br />

para <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> mais flexível ou mais rígida, de acordo com as necessidades<br />

do serviço.<br />

136<br />

No actual enquadramento legal, tendo em atenção as competências<br />

previstas, no que se refere à <strong>gestão</strong> de juízes, o juiz presidente pode propor ao<br />

CSM a ac<strong>um</strong>ulação, reafectação e o recurso ao quadro complementar de<br />

juízes, medi<strong>das</strong> que, na prática, têm funcionado, mas que poderão ter outro<br />

viés se pensarmos no alargamento da reforma a todo o país. Esta questão tem,<br />

contudo, <strong>um</strong>a perspectiva doutrinária de interpretação constitucional <strong>dos</strong><br />

princípios do juiz natural e da inamovibilidade <strong>dos</strong> juízes, que está longe de ser<br />

consensual. Qualquer intervenção legal neste âmbito tem que ser precedida de<br />

<strong>um</strong>a ampla discussão <strong>sobre</strong> os limites daqueles princípios.<br />

A questão tem, como acima já se referiu, repercussões na <strong>gestão</strong> de<br />

outras vertentes, designadamente, de natureza financeira. Relativamente a<br />

esta última, a opção pelo tribunal de comarca ou pela secretaria <strong>dos</strong> juízos,<br />

como unidade administrativa, coloca em confronto, designadamente, as actuais<br />

competências de elaboração do orçamento <strong>dos</strong> secretários de justiça e do<br />

presidente do tribunal. Conforme se detalha mais adiante, esta questão<br />

também se estende à centralização do controlo da execução orçamental e<br />

demais aspectos financeiros e ao planeamento <strong>das</strong> necessidades do tribunal<br />

como <strong>um</strong> todo.<br />

O orçamento também não é o orçamento do tribunal, é o orçamento de cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />

secretarias e aqui pode-se questionar qual a utilidade do administrador. Cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />

secretários manteve o seu orçamento. (Ent. P11)<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


5.5 Dinâmicas de governação no âmbito da articulação<br />

de competências entre as diversas entidades<br />

Se a partilha de competências de organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

entre o poder executivo e o poder judicial ganhou <strong>um</strong>a nova configuração com<br />

a introdução do <strong>um</strong> novo modelo de <strong>gestão</strong> preconizado pela reforma, o que se<br />

definiu como potencialidades da lei, nomeadamente a adopção de critérios de<br />

proximidade e flexibilidade na <strong>gestão</strong> local <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, depende, em muito,<br />

da integração e da articulação entre os diferentes órgãos com poderes<br />

directivos na administração <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. Como se salientou anteriormente,<br />

este modelo exige a realização plena e eficiente do princípio de cooperação<br />

entre as figuras da estrutura local de <strong>gestão</strong> e entre estas e os órgãos centrais.<br />

Resulta do trabalho de campo que, em diferentes níveis de <strong>gestão</strong>, <strong>um</strong>a<br />

articulação de competências mais eficiente entre os diferentes órgãos está<br />

comprometida, necessitando de diferentes respostas de carácter correctivo,<br />

que vão desde a clarificação do sentido e alcance <strong>das</strong> competências previstas<br />

em lei até à necessidade de aprofundamento <strong>dos</strong> canais de comunicação e<br />

interface entre os diferentes órgãos, passando pela definição de <strong>um</strong> plano de<br />

implementação <strong>das</strong> competências locais de <strong>gestão</strong> com orientações concretas<br />

<strong>das</strong> tarefas e responsabilidades a serem exerci<strong>das</strong> pelas chefias e pelas<br />

figuras de direcção do tribunal, bem como pela determinação da unidade<br />

administrativa de referência do tribunal de comarca.<br />

Desenvolve-se, de seguida, <strong>um</strong>a análise mais detalhada <strong>das</strong> dinâmicas<br />

de competências de administração e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> em quatro áreas:<br />

<strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos, <strong>gestão</strong> de recursos financeiros, <strong>gestão</strong> do<br />

património e <strong>das</strong> infra-estruturas e <strong>gestão</strong> da informação.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 137


A) Juízes<br />

138<br />

5.5.1. Gestão de recursos h<strong>um</strong>anos<br />

O protagonista da <strong>gestão</strong> da carreira judicial é o Conselho Superior da<br />

Magistratura em articulação, no que se refere ao recrutamento e formação <strong>dos</strong><br />

juízes, com o Centro de Estu<strong>dos</strong> Judiciários. Como já referimos, a lei de<br />

organização judiciária insere neste domínio a possibilidade de promoção pelo<br />

juiz presidente junto ao CSM de medi<strong>das</strong> de ac<strong>um</strong>ulação, reafectação,<br />

requisição de juízes do quadro complementar ou criação de secções<br />

especializa<strong>das</strong>.<br />

O organograma 7 ilustra a divisão de competências na <strong>gestão</strong> de juízes.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Formação<br />

Nomeação e<br />

posse<br />

Colocação e reafectação<br />

Férias<br />

AposenOrga- Avaliação e acção Provimentos, movimentos judiciais, dispensas de serviço e<br />

Remuneração Turnos<br />

taçãonização disciplinar<br />

autorizações estatutárias<br />

Organograma 7 – Divisão de competências na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> juízes<br />

DGAJ CEJ CSM Juiz Presidente Presidente do STJ<br />

Processar as remunerações <strong>dos</strong><br />

magistra<strong>dos</strong> que exercem funções nos<br />

<strong>tribunais</strong> sem autonomia assegurando o<br />

pagamento aos magistra<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> encargos<br />

relativos a ac<strong>um</strong>ulação de funções, subsídio<br />

de compensação (renda de casa), colectivos<br />

(aju<strong>das</strong> de custo, transportes e<br />

deslocações), subsídio de fixação (Açores e<br />

Madeira) e regime de substituição<br />

(licencia<strong>dos</strong> em direito, em substituição de<br />

magistra<strong>dos</strong> do Ministério Público)<br />

Realização <strong>dos</strong> concursos de acesso<br />

e cursos e estágios de formação<br />

inicial<br />

Elaboração de acções de formação contínua<br />

Organização de cursos na área da<br />

<strong>gestão</strong> para juiz presidente,<br />

administrador judiciário, procurador<br />

do MP coordenador e magistra<strong>dos</strong><br />

coordenadores (em colaboração<br />

com outras entidades)<br />

Nomeação, colocação e definição<br />

<strong>dos</strong> critérios de permuta entre juízes<br />

Decidir <strong>sobre</strong> a reafectação de juízes<br />

Decidir <strong>sobre</strong> a ac<strong>um</strong>ulação de juízes<br />

Criar, na sede de cada distrito, <strong>um</strong>a<br />

bolsa de juízes para destacamento<br />

em <strong>tribunais</strong> de comarca<br />

Efectuar a <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> bolsas e<br />

regular o seu destacamento<br />

Destacar os juízes auxiliares que se<br />

mostrem necessários , inclusive por<br />

urgente conveniência do serviço<br />

Definir e aprovar o modelo de mapa<br />

de férias<br />

Aprovação do mapa de férias<br />

Realização de movimento judicial<br />

ordinário no mês de Julho e<br />

extraordinários quando exijam<br />

razões de disciplina ou de<br />

necessidade de preenchimento de<br />

vagas<br />

Organização e execução do<br />

concurso de acesso ao provimento<br />

de vagas de juízes da Relação e<br />

juízes do STJ<br />

Autorização para os magistra<strong>dos</strong><br />

residirem em local diferente da sede<br />

do juízo<br />

Conceder dispensas de serviço para<br />

participação em congressos,<br />

simpósios, cursos, seminários<br />

Autorização para o exercício de<br />

funções docentes e de investigação<br />

Deliberação de redução na<br />

distribuição de serviço para<br />

magistra<strong>dos</strong> judiciais que executam<br />

funções no órgão executivo de<br />

associação sindical<br />

Autorização para comissões de<br />

serviço<br />

Elaborar o plano anual de<br />

inspecções, ordenar inspecções,<br />

sindicâncias e inquéritos aos<br />

serviços judiciais (a realizar-se pelos<br />

serviços de inspecção)<br />

Instauração do procedimento<br />

disciplinar<br />

Classificação <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> com<br />

apoio <strong>dos</strong> serviços de inspecção<br />

Decidir <strong>sobre</strong> a criação de secções<br />

especializa<strong>das</strong><br />

Recebimento <strong>dos</strong> requerimentos<br />

para aposentação voluntária<br />

Determinar a imediata suspensão do<br />

exercício de funções em caso de<br />

incapacidade<br />

O orçamento do Conselho Superior<br />

da Magistratura destina -se a<br />

suportar as despesas com com os<br />

magistra<strong>dos</strong> judiciais afectos aos<br />

<strong>tribunais</strong> judiciais de 1.ª instância e<br />

com os magistra<strong>dos</strong> judiciais afectos<br />

como auxiliares aos <strong>tribunais</strong> da<br />

Relação<br />

Fonte: OPJ<br />

Dar posse aos juízes de direito<br />

coloca<strong>dos</strong> na comarca<br />

Nomear <strong>um</strong> juiz substituto, em caso<br />

de impedimento do substituto legal<br />

Planear a necessidade de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos<br />

Popor ao CSM a reafectação de<br />

juízes<br />

Propor ao CSM que <strong>um</strong> juiz exerça<br />

funções em mais de <strong>um</strong> juízo da<br />

mesma comarca<br />

Requisitar a disponibilidade de juízes<br />

da bolsa em caso de necessidade do<br />

serviço<br />

Aprovar os mapas de turnos de<br />

férias e turnos aos sába<strong>dos</strong> e<br />

feria<strong>dos</strong>, ouvi<strong>dos</strong> os magistra<strong>dos</strong><br />

Designar o número de magistra<strong>dos</strong><br />

necessários para assegurar o serviço<br />

de turno e aprovar a lista de<br />

magistra<strong>dos</strong> designa<strong>dos</strong><br />

Propor ao CSM a especialização de<br />

secções nos juízos<br />

Dar posse aos juízes do STJ e<br />

presidentes <strong>das</strong> relações<br />

Presidente do<br />

Tribunal da Relação<br />

Dar posse aos juízes <strong>das</strong> relações<br />

Organização <strong>dos</strong> mapas anuais de férias e envio ao CSM acompanha<strong>dos</strong> de parecer


O organograma mostra <strong>um</strong> modelo altamente centralizado de <strong>gestão</strong> <strong>das</strong><br />

carreiras judiciais com concentração pelo CSM de competências nas<br />

componentes colocação e reafectação, férias, movimento judicial, avaliação,<br />

acção disciplinar, aposentação, formação e remuneração, estas últimas em<br />

articulação com o CEJ e a DGAJ 86 .<br />

A intervenção local é feita com autonomia no que se refere à posse <strong>dos</strong><br />

juízes e tem <strong>um</strong> carácter propositivo no que toca a medi<strong>das</strong> de reafectação,<br />

ac<strong>um</strong>ulação, requisição de juízes do quadro complementar e mudanças na<br />

organização interna, mas cabendo sempre a decisão final ao CSM.<br />

A concentração de competências no CSM, no que respeita às actuais<br />

<strong>comarcas</strong> experimentais, não parece ter-se traduzido, de acordo com o que foi<br />

observado no trabalho de campo, em grandes problemas de articulação entre<br />

aquele órgão e o juiz presidente, embora, como já foi salientado, a situação<br />

pode não ser a mesma n<strong>um</strong> cenário mais alargado ou com outras<br />

protagonistas.<br />

O que foi salientado é o condicionamento deste mecanismo, mas por<br />

outra via. A maior utilização <strong>dos</strong> mecanismos de <strong>gestão</strong> local de juízes, por<br />

parte do juiz presidente, está condicionada pela carência de funcionários e pela<br />

necessidade de aprofundar as competências no âmbito da <strong>gestão</strong> local do<br />

pessoal oficial de justiça.<br />

(…) O juiz presidente solicita ao Conselho Superior de Magistratura que coloque juízes<br />

da bolsa em ac<strong>um</strong>ulação, <strong>dos</strong> quais para fazer julgamentos precisam de escrivães<br />

auxiliares e, simultaneamente, a DGAJ requisita escrivães auxiliares para outro serviço.<br />

(…) Há aqui <strong>um</strong>a, necessária, articulação que tem que ser trabalhada <strong>um</strong> pouco mais<br />

(Ent. 3J).<br />

86 A Lei n.º 36/2007, de 14 de Agosto, garante ao CSM orçamento para suportar as despesas<br />

não só com os seus membros, mas também com o quadro de magistra<strong>dos</strong> e funcionários<br />

afectos aos <strong>tribunais</strong> judiciais de primeira instância, com os magistra<strong>dos</strong> judiciais afectos como<br />

auxiliares aos <strong>tribunais</strong> da Relação e demais despesas correntes e de capital necessárias ao<br />

exercício <strong>das</strong> suas competências. Apesar desta previsão de autonomia financeira, na prática,<br />

por questões logísticas, a DGAJ continua a processar as remunerações <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> que<br />

exercem funções nos <strong>tribunais</strong> sem autonomia administrativa.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 141


142<br />

Para a eficiência do serviço, ressalta-se a importância de fazer<br />

corresponder os recursos h<strong>um</strong>anos de juízes e funcionários. Um passo<br />

decisivo nesta matéria, defendido por muitos <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong>, é a realização<br />

simultânea <strong>dos</strong> movimentos judiciais e movimentos de funcionários, bem como<br />

a criação de <strong>um</strong> quadro complementar de funcionários a que o juiz presidente<br />

possa recorrer nos casos de licenças, baixas médicas, etc.<br />

Na <strong>gestão</strong> local, a experimentação de novas formas de organização está<br />

sujeita aos limites fixa<strong>dos</strong> pela lei para o exercício destas competências pelo<br />

juiz presidente. Uma <strong>das</strong> vias passa pela possibilidade do juiz presidente<br />

propor a criação de secções especializa<strong>das</strong> 87 . Deixa, contudo, dúvi<strong>das</strong><br />

interpretativas se a lei permite a possibilidade de se criar <strong>um</strong>a secção<br />

especializada para tramitar matéria com<strong>um</strong> de diferentes juízos, ou apenas<br />

poderão ser cria<strong>das</strong> para com o objectivo de permitir a afectação de <strong>um</strong><br />

conjunto de processos integra<strong>dos</strong> (de determinada matéria) no âmbito de<br />

competência normal de <strong>um</strong> determinado juízo.<br />

b) Funcionários<br />

O grande espectro de competências no que diz respeito à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />

funcionários está concentrado na DGAJ em articulação com órgãos que a<br />

integram (COJ e CFFJ). Como se tem vindo a referir, no esquema actual de<br />

distribuição de competências, é, contudo, possível visl<strong>um</strong>brar <strong>um</strong> papel<br />

relevante a ser exercido pelo juiz presidente com a coadjuvação do<br />

87 De acordo com o artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 28/2009, de 28 de Janeiro: nos juízos de<br />

competência especializada ou de competência genérica que possuam mais de <strong>um</strong> juiz e<br />

secção e quando o vol<strong>um</strong>e e a complexidade processual o aconselhem, podem ser cria<strong>das</strong><br />

secções especializa<strong>das</strong>, nos termos do disposto no artigo 80.º da LOFTJ. A criação de secções<br />

especializa<strong>das</strong> é feita por deliberação do Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do<br />

respectivo presidente do tribunal de comarca. A especialização da secção é feita através da<br />

afectação de <strong>um</strong> conjunto de processos integra<strong>dos</strong> no âmbito de competência normal do juízo<br />

em causa, por matéria, a <strong>um</strong>a secção pré -existente no respectivo juízo. Na deliberação que<br />

procede à criação da secção especializada são indica<strong>das</strong> as regras de distribuição, nos termos<br />

a definir pelo Conselho Superior da Magistratura. A definição <strong>das</strong> regras de distribuição<br />

previstas no número anterior deve ser previamente articula<strong>das</strong> com a Direcção-Geral da<br />

Administração da Justiça para efeitos de adaptação do respectivo sistema informático.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


administrador judiciário, conforme o organograma 8.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 143


Formação, admissão, nomeação e posse<br />

Reafectação, transferências,<br />

movimento, etc.<br />

Férias, dispensa de serviço, turnos etc.<br />

Avaliação, acção disciplinar e fixação de objectivos<br />

Remuneração<br />

COJ<br />

Elaborar o plano anual de<br />

inspecções, ordenar inspecções,<br />

sindicâncias e inquéritos aos<br />

serviços judiciais (a realizar-se pelos<br />

serviços de inspecção)<br />

Classificar os oficiais de justiça<br />

Competência para instaurar<br />

procedimento disciplinar<br />

Exercer a acção disciplinar<br />

Organograma 8 – Divisão de competências na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> funcionários judiciais<br />

Centro de Fomação<br />

<strong>dos</strong> Funcionários de<br />

Justiça<br />

Formação técnica e tecnológica do<br />

curso profissionalizante para o<br />

exercício <strong>das</strong> funções de oficiais de<br />

justiça<br />

Acções de formação <strong>dos</strong> candidatos a<br />

oficial de justiça admiti<strong>dos</strong> ao curso de<br />

habilitação<br />

Aperfeiçoamento da formação <strong>dos</strong><br />

funcionários de justiça<br />

Formação para a prova de acesso nas<br />

carreiras de oficial de justiça<br />

DGAJ CSM<br />

Juiz presidente<br />

Procedimento de admissão para<br />

ingresso <strong>dos</strong> funcionários de justiça<br />

Abertura do curso de habilitação<br />

para oficiais de justiça<br />

Procedimento de admissão para<br />

acesso <strong>dos</strong> funcionários de justiça<br />

Nomeação <strong>dos</strong> funcionários de<br />

justiça<br />

Procedimento de admissão para<br />

acesso <strong>dos</strong> funcionários de justiça a<br />

outras categorias<br />

Transferência, transição entre<br />

categorias e permuta <strong>dos</strong> oficiais de<br />

justiça<br />

Realização <strong>dos</strong> movimentos<br />

ordinários ou extraordinários <strong>dos</strong><br />

oficiais de justiça para<br />

preenchimento de lugares vagos ou<br />

a vagar<br />

Aprovação do modelo de mapa de<br />

férias<br />

Autorização para a residência do<br />

funcionário fora da comarca onde se<br />

encontra o tribunal<br />

Parecer <strong>sobre</strong> o número de<br />

funcionários a designar para a<br />

prestação de serviço de turno<br />

Homologação da classificação <strong>dos</strong><br />

oficiais de justiça<br />

Organização <strong>das</strong> listas de<br />

antiguidade<br />

Processar as remunerações <strong>dos</strong><br />

funcionários de justiça<br />

Instauração de procedimento disciplinar<br />

Poderes de avocação e revogação<br />

<strong>dos</strong> poderes de avaliação, disciplina<br />

e apreciação do mérito profissional<br />

exercido pelo COJ<br />

Fonte: OPJ<br />

Nomeação do administrador<br />

judiciário e poder para fazer cessar<br />

suas funções<br />

Posse <strong>dos</strong> funcionários de justiça<br />

Planear a necessidade de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos<br />

Reafectação <strong>dos</strong> funcionários dentro<br />

da comarca<br />

Autorização do gozo de férias e<br />

aprovação <strong>dos</strong> respectivos mapas<br />

Aprovar os mapas de turnos de<br />

férias e turnos aos sába<strong>dos</strong> e<br />

feria<strong>dos</strong>, ouvi<strong>dos</strong> os funcionários<br />

Definir o número de funcinário a<br />

designar para a prestação de serviço<br />

de turno<br />

Designar os oficiais de justiça para<br />

prestação de serviço de turno,<br />

ouvi<strong>dos</strong> os funcionários<br />

Parecer para a classificação <strong>dos</strong><br />

oficiais de justiça<br />

Exercer a acção disciplinar<br />

relativamente à pena de gravidade<br />

inferior à multa<br />

Acompanhar a realização <strong>dos</strong><br />

objectivos fixa<strong>dos</strong> para os serviços<br />

do tribunal por parte <strong>dos</strong><br />

funcionários<br />

Promover a realização de reuniões<br />

de planeamento e de avaliação <strong>dos</strong><br />

resulta<strong>dos</strong> do tribunal, com a<br />

participação <strong>dos</strong> juízes e<br />

funcionários<br />

Acompanhar e avaliar a actividade<br />

do tribunal, nomeadamente<br />

a qualidade do serviço de justiça<br />

prestado<br />

aos cidadãos<br />

Administrador<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

Secretário de<br />

justiça<br />

Comunicação da existência de vagas<br />

que ocorram nos quadros da<br />

secretaria e não sejam do<br />

conhecimento da DGAJ<br />

Concepção de dispensa de serviço<br />

até ao limite de 6 dias por ano para<br />

os funcionários de justiça<br />

Autorizar pedi<strong>dos</strong> apresenta<strong>dos</strong><br />

pelos funcionários de dispensa de<br />

serviço para acompanhamento de<br />

filhos menores de 12 anos<br />

Organização do mapa de férias<br />

anual <strong>dos</strong> funcionários<br />

Comunicar à DGAJ, até ao dia 5 de<br />

cada mês, faltas da<strong>das</strong> ao serviço no<br />

mês anterior pelos funcionários de<br />

justiça


Tal como está evidenciado no organograma, verifica-se <strong>um</strong>a destacada<br />

centralização de competências na DGAJ, COJ e CFFJ no que se refere à<br />

formação, admissão, nomeação, realização <strong>dos</strong> movimentos judiciais,<br />

avaliação e acção disciplinar. Contudo, o conjunto de competências ass<strong>um</strong>ido<br />

pelo juiz presidente relativamente à reafectação e distribuição <strong>dos</strong> funcionários<br />

de justiça (à excepção <strong>dos</strong> escrivães de direito), planeamento <strong>dos</strong> recursos<br />

h<strong>um</strong>anos, planeamento <strong>dos</strong> serviços do tribunal, fixação de objectivos e<br />

avaliação da qualidade do serviço prestado, mostra a necessidade de <strong>um</strong>a<br />

maior integração entre a <strong>gestão</strong> local e a <strong>gestão</strong> central no que respeita aos<br />

funcionários judiciais.<br />

O trabalho empírico permitiu identificar vários momentos em que a<br />

concentração de competências na administração central, agravada pela falta<br />

de previsão de interfaces eficientes, bloqueiam a <strong>gestão</strong> a ser implementada<br />

por parte do juiz presidente.<br />

Na verdade, e apesar de terem sido conferi<strong>das</strong> competências ao juiz<br />

presidente para o planeamento <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos, essas competências<br />

não se traduzem na autonomia de definição <strong>dos</strong> mapas de pessoal ou <strong>das</strong><br />

necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos da comarca. Ao juiz presidente cabe a<br />

distribuição <strong>dos</strong> funcionários de justiça, dentro <strong>dos</strong> limites da unidade orgânica<br />

de referência e do quadro de pessoal já estabelecido pelo Ministério da Justiça,<br />

e respeitando o provimento <strong>dos</strong> cargos de escrivães de direito nas respectivas<br />

secções <strong>dos</strong> juízos.<br />

Um exemplo concreto <strong>dos</strong> aperta<strong>dos</strong> limites e dificuldades do exercício<br />

de tais funções concretiza-se no facto do juiz presidente não ter autonomia<br />

para realizar sequer a permuta/transferência de escrivães de direito, dentro da<br />

comarca, sem intervenção da DGAJ, ainda que obtenha a concordância<br />

daqueles. Qualquer movimento desta categoria de funcionários exige sempre a<br />

intervenção da DGAJ e só pode ocorrer dentro <strong>dos</strong> aperta<strong>dos</strong> limites da lei 88 .<br />

88 De acordo com o artigo 15.º, do Estatuto <strong>dos</strong> Oficiais de Justiça (DL n.º 343/1999, de 26 de<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 147


148<br />

(…) a colocação <strong>dos</strong> escrivães nos juìzos, não podendo serem movimenta<strong>dos</strong> segundo<br />

eventuais apetências ou dificuldades, também não me parece bem. O magistrado do<br />

MP coordenador, por exemplo, pode movimentar os magistra<strong>dos</strong>, mas não pode<br />

movimentar os técnicos de justiça principal. (Ent. 3J)<br />

Considerando, como já foi explicado, que os funcionários judiciais foram<br />

provi<strong>dos</strong> não para o tribunal de comarca, globalmente considerado, mas para<br />

as distintas secretarias <strong>dos</strong> juízos, coloca-se, à partida, <strong>um</strong> limite à<br />

possibilidade de distribuição <strong>dos</strong> funcionários e à sua mobilidade para <strong>um</strong>a<br />

secretaria distinta da secretaria onde foi originalmente colocado. Isto porque o<br />

artigo 58º do Estatuto <strong>dos</strong> Oficiais de Justiça (DL n.º 343/1999, de 26 de<br />

Agosto), assentado no conceito de tribunal de comarca da lei anterior,<br />

determina que os funcionários de justiça só podem ser transferi<strong>dos</strong> para fora da<br />

comarca do lugar de origem a seu pedido, por motivo disciplinar, por extinção<br />

do lugar ou por colocação em situação de disponibilidade. Com a interpretação<br />

no sentido de que a conversão desta realidade se deu, com a nova lei, para as<br />

secretarias judiciais, o exercício da competência de distribuição <strong>dos</strong> escrivães<br />

adjuntos e auxiliares, por parte do presidente do tribunal de comarca, está<br />

significativamente delimitado pela não definição legal daquele tribunal enquanto<br />

unidade administrativa.<br />

O tribunal x tem duzentos processos, ou duzentos e poucos processos e sete<br />

funcionários no quadro, e, ao lado, outro tribunal de execução, que é <strong>um</strong> juízo<br />

voluptuosíssimo em termos de interesse e de relevância social e tem vinte mil<br />

processos e tem os mesmos sete funcionários. Estão quatro funcionários praticamente<br />

de férias e não consigo tirar ninguém. (Ent. P6)<br />

A questão da mobilidade geográfica <strong>dos</strong> funcionários é <strong>um</strong>a questão<br />

<strong>sobre</strong> a qual é necessário reflectir e que exige alg<strong>um</strong>a intervenção. Contudo,<br />

Agosto), os oficiais de justiça podem permutar para lugares da mesma categoria ou de<br />

categoria para a qual possam transitar, desde que se encontrem a mais de três anos do limite<br />

mínimo de idade para aposentação. Esta faculdade só pode ser de novo utilizada decorri<strong>dos</strong>,<br />

pelo menos, dois anos <strong>sobre</strong> a data de aceitação do lugar. A transferência pode ser requerida<br />

pelos oficiais de justiça, decorri<strong>dos</strong> dois anos <strong>sobre</strong> o início <strong>das</strong> funções, posse ou aceitação do<br />

lugar (artigo 13.º).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


dever-se-á ter em conta alguns contornos especiais, <strong>sobre</strong>tudo quando<br />

confrontada com direitos adquiri<strong>dos</strong> e expectativas legítimas <strong>dos</strong> funcionários<br />

que aquando do ingresso na carreira não era exigível a previsão de mudanças<br />

estruturais na organização judiciária e nas regras de deslocação de pessoal<br />

que os obrigassem a percorrer grandes distâncias, daí que <strong>um</strong>a solução<br />

avançada seja a flexibilização <strong>das</strong> regras de mobilidade <strong>dos</strong> funcionários<br />

respeitando limites que lhes garantam alguns direitos 89 .<br />

Também as competências previstas para o juiz presidente no âmbito da<br />

fixação de objectivos e da avaliação do desempenho funcional do tribunal e da<br />

qualidade do serviço prestado aos cidadãos estão sujeitas a <strong>um</strong>a certa<br />

limitação, <strong>um</strong>a vez que não são acompanha<strong>das</strong> de competências efectivas no<br />

que respeita à avaliação e à acção disciplinar <strong>sobre</strong> os funcionários da justiça.<br />

Como demonstra o organograma, as competências de acção disciplinar e de<br />

avaliação do juiz presidente são apenas complementares relativamente à<br />

actuação do COJ 90 (elaboração de parecer para classificação <strong>dos</strong> oficiais de<br />

justiça, exercício de acção disciplinar relativamente à pena de gravidade<br />

inferior a multa).<br />

Relativamente à avaliação, o que está em causa é a definição de <strong>um</strong><br />

89 No que diz respeito à mobilidade geográfica, o artigo 315.º, do Código do Trabalho, prevê o<br />

seguinte: 1 - O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o<br />

trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o<br />

trabalhador; 2 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a<br />

alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço;<br />

3 - Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida nos<br />

números anteriores; 4 - No caso previsto no n.º 2, o trabalhador pode resolver o contrato se<br />

houver prejuízo sério, tendo nesse caso direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo<br />

443.º; 5 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência<br />

decorrentes do acréscimo <strong>dos</strong> custos de deslocação e resultantes da mudança de residência.<br />

No âmbito da mobilidade geográfica do trabalhador, a existência ou não de “prejuìzo sério” pela<br />

sua transferência (temporária ou definitiva) já se encontrava presente na LCT e, actualmente,<br />

no artigo 315.º, n.º 1, do Código do Trabalho. Contudo, tal conceito não é definido pelo<br />

legislador, embora seja clarificado no Acórdão do STJ, de 23.11.1994 (amplamente seguido<br />

pela jurisprudência laboral), no qual este tribunal entendeu não ser prejuízo sério, a deslocação<br />

do trabalhador implicar para o mesmo <strong>um</strong> acréscimo de duas horas de viagem por dia.<br />

90 Vale a pena destacar que a competência de acção disciplinar do COJ não é exclusiva, de<br />

acordo com acórdão do Tribunal Constitucional.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 149


modelo que reforce a estrutura de <strong>gestão</strong> local do tribunal de comarca com a<br />

especificação concreta de poderes do juiz presidente que fortaleçam as suas<br />

responsabilidades no âmbito do planeamento de actividades, avaliação <strong>dos</strong><br />

resulta<strong>dos</strong> e fixação de objectivos do tribunal.<br />

150<br />

Tanto em termos de avaliação como em termos de mobilidade <strong>dos</strong><br />

funcionários, <strong>um</strong>a crítica recorrente à nova LOFTJ relaciona-se com o facto de<br />

esta não ter sido acompanhada por <strong>um</strong>a reforma do Estatuto <strong>dos</strong> Oficiais de<br />

Justiça.<br />

Discutir, neste momento, o Estatuto <strong>dos</strong> Funcionários de Justiça é a última parte que a<br />

reforma deixou incompleta e é absolutamente fundamental. (Ent. P8)<br />

Outra questão que se coloca no âmbito da <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos<br />

diz respeito ao vínculo funcional <strong>dos</strong> restantes funcionários, não integra<strong>dos</strong> nas<br />

carreiras judiciais, em especial <strong>dos</strong> técnicos de informática, dada a sua<br />

centralidade no actual quadro informatizado de exercício de tarefas nos<br />

<strong>tribunais</strong>. O técnico de informática a actuar na comarca está na dependência<br />

funcional e hierárquica da DGAJ, o que pode trazer dificuldades em termos de<br />

planeamento e definição de prioridades do trabalho a ser desenvolvido por<br />

aquele técnico nas diferentes secretarias, bem como a sua requisição em<br />

casos urgentes. Daí que alguns <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong> tenham defendido a<br />

necessidade de vinculação funcional <strong>dos</strong> técnicos de informática ao tribunal de<br />

comarca, dependentes, hierárquica e funcionalmente, do juiz presidente.<br />

Há x funcionários que estão cá em permanência, mas esses funcionários não<br />

dependem em nada da orgânica da comarca, ou seja, da respectiva hierarquia, eles<br />

não podem receber ordens quanto às suas tarefas, independentemente do que nós<br />

aqui achamos que é essencial fazer. Se, por exemplo, nós tivermos os funcionários e<br />

to<strong>dos</strong> os juízes sem acesso ao sistema e a precisarem da configuração <strong>dos</strong> seus<br />

computadores e, se alguém, a nível central, resolvesse dizer, que eles iam para outro<br />

sítio fazer outra coisa, nós ficávamos aqui descalços sem se poder trabalhar. (Ent. 3J)<br />

Em concreto, por exemplo, quanto aos técnicos de informática, (...) o juiz presidente<br />

não tem qualquer poder funcional <strong>sobre</strong> estes funcionários. O poder funcional<br />

relativamente mantém-se na DGAJ. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que com<br />

as aplicações informáticas que existem no tribunal, com a sua complexidade, quer a<br />

nível <strong>das</strong> secções de processos, quer a nível <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> judiciais e do MP, com<br />

sistemas de gravação áudio e quem sabe <strong>um</strong> dia, vídeo, <strong>das</strong> audiências de julgamento,<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


tudo isto implica <strong>um</strong> trabalho de manutenção e de permanência nos vários <strong>tribunais</strong>,<br />

que é incompatível com o que se está a verificar na prática. Eu posso telefonar ao Sr.<br />

Informático e dizer “é necessária qualquer coisa ao nìvel da aplicação informática. Com<br />

muita urgência vá hoje ou amanhã”. E o Sr. pode-me dizer ”sim, eu vou ou eu não vou”.<br />

Pode acontecer dizer “eu não vou”, e eu nada posso fazer. Este é <strong>um</strong> cenário possível.<br />

(Ent. P9)<br />

5.5.2 Gestão financeira<br />

O IGFIJ exerce <strong>um</strong> papel destacado de <strong>gestão</strong> financeira <strong>dos</strong> órgãos e<br />

serviços do sistema de justiça. Especificamente no que diz respeito aos<br />

<strong>tribunais</strong> judiciais, esta responsabilidade é ass<strong>um</strong>ida em coordenação com a<br />

DGAJ que, ao nível <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, conta com a coadjuvação do juiz presidente,<br />

administrador judiciário e secretário de justiça, no que diz respeito ao projecto<br />

de orçamento e sua execução. O Organograma 9 mostra a divisão de<br />

competências no âmbito da <strong>gestão</strong> financeira.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 151


Gestão financeira<br />

Execução orçamental<br />

Remuneração<br />

Orçamento<br />

CSM<br />

O orçamento do Conselho Superior da<br />

Magistratura destina -se a suportar as<br />

despesas com com os magistra<strong>dos</strong><br />

judiciais afectos aos <strong>tribunais</strong> judiciais<br />

de 1.ª instância e com os magistra<strong>dos</strong><br />

judiciais afectos como auxiliares aos<br />

<strong>tribunais</strong> da Relação<br />

Organograma 9 – Divisão de competências na <strong>gestão</strong> financeira<br />

IGFIJ DGAJ ITIJ Juiz presidente<br />

Controlar os recebimentos relativos a<br />

receitas <strong>das</strong> diversas fontes de<br />

financiamento<br />

Arrecadar e administrar as receitas relativas<br />

a custas <strong>dos</strong> processos judiciais e efectuar os<br />

pagamentos inerentes a estas que lhe<br />

estejam atribuí<strong>dos</strong><br />

Preparar os planos de tesouraria e<br />

informação <strong>sobre</strong> as posições e movimentos<br />

de tesouraria, identificando e programando<br />

excedentes de tesouraria<br />

Assegurar a <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> contas bancárias<br />

Assegurar a constituição, reconstituição e<br />

liquidação <strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong> de maneio autoriza<strong>dos</strong><br />

Assegurar a rentabilização de excedentes de<br />

tesouraria, nomeadamente mediante recurso<br />

a instr<strong>um</strong>entos financeiros disponíveis no<br />

mercado<br />

Assegurar o controlo financeiro da utilização<br />

<strong>das</strong> verbas afectas aos serviços e organismos<br />

do Ministério da Justiça<br />

Estudar e propor formas de financiamento<br />

adequa<strong>das</strong> às necessidades de<br />

funcionamento e desenvolvimento do<br />

sistema de justiça<br />

Elaborar estu<strong>dos</strong> <strong>sobre</strong> a sustentabilidade<br />

financeira do sistema de justiça<br />

Definir os princípios de aplicação geral a que<br />

devem obedecer os registos contabilísticos e<br />

aplicá-los<br />

Coordenar a elaboração <strong>dos</strong> planos de<br />

investimento <strong>dos</strong> serviços e organismos do<br />

Ministério da Justiça<br />

Coordenar a elaboração <strong>dos</strong> projectos de<br />

orçamento, formular propostas para as<br />

dotações globais a atribuir<br />

Requisitar e transferir os fun<strong>dos</strong><br />

provenientes da dotação do Orçamento de<br />

Estado afecta aos serviços e organismos do<br />

Ministério da Justiça<br />

Acompanhar a execução orçamental<br />

relativamente ao funcionamento <strong>dos</strong><br />

serviços e organismos do Ministério da<br />

Justiça<br />

Acompanhar a execução orçamental<br />

relativamente aos programas de<br />

investimento <strong>dos</strong> serviços e organismos do<br />

Ministério da Justiça<br />

Organizar e lançar os procedimentos de<br />

contratação pública para execução <strong>dos</strong><br />

projectos de concepção, construção,<br />

adaptação, ampliação, remodelação,<br />

conservação de imóveis afectos aos serviços<br />

da justiça, assegurando a sua <strong>gestão</strong> e<br />

fiscalização<br />

Proceder a aquisições, arrendamentos e<br />

alienação <strong>dos</strong> bens imóveis<br />

Prestar apoio na preparação <strong>dos</strong><br />

instr<strong>um</strong>entos e procedimentos de<br />

contratação externa de serviços na<br />

área do património imobiliário e acompanhar<br />

a execução <strong>dos</strong> contratos<br />

Coordenar a elaboração e proceder à<br />

avaliação da <strong>gestão</strong> orçamental, financeira e<br />

contabilística <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> sem autonomia<br />

administrativa<br />

Coordenar a execução da <strong>gestão</strong> orçamental,<br />

financeira e contabilística <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> sem<br />

autonomia administrativa<br />

Realização de despesas que extravasam o<br />

âmbito da competência de execução<br />

orçamental delegada nos secretários de<br />

justiça, incluindo: Mobiliário; Estantes;<br />

sistemas AVAC (ar condicionado); Centrais<br />

telefónicas, suas ampliações e faxes<br />

Realização de despesas que extravasam o<br />

âmbito da competência de execução<br />

orçamental delegada nos secretários de<br />

justiça, incluindo: Equipamento informático;<br />

Aparelhos áudio e de videoconferência;<br />

Fotocopiadoras; Cofres e armários de<br />

segurança; Equipamento médico-legal;<br />

Sistemas integra<strong>dos</strong> de segurança passiva;<br />

Selos brancos; Serviços de segurança<br />

Celebração de contratos de prestação de<br />

serviços de limpeza, sempre que excedam a<br />

mera contratação de particulares; Celebração<br />

de contratos de pessoal, salvo os contratos<br />

no âmbito de programas ocupacionais e ou<br />

de tempos livres no domínio <strong>dos</strong> projectos<br />

de tratamento e salvaguarda do património<br />

arquivístico <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

Celebração, em geral, de contratos de<br />

prestação de serviços com particulares de<br />

duração superior a três semanas<br />

Celebração de contratos de prestação de<br />

serviços de manutenção <strong>dos</strong> edifícios, de<br />

centrais telefónicas, de assistência técnica de<br />

sistemas integra<strong>dos</strong> de segurança passiva, de<br />

elevadores, de fotocopiadoras, de<br />

equipamentos informáticos, de faxes e de<br />

aparelhos áudio e de videoconferência<br />

Processar as remunerações <strong>dos</strong> funcionários<br />

de justiça<br />

Processar as remunerações <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong><br />

que exercem funções nos <strong>tribunais</strong> sem<br />

autonomia assegurando o pagamento aos<br />

magistra<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> encargos relativos a<br />

ac<strong>um</strong>ulação de funções, subsídio de<br />

compensação (renda de casa), colectivos<br />

(aju<strong>das</strong> de custo, transportes e deslocações),<br />

subsídio de fixação (Açores e Madeira) e<br />

regime de substituição (licencia<strong>dos</strong> em<br />

direito, em substituição de magistra<strong>dos</strong> do<br />

Ministério Público)<br />

Coordenar, dar parecer e<br />

acompanhar a elaboração de<br />

projectos de investimento,<br />

em matéria de informática e<br />

comunicações, <strong>dos</strong> órgaos,<br />

serviços e organismos do<br />

Ministério da Justiça<br />

Controlar a execução de<br />

projectos de investimento,<br />

em matéria de informática e<br />

comunicações, <strong>dos</strong> órgaos,<br />

serviços e organismos do<br />

Ministério da Justiça<br />

Definir normas e<br />

procedimentos relativos à<br />

aquisição de equipamento<br />

informático<br />

Fonte: OPJ<br />

Elaborar o projecto de orçamento,<br />

ouvido o magistrado do Ministério<br />

Público coordenador<br />

Propor as alterações orçamentais<br />

que julgar adequa<strong>das</strong><br />

Administrador<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

A competência para adjudicar e<br />

autorizar a realização de despesas<br />

com aquisição de bens e serviços,<br />

incluindo as despesas com<br />

instalações afectas aos serviços <strong>dos</strong><br />

respectivos <strong>tribunais</strong>, até ao<br />

montante máximo de € 24.939,89<br />

A competência para autorizar a<br />

realização <strong>das</strong> despesas emergentes<br />

da renovação ou revisão de preços<br />

(c<strong>um</strong>pri<strong>dos</strong> os respectivos termos<br />

contratuais) de contratos de<br />

prestação de serviços de limpeza até<br />

ao montante máximo de €<br />

99.759,57<br />

A competência para adjudicar e<br />

autorizar a realização de despesas<br />

com aquisição de bens e serviços, ao<br />

abrigo de contratos públicos de<br />

aprovisionamento celebra<strong>dos</strong> pela<br />

Agência Nacional de Compras<br />

Públicas ou no âmbito de<br />

procedimentos conduzi<strong>dos</strong> pela<br />

Unidade de Comprasdo Ministério<br />

da Justiça, até ao montante máximo<br />

de € 49.879,79<br />

A competência para celebrar<br />

contratos «emprego inserção» e<br />

«emprego inserção+» ou no âmbito<br />

de programas ocupacionais e ou de<br />

tempos livres, ao abrigo da Portaria<br />

n.º 128/2009, de 30 de Janeiro, do<br />

Ministro do Trabalho e da<br />

Solidariedade Social, <strong>das</strong> Portarias<br />

n.º 119/2007, e n.º 82/2003, da<br />

Secretaria Regional <strong>dos</strong> Recursos<br />

H<strong>um</strong>anos da RAM e do Decreto<br />

Regulamentar Regional n.º 9/2008/A<br />

Secretário de<br />

justiça<br />

Elaborar e gerir o orçamento de<br />

delegação da secretaria<br />

Possibilidade de subdelegação da<br />

competência do administrador até<br />

ao montante máximo de € 4987<br />

Possibilidade de subdelegação da<br />

competência do administrador até<br />

ao montante máximo de €49 879,79<br />

Possibilidade de subdelegação da<br />

competência do administrador<br />

Possibilidade de subdelegação da<br />

competência do administrador no<br />

domínio <strong>dos</strong> projectos de<br />

tratamento e salvaguarda do<br />

património arquivístico <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>


O trabalho de campo identifica <strong>um</strong>a certa <strong>sobre</strong>posição de competências<br />

entre DGAJ, juiz presidente, administrador e secretário de justiça. Esta tensão<br />

relaciona-se, <strong>um</strong>a vez mais, com a indefinição da unidade administrativa do<br />

tribunal.<br />

Neste ponto, o principal problema é a articulação entre a competência<br />

administrativa do presidente do tribunal de comarca de elaboração do projecto<br />

do orçamento e proposição de alterações orçamentais, a delegação dessa<br />

competência nos administradores judiciais e a articulação <strong>das</strong> tarefas relativas<br />

ao orçamento entre o administrador judiciário e os secretários de justiça.<br />

Mantém-se a lógica de as secretarias <strong>dos</strong> juízos funcionarem como<br />

unidades administrativas do tribunal de comarca no que diz respeito ao<br />

orçamento. Neste caso, as actividades relativas ao orçamento ficam<br />

localiza<strong>das</strong> na figura do secretário de justiça, isto é, o secretário mantém,<br />

apesar do novo quadro legal, a competência de gerir e elaborar o orçamento de<br />

delegação da secretaria.<br />

(…) comecei a questionar qual a utilidade do administrador quando ele não gere o<br />

orçamento do tribunal mas, cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> secretários manteve o seu orçamento. E<br />

estava longe de imaginar que o orçamento pode ser entendido não como orçamento do<br />

tribunal, mas da Direcção-Geral e, sendo da Direcção-Geral há <strong>um</strong>a dotação afecta ao<br />

tribunal, dotação essa em que o relacionamento é entre a Direcção-Geral e cada <strong>um</strong><br />

<strong>dos</strong> secretários, ficando o juiz presidente e o administrador à margem disto tudo. (Ent.<br />

P11)<br />

Esta realidade dificulta a <strong>gestão</strong> centralizada do orçamento por parte do<br />

presidente e do administrador do tribunal. A falta de <strong>um</strong>a visão global do<br />

orçamento do tribunal de comarca impede ainda a projecção da execução<br />

orçamental e o controlo centralizado <strong>dos</strong> gastos.<br />

Como os srs. secretários de justiça de cada secretaria de juízo detêm competências<br />

delega<strong>das</strong> de elaboração e execução do orçamento <strong>das</strong> secretaria, nós elaboramos o<br />

projecto, quer seja <strong>um</strong> projecto único, quer seja <strong>um</strong> projecto de cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />

secretarias, a questão é com que meios podemos controlar a execução desse<br />

orçamento, ainda que a competência esteja delegada nos Srs. administradores. Como<br />

é que controlamos a execução desse orçamento? Que contas é que prestamos para o<br />

seu apuramento? Mais que não seja podiam dizer “não tem que prestar contas<br />

nenh<strong>um</strong>as”. No projecto de orçamento, como é que eu vou justificar porque a<strong>um</strong>ento as<br />

verbas, porque é que diminuo as verbas? (Ent. P9)<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 155


156<br />

Quanto ao orçamento, a questão é tão simples como esta: deve ou não em cada<br />

secretaria haver <strong>um</strong> secretário a fazer o mesmo trabalho, ou se este serviço deve estar<br />

centralizado na presidência. (…) em vez de ter secretários a fazer as compras, deveria<br />

haver <strong>um</strong> funcionário que não precisa de ter nenh<strong>um</strong>a qualificação, precisa apenas de<br />

ter a indicação <strong>das</strong> necessidades e fazer <strong>um</strong> registo delas. (Ent. P11)<br />

Outro problema é a falta de autonomia do tribunal de comarca na <strong>gestão</strong><br />

do saldo do orçamento <strong>das</strong> diferentes secretarias.<br />

N<strong>um</strong>a situação de unidade administrativa tendo como referência da unidade o tribunal,<br />

tem-se <strong>um</strong> único orçamento e cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> secretários poderia fazer o registo <strong>das</strong> suas<br />

despesas. Dentro <strong>das</strong> secretarias caberia ao juiz presidente, em função <strong>das</strong><br />

necessidades, afectar ou transferir verbas para outra secretaria, sem necessidade de<br />

intervenção da Direcção-Geral. Hoje, pode haver excesso n<strong>um</strong>a secretaria e défice<br />

noutra, e não há competência de quem dirige o tribunal para fazer esta transição sem a<br />

intervenção <strong>dos</strong> serviços centrais. É o secretário que se dirige à Direcção-Geral a pedir,<br />

e a Direcção-Geral vai buscá-lo onde quer e se quiser. Apesar de esta competência ter<br />

sido atribuída ao juiz presidente, subdelegada no administrador, continua a haver o<br />

relacionamento entre a Direcção-Geral e cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> secretários sem que o juiz<br />

presidente e o administrador possa impedir seja o que for. E esta foi a lógica seguida<br />

relativamente a todo o resto, ou seja, o pessoal manteve-se na mesma. Se o pessoal<br />

fosse colocado no tribunal, e olhando para a norma que está na lei orgânica dava a<br />

entender que assim seria, era suposto que os funcionários passassem a concorrer para<br />

o tribunal de comarca. (Ent.P11)<br />

5.5.3 Gestão do património e <strong>das</strong> infra-estruturas<br />

As competências centrais de <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> infra-estruturas, património e<br />

equipamentos informáticos concentra<strong>das</strong> no IGFIJ, DGAJ e ITIJ concretizam-se<br />

em competências complementares de manutenção, conservação,<br />

racionalização atribuí<strong>das</strong> ao administrador do tribunal e ao secretário de justiça.<br />

No organograma 10 encontra-se representada a divisão de<br />

competências no que respeita à <strong>gestão</strong> do património e às infra-estruturas.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Projectos e património imobiliário<br />

Instalações e equipamentos<br />

Frota automóvel<br />

e estacionamento<br />

Organograma 10 – Divisão <strong>das</strong> competências na <strong>gestão</strong> do património e <strong>das</strong> infra-estruturas<br />

IGFIJ DGAJ ITIJ Juiz presidente Administrador<br />

Planear a execução de obras de construção, remodelação ou<br />

conservação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

Administrar e estabelecer critérios<br />

de <strong>gestão</strong> do património<br />

Definir tipologias de instalações e<br />

<strong>dos</strong> equipamentos a utilizar<br />

Elaborar normas relativas à <strong>gestão</strong> e<br />

utilização <strong>dos</strong> espaços e segurança<br />

de instalações<br />

Planear a necessidade no domínio<br />

<strong>das</strong> instalações <strong>dos</strong> serviços da<br />

justiça<br />

Elaborar propostas com vista a<br />

racionalizar, projectar e modernizar<br />

as instalações <strong>dos</strong> serviços da<br />

justiça e propor soluções de<br />

investimento adequa<strong>das</strong><br />

Realizar ou promover os estu<strong>dos</strong> e<br />

projectos de concepção e<br />

construção de imóveis destina<strong>dos</strong> à<br />

instalação de <strong>tribunais</strong><br />

Realizar os projectos de obras de<br />

adaptação, ampliação, remodelação<br />

e conservação de imóveis, afectos<br />

aos serviços da justiça<br />

Acompanhar a elaboração de<br />

projectos desenvolvi<strong>dos</strong> por<br />

entidades externas e empreita<strong>das</strong><br />

necessárias, apreciando-os e<br />

determinando as necessárias<br />

adaptações<br />

Proceder à atribuição de instalações<br />

aos diversos órgãos, serviços e<br />

organismos do Ministério da Justiça<br />

Assegurar a inventariação <strong>dos</strong> bens<br />

imóveis a manter actualizado o<br />

respectivo ca<strong>das</strong>tro, organizando<br />

<strong>um</strong> sistema de monitorização e <strong>um</strong><br />

arquivo de exploração e<br />

manutenção <strong>das</strong> intervenções<br />

imobiliárias<br />

Elaborar normas relativas a<br />

materiais e técnicas de construção,<br />

caracterização de terrenos e<br />

edifícios<br />

Promover avaliações do património<br />

imobiliário<br />

Gerir, em articulação com o<br />

competente organismo do Estado, a<br />

frota automóvel <strong>dos</strong> serviços e<br />

organismos do Ministério da Justiça<br />

sem autonomia financeira<br />

Programar as necessidades<br />

de instalações <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

Assegurara a <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> meios<br />

afectos à execução da política<br />

informática da área da justiça<br />

Definir normas e procedimentos<br />

relativos à utilização de<br />

equipamento informático<br />

Assegurar a manutenção <strong>dos</strong> equipamentos <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

Fonte: OPJ<br />

Participar na concepção e execução<br />

<strong>das</strong> medi<strong>das</strong> de organização e<br />

modernização <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

Providenciar, em colaboração com<br />

os serviços competentes do<br />

Ministério da Justiça, a correcta<br />

utilização, manutenção e<br />

conservação <strong>das</strong> instalações e <strong>dos</strong><br />

bens<br />

Gerir a utilização <strong>dos</strong> espaços do<br />

tribunal, designadamente os<br />

espaços de utilização com<strong>um</strong><br />

incluindo as salas de audiência<br />

Providenciar, em colaboração com<br />

os serviços competentes do<br />

Ministério da Justiça a correcta<br />

utilização, manutenção e<br />

conservação <strong>dos</strong> equipamentos<br />

Assegurar a existência de condições<br />

de acessibilidade aos serviços do<br />

tribunal e manutenção da qualidade<br />

e segurança <strong>dos</strong> espaços existentes<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

Regular a utilização de parques ou<br />

lugares privativos de<br />

estacionamento de veículos<br />

Secretário de<br />

justiça<br />

Providenciar pela conservação <strong>das</strong><br />

instalações do tribunal<br />

Providenciar pela conservação <strong>dos</strong><br />

equipamentos do tribunal


A <strong>gestão</strong> do património mostra <strong>um</strong>a forte centralização no IGFIJ no que<br />

se refere a projectos de construção, adaptação, ampliação, remodelação e<br />

conservação de imóveis e <strong>gestão</strong> do património imobiliário.<br />

No que respeita aos <strong>tribunais</strong>, a competência de manutenção <strong>das</strong> infra-<br />

estruturas e de planeamento <strong>das</strong> necessidades de recursos materiais e de<br />

instalações é feita em articulação com a DGAJ, enquanto em articulação com o<br />

ITIJ se opera a <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> meios afectos à política informática e <strong>gestão</strong> do<br />

equipamento informático.<br />

Ao nível local, as competências do administrador do tribunal e secretário<br />

de justiça são complementares, cingindo-se, <strong>sobre</strong>tudo, à conservação,<br />

manutenção, segurança e racionalização da utilização <strong>dos</strong> espaços e<br />

equipamentos. O juiz presidente tem, ainda, a prerrogativa de participar na<br />

concepção e execução <strong>das</strong> medi<strong>das</strong> de organização e modernização <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong>.<br />

Neste âmbito, o que está em causa é a articulação entre as decisões<br />

locais relativas às necessidades de equipamentos e de instalações e as<br />

decisões centrais de planeamento <strong>das</strong> necessidades e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> infra-<br />

estruturas <strong>dos</strong> serviços da justiça como <strong>um</strong> todo. Se é certo que a estrutura<br />

local de <strong>gestão</strong>, centrada na figura do juiz presidente, tem competências gerais<br />

relativamente ao planeamento <strong>das</strong> actividades do tribunal e às necessidades<br />

de orçamento, o alcance destas iniciativas pode ser limitado pela reserva de<br />

competências da DGAJ relativamente à aquisição de equipamentos e outros<br />

bens.<br />

Há equipamentos que são adquiri<strong>dos</strong> pelos serviços centrais, como é o caso <strong>das</strong><br />

impressoras, que não estão no orçamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. A questão é, se devem ser os<br />

serviços centrais a tomar a decisão da instalação ou se deve ser localmente. E, por<br />

isso, é que se deve conjugar o plano de actividades/orçamento do tribunal com o plano<br />

<strong>dos</strong> serviços centrais. A Direcção-Geral tem que fazer anualmente o seu plano, e tem<br />

recursos, portanto há que ter <strong>um</strong>a previsão do número de impressoras que vai adquirir<br />

de acordo com as necessidades previstas pelo tribunal. (P11)<br />

O facto de se manterem na DGAJ competências privativas para a<br />

aquisição de determina<strong>dos</strong> bens (mobiliário, centrais telefónicas, equipamentos<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 159


informáticos, etc.) coloca em causa a autonomia do juiz presidente para decidir<br />

<strong>sobre</strong> o melhor critério para a definição de aquisição de equipamentos de<br />

acordo com o plano de actividades.<br />

160<br />

Acresce que o facto de a unidade administrativa de referência para a<br />

aquisição e afectação <strong>dos</strong> bens continuar a ser a secretaria <strong>dos</strong> juízos pode<br />

condicionar fortemente a decisão quanto a <strong>um</strong>a distribuição<br />

(colocação/deslocação) com critérios locais de racionalização e eficiência,<br />

utilização e melhor aproveitamento <strong>dos</strong> equipamentos, considerando to<strong>das</strong> as<br />

unidades que compõem o tribunal de comarca.<br />

O digitalizador que está na secretaria <strong>dos</strong> juìzos X…, está porque o sr. procurador e eu<br />

nos pusemos de acordo, porque eu não tinha competência para o mandar lá pôr.<br />

Mandei porque havia três em outra secretaria <strong>dos</strong> juízos (Ent.P7).<br />

O trabalho de campo evidenciou ainda que os procedimentos de<br />

manutenção <strong>dos</strong> equipamentos variam de comarca para comarca. Foi, ainda,<br />

apontada a necessidade de uniformização para to<strong>dos</strong> os <strong>tribunais</strong> <strong>das</strong><br />

tipologias de instalações, equipamentos a utilizar e layout <strong>das</strong> unidades<br />

orgânicas.<br />

A aquisição de equipamento informático está definido que é a nível central. A<br />

uniformização a nível nacional é importante. É bom que o equipamento seja todo igual<br />

a nível nacional até porque há transferências de pessoas, e era bom que houvesse<br />

<strong>um</strong>a normalização <strong>dos</strong> instr<strong>um</strong>entos que se utilizam. Agora, a colocação dentro do<br />

tribunal de comarca (…) (Ent. P17).<br />

Uma vez que alg<strong>um</strong>as pessoas da Direcção-Geral têm a responsabilidade na<br />

disposição <strong>dos</strong> equipamentos deveria ter-se atenção a essa parte, uniformizar,<br />

também, o layout <strong>das</strong> secretarias judiciais. (Ent. 19F)<br />

5.5.4 Gestão da informação<br />

Para além da actuação destacada da DGAJ na concepção e execução<br />

<strong>dos</strong> programas informáticos, que estão na base do movimento de<br />

desmaterialização <strong>dos</strong> processos nos <strong>tribunais</strong>, o órgão central que protagoniza<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


a <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> sistemas de informação é o ITIJ.<br />

O organograma 11 ilustra a divisão de competências relativamente à<br />

<strong>gestão</strong> da informação.<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 161


Sistemas de informação<br />

Elementos estatísticos e utilização <strong>das</strong> tecnologias de informação<br />

Assegurar a permanente e completa<br />

adequação <strong>dos</strong> sistemas de<br />

informação às necessidades de<br />

<strong>gestão</strong> e operacionalidade <strong>dos</strong><br />

órgãos, serviços e organismos<br />

integra<strong>dos</strong> na área da justiça, em<br />

articulação com estes<br />

Gerir a rede de comunicações da<br />

justiça, garantindo a sua segurança<br />

e operacionalidade e promovendo a<br />

unificação de méto<strong>dos</strong> e processos<br />

Promover a elaboração e<br />

articulação do plano estratégico <strong>dos</strong><br />

sistemas de informação na área da<br />

justiça, tendo em atenção a<br />

evolução tecnológica e as<br />

necessidades globais de formação<br />

Construir e manter bases de da<strong>dos</strong><br />

de informação na área da justiça<br />

designadamente as de acesso geral<br />

Desenvolvimento e instalação <strong>das</strong><br />

aplicações informáticas relativas a<br />

tramitação processual (H@bilus),<br />

custas judiciais, sistema nacional de<br />

injunções, disponibilização de<br />

peças processuais (Citius), suporte<br />

à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

Organograma 11 – Divisão de competências na <strong>gestão</strong> da informação<br />

ITIJ DGAJ DGPJ CCGDSJ<br />

CSM CSTAF PGR CAJP GRAL Juiz presidente<br />

Desenvolvimento <strong>das</strong> aplicações informáticas necessárias à tramitação<br />

<strong>dos</strong> processos e à <strong>gestão</strong> do sistema jurisdicional, incluindo a necessária<br />

análise, implementação e suporte<br />

Recolha, tratamento e difusão <strong>dos</strong> elementos de informação, nomeadamente de<br />

natureza estatística, relativos aos <strong>tribunais</strong><br />

Assegurar a recolha, utilização, tratamento<br />

e análise da informação estatística da<br />

justiça e promover a difusão <strong>dos</strong><br />

respectivos resulta<strong>dos</strong>, no quadro do<br />

sistema estatístico nacional<br />

Desenvolver, em articulação com a<br />

Direcção de Serviços de Estatísticas da<br />

Justiça e Informática, <strong>um</strong> sistema de<br />

indicadores de actividade e de<br />

desempenho para apoio à definição, ao<br />

acompanhamento e à avaliação<br />

<strong>das</strong> políticas e planos estratégicos da área<br />

da justiça<br />

Desenvolver, em articulação com a<br />

Direcção de Serviços de Estatísticas da<br />

Justiça e Informática, modelos modelos de<br />

previsão e outras metodologias adequa<strong>das</strong><br />

à elaboração<br />

de cenários que permitam a definição de<br />

políticas e planos estratégicos na área da<br />

justiça<br />

Assegurar o exercício coordenado <strong>das</strong><br />

competências <strong>dos</strong> responsáveis pela<br />

<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong><br />

Promover e acompanhar as auditorias de<br />

segurança ao sistema<br />

Definir orientações e recomendações em<br />

matéria de requisitos de segurança do<br />

sistema, tendo designadamente em conta<br />

as prioridades em matéria de<br />

desenvolvimento aplicacional, as<br />

possibilidades de implementação técnica e<br />

os meios financeiros disponíveis<br />

Criar e manter <strong>um</strong> registo actualizado <strong>dos</strong><br />

técnicos que executam as operações<br />

materiais de tratamento e administração<br />

<strong>dos</strong> da<strong>dos</strong><br />

Comunicar imediatamente às entidades<br />

competentes para a instauração do<br />

competente processo penal ou disciplinar,<br />

a violação <strong>das</strong> regras de tratamento de<br />

da<strong>dos</strong> do sistema judicial<br />

Gestão <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> referentes aos<br />

processos nos <strong>tribunais</strong> judiciais, às<br />

medi<strong>das</strong> de coacção privativas da liberdade<br />

e à detenção, à conexão processual no<br />

processo penal relativamente a processos<br />

que se encontrem simultaneamente na<br />

fase de instrução ou julgamento, às ordens<br />

de detenção<br />

Gestão <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> referentes aos<br />

processos nos <strong>tribunais</strong> administrativos e<br />

fiscais<br />

Fonte: OPJ<br />

Gestão <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> referentes aos inquéritos em<br />

processo penal, aos demais processos,<br />

procedimentos e expedientes da competência do<br />

MP, à suspensão provisória do processo penal e<br />

ao arquivamento em caso de dispensa de pena, à<br />

conexão processual no processo penal nos<br />

processos que se encontrem simultaneamente na<br />

fase de inquérito, e às ordens de detenção<br />

quando o mandado não emanar do juiz<br />

Gestão de da<strong>dos</strong> referentes<br />

aos processos nos julga<strong>dos</strong><br />

de paz<br />

Gestão de da<strong>dos</strong><br />

referentes aos processos<br />

nos sistemas públicos de<br />

mediação<br />

Acesso a da<strong>dos</strong> informatiza<strong>dos</strong><br />

do sistema judicial, incluindo<br />

elementos relativos à duração<br />

<strong>dos</strong> processos e à produtividade<br />

Adoptar ou propor às<br />

entidadades competentes<br />

medi<strong>das</strong> de desburocratização,<br />

simplificação de procedimentos e<br />

utilização <strong>das</strong> tecnologias de<br />

informação<br />

Secretário de<br />

justiça<br />

Organizar os mapas estatísticos<br />

sempre que o quadro de pessoal da<br />

secretaria não preveja lugar de<br />

escrivão de direito afecto à secção<br />

central<br />

Escrivão de direito<br />

Secção central<br />

Organizar os mapas estatísticos


Como demonstra o organograma, ao nível local, a intervenção do juiz<br />

presidente está prevista, enquanto prerrogativa de acesso a elementos que<br />

permitam o exercício da sua competência de acompanhamento do<br />

desempenho funcional do tribunal, o que inclui, por exemplo, da<strong>dos</strong> relativos à<br />

duração de processos e à produtividade <strong>das</strong> unidades orgânicas.<br />

Tendo em vista o alcance <strong>das</strong> competências do juiz presidente ao nível<br />

da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos e da <strong>gestão</strong> processual, bem como o papel que<br />

desempenha na avaliação da qualidade <strong>dos</strong> serviços presta<strong>dos</strong>, coloca-se a<br />

questão de saber se não deve ser clarificado esse acesso no sentido de<br />

garantir, não só o efectivo acesso a indicadores que permitam <strong>um</strong>a visão global<br />

da produtividade <strong>dos</strong> diferentes juízos, mas, ainda, a sua ampliação permitindo<br />

que o juiz presidente aceda às informações constantes <strong>dos</strong> processos. Aliás, a<br />

evolução para a densificação do papel do juiz presidente na avaliação <strong>dos</strong><br />

funcionários não poderá fazer-se sem esse alargamento.<br />

Admitindo que a desmaterialização vai continuar, o juiz presidente não pode deixar de<br />

ter acesso a to<strong>dos</strong> os processos. Porque é lá que ele vê o que é que os funcionários<br />

fazem. (Ent. P17)<br />

Dado o papel de coadjuvação <strong>das</strong> competências do juiz presidente<br />

exercido pelo administrador judiciário, indaga-se, ainda, a importância de se<br />

definirem prerrogativas de acesso, por parte desta figura, a elementos<br />

estatísticos que apoiem as tarefas de <strong>gestão</strong> do tribunal que exerce.<br />

Ainda com os mesmos objectivos, <strong>um</strong>a outra lacuna/necessidade<br />

identificada prende-se com a transposição, para o nível local, da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />

utilizadores do sistema de informação no tribunal, permitindo, por exemplo, a<br />

criação/alteração de perfis para os diferentes utilizadores, de forma a garantir<br />

<strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> mais expedita da utilização do sistema, de acordo com as<br />

características e necessidades do tribunal.<br />

Relativamente à definição <strong>dos</strong> acessos, eu acho que têm que ser defini<strong>dos</strong> ao nível da<br />

NUT por <strong>um</strong>a razão muito simples. Se a <strong>gestão</strong> do pessoal é da competência do juiz<br />

presidente, o pessoal que tem competência para fazer os acessos ou para aceder ao<br />

sistema tem que estar na dependência funcional do juiz presidente. Isto, não tem nada<br />

de técnico. Deve ser definida, não sei se o administrador se o secretário, a pessoa que<br />

A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 165


166<br />

deve ter a possibilidade de, logo que a afectação <strong>das</strong> pessoas é feita, de determinar<br />

quem é que acede à informação. Muitas <strong>das</strong> questões que têm sido levanta<strong>das</strong> em<br />

termos de segurança têm muito a ver com isto. Pergunto, se os funcionários que têm,<br />

por competência, fazer os acessos <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> e <strong>dos</strong> funcionários não deveriam<br />

estar na dependência do tribunal, eu diria que ficando na dependência funcional do juiz<br />

presidente estaria tudo resolvido. (Ent. P17)<br />

Se a divisão de competências no que diz respeito à <strong>gestão</strong> da<br />

informação não indicia conflitos de <strong>sobre</strong>posição, evidencia, contudo, a<br />

importância de se promover <strong>um</strong>a melhor definição e integração entre as<br />

necessidades <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, nomeadamente formação e acesso a elementos de<br />

informação úteis para a <strong>gestão</strong> do tribunal, e as decisões estratégicas <strong>dos</strong><br />

órgãos centrais de planeamento <strong>das</strong> actividades formativas e adequação <strong>dos</strong><br />

sistemas.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


DESAFIOS À GESTÃO LOCAL:<br />

ORGANIZAÇÃO INTERNA E MÉTODOS DE<br />

TRABALHO<br />

6


6 DESAFIOS À GESTÃO LOCAL: ORGANIZAÇÃO<br />

INTERNA E MÉTODOS DE TRABALHO<br />

168<br />

O presente ponto resulta, conforme referido anteriormente, de <strong>um</strong>a<br />

estratégia de investigação que permitiu recolher informação de acordo com<br />

<strong>um</strong>a perspectiva analítica bottom up, dando particular ênfase ao impacto <strong>das</strong><br />

alterações introduzi<strong>das</strong> pelo novo modelo de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> nas rotinas e<br />

tarefas <strong>dos</strong> diferentes agentes judiciais, <strong>sobre</strong>tudo, nas secções de processos.<br />

Interessou-nos, em especial, verificar se, e de que modo, as virtualidades do<br />

novo modelo de <strong>gestão</strong> a nível local se traduziram em mudanças significativas<br />

nas rotinas e méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> nos <strong>tribunais</strong>.<br />

A nossa hipótese de trabalho é a seguinte: é expectável que a previsão<br />

de <strong>um</strong>a estrutura de <strong>gestão</strong> própria do tribunal de comarca com competências<br />

específicas no que diz respeito à <strong>gestão</strong> processual e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho<br />

se concretize em mudanças internas nas rotinas consolida<strong>das</strong> e no<br />

desempenho funcional <strong>das</strong> tarefas pelas unidades orgânicas do tribunal.<br />

Interessa-nos, assim, analisar a <strong>um</strong> nível micro (secção de processos) de que<br />

modo a reforma trouxe novas dinâmicas internas de desempenho funcional e<br />

quais as potencialidades e os desafios que se colocam à <strong>gestão</strong> local no que<br />

se refere à organização e aos méto<strong>dos</strong> de trabalho.<br />

Como já referimos, o reduzido tempo de vigência do período<br />

experimental da nova lei de organização e funcionamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> não<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


permite, para já, que se avance na análise de impactos na produtividade <strong>das</strong><br />

secções e no tempo <strong>dos</strong> processos.<br />

6.1 O impacto do modelo de <strong>gestão</strong> da nova LOFTJ nas<br />

rotinas e méto<strong>dos</strong> de trabalho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

A nova lei atribui importantes competências de <strong>gestão</strong> processual e de<br />

acompanhamento do desempenho funcional ao juiz presidente. Trata-se de<br />

competências concentra<strong>das</strong> ao nível local, anteriormente dispersas entre o<br />

magistrado titular do processo, o escrivão de direito e o secretário de justiça.<br />

Com a nova lei ass<strong>um</strong>em, ainda, competências nesta matéria o magistrado<br />

coordenador. O seu bom exercício depende de <strong>um</strong>a articulação eficiente entre<br />

o juiz presidente, o magistrado coordenador, o secretário de justiça, o escrivão<br />

de direito e magistrado titular do processo.<br />

O organograma 12 mostra a dinâmica de competências, considerando<br />

as várias figuras locais de <strong>gestão</strong>.<br />

Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 169


Fixação de objectivo, coordenação e supervisão<br />

Organograma 12 – Divisão de competências na implementação <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho<br />

Magistrado Secretário de<br />

Juiz presidente Escrivão de direito<br />

coordenador<br />

justiça<br />

Acompanhar a realização <strong>dos</strong><br />

objectivos fixa<strong>dos</strong> para os serviços<br />

do tribunal por parte <strong>dos</strong><br />

funcionários<br />

Promover a realização de reuniões<br />

de planeamento e de avaliação <strong>dos</strong><br />

resulta<strong>dos</strong> do tribunal, com a<br />

participação <strong>dos</strong> juízes e<br />

funcionários<br />

Adoptar ou propor às entidades<br />

competentes medi<strong>das</strong>,<br />

nomeadamente, de<br />

desburocratização, simplificação de<br />

procedimentos, utilização <strong>das</strong><br />

tecnologias de informação e<br />

transparência do sistema de justiça<br />

Implementar méto<strong>dos</strong> de trabalho e<br />

objectivos mensuráveis para cada<br />

unidade orgânica, sem prejuízo <strong>das</strong><br />

competências e atribuições nessa<br />

matéria por parte do Conselho<br />

Superior da Magistratura,<br />

designadamente na fixação <strong>dos</strong><br />

indicadores do vol<strong>um</strong>e processual<br />

adequado<br />

Promover a aplicação de medi<strong>das</strong><br />

de simplificação e agilização<br />

processuais<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />

presidente<br />

Desempenhar as funções de<br />

escrivão de direito sempre que o<br />

quadro de pessoal da secretaria não<br />

preveja o lugar<br />

Fonte: OPJ<br />

Orientar, coordenar, supervisionar e<br />

executar as actividades<br />

desenvolvi<strong>das</strong> na secção<br />

Juiz<br />

Titular da actividade jurisdicional<br />

do processo


Concentramo-nos aqui nos possíveis impactos do novo enquadramento<br />

legal, nos méto<strong>dos</strong> de trabalho <strong>das</strong> secções de processo, compreendi<strong>dos</strong><br />

enquanto competências de <strong>gestão</strong> processual. A <strong>gestão</strong> processual é, assim,<br />

entendida em sentido amplo, isto é, incluindo to<strong>das</strong> as rotinas e méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho desenvolvi<strong>dos</strong> tendo em vista a tramitação do processo.<br />

Por <strong>um</strong> lado, o legislador fez <strong>um</strong>a opção acertada em concentrar as<br />

atribuições de <strong>gestão</strong> processual e de méto<strong>dos</strong> de trabalho a nível do tribunal<br />

de comarca na articulação entre o juiz presidente/magistra<strong>dos</strong> coordenadores e<br />

juízes titulares, em coordenação com as secções. Por outro lado, deve<br />

considerar-se que a concretização de objectivos de eficiência e racionalização<br />

<strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho na <strong>gestão</strong> processual talvez seja <strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais difíceis<br />

desafios a enfrentar.<br />

Uma parte significativa da <strong>gestão</strong> da tramitação processual está<br />

dependente da organização <strong>das</strong> leis processuais. Neste sentido, enquanto no<br />

caso de alguns processos (como, por exemplo, os processos de insolvência)<br />

estão previstos <strong>um</strong> encadeamento de actos e prazos que podem facilitar a<br />

previsão do seu fim e, consequentemente, a sua <strong>gestão</strong>, em muitas outras<br />

situações, as leis processuais dificultam essa possibilidade e <strong>um</strong>a diversidade<br />

de circunstâncias podem desencadear diferentes prazos e dificultar <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong><br />

processual uniforme <strong>dos</strong> processos adstritos a <strong>um</strong>a secção 91 .<br />

Dada a imprevisibilidade do curso da tramitação processual em cada<br />

caso, alguns autores têm defendido a necessidade de adopção de <strong>um</strong>a visão<br />

gestionária do processo, o que implica menos o recurso a mudanças nas leis<br />

processuais e mais a utilização de <strong>um</strong>a adequada monitorização do<br />

desempenho funcional <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e intervenientes do processo (Fix-Fierro,<br />

2003 e OPJ, 2008). Neste, contexto o papel do juiz sofre <strong>um</strong>a significativa<br />

alteração passando de <strong>um</strong> terceiro imparcial e distante a <strong>um</strong> interveniente<br />

activo na resolução do litígio. São medi<strong>das</strong> que podem integrar a <strong>gestão</strong> do<br />

91 Cf., em anexo, Ent. S6.<br />

Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 173


caso concreto: selecção adequada da calendarização e do sistema de<br />

marcação de diligências, adopção de medi<strong>das</strong> que encorajem a resolução do<br />

litígio por acordo, introdução de recursos informáticos adequa<strong>dos</strong>, recurso a<br />

funcionários com formação especializada para o tratamento de certas<br />

questões, utilização de mecanismos processuais como audiências preliminares<br />

e formas s<strong>um</strong>árias do processo 92 .<br />

174<br />

As competências de <strong>gestão</strong> processual previstas na lei encerram <strong>um</strong>a<br />

grande potencialidade, permitindo às figuras de <strong>gestão</strong> ao nível local, por <strong>um</strong><br />

lado, questionar a adequação e a pertinência da organização da secção e <strong>dos</strong><br />

méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> e, por outro, propor alternativas de<br />

reorganização e fixar objectivos e metas a c<strong>um</strong>prir. Como se viu no ponto 4<br />

este foi <strong>um</strong> caminho que em Espanha começou a ser percorrido, sem certezas<br />

quanto à sua eficácia futura, mas com a certeza de que o desajustamento do<br />

modelo em vigor obrigava ao processo de mudança.<br />

O carácter experimental da reforma pode potenciar as competências de<br />

<strong>gestão</strong> processual, permitindo propor e testar alternativas à adequação da<br />

organização da secção e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho. A previsão da intervenção<br />

do juiz presidente do tribunal de comarca garante <strong>um</strong>a visão global crítica e<br />

permite ensaiar novas formas de articulação e agregação entre as diferentes<br />

unidades orgânicas. Esta entidade coordenadora garante, ainda, a<br />

possibilidade de realização de reuniões de planeamento e de avaliação da<br />

actividade envolvendo <strong>um</strong> número alargado <strong>dos</strong> agentes judiciais, o que<br />

potencia a criação de <strong>um</strong>a cultura organizacional de mudança.<br />

Naturalmente que a experimentação de novos méto<strong>dos</strong> de trabalho e<br />

novas formas de organização, dinamiza<strong>das</strong> pelo juiz presidente, está sujeita<br />

aos limites fixa<strong>dos</strong> por lei. Por exemplo, no actual enquadramento normativo,<br />

as propostas de alteração do juiz presidente, neste âmbito, têm que atender à<br />

estrutura organizacional já prevista, com limita<strong>das</strong> possibilidades de<br />

92 Sobre este tema, cf. OPJ (2002, 2008).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


alteração 93 . O actual quadro jurídico não permite, por exemplo, a criação de<br />

novas secções de processo, excepto secções especializa<strong>das</strong>, ou a fusão de<br />

secções de processo do mesmo juízo. No que se refere às secções<br />

especializa<strong>das</strong>, como ficou dito, mantêm-se dúvi<strong>das</strong> interpretativas <strong>sobre</strong> a<br />

possibilidade de criação de secções especializa<strong>das</strong> para tramitar matéria<br />

com<strong>um</strong> de diferentes juízos 94 .<br />

A organização <strong>das</strong> secções parece-me muito rígida. Havia coisas que gostaríamos de<br />

fazer e que não conseguimos. Por exemplo, ao nível da especialização. (…) Em termos<br />

legais tenho x secções de processo. Não posso sair dali. Tenho de organizar x<br />

secções, em vez de organizar <strong>um</strong> juízo.<br />

Eu tenho <strong>um</strong>a grande dúvida <strong>sobre</strong> se se pode criar <strong>um</strong>a secção especializada de<br />

várias secções diversas ou só se pode criar <strong>um</strong>a secção especializada dentro de <strong>um</strong>a<br />

outra secção. (Ent. P7)<br />

Dada a heterogeneidade social, administrativa e territorial <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong>,<br />

que determina, desde logo, <strong>um</strong> vol<strong>um</strong>e e natureza diferenciada da procura<br />

judicial, as directrizes estratégicas da organização interna, a optimização <strong>dos</strong><br />

méto<strong>dos</strong> de trabalho e a racionalização <strong>das</strong> tarefas não devem corresponder a<br />

<strong>um</strong>a resposta única que possa ser uniformemente aplicada a to<strong>das</strong> as secções.<br />

O que deve é existir reflexão e experimentação suficientemente consolidada<br />

93 A Portaria n.º 170/2009 estabelece as unidades orgânicas e quadro de pessoal <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong><br />

piloto, cf. organogramas 4, 5 e 6. O Decreto-Lei n.º 28/2009, de 28 de Janeiro, prevê a orgânica<br />

possível <strong>das</strong> secretarias <strong>dos</strong> juízos <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> de comarca: a) serviços judiciais, compostos,<br />

consoante a natureza e vol<strong>um</strong>e do serviço, por <strong>um</strong>a secção central e <strong>um</strong>a ou mais secções de<br />

processos ou por <strong>um</strong>a única secção central e de processos; b) serviços do Ministério Público,<br />

compostos, consoante a natureza e vol<strong>um</strong>e do serviço por <strong>um</strong>a secção central e secções de<br />

processos, por <strong>um</strong>a única secção central e de processos ou por unidades de apoio; c) secções<br />

destina<strong>das</strong> a assegurar a tramitação do processo com<strong>um</strong> de execução; d) <strong>um</strong>a secção de<br />

expediente geral; e) <strong>um</strong>a secção de informações e arquivo; f) <strong>um</strong>a secção de serviço externo.<br />

Onde a natureza e vol<strong>um</strong>e do serviço o justifiquem, podem ser cria<strong>das</strong>: a) secretarias-gerais ou<br />

secções centrais comuns, destina<strong>das</strong> à centralização administrativa, abrangendo <strong>um</strong> ou mais<br />

juízos ou <strong>um</strong> ou mais serviços do Ministério Público; b) secretarias de serviço externo. Ainda<br />

estão previstas a criação de equipas de recuperação de pendência (Decreto-Lei n.º 25/2009,<br />

artigo 53.º)<br />

94 É de se referir que o artigo 23.º, 2 do Decreto-Lei n.º 28/2009, admite ainda a criação de<br />

secretarias-gerais ou secções centrais comuns (destina<strong>das</strong> à centralização administrativa),<br />

secretarias de serviço externo, onde a natureza e o vol<strong>um</strong>e do serviço justifiquem.<br />

Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 175


que permita definir regras e princípios orientadores sóli<strong>dos</strong>. A adopção de<br />

novos méto<strong>dos</strong> de trabalho deve, asssim, ser feita de acordo com <strong>um</strong> modelo<br />

flexível que tenha em conta variáveis e condicionantes contextuais, como, por<br />

exemplo, a procura judiciária, a dimensão, a centralização ou descentralização<br />

<strong>dos</strong> juízos do tribunal, etc.<br />

176<br />

Eu acho que o modelo tem que ser construído de <strong>um</strong>a forma flexível. Não tem que<br />

haver <strong>um</strong>a única solução, mas tem que haver várias soluções<br />

Onde haja grande concentração de juízes, magistra<strong>dos</strong> e funcionários, as estruturas de<br />

apoio a secretarias provavelmente podem funcionar de outra maneira do que em<br />

unidades mais pequenas, desconcentra<strong>das</strong>.<br />

É possível colocar as estruturas de apoio de outra maneira e fazer como nos <strong>tribunais</strong><br />

administrativos. Os processos entram to<strong>dos</strong> para a secção e são distribuí<strong>dos</strong> por juiz 1,<br />

juiz 2, juiz 3, respondendo to<strong>dos</strong> os funcionários perante to<strong>dos</strong> os juízes, apenas<br />

perante <strong>um</strong> processo, aquele processo concreto. Um funcionário trabalha com vários<br />

juízes. To<strong>dos</strong> nós nos lembramos quando havia juízes auxiliares no mesmo juízo e os<br />

funcionários trabalhavam com vários juízes, mas o modelo foi construído para <strong>um</strong>a<br />

secção trabalhar apenas com <strong>um</strong> juiz. (Ent. P8)<br />

6.2 Instr<strong>um</strong>entos de <strong>gestão</strong><br />

Se a nova lei de organização judiciária trouxe vantagens relativamente à<br />

proposição de alternativas de <strong>gestão</strong> e definição de novos méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho, a falta de indicadores empíricos que permitam avaliar o trabalho <strong>dos</strong><br />

funcionários, conhecer os processos de distribuição e execução de tarefas de<br />

forma a aferir a adequação <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho e os seus efeitos em<br />

termos de racionalização e produtividade globalmente considerada e a falta de<br />

reflexão e de princípios orientadores nesta matéria torna o seu alcance prático<br />

muito limitado e as <strong>experiência</strong>s ad hoc com efeito sistémico muito reduzido.<br />

Acresce que o seu sucesso e consolidação, enquanto soluções de<br />

eficiência e qualidade na prestação <strong>dos</strong> serviços de justiça, são condiciona<strong>dos</strong><br />

pela falta de preparação para as mudanças e pela falta de formação adequada<br />

(por exemplo, a não capacitação <strong>das</strong> novas figuras directivas em matérias<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


elativas à <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> organizações, bem como a inadequação entre as<br />

propostas de inovação e a estrutura tradicional de funcionamento do sistema<br />

(rotinas de trabalho consolida<strong>das</strong>, formas de organização <strong>das</strong> secções, etc.) 95 .<br />

Muito embora a lei preveja a disponibilização de da<strong>dos</strong> informatiza<strong>dos</strong><br />

do sistema judicial para o acompanhamento da actividade do tribunal, por parte<br />

do juiz presidente, ela não é suficiente no que respeita aos indicadores de<br />

<strong>gestão</strong> no sentido de possibilitar <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> eficaz.<br />

Ter instr<strong>um</strong>entos do ponto de vista da informática, ter critérios objectivos e genéricos<br />

relativamente à adequação processual, à adequação <strong>dos</strong> funcionários, considerando os<br />

actos a praticar, tudo isso era preciso, para se poder gerir isto minimamente.<br />

Não há <strong>um</strong>a solução para que os presidentes <strong>das</strong> NUT desempenhem cabalmente as<br />

funções que estão na lei. Como é que eles podem controlar o andamento informático<br />

<strong>dos</strong> processos? Como é que o presidente da NUT pode detectar processos que<br />

estejam para<strong>dos</strong>? Não têm esse programa informático.<br />

Eu penso que a própria aplicação informática, por exemplo, não nos permite saber<br />

quais são os processos que estão atrasa<strong>dos</strong>. Não há essa informação. O Habilus não<br />

dá os processos pendentes há mais de oito meses. (Ent. P6)<br />

Eu diria que nós estamos a fazer tudo de forma arcaica mas, de facto, isto traduz-se já<br />

nalg<strong>um</strong>a alteração. Fizemos o levantamento do estado de cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> Secções,<br />

pediu-se a cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> escrivães para ver exaustivamente cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> processos,<br />

fazer <strong>um</strong> relatório e, com base na situação em que cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> secções se<br />

encontrava, em reuniões de avaliação, o juiz presidente, juízes e secções, definiu-se o<br />

que era prioritário em termos de recuperação do que lá estava. Digo que isto é feito de<br />

forma arcaica porque o programa informático que nós temos não faz nenh<strong>um</strong>a <strong>gestão</strong><br />

da informação, e hoje é fundamental também que o faça porque, senão, corremos o<br />

risco de andar sempre a recolher informação do escrivão que a pode dar boa ou má, e<br />

tudo aquilo que está a fazer em termos da definição <strong>dos</strong> objectivos pode ser errado se<br />

a informação não estiver correcta. (Ent. P11)<br />

De acordo com o que se observou na pesquisa de terreno, as novas<br />

figuras de coordenação têm desempenhado as suas funções basea<strong>das</strong> em<br />

95 A este propósito, o único estudo referido com indicadores <strong>sobre</strong> a produtividade de <strong>um</strong>a<br />

secção e o número de funcionários necessário é a tabela de pontuação processual do COJ.<br />

Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 177


critérios casuísticos e na <strong>experiência</strong> pessoal, orientam-se de acordo com o<br />

que definem como sendo o seu bom senso e o <strong>dos</strong> funcionários.<br />

178<br />

Eu tenho x funcionários para colocar em y secções, não há nada objectivo que me<br />

diga, olhe naquele sítio tem que pôr dois adjuntos e <strong>um</strong> auxiliar e naquele outro é<br />

preciso pôr menos adjuntos e mais auxiliares. Como é que isto é feito? Absolutamente<br />

empiricamente, pelo facto de eu como juiz ter <strong>um</strong>a noção de qual é o trabalho de <strong>um</strong>a<br />

secção criminal, de <strong>um</strong>a secção cível ou de trabalho ou de comércio. Aconselhei-me<br />

com os funcionários e com os secretários e estabelecemos <strong>um</strong> quadro empírico. Sendo<br />

certo que no caso também beneficio de conhecer muito bem os funcionários da<br />

comarca, porque estou cá há muito tempo, mas esta metodologia não é objectiva.<br />

Deveria haver maneira de aferir objectivamente quais são os actos processuais a<br />

praticar n<strong>um</strong>a determinada secção e o que é que isso implica em termos <strong>dos</strong><br />

funcionários que lá devem ser coloca<strong>dos</strong>. Eu penso que é <strong>um</strong> estudo que seria<br />

fundamental fazer. (Ent. 3J)<br />

6.3 Rupturas e continuidades nas rotinas de<br />

funcionamento do sistema<br />

A investigação que temos vindo a desenvolver nesta área, não só no<br />

âmbito do presente trabalho, mas também em trabalhos anteriores 96 , permite<br />

afirmar que a organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> têm-se caracterizado por <strong>um</strong>a<br />

grande heterogeneidade na definição <strong>das</strong> rotinas e méto<strong>dos</strong> de trabalho, na<br />

<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> espaços, <strong>das</strong> infra-estruturas e <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos.<br />

No que se refere à organização interna, a principal característica, que<br />

consideramos condicionante, centra-se na atomização do modelo que implica,<br />

muitas vezes, a multiplicação de secções dentro do mesmo juízo, repercutindo-<br />

se em duplicação de tarefas e n<strong>um</strong>a organização interna do desempenho<br />

funcional pouco racionalizada e eficiente. Por exemplo, o atendimento ao<br />

público, o serviço externo <strong>das</strong> secções ou de tarefas mais especializa<strong>das</strong> ou<br />

que digam respeito a tipo de litígios mais complexos, n<strong>um</strong>a melhor organização<br />

e mais eficiente <strong>dos</strong> serviços, pode implicar a concentração em determina<strong>das</strong><br />

pessoas e não a sua dispersão repetitiva pelos diferentes agentes. Como<br />

temos vindo a demonstrar, as inovações da reforma tiveram <strong>um</strong> reduzido<br />

96 Cf. OPJ (2002, 2006 e 2008).<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


impacto na alteração deste estado de coisas.<br />

A análise da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> espaços e <strong>das</strong> infra-estruturas realça a<br />

existência de diferentes concepções, quer arquitectónicas, quer da forma de<br />

aproveitamento do espaço físico (OPJ, 2008). Relativamente à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />

espaços físicos, salienta-se a precariedade e a inadequação de alg<strong>um</strong>as<br />

instalações (por exemplo, o caso do Tribunal de Família e Menores de Aveiro),<br />

o que dificulta o exercício <strong>das</strong> tarefas por parte <strong>dos</strong> agentes judiciais e salienta<br />

o desrespeito no tratamento <strong>dos</strong> cidadãos pelo sistema de justiça. Merece<br />

especial referência este ponto, pois que, a adesão à reforma por parte <strong>dos</strong><br />

seus destinatários principais, legitimando-a, exige por parte destes a percepção<br />

da mudança qualitativa, quer na relação entre os <strong>tribunais</strong> e os cidadãos, quer<br />

na eficiência e eficácia de tratamento <strong>dos</strong> processos.<br />

A matéria de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> espaços físicos 97 emergiu igualmente do nosso<br />

trabalho, destacando-se a falta de coordenação de agendamentos de actos<br />

jurisdicionais (<strong>gestão</strong> da agenda <strong>dos</strong> juízes) que impliquem a audição de<br />

intervenientes processuais, em especial a marcação <strong>das</strong> audiências de<br />

julgamento e a melhor utilização <strong>das</strong> respectivas salas, sendo assinalado,<br />

recorrentemente, como <strong>um</strong> bloqueio com considerável impacto na rotina de<br />

trabalho de juízos e funcionários, e na garantia de <strong>um</strong> atendimento eficiente ao<br />

público.<br />

O que eu acho, e é <strong>um</strong> mal que já vem de há muito tempo, é que devia haver <strong>um</strong>a<br />

coordenação, que teria que passar pela coordenação <strong>das</strong> agen<strong>das</strong> entre os<br />

magistra<strong>dos</strong> judiciais e as secretarias, o que raramente acontece. Isto é, os<br />

magistra<strong>dos</strong> têm a sua agenda. O Conselho Superior da Magistratura deveria orientar<br />

os magistra<strong>dos</strong> no sentido dessa coordenação. N<strong>um</strong>a secretaria como a nossa, que<br />

tem dois magistra<strong>dos</strong>, trabalha como se houvesse duas secções. O que faz com que,<br />

pelo menos dois funcionários, os auxiliares, estejam quase permanentemente em<br />

diligências e há determina<strong>das</strong> tarefas, há serviço a ac<strong>um</strong>ular-se. (Ent. 19F)<br />

97 A este propósito, refira-se o exemplo citado n<strong>um</strong> relatório intercalar de <strong>um</strong>a comarca piloto<br />

que optamos por não identificar aqui: “O Juìzo do Trabalho de (…) está instalado n<strong>um</strong> andar de<br />

<strong>um</strong> prédio (…) absolutamente incapaz de preencher os requisitos mìnimos de condições de<br />

trabalho, quer para os magistra<strong>dos</strong>, quer para os funcionários e utentes (…)”.<br />

Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 179


180<br />

Relativamente à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> equipamentos, salienta-se o problema,<br />

acima já referido, no que se refere à unidade de referência a que estão afectos,<br />

o que dificulta <strong>um</strong>a distribuição mais racional e adequada às necessidades<br />

pelas diferentes unidades do tribunal de comarca. Esta circunstância agrava-se<br />

com faltas, inadequação e falhas, designadamente de fotocopiadoras, faxes,<br />

digitalizadores, e sistema de vídeo-conferência, recorrentemente destaca<strong>das</strong><br />

pelos agentes judiciais, com consequências muito negativas no desempenho<br />

de tarefas quotidianas. Estas deficiências são, ainda, aponta<strong>das</strong> como<br />

bloqueios com impacto considerável no processo de informatização e na<br />

adaptação <strong>dos</strong> funcionários ao processo de automatização do trabalho.<br />

O processo de informatização é, ainda, associado a alg<strong>um</strong>a<br />

irracionalidade decorrente da falta de comunicação entre os sistemas<br />

informáticos. A adopção parcial, sem perspectiva sistémica e integrada, da<br />

informatização trouxe, nalguns casos, dificuldades onde deveria ter significado<br />

simplificação. A principal crítica centra-se, por <strong>um</strong> lado, no facto da introdução<br />

de programas informáticos, levada a cabo em diferentes vagas, com o objectivo<br />

de acelerar os actos processuais, vir em diferentes momentos atender a<br />

necessidades distintas e nem sempre atender à necessária interligação entre<br />

si. Por outro, a não integração da comunicação electrónica entre as diferentes<br />

entidades do sistema de justiça é apontada como exemplo de irracionalidade<br />

na utilização <strong>das</strong> novas tecnologias.<br />

(…) há determina<strong>das</strong> tarefas que, não são notificações, são ofícios que remetemos ao<br />

órgãos de policia criminal para tentarmos localizar <strong>um</strong>a determinada pessoa, ou <strong>um</strong>a<br />

pessoa que seja o legal representante de <strong>um</strong>a pessoa colectiva, para tentarmos saber<br />

da situação económica, bens susceptíveis de penhora para poder o Ministério Público<br />

ressarcir de custas que não foram pagas. Tem que se fazer <strong>um</strong> ofício em suporte de<br />

papel, é ridículo, <strong>um</strong>a vez que estamos dentro de organismos que pertencem ao<br />

Estado, devia haver <strong>um</strong> meio electrónico de comunicação. Porque razão não há <strong>um</strong>a<br />

ligação do sistema ao e-mail geral do tribunal, ao e-mail da secretaria, e utilizarmos<br />

esse meio para, em vez de enviarmos <strong>um</strong> ofício à PSP de Aveiro, enviarmos <strong>um</strong> e-mail<br />

com o juízo identificado, com o número do processo e o que era solicitado. Seria<br />

menos <strong>um</strong> papel que enviávamos com o meio electrónico de oficiar às secretarias <strong>dos</strong><br />

órgãos de polícia criminal, às conservatórias, a qualquer entidade estatal. (Ent. 19F)<br />

A adopção <strong>das</strong> inovações tecnológicas é discutida de acordo com cinco<br />

principais vertentes de mudança: (1) a necessária adaptação <strong>dos</strong> espaços<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


físicos; (2) a capacidade <strong>dos</strong> recursos materiais para suportarem as exigências<br />

da desmaterialização; (3) a eventual adaptação do quadro funcional à nova<br />

realidade; (4) a formação e acompanhamento necessários para potenciar as<br />

inovações e enfrentar possíveis resistências; e (5) a reconversão e<br />

requalificação <strong>dos</strong> funcionários, no sentido de adquirirem competências<br />

necessárias à utilização <strong>das</strong> novas ferramentas.<br />

O carácter inacabado do processo de informatização e os obstáculos à<br />

garantia da integralidade do processo electrónico, em especial pelas<br />

dificuldades de digitalização <strong>dos</strong> requerimentos e petições ingressa<strong>das</strong> em<br />

suporte de papel, são igualmente indica<strong>dos</strong> como factores de irracionalização e<br />

duplicação do trabalho. A não ser que a opção do juiz seja mandar imprimir<br />

tudo o que diz respeito ao processo (o que é frequente) nenh<strong>um</strong> processo <strong>dos</strong><br />

dois suportes tem a informação na sua totalidade, o que obriga à consulta <strong>dos</strong><br />

dois sempre que se quer alg<strong>um</strong>a informação.<br />

Há ainda <strong>um</strong> problema que decorre de nós estarmos a trabalhar em dois registos: <strong>um</strong><br />

registo antigo em papel, e <strong>um</strong> registo novo que é electrónico. (Ent. 18F)<br />

A <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos e a definição <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho<br />

está sustentada n<strong>um</strong>a grande diversidade de procedimentos entre os diferentes<br />

juízos e entre as secções de <strong>um</strong> mesmo juízo 98 . Uma vez que os conteú<strong>dos</strong><br />

funcionais de cada categoria profissional estão fixa<strong>dos</strong> por lei, as diferenças<br />

regista<strong>das</strong> nos méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> relacionam-se com as<br />

disparidades na composição do quadro funcional e com as decisões de<br />

distribuição de tarefas ass<strong>um</strong>i<strong>das</strong> pelas chefias (escrivães de direito), tendo em<br />

vista o que consideram o melhor aproveitamento <strong>dos</strong> recursos e, ainda,<br />

nalguns casos, com as indicações transmiti<strong>das</strong> pelo juiz titular da secção.<br />

A distribuição de tarefas nas secções observa, em regra, as disposições<br />

do Estatuto <strong>dos</strong> Oficiais de Justiça. O organograma 13 ilustra a dinâmica de<br />

98 Cf. OPJ (2002 e 2008)<br />

Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 181


articulação entre as unidades orgânicas do tribunal e os conteú<strong>dos</strong> funcionais<br />

defini<strong>dos</strong> para as diferentes categorias de pessoal oficial de justiça.<br />

182<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Organograma 13 – Dinâmica de distribuição <strong>dos</strong> conteú<strong>dos</strong> funcionais no tribunal (serviços judiciais)<br />

Fonte: OPJ


As mudanças no âmbito da <strong>gestão</strong> trazi<strong>das</strong> pela nova lei da organização<br />

judiciária não tiveram <strong>um</strong> impacto directo na organização interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />

Muito embora tenham sido identifica<strong>dos</strong> processos experimentais de introdução<br />

de mudanças a nível da distribuição de tarefas e de processos, essas<br />

<strong>experiência</strong>s são, como já referimos, pontuais e casuísticas. De facto, os<br />

resulta<strong>dos</strong> comparativos da observação levada a cabo no âmbito deste estudo<br />

e de trabalhos anteriores, antes da entrada em vigor da reforma, resulta que as<br />

rotinas e méto<strong>dos</strong> de trabalho <strong>das</strong> secções permanecem inaltera<strong>dos</strong>.<br />

Ao nível organizacional, <strong>um</strong> <strong>dos</strong> problemas fundamentais consiste na<br />

manutenção da lógica interna de distribuição tarefas e de articulação entre as<br />

secções, mantendo-se a divisão entre secção central, secção de processos e<br />

secção de serviço externo, bem como o papel decisivo do escrivão na definição<br />

<strong>das</strong> tarefas a serem realiza<strong>das</strong> pelos escrivães adjuntos e auxiliares. As<br />

principais consequências desse modelo são, por <strong>um</strong> lado, a duplicação de<br />

trabalho. Veja-se, por exemplo, que os fluxos de atendimento de advoga<strong>dos</strong> e<br />

cidadãos dirigem-se, tanto à secção de processo, como à secção central. Por<br />

outro lado, como a decisão de organização do trabalho cabe, em última<br />

instância, ao critério pessoal <strong>dos</strong> escrivães de direito, sem que assente em<br />

orientações e princípios gerais previamente defini<strong>dos</strong>, é com<strong>um</strong> verificar-se<br />

grande heterogeneidade de procedimentos e falta de racionalização no<br />

trabalho realizado.<br />

Não sei se as secções de processos têm que estar to<strong>das</strong> a atender o público. Se não<br />

podem estar organiza<strong>das</strong> de <strong>um</strong>a outra maneira de especialização por funções, em vez<br />

de estarem organiza<strong>das</strong> daquela maneira em que toda a gente faz tudo. Em muitos<br />

casos em que temos tentado intervir, em conjunto com os juízes da comarca, para<br />

alterar os méto<strong>dos</strong> de trabalho tem sido muito complicado, porque há o escrivão, o<br />

adjunto A tem os pares e o adjunto B tem os ímpares. O B tem <strong>um</strong>a constipação, os<br />

ímpares ficam atrasa<strong>dos</strong>. Tudo isto são funcionamentos que têm de ser altera<strong>dos</strong>.<br />

Talvez a própria estrutura e a própria maneira de pensar nas secções tem que ser<br />

diferente.<br />

Por exemplo, x secções de <strong>um</strong> juízo de família. Essas secções estão por exemplo a<br />

atender público, que é <strong>um</strong> peso significativo no trabalho que têm, será que não podia<br />

haver <strong>um</strong>a guarda avançada que estava a atender público e deixar o resto todo<br />

sossegado. Será que não deviam estar atribuí<strong>dos</strong> os processos de promoções e<br />

protecção a <strong>um</strong> determinado grupo de funcionários, os tutelares educativos, os cíveis<br />

Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 185


186<br />

de família a outro grupo de funcionários, em vez de estarem to<strong>das</strong> as quatro secções a<br />

trabalhar com to<strong>das</strong> as formas processuais. Tudo isto devia ser repensado. (Ent. P7)<br />

O organograma 14 ilustra as possibilidades de distribuição de tarefas<br />

n<strong>um</strong>a secção de processos.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


ESCRIVÃO DE DIREITO<br />

ESCRIVÃO ADJUNTO<br />

ESCRIVÃO AUXILIAR<br />

Distribuído pelo escrivão<br />

de direito<br />

Tramitação processual: abertura de<br />

processos, ofícios, notificação<br />

judicial avulsa, notificações, etc.<br />

Apoio aos processos<br />

distribuí<strong>dos</strong> ao excrivão<br />

adjunto<br />

Distribuição aleatória<br />

por nº de processo<br />

Alternância por juiz<br />

Organograma 14 – Distribuição de tarefas na secção de processos<br />

Abertura de processos,<br />

citações, junção de<br />

papéis aos processos,<br />

notificações, conlusões<br />

ao juiz, ofícios, etc.<br />

Método de trabalho<br />

Processos urgentes Processos não urgentes<br />

Escolha aleatória<br />

Apoio aos magistra<strong>dos</strong>:<br />

actas de audiência, apoio<br />

à sala, notificações, etc.<br />

Alternância por número<br />

de processo<br />

Alternância por semana<br />

Distribuição por tipo de<br />

acção<br />

Tramitação em série<br />

de actos<br />

semelhantes<br />

Orientação, coordenação<br />

e supervisão <strong>das</strong><br />

actividades desenvolvi<strong>das</strong><br />

na secção<br />

Distribuição de tarefas<br />

(petições iniciais e papéis<br />

avulsos entra<strong>dos</strong> na<br />

secção)<br />

Levar e trazer processos<br />

do gabinete do juiz<br />

Procura <strong>dos</strong> processos<br />

correspondentes aos<br />

papéis avulsos entra<strong>dos</strong><br />

Tramitação processual<br />

correspondente<br />

Fonte: OPJ<br />

Alternância entre<br />

escrivães adjuntos e<br />

auxiliares<br />

Atendimento ao público<br />

Encaminhamento da<br />

correspondência à secção<br />

central<br />

Por proximidade face ao<br />

balcão<br />

Alternância entre<br />

escrivães adjuntos e<br />

auxiliares<br />

Atendimento ao público<br />

Por proximidade face ao<br />

balcão<br />

Por processo<br />

distribuído ao auxiliar<br />

Serviço externo<br />

Alternância entre os<br />

auxiliares


Relativamente aos méto<strong>dos</strong> de trabalho, os escrivães de direito, além<br />

<strong>das</strong> funções de direcção da secção, podem ass<strong>um</strong>ir responsabilidades pela<br />

execução de actividades mais complexas, nomeadamente, mapas de partilha e<br />

elaboração <strong>das</strong> contas judiciais <strong>dos</strong> processos. Na distribuição de processos<br />

entre os escrivães adjuntos, o escrivão de direito pode adoptar, tanto por <strong>um</strong><br />

critério aleatório, baseado, por exemplo, no número final do processo (mais<br />

frequente), como <strong>um</strong> critério de especialização, por exemplo, por tipo de acção.<br />

Nos méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> pelos escrivães adjuntos, verifica-se<br />

igualmente diversidade no desempenho <strong>das</strong> funções. Esta diversidade pode<br />

ser orientada de acordo com o que é exigido na secção pelo escrivão de direito<br />

e/ou de acordo com o funcionamento do gabinete do juiz.<br />

Assim, por exemplo, no trabalho <strong>dos</strong> adjuntos, a decisão de c<strong>um</strong>prir ou<br />

não primeiramente os despachos pode estar relacionada com a rotina de<br />

trabalho do juiz. Nos casos em que o juiz já tem muitos processos conclusos ou<br />

<strong>um</strong>a agenda definida para receber as conclusões, o adjunto pode organizar o<br />

seu trabalho intercalando os papéis que vão para conclusão com as outras<br />

tarefas que tem na secção. A capacidade de resposta do juiz pode, pois,<br />

ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong> papel determinante em termos de motivação e produtividade <strong>dos</strong><br />

funcionários.<br />

Contudo, deve salientar-se que a autonomia da secção de processos<br />

destaca o papel directivo do escrivão. A importância do papel desempenhado<br />

pelo escrivão é autónoma e não supletiva da ausência ou distanciamento do<br />

juiz.<br />

Em regra, as rotinas de trabalho <strong>dos</strong> escrivães adjuntos baseiam-se em<br />

diferentes ordens de prioridade: processos marca<strong>dos</strong>, diligências, providências<br />

cautelares e outras situações urgentes; segui<strong>dos</strong> de processos não urgentes.<br />

Os méto<strong>dos</strong> de trabalho também podem variar de acordo com as<br />

preferências de cada funcionário. Exemplificativamente, pode-se iniciar o<br />

trabalho pelos actos mais simples, deixando os processos mais complexos<br />

para <strong>um</strong> momento posterior. Podem ser assinala<strong>das</strong> ainda duas rotinas de<br />

Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 189


trabalho diferentes entre os escrivães adjuntas: (1) realizar os actos<br />

processuais aleatoriamente de acordo com a ordem em que os processos lhe<br />

são postos na secretaria; e (2) separar os processos por categorias e realizar<br />

os actos processuais iguais em série.<br />

190<br />

Em regra, os escrivães auxiliares responsabilizam-se pelo<br />

acompanhamento do juiz em diligências e estão encarregues do intercâmbio<br />

entre a secção central e a secção de processos, procurando e dando<br />

tratamento aos processos relativos aos papéis vin<strong>dos</strong> diariamente daquela<br />

secção. Os critérios adopta<strong>dos</strong> pelo escrivão de direito para distribuir tarefas<br />

entre os escrivães auxiliares também podem variar. Por exemplo, no<br />

acompanhamento de diligências pode-se estabelecer <strong>um</strong> revezamento<br />

semanal entre os auxiliares ou distribuir os auxiliares pelo número de juízes<br />

que a secção apoia.<br />

O atendimento ao público em diferentes secções pode ser <strong>um</strong>a tarefa<br />

afectada aos escrivães auxiliares ou dividida equitativamente entres estes e os<br />

escrivães adjuntos.<br />

Em traços gerais, as principais conclusões que o trabalho empírico<br />

realizado evidenciou e que se relacionam com as alterações recentemente<br />

introduzi<strong>das</strong> no que diz respeito à organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> são as<br />

seguintes:<br />

(1) Se organização do trabalho varia de acordo com a secção, o juiz, o perfil e<br />

a <strong>experiência</strong> de cada funcionário, consequentemente, a produtividade <strong>dos</strong><br />

funcionários depende quase exclusivamente do seu empenho e compromisso<br />

pessoal;<br />

(2) Uma vez que a formação para o desempenho <strong>das</strong> funções é isolada e<br />

aleatória, os funcionários, como aprendem uns com os outros, tendem a<br />

assimilar os vícios de rotina daqueles com quem trabalham;<br />

(3) A ausência de <strong>um</strong> programa de preparação, formação e acompanhamento<br />

<strong>das</strong> reformas tem consequências nos frutos que podem ser extraí<strong>dos</strong> delas,<br />

variando de funcionário para funcionário, daí que a maior ou menor adaptação<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


e actualização passem a depender apenas do interesse e da motivação<br />

pessoal de cada funcionário.<br />

As principais consequências destes problemas consistem, em primeiro<br />

lugar, no facto de as boas práticas de <strong>um</strong>a secção não serem generaliza<strong>das</strong>.<br />

Em segundo lugar, a introdução de mudanças pode ser obstaculizada pela<br />

resistência <strong>dos</strong> funcionários. Neste contexto, a responsabilidade pelo<br />

aperfeiçoamento do trabalho, pela introdução e propagação de mudanças é<br />

difusa e depende do esforço e do interesse de cada <strong>um</strong>. Finalmente, as<br />

opiniões <strong>sobre</strong> os actos pratica<strong>dos</strong> inutilmente, os desperdícios, as<br />

irracionalidades organizativas, etc. são esparsas, não havendo <strong>um</strong>a reflexão<br />

geral e coordenada <strong>sobre</strong> o que fazer para melhor racionalizar os méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho, os actos e a tramitação processual.<br />

Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 191


CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES<br />

7


7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES<br />

7.1 Conclusões<br />

194<br />

1. A compreensão da reforma <strong>das</strong> organizações do judiciário no contexto<br />

<strong>das</strong> dinâmicas de mudança <strong>das</strong> organizações públicas beneficiou, neste<br />

estudo, de <strong>um</strong> quadro analítico - desenvolvido pelas ciências sociais que<br />

permite pensar a administração e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> organizações em cenários<br />

caracteriza<strong>dos</strong> por acréscimos de complexidade institucional e social, com o<br />

objectivo de as tornar mais eficientes, designadamente a partir da reflexão em<br />

torno <strong>das</strong> abordagens clássicas <strong>das</strong> organizações.<br />

2. No âmbito <strong>das</strong> abordagens clássicas, Frederick Taylor conceptualizou<br />

a organização científica do trabalho assentando em quatro princípios básicos:<br />

planeamento, preparação, controlo e separação entre a concepção e a<br />

execução do trabalho. A organização do trabalho, tendo por base aqueles<br />

princípios, assentava na eliminação do desperdício, na eficiência máxima e no<br />

a<strong>um</strong>ento da produtividade.<br />

A perspectiva avançada por Henri Fayol (1925), na linha do pensamento<br />

taylorista, destacou-se no estudo da estruturação <strong>das</strong> organizações modernas<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


salientando, designadamente, o enfoque na formação e qualificação científica<br />

do corpo de gestores <strong>das</strong> empresas e <strong>das</strong> instituições, a sua arr<strong>um</strong>ação<br />

estrutural e funcional tendo em vista o c<strong>um</strong>primento eficiente <strong>dos</strong> respectivos<br />

objectivos gerais, propondo a indivisibilidade da relação autoridade-<br />

responsabilidade, a definição clara da comunicação no interior do sistema<br />

hierárquico, a centralização <strong>dos</strong> processos enquanto factor de ordem interna e<br />

a equidade nas decisões, de forma a evitar sentimentos de injustiça<br />

perturbadores do funcionamento da organização.<br />

3. Relativamente ao modelo burocrático e à modernidade organizacional,<br />

a caracterização do fenómeno burocrático proposta por Max Weber encontrou<br />

no movimento de racionalização <strong>das</strong> instituições os fundamentos da nova<br />

ordem social e económica surgida no século XIX. No exercício do poder<br />

organizacional, a problemática da legitimidade no pensamento weberiano<br />

assentava n<strong>um</strong>a tipologia tripartida de autoridade, em que a autoridade legal-<br />

racional representa a modernidade burocrática.<br />

No modelo burocrático proposto por Max Weber, destacam-se,<br />

<strong>sobre</strong>tudo, aspectos como a precisão, a eficácia, a unidade, a subordinação<br />

estrita e a redução de custos, que constituem alguns <strong>dos</strong> aspectos introduzi<strong>dos</strong><br />

por este movimento racionalizador da vida e do desempenho organizacional. A<br />

importância deste modelo baseia-se no conceito de burocracia e no seu<br />

contributo para se pensarem reformas mais amplas no domínio da<br />

administração pública e <strong>das</strong> organizações priva<strong>das</strong>, materializando a<br />

designada modernidade organizacional.<br />

4. A perda da centralidade do modelo burocrático e a emergência de<br />

novos paradigmas foi impulsionada pela escola <strong>das</strong> relações h<strong>um</strong>anas e as<br />

suas críticas ao mecanicismo, à instr<strong>um</strong>entalidade e ao formalismo <strong>das</strong><br />

abordagens clássicas, <strong>sobre</strong>pondo a importância <strong>dos</strong> níveis de integração<br />

social e organizacional à lógica científica e burocrática de divisão e<br />

Conclusões e Recomendações 195


organização do trabalho, no que diz respeito ao desempenho global <strong>das</strong><br />

organizações.<br />

196<br />

5. No quadro <strong>das</strong> reformas desencadea<strong>das</strong> na administração pública a<br />

partir <strong>dos</strong> anos 80 do século XX, as teorias manageriais têm sido escrutina<strong>das</strong><br />

n<strong>um</strong>a dupla perspectiva: procurando superar as limitações e os<br />

constrangimentos intrínsecos aos modelos burocráticos de organização,<br />

caracteriza<strong>dos</strong> pela sua rigidez funcional, fechamento orgânico à sociedade e<br />

ineficiência administrativa; e evidenciando <strong>um</strong>a transformação política mais<br />

ampla, assente n<strong>um</strong> novo consenso ideológico de natureza neoliberal – o<br />

Estado e a administração pública são sinónimos de desperdício, abrindo campo<br />

à acção política no sentido da privatização do máximo de subsectores públicos<br />

alienáveis para o mercado e na adopção de modelos de <strong>gestão</strong> equipara<strong>dos</strong> ao<br />

sector privado.<br />

6. O conceito de governação ass<strong>um</strong>e, no âmbito <strong>das</strong> novas abordagens<br />

organizacionais, <strong>um</strong> novo campo de técnicas e de oportunidades gestionárias,<br />

dando conta do a<strong>um</strong>ento da complexidade e <strong>dos</strong> fluxos de informação a que as<br />

organizações se encontram expostas e da necessidade de <strong>um</strong> maior e mais<br />

eficaz controlo <strong>dos</strong> processos e <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> reivindica<strong>dos</strong> pelos diferentes<br />

stakeholders. Este conceito pressupõe <strong>um</strong>a transformação profunda nos<br />

cenários organizacionais, sendo a antecipação, a adaptação e a capacidade de<br />

influência <strong>sobre</strong> as mudanças em curso factores determinantes para a<br />

sustentabilidade deste novo paradigma administrativo <strong>das</strong> organizações.<br />

7. O quadro conceptual da qualidade densificou-se, através do conceito<br />

de excelência, n<strong>um</strong>a óptica de qualidade total, também designada de melhoria<br />

de qualidade contínua (continuous quality improvement). Aos modelos de<br />

excelência (ou de qualidade total) subjaz <strong>um</strong>a filosofia de <strong>gestão</strong> que centra a<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


organização no utente/cidadão e n<strong>um</strong>a dinâmica de melhoria contínua,<br />

pressupondo <strong>um</strong>a abordagem sistémica com princípio de <strong>gestão</strong> aplicado em<br />

to<strong>dos</strong> os níveis organizacionais. Na Europa, o modelo baseado na filosofia da<br />

<strong>gestão</strong> pela qualidade total de referência é o modelo da EFQM, tendo em vista<br />

melhores práticas de <strong>gestão</strong> e melhor desempenho <strong>das</strong> organizações, podendo<br />

ser utilizado para verificação do estado da organização como ferramenta de<br />

planeamento ou de <strong>gestão</strong> da mudança.<br />

8. Na sequência <strong>das</strong> reformas desencadea<strong>das</strong> na administração pública,<br />

as organizações do judiciário foram <strong>um</strong> <strong>dos</strong> sectores do Estado ao qual as<br />

reformas gestionárias mais tardiamente chegaram. Como é sabido, os modelos<br />

burocráticos de administração <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> têm vindo a ser submeti<strong>dos</strong> a <strong>um</strong><br />

processo de reflexão e reavaliação política e académica. N<strong>um</strong>a primeira fase, a<br />

resposta do sistema à sua “crise” centrou-se em reformas de natureza<br />

processual e no crescimento de recursos h<strong>um</strong>anos e materiais; posteriormente,<br />

procurou dar resposta ao a<strong>um</strong>ento exponencial do vol<strong>um</strong>e e da complexidade<br />

da litigação e, mais recentemente, face à necessidade de outro tipo de<br />

reformas estruturais, optou-se pela procura de novos caminhos para a reforma<br />

do sistema.<br />

9. Assim, a partir de finais da década de 90 do século passado, em linha<br />

com outros sectores do Estado, o sistema judicial começa, também ele, a ser<br />

objecto de análise e recomendações que pretendem explorar <strong>um</strong>a nova<br />

dimensão gestionária, designadamente através da introdução de medi<strong>das</strong> que<br />

visam a alteração de méto<strong>dos</strong> de trabalho, <strong>um</strong>a melhor e mais eficaz <strong>gestão</strong> de<br />

recursos e <strong>um</strong>a melhor articulação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> com os serviços<br />

complementares da justiça.<br />

10. No âmbito da justiça em Portugal, apesar <strong>das</strong> reformas mais<br />

Conclusões e Recomendações 197


ecentes do judiciário e do forte contexto de mudança a que vem estando<br />

sujeito o sistema judicial, a qualidade parece ainda distante do enquadramento<br />

conceptual da excelência. Contudo, como tem vindo a ser mencionado nos<br />

estu<strong>dos</strong> do OPJ, as reformas do judiciário nesta matéria estão, não só em<br />

Portugal mas também na Europa reformas centra<strong>das</strong> na discussão do modelo<br />

organizacional mais do que no modelo de <strong>gestão</strong>. A discussão continua a<br />

situar-se na resposta ao vol<strong>um</strong>e processual, revelando que as preocupações<br />

da qualidade se centram fundamentalmente na melhoria da eficiência e,<br />

portanto, n<strong>um</strong>a <strong>das</strong> fases iniciais do seu percurso: o controlo da qualidade.<br />

198<br />

11. A escolha do estudo de caso da <strong>experiência</strong> espanhola deveu-se,<br />

<strong>sobre</strong>tudo, à proximidade entre os problemas e as ineficiências estruturais do<br />

desempenho do sistema de justiça espanhol e a situação que ocorre em<br />

Portugal. A reforma da secretaria judicial em Espanha foi impulsionada pela<br />

necessidade de dar resposta a problemas e ineficiências estruturais do<br />

funcionamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, muitos <strong>dos</strong> quais idênticos aos enfrenta<strong>dos</strong> por<br />

nós. Nesse sentido, o funcionamento <strong>das</strong> secretarias judiciais era caracterizado<br />

por <strong>um</strong> desempenho atomizado e auto-suficiente, destacando-se a<br />

<strong>sobre</strong>posição de tarefas administrativas e jurisdicionais na mesma unidade<br />

orgânica, bem como a inexistência de modelos comuns de trabalho e de<br />

desencorajamento ao trabalho diferenciado e especializado.<br />

O movimento de reforma judicial neste âmbito tem apresentado <strong>um</strong><br />

carácter pluriforme, isto é, convoca alterações não só no âmbito processual<br />

mas também na remodelação <strong>das</strong> infra-estruturas, na criação de novas<br />

unidades orgânicas, na informatização e no uso mais intensivo de meios<br />

telemáticos.<br />

12. O novo modelo de secretaria judicial em Espanha foi introduzido com<br />

a Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro. Nos últimos três anos, o ritmo da<br />

implementação do novo modelo de secretaria judicial decresceu. Actualmente,<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


assiste-se a <strong>um</strong> novo empenho, por parte do Ministério da Justiça, na<br />

efectivação do novo modelo de secretaria através do “Plano Estratégico de<br />

Modernização da Justiça 2009-2012”.<br />

Das inovações introduzi<strong>das</strong>, destacam-se: (1) a “libertação” do juiz de<br />

actos não jurisdicionais (liberta-se o juiz do trabalho burocrático, podendo deste<br />

modo dedicar a totalidade do seu tempo ao exercício da função exclusivamente<br />

jurisdicional); (2) a criação da nova figura do director da secretaria judicial<br />

(secretário judicial, considerado <strong>um</strong> especialista com alto nível de competência<br />

e eleva<strong>dos</strong> conhecimentos jurídicos, com especiais competências no que se<br />

refere ao funcionamento da secretaria e à tramitação processual); (3) a<br />

agregação de tarefas repetitivas em serviços comuns, tanto ao nível da<br />

tramitação processual propriamente dita, como de actividades de suporte; (4) a<br />

especialização <strong>dos</strong> funcionários judiciais; (5) a informatização da justiça; e (6) a<br />

nova configuração <strong>dos</strong> espaços físicos (remodelação <strong>das</strong> infra-estruturas).<br />

13. De acordo com o novo modelo de secretaria, à atomização <strong>dos</strong><br />

serviços responde-se com a concentração de recursos em serviços comuns<br />

especializa<strong>dos</strong>. Às dispersões ou repetições inúteis de tarefas idênticas em<br />

diferentes serviços, procurou-se reagir, separando, por unidades e categorias<br />

de funcionários distintos, actividades de tramitação mais complexas de<br />

actividades mais repetitivas (como recepção de doc<strong>um</strong>entos, citações e<br />

notificações, etc.) e de actividades de suporte.<br />

O desenho organizacional da nova secretaria tem por base <strong>um</strong>a Unidade<br />

que pode ser de dois tipos: Unidade Processual de Apoio Directo e Serviços<br />

Comuns Processuais. Prevê-se, ainda, a criação de Unidades Administrativas.<br />

Com esta reorganização estabelece-se <strong>um</strong>a diferença clara entre o apoio<br />

directo à função jurisdicional, tarefa cometida às unidades processuais de<br />

apoio directo, e a tramitação processual, função <strong>sobre</strong>tudo a cargo <strong>dos</strong><br />

serviços comuns processuais, que podem executar tarefas de tramitação<br />

processual de <strong>um</strong> ou mais juízes, juízos, secções ou <strong>tribunais</strong>.<br />

Conclusões e Recomendações 199


200<br />

14. Duas ideias essenciais abriram caminho para actual reforma<br />

orgânica da secretaria judicial: (1) a criação de serviços comuns, considerada<br />

<strong>um</strong> elemento-chave da reforma dada a sua potencialidade na uniformização do<br />

trabalho, libertação <strong>das</strong> diferentes secções da prática de actos e tarefas<br />

semelhantes e criação de <strong>um</strong>a estrutura especializada no atendimento ao<br />

público; e (2) a reconfiguração do perfil profissional do secretário judicial,<br />

avançando para a especialização de funções, de forma a ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong> duplo<br />

papel de técnicos processuais e de gestores da sua unidade.<br />

15. O novo modelo de secretaria judicial não se limitou a trazer<br />

profun<strong>das</strong> alterações na estrutura organizacional, implicou também a<br />

redefinição de competências e funções profissionais. Os secretários judiciais<br />

ass<strong>um</strong>em <strong>um</strong>a forte centralidade funcional, constituindo <strong>um</strong> corpo próprio e<br />

conferindo-lhes a lei carácter de autoridade. Para além <strong>das</strong> competências<br />

processuais, também dirigem tecnicamente os recursos h<strong>um</strong>anos <strong>das</strong><br />

secretarias, coordenando a sua acção e dando ordens e instruções<br />

necessárias ao seu desempenho funcional. Enquanto o corpo de funcionários,<br />

que desempenham funções de tramitação processual, é composto pelos<br />

chama<strong>dos</strong> funcionários gestores, que vieram substituir o anterior corpo de<br />

oficiais de justiça; o antigo corpo de funcionários auxiliares foi substituído pelos<br />

actuais funcionários tramitadores.<br />

16. Contudo, alguns problemas têm sido identifica<strong>dos</strong> no curso da<br />

concretização da reforma da secretaria judicial: sucessivos atrasos e alg<strong>um</strong>a<br />

falta de coordenação na execução de alg<strong>um</strong>as vertentes da reforma (leis<br />

processuais, formação <strong>dos</strong> operadores para a utilização <strong>dos</strong> sistemas<br />

informáticos e construção de novas instalações); falta de recursos financeiros<br />

para a administração da justiça (a nível nacional, autonómico e/ou local);<br />

actuações parcelares, descoordena<strong>das</strong> e até mesmo antagónicas em<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


diferentes circunscrições territoriais resultantes da transferência de<br />

competências para alg<strong>um</strong>as comunidades autónomas; atraso no processo de<br />

redimensionamento <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos para atender especialmente os<br />

processos pendentes; alteração do padrão de relacionamento funcional entre<br />

juízes, secretários judiciais e restantes funcionários judiciais; tensão entre<br />

juízes e secretários judiciais no que refere ao agendamento de diligências,<br />

entre outros.<br />

17. O trabalho que se apresenta neste relatório centra-se, como já<br />

referimos, na análise da dimensão gestionária da reforma da organização<br />

judiciária. O reduzido tempo de vigência do período experimental da reforma,<br />

associado ao frugal acervo de informação disponível relativamente à<br />

problemática em estudo, não permitiram <strong>um</strong>a averiguação plena de to<strong>das</strong> as<br />

suas implicações, tendo dificultado, por exemplo, <strong>um</strong>a avaliação quantitativa do<br />

impacto <strong>das</strong> alterações gestionárias na produtividade <strong>dos</strong> agentes judiciais e no<br />

tempo <strong>dos</strong> processos. Privilegiou, por isso, a análise qualitativa assente nas<br />

percepções <strong>dos</strong> agentes envolvi<strong>dos</strong> no processo e a observação <strong>das</strong> práticas<br />

<strong>das</strong> unidades orgânicas.<br />

Adoptou-se <strong>um</strong>a estratégia de investigação assente n<strong>um</strong>a dupla<br />

perspectiva analítica. Em primeiro lugar, de acordo com <strong>um</strong>a perspectiva top<br />

down, observou-se a concretização do modelo de <strong>gestão</strong> entre as diferentes<br />

figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. Em segundo lugar,<br />

em conformidade com a perspectiva bottom up, analisámos o impacto destas<br />

alterações nas rotinas e tarefas <strong>dos</strong> diferentes agentes judiciais, dando<br />

especial atenção ao funcionamento da secção de processos.<br />

18. No que diz respeito ao modelo de <strong>gestão</strong>, o projecto experimental da<br />

nova organização judiciária não contou, de acordo com os resulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong><br />

através da realização do trabalho de campo, com a previsão que se exigia para<br />

<strong>um</strong>a transição bem sucedida de <strong>um</strong>a reforma estrutural. Assim, salienta-se a<br />

Conclusões e Recomendações 201


importância de se considerarem as dificuldades deste ensaio experimental<br />

antes do alargamento a outras <strong>comarcas</strong>. Por outro lado, exige-se a definição<br />

de <strong>um</strong> planeamento estratégico e a criação de <strong>um</strong> conjunto de instr<strong>um</strong>entos de<br />

suporte que potenciem <strong>um</strong>a eficiente <strong>gestão</strong> da mudança, por exemplo, a<br />

definição de <strong>um</strong> conjunto de acções de <strong>gestão</strong> prática da mudança que<br />

envolvam os principais canais de comunicação e de informação no interior e<br />

exterior do sistema, bem como as pessoas mais directamente afecta<strong>das</strong> pelo<br />

processo de mudança.<br />

202<br />

A este propósito, regista-se como aspecto negativo, por <strong>um</strong> lado, o facto<br />

<strong>dos</strong> juízes presidentes apenas terem sido nomea<strong>dos</strong> e ass<strong>um</strong>ido funções<br />

depois de já estarem constituí<strong>das</strong> as equipas de trabalho. Por outro lado, o<br />

deficiente planeamento na transferência de processos (tanto em suporte físico<br />

como telemático), levou à ocorrência de erros, ao cancelamento de diligências<br />

em cima da hora, a dificuldades de dar informação ao público e advoga<strong>dos</strong>,<br />

etc.<br />

De referir, ainda, o bloqueio que consiste na falta de suporte<br />

organizacional às inovações gestionárias, destacando-se a falta de previsão de<br />

<strong>um</strong> gabinete de apoio ao juiz presidente. Destaca-se, em especial, o problema<br />

que poderíamos caracterizar como endémico ao sistema de justiça ao qual<br />

urge dar solução – a falta de formação adequada para o desempenho <strong>das</strong><br />

novas funções de <strong>gestão</strong> e coordenação previstas na lei.<br />

19. Em Portugal, a governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> está configurada, a nível<br />

central, n<strong>um</strong> modelo de competências bicéfalo. Por <strong>um</strong> lado, a previsão na<br />

estrutura orgânica do Ministério da Justiça de órgãos de administração<br />

indirecta responsáveis pela centralização da <strong>gestão</strong> financeira, do património,<br />

<strong>das</strong> tecnologias e da informação da justiça (ITIJ e IGFIJ) articula-se com<br />

órgãos de administração directa que centralizam competências de<br />

planeamento, <strong>gestão</strong> estratégica da política de justiça e administração da<br />

carreira <strong>dos</strong> funcionários de justiça (DGAJ e DGPJ). Por outro lado, a <strong>gestão</strong><br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


<strong>das</strong> carreiras, controlo e disciplina <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> é exercida pelos conselhos<br />

superiores da magistratura e do Ministério Público.<br />

A nova lei de organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> trouxe alg<strong>um</strong>as<br />

mudanças no que diz respeito à administração local da justiça, ao prever<br />

competências de representação, direcção, <strong>gestão</strong> processual e administrativas<br />

ao juiz presidente do tribunal, fomentando igualmente outra figura de <strong>gestão</strong><br />

local com competências próprias e <strong>um</strong> importante papel de coadjuvação <strong>das</strong><br />

competências do juiz presidente – o administrador judiciário.<br />

O juiz presidente passou a ass<strong>um</strong>ir competências de representação e<br />

direcção do tribunal, agregando responsabilidades ao nível da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />

funcionários judiciais e exercendo competências de <strong>gestão</strong> processual, fixação<br />

de objectivos, acompanhamento de resulta<strong>dos</strong> e planeamento <strong>das</strong><br />

necessidades e actividades do tribunal, planeamento de recursos h<strong>um</strong>anos e<br />

de organização interna. No âmbito administrativo, congrega competências de<br />

elaboração do projecto de orçamento, <strong>dos</strong> planos anuais e plurianuais, <strong>dos</strong><br />

relatórios de actividades e <strong>dos</strong> regulamentos internos, entre outros.<br />

O perfil funcional do administrador do tribunal concentra-se na <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> espaços, segurança, condições de acessibilidade <strong>das</strong> instalações,<br />

manutenção, conservação e racionalização da utilização <strong>dos</strong> equipamentos.<br />

Para além da previsão de competências próprias, destaca-se a possibilidade<br />

de coadjuvação pelo administrador <strong>das</strong> competências do presidente do tribunal.<br />

Para além <strong>das</strong> competências atribuí<strong>das</strong> ao juiz presidente e ao<br />

administrador, outra novidade trazida pela nova lei de organização judiciária no<br />

âmbito da <strong>gestão</strong> local é a criação do conselho de comarca, órgão com funções<br />

consultivas e de acompanhamento <strong>das</strong> actividades administrativas, de<br />

organização e funcionamento do tribunal.<br />

20. A reforma introduziu mais-valia no sentido de criar perfis<br />

profissionais com competências próprias e actuação local baseada no<br />

Conclusões e Recomendações 203


conhecimento <strong>das</strong> necessidades e do funcionamento quotidiano do serviço.<br />

Esta nova dinâmica possibilita <strong>um</strong>a tomada de decisão local, rápida e eficiente,<br />

atendendo às suas carências e às dificuldades quotidianas. No novo quadro<br />

normativo, esta flexibilidade estende-se desde a distribuição <strong>dos</strong> funcionários<br />

(à excepção <strong>dos</strong> escrivães de direito), à proposição de mudanças<br />

organizacionais e às rotinas de trabalho (implementação de méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho, reafectação de funcionários, proposta de criação de secções<br />

especializa<strong>das</strong>), passando pelo planeamento <strong>das</strong> actividades, <strong>das</strong><br />

necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos e elaboração da proposta de orçamento.<br />

204<br />

A criação de <strong>um</strong> órgão com poderes consultivos e de acompanhamento<br />

(conselho de comarca), por sua vez, beneficia o modelo de <strong>gestão</strong> por permitir<br />

<strong>um</strong>a participação alargada <strong>dos</strong> actores do sistema e da sociedade civil.<br />

O carácter experimental da reforma, a falta de preparação, a ausência<br />

de discussão e de directrizes de execução, são factores que influenciam o<br />

ritmo de incrementação <strong>das</strong> potencialidades de <strong>gestão</strong> trazi<strong>das</strong> pela lei. Daí<br />

que o modelo de <strong>gestão</strong> tenha sido experimentado de forma distinta em cada<br />

<strong>um</strong>a <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto de acordo com a <strong>experiência</strong>, o nível de iniciativa e o<br />

conhecimento da realidade do tribunal por parte <strong>dos</strong> juízes presidentes.<br />

O trabalho de campo realizado permitiu identificar alg<strong>um</strong>as dinâmicas<br />

locais consentâneas com os objectivos da reforma, por exemplo, o<br />

estabelecimento de metas e objectivos de produtividade, a realização de<br />

reuniões de planeamento <strong>das</strong> actividades com as chefias <strong>das</strong> secções e com<br />

os magistra<strong>dos</strong> coordenadores ou, ainda, a experimentação de outros méto<strong>dos</strong><br />

de trabalho nas secções de processos de alguns juízos do tribunal. Registou-<br />

se, ainda, <strong>um</strong> acréscimo de racionalização no que se refere ao pedido de<br />

material, à requisição de objectos e aos critérios de ocupação <strong>das</strong> salas de<br />

audiências por parte <strong>dos</strong> juízos.<br />

21. À anterior “unidade tribunal” passou a corresponder a actual<br />

“unidade secretaria”. Criaram-se novas unidades orgânicas e novas<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


perspectivas gestionárias, mas manteve-se o modelo de organização interna e<br />

de colocação de juízes e funcionários <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> anteriores.<br />

Importa, pois, saber quais deverão ser as unidades administrativas e<br />

organizacionais do tribunal de comarca: o próprio tribunal de comarca, as<br />

secções de processos ou as secretarias <strong>dos</strong> diferentes juízos. A decisão <strong>sobre</strong><br />

esta matéria tem <strong>um</strong>a influência determinante na colocação e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />

recursos h<strong>um</strong>anos, na elaboração e execução do orçamento, no planeamento<br />

e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos materiais, no modelo de informatização e na execução<br />

<strong>das</strong> funções de direcção e coordenação exerci<strong>das</strong> no tribunal de comarca,<br />

nomeadamente a interface entre o juiz presidente, o administrador e o<br />

secretário de justiça.<br />

A este propósito, ao ass<strong>um</strong>ir-se que o provimento de funcionários<br />

judiciais tem como unidade as secções de processo para os escrivães de<br />

direito e a secretaria <strong>dos</strong> juízos para os restantes funcionários, condicionam-se<br />

as competências do juiz presidente na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos, <strong>um</strong>a vez que o<br />

exercício desta competência é nula no caso <strong>dos</strong> escrivães de direito e tem<br />

como limite a secretaria <strong>dos</strong> juízos. Por outro lado, esta questão também diz<br />

respeito à definição da unidade de colocação <strong>dos</strong> juízes, isto é, os juízos do<br />

tribunal de comarca ou <strong>um</strong> determinado juízo.<br />

Finalmente, assinalam-se as repercussões na <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> vertentes de<br />

natureza financeira. Neste caso, a opção pelo tribunal de comarca ou pela<br />

secretaria <strong>dos</strong> juízos, como unidade administrativa, coloca em confronto as<br />

actuais competências de elaboração e execução do orçamento <strong>dos</strong> secretários<br />

de justiça e do presidente do tribunal.<br />

22. O actual modelo de <strong>gestão</strong> exige a realização plena e eficiente do<br />

princípio de cooperação entre as figuras da estrutura local de <strong>gestão</strong> e entre<br />

estas e os órgãos centrais. Neste sentido, a concretização <strong>das</strong> potencialidades<br />

da lei depende, em muito, da integração e da articulação entre os diferentes<br />

órgãos com poderes directivos na administração <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />

Conclusões e Recomendações 205


206<br />

Em diversos momentos, a lei prevê a combinação e articulação de<br />

competências centrais e locais de modo a permitir <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> integrada que<br />

tenha como referência o tribunal de comarca. Por exemplo:<br />

(a) A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong>, avaliação e disciplina <strong>dos</strong><br />

funcionários judiciais da DGAJ e do COJ com os poderes atribuí<strong>dos</strong> ao juiz<br />

presidente no que se refere à distribuição de escrivães adjuntos e auxiliares,<br />

implementação de méto<strong>dos</strong> de trabalho e fixação de objectivos para as<br />

unidades orgânicas, planeamento <strong>das</strong> necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos,<br />

reafectação <strong>dos</strong> funcionários dentro da comarca;<br />

(b) A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> juízes e<br />

acompanhamento da actividade <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e sua organização exerci<strong>das</strong> pelo<br />

Conselho Superior da Magistratura e a possibilidade de apresentação, junto do<br />

Conselho, pelo juiz presidente, de propostas de mudanças organizacionais<br />

(criação de secções especializa<strong>das</strong>), reafectação de juízes e necessidades de<br />

resposta adicional no quadro de juízes;<br />

(c) A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong> financeira, do património,<br />

<strong>das</strong> instalações e <strong>dos</strong> equipamentos <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> partilha<strong>das</strong> entre o ITIJ, o<br />

IGFIJ e a DGAJ com as competências de elaboração e proposição de<br />

alterações orçamentais exerci<strong>das</strong> pelo juiz presidente e as competências do<br />

administrador judiciário no que se refere aos espaços, equipamentos e<br />

segurança <strong>das</strong> instalações do tribunal.<br />

Resulta do trabalho de campo que, em diferentes níveis de <strong>gestão</strong>, <strong>um</strong>a<br />

articulação de competências mais eficiente entre os diferentes órgãos está<br />

comprometida, necessitando de diferentes respostas de carácter correctivo,<br />

que vão desde a clarificação do sentido e alcance <strong>das</strong> competências previstas<br />

em lei até à necessidade de aprofundamento <strong>dos</strong> canais de comunicação e<br />

interface entre os diferentes órgãos, passando pela definição de <strong>um</strong> plano de<br />

implementação <strong>das</strong> competências locais de <strong>gestão</strong> com orientações concretas<br />

<strong>das</strong> tarefas e responsabilidades a serem exerci<strong>das</strong> pelas chefias e pelas<br />

figuras de direcção do tribunal, bem como pela determinação da unidade<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


administrativa de referência do tribunal de comarca.<br />

23. No que refere à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> juízes, as possibilidades de participação<br />

local através de propostas do juiz presidente ao CSM no que toca a medi<strong>das</strong><br />

de reafectação, ac<strong>um</strong>ulação, requisição de juízes do quadro complementar e<br />

mudanças na organização interna não parece ter-se traduzido, de acordo com<br />

o que foi observado no trabalho de campo, em grandes problemas de<br />

articulação.<br />

24. No que toca à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> funcionários, o trabalho empírico permitiu<br />

identificar vários momentos em que a concentração de competências na<br />

administração central, agravada pela falta de previsão de interfaces eficientes,<br />

bloqueiam a <strong>gestão</strong> a ser implementada por parte do juiz presidente.<br />

Apesar de terem sido conferi<strong>das</strong> competências próprias ao juiz<br />

presidente para o planeamento <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos, essas competências<br />

não se traduzem na autonomia de definição <strong>dos</strong> mapas de pessoal ou <strong>das</strong><br />

necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos da comarca. Ao juiz presidente cabe a<br />

distribuição <strong>dos</strong> funcionários de justiça dentro <strong>dos</strong> limites da unidade orgânica<br />

de referência e do quadro de pessoal já estabelecido pelo Ministério da Justiça<br />

e respeitando o provimento <strong>dos</strong> cargos de escrivães de direito nas respectivas<br />

secções <strong>dos</strong> juízos<br />

O exercício da competência de distribuição <strong>dos</strong> escrivães adjuntos e<br />

auxiliares, por parte do presidente do tribunal de comarca, está<br />

significativamente delimitado pela não definição do tribunal de comarca<br />

enquanto unidade administrativa. A questão da mobilidade geográfica <strong>dos</strong><br />

funcionários é <strong>um</strong>a questão <strong>sobre</strong> a qual é necessário reflectir e que exige<br />

alg<strong>um</strong>a intervenção. Contudo, dever-se-ão ter em conta alguns contornos<br />

especiais, <strong>sobre</strong>tudo quando confrontada com direitos adquiri<strong>dos</strong> e<br />

expectativas legítimas <strong>dos</strong> funcionários.<br />

Conclusões e Recomendações 207


208<br />

Outra limitação relaciona-se com o facto <strong>das</strong> competências previstas<br />

para o juiz presidente no âmbito da fixação de objectivos, da avaliação do<br />

desempenho funcional do tribunal e da qualidade do serviço prestado aos<br />

cidadãos não serem acompanha<strong>das</strong> de competências efectivas no que respeita<br />

à avaliação e à acção disciplinar <strong>sobre</strong> os funcionários da justiça.<br />

Relativamente à avaliação, o que está em causa é a definição de <strong>um</strong> modelo<br />

que reforce a estrutura de <strong>gestão</strong> local do tribunal de comarca com a<br />

especificação concreta de poderes do juiz presidente que fortaleçam as suas<br />

responsabilidades no âmbito do planeamento de actividades, avaliação <strong>dos</strong><br />

resulta<strong>dos</strong> e fixação de objectivos do tribunal.<br />

Questiona, ainda, o vínculo funcional <strong>dos</strong> restantes funcionários, não<br />

integra<strong>dos</strong> nas carreiras judiciais, em especial <strong>dos</strong> técnicos de informática e a<br />

sua dependência funcional e hierárquica face à administração central.<br />

25. As questões relativas à elaboração e execução orçamental, por sua<br />

vez, referem-se especialmente à articulação entre a competência administrativa<br />

do presidente do tribunal de comarca de elaboração do projecto do orçamento<br />

e proposição de alterações orçamentais, a delegação dessa competência nos<br />

administradores judiciais e a articulação <strong>das</strong> tarefas relativas ao orçamento<br />

entre o administrador judiciário e os secretários de justiça. Neste âmbito, o<br />

principal problema resulta do facto de as secretarias <strong>dos</strong> juízos estarem a<br />

funcionar como unidades administrativas do tribunal de comarca no que diz<br />

respeito ao orçamento, mantendo o secretário a competência de gerir e<br />

elaborar o orçamento da secretaria. Esta realidade dificulta a <strong>gestão</strong><br />

centralizada do orçamento por parte do presidente e do administrador do<br />

tribunal. A falta de <strong>um</strong>a visão global do orçamento do tribunal de comarca<br />

impede ainda a projecção da execução orçamental e o controlo centralizado<br />

<strong>dos</strong> gastos.<br />

26. Os problemas relativos à <strong>gestão</strong> do património e <strong>das</strong> infra-estruturas,<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


o alcance <strong>das</strong> competências gerais relativamente ao planeamento <strong>das</strong><br />

actividades do tribunal e às necessidades de orçamento podem ser limita<strong>dos</strong><br />

pela reserva de competências da DGAJ relativamente à aquisição de<br />

equipamentos e outros bens. Neste âmbito, o que está em causa é a<br />

articulação entre as decisões locais relativas às necessidades de<br />

equipamentos e de instalações e as decisões centrais de planeamento <strong>das</strong><br />

necessidades e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> infra-estruturas <strong>dos</strong> serviços da justiça como <strong>um</strong><br />

todo.<br />

27. A <strong>gestão</strong> da informação, por sua vez, aponta para a necessidade de<br />

se promover <strong>um</strong>a melhor definição e integração entre as necessidades <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong>, nomeadamente formação e acesso a elementos de informação úteis<br />

para a <strong>gestão</strong> do tribunal, e as decisões estratégicas <strong>dos</strong> órgãos centrais de<br />

planeamento <strong>das</strong> actividades formativas e adequação <strong>dos</strong> sistemas.<br />

28. No que respeita à <strong>gestão</strong> processual, entendida em sentido amplo,<br />

isto é, incluindo as rotinas e os méto<strong>dos</strong> de trabalho associa<strong>dos</strong> à tramitação<br />

do processo, o legislador concentrou as atribuições de <strong>gestão</strong> processual e de<br />

méto<strong>dos</strong> de trabalho a nível do tribunal de comarca na articulação entre o juiz<br />

presidente/magistra<strong>dos</strong> coordenadores e juízes titulares, em coordenação com<br />

as secções. Destaca-se o desafio que consiste na concretização <strong>dos</strong> objectivos<br />

de eficiência e racionalização <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho na <strong>gestão</strong> processual.<br />

Entre as medi<strong>das</strong> que podem integrar a <strong>gestão</strong> do caso concreto,<br />

destacam-se: a selecção adequada da calendarização e do sistema de<br />

marcação de diligências, a adopção de medi<strong>das</strong> que encorajem a resolução do<br />

litígio por acordo, a introdução de recursos informáticos adequa<strong>dos</strong>, o recurso a<br />

funcionários com formação especializada, a utilização de mecanismos<br />

processuais como audiências preliminares e formas s<strong>um</strong>árias do processo.<br />

A potencialidade da previsão de competências de <strong>gestão</strong> processual<br />

Conclusões e Recomendações 209


consiste, <strong>sobre</strong>tudo, em permitir às figuras de <strong>gestão</strong> ao nível local, em<br />

primeiro lugar, questionar a adequação e a pertinência da organização da<br />

secção e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> e, em segundo lugar, propor<br />

alternativas de reorganização e fixar objectivos e metas a c<strong>um</strong>prir.<br />

210<br />

A previsão da intervenção do juiz presidente do tribunal de comarca<br />

garante <strong>um</strong>a visão global e, simultaneamente, permite ensaiar novas formas de<br />

articulação e agregação entre as diferentes unidades orgânicas, possibilitando<br />

a realização de reuniões de planeamento e de avaliação da actividade e<br />

potenciando a criação de <strong>um</strong>a cultura organizacional de mudança.<br />

Um aspecto a destacar no decurso da nossa investigação consiste na<br />

heterogeneidade social, administrativa e territorial <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong>, o que<br />

determina o vol<strong>um</strong>e e natureza da procura judicial, as directrizes estratégicas<br />

da organização interna e a optimização <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho. Isto é, a<br />

racionalização <strong>das</strong> tarefas não deve corresponder a <strong>um</strong>a resposta única que<br />

possa ser uniformemente aplicada a to<strong>das</strong> as secções, mas sim privilegiar a<br />

reflexão e experimentação que permita definir regras e princípios orientadores<br />

sóli<strong>dos</strong>, de acordo com <strong>um</strong> modelo flexível que tenha em conta variáveis e<br />

condicionantes contextuais como a procura judiciária, a centralização ou<br />

descentralização <strong>dos</strong> juízos do tribunal, etc.<br />

29. Por contraponto às vantagens da nova lei de organização judiciária<br />

relativamente à proposição de alternativas de <strong>gestão</strong> e definição de novos<br />

méto<strong>dos</strong> de trabalho, a falta de indicadores empíricos que permitam avaliar o<br />

trabalho <strong>dos</strong> funcionários, conhecer os processos de distribuição e execução<br />

de tarefas, perceber a adequação <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho e os seus efeitos<br />

em termos de racionalização e produtividade. A falta de reflexão e de princípios<br />

orientadores nesta matéria torna o alcance prático desta reforma muito<br />

limitado.<br />

As novas figuras de coordenação têm desempenhado as suas funções<br />

basea<strong>das</strong> em critérios casuísticos e na <strong>experiência</strong> pessoal, orientam-se de<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


acordo com o que definem como sendo o seu bom senso e o <strong>dos</strong> funcionários.<br />

Apesar de estar prevista a disponibilização de da<strong>dos</strong> informatiza<strong>dos</strong> do<br />

sistema judicial para o acompanhamento da actividade do tribunal por parte do<br />

juiz presidente, esta não é suficiente no que respeita aos indicadores de<br />

<strong>gestão</strong>.<br />

30. No que se refere à organização interna, a principal limitação centra-<br />

se na atomização do modelo, o que implica, muitas vezes, a multiplicação de<br />

secções dentro do mesmo juízo, repercutindo-se na duplicação de tarefas e<br />

n<strong>um</strong>a organização interna do desempenho funcional pouco racionalizada e<br />

eficiente.<br />

Na observação do espaço físico salienta-se: (1) a existência de<br />

diferentes concepções, quer arquitectónicas, quer da forma de aproveitamento<br />

do espaço físico; (2) a precariedade e a inadequação de alg<strong>um</strong>as instalações;<br />

e (3) a falta de coordenação de agendamentos de actos jurisdicionais que<br />

impliquem a audição de intervenientes processuais (<strong>gestão</strong> da agenda <strong>dos</strong><br />

juízes).<br />

A <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> equipamentos, por sua vez, indicia faltas, inadequação e<br />

falhas, designadamente de fotocopiadoras, faxes, digitalizadores e sistema de<br />

vídeo-conferência. Salientam-se ainda as dificuldades na racionalização da<br />

distribuição <strong>dos</strong> equipamentos pelas diferentes unidades do tribunal de<br />

comarca, de acordo com as suas necessidades, em especial a falta de<br />

autonomia do juiz presidente na colocação/deslocação <strong>dos</strong> equipamentos.<br />

31. A adopção <strong>das</strong> inovações tecnológicas é discutida de acordo com<br />

cinco principais vertentes de mudança: (1) a adaptação <strong>dos</strong> espaços físicos; (2)<br />

a capacidade <strong>dos</strong> recursos materiais para suportarem as exigências da<br />

desmaterialização; (3) a adaptação do quadro funcional à nova realidade; (4) a<br />

formação e acompanhamento necessários para potenciar as inovações e<br />

Conclusões e Recomendações 211


enfrentar possíveis resistências; e (5) a reconversão e requalificação <strong>dos</strong><br />

funcionários, no sentido de adquirirem competências necessárias à utilização<br />

<strong>das</strong> novas ferramentas. Outra crítica refere-se ao facto da introdução de<br />

programas informáticos, levada a cabo em diferentes vagas, com o objectivo de<br />

acelerar os actos processuais, vir atender a necessidades distintas em<br />

diferentes momentos e nem sempre atender à necessária interligação entre si.<br />

O carácter inacabado do processo de informatização e os obstáculos à garantia<br />

da integralidade do processo electrónico (o que leva à existência, em regra, de<br />

dois processos electrónicos: <strong>um</strong> em suporte de papel e outro em suporte<br />

informático) em especial pelas dificuldades de digitalização <strong>dos</strong> requerimentos<br />

e peças processuais ingressa<strong>das</strong> em suporte de papel, são igualmente<br />

indica<strong>dos</strong> como factores de irracionalização e duplicação do trabalho.<br />

212<br />

32. As mudanças trazi<strong>das</strong> pela nova lei da organização judiciária não<br />

tiveram, na maioria <strong>das</strong> situações observa<strong>das</strong>, <strong>um</strong> impacto directo na<br />

organização interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, permanecendo as rotinas e méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho <strong>das</strong> secções inaltera<strong>dos</strong>.<br />

A <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos e a definição <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho<br />

estão sustenta<strong>das</strong> n<strong>um</strong>a grande diversidade de procedimentos entre os<br />

diferentes juízos e entre as secções de <strong>um</strong> mesmo juízo. Estando os conteú<strong>dos</strong><br />

funcionais de cada categoria profissional fixa<strong>dos</strong> por lei, as diferenças<br />

regista<strong>das</strong> nos méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> relacionam-se com as<br />

disparidades na composição do quadro funcional e com as decisões de<br />

distribuição de tarefas ass<strong>um</strong>i<strong>das</strong> pelas chefias (escrivães de direito), tendo em<br />

vista o que consideram ser o melhor aproveitamento <strong>dos</strong> recursos e, nalguns<br />

casos, relacionam-se ainda com as indicações transmiti<strong>das</strong> pelo juiz titular da<br />

secção.<br />

A manutenção da lógica interna de distribuição tarefas e de articulação<br />

entre as secções concretiza-se na manutenção da divisão entre secção central,<br />

secção de processos e secção de serviço externo, bem como o papel decisivo<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


do escrivão na definição <strong>das</strong> tarefas a serem realiza<strong>das</strong> pelos escrivães<br />

adjuntos e auxiliares. As principais consequências deste modelo são a<br />

possibilidade de duplicação de trabalho e o facto da decisão de organização do<br />

trabalho caber, em última instância, ao critério pessoal <strong>dos</strong> escrivães de direito,<br />

sem que assente em orientações e princípios gerais previamente defini<strong>dos</strong>,<br />

verificando-se grande heterogeneidade de procedimentos e falta de<br />

racionalização no trabalho realizado.<br />

33. Em síntese, as principais conclusões que o trabalho empírico<br />

realizado evidenciou no que diz respeito à organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

são as seguintes: (1) a organização do trabalho varia de acordo com a secção,<br />

o juiz, o perfil e a <strong>experiência</strong> de cada funcionário, ficando a produtividade <strong>dos</strong><br />

funcionários depende quase exclusivamente do seu empenho e compromisso<br />

pessoal; (2) a formação para o desempenho <strong>das</strong> funções é isolada e aleatória e<br />

os funcionários, como aprendem uns com os outros, tendem a assimilar os<br />

vícios de rotina daqueles com quem trabalham; (3) a ausência de <strong>um</strong> programa<br />

de preparação, formação e acompanhamento <strong>das</strong> reformas tem consequências<br />

no usufruto que pode ser extraído delas, daí que a maior ou menor adaptação<br />

e actualização passem a depender apenas do interesse e da motivação<br />

pessoal de cada funcionário.<br />

Para concluir, deve ainda mencionar-se o facto <strong>das</strong> boas práticas de<br />

determina<strong>das</strong> secções não serem generaliza<strong>das</strong>, ou seja, a responsabilidade<br />

pelo aperfeiçoamento do trabalho, pela introdução e propagação de mudanças<br />

é difusa e depende do esforço e do interesse de cada <strong>um</strong>. Deve, por isso,<br />

procurar-se a introdução de mecanismos que permitam a generalização e<br />

adaptação local <strong>das</strong> boas práticas alcança<strong>das</strong>.<br />

Conclusões e Recomendações 213


7.2 Recomendações principais<br />

Como já referimos, nas sociedades modernas, onde o direito e a justiça<br />

são instr<strong>um</strong>entos centrais da qualidade da democracia, os <strong>tribunais</strong> judiciais<br />

desempenham <strong>um</strong> papel fundamental, seja na efectivação de direitos sociais,<br />

no combate à corrupção ou na resolução de conflitos <strong>dos</strong> cidadãos e <strong>das</strong><br />

empresas. A resolução de muitos desses conflitos, ainda que inter-individuais,<br />

tem <strong>um</strong>a enorme relevância para os próprios, mas também para a qualidade da<br />

cidadania. Por exemplo, a forma como o país trata grupos de cidadãos<br />

socialmente mais vulneráveis (onde se incluem as crianças, a grande maioria<br />

<strong>dos</strong> sinistra<strong>dos</strong> laborais, as mulheres, os imigrantes) depende muito da acção<br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. O poder judicial é <strong>um</strong> poder fundamental do Estado. E é nessa<br />

condição que as reformas a ele dirigi<strong>das</strong>, quer na sua concepção, quer na sua<br />

execução, devem ser encara<strong>das</strong> pelos intervenientes <strong>dos</strong> diferentes poderes.<br />

O campo <strong>das</strong> reformas estruturais pode ser <strong>um</strong> campo de confronto, de<br />

tensões entre os poderes judicial e político, de lutas corporativas, mas pode,<br />

também, ser <strong>um</strong> campo de oportunidades, de rupturas, de novos desafios, de<br />

<strong>olhar</strong> para o futuro. A reforma do mapa e da organização judiciária em curso<br />

tem essa dimensão, ao estruturar-se em torno <strong>dos</strong> objectivos de modernização<br />

do sistema judicial através de criação de novos modelos de divisão territorial,<br />

de organização judiciária e de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />

Tal reforma, pela sua abrangência, pelos desafios que incorpora e pelos<br />

recursos que mobiliza, deve ser encarada como eixo estruturante do sistema<br />

de justiça. Aliás, essa é a perspectiva subjacente à proposta de reforma do<br />

mapa judiciário que apresentámos em 2006, ao considerarmos que a reforma,<br />

se devidamente articulada com <strong>um</strong>a agenda estratégica mais vasta, poderia<br />

funcionar como alavanca de <strong>um</strong>a verdadeira viragem do desempenho funcional<br />

da justiça portuguesa no caminho da qualidade e da excelência.<br />

Como se demonstrou ao longo deste relatório, a dimensão gestionária é<br />

<strong>um</strong>a dimensão central desta reforma que se materializa, <strong>sobre</strong>tudo, na


densificação de competências desta natureza ao nível do tribunal de comarca,<br />

concentrando <strong>um</strong> <strong>dos</strong> principais desafios à reforma. É <strong>sobre</strong> esta dimensão que<br />

se centram a análise e as recomendações que integram este relatório.<br />

216<br />

Esta reforma incorpora, ainda, <strong>um</strong>a vertente pouco com<strong>um</strong> entre nós: a<br />

experimentação. Ao optar pela implementação da reforma em apenas três<br />

<strong>comarcas</strong> piloto, o legislador ass<strong>um</strong>e a sua dimensão complexa e estruturante.<br />

Mas a experimentação não é <strong>um</strong> fim em si mesmo. Ela tem <strong>um</strong>a função<br />

instr<strong>um</strong>ental no sentido de identificar tanto virtualidades como problemas. Daí<br />

que o potencial só seja efectivamente conseguido se a reforma for sujeita a <strong>um</strong><br />

processo de monitorização e avaliação em to<strong>das</strong> as sua vertentes, o que aliás<br />

estava previsto. Não deve, por isso, avançar-se no alargamento a outras<br />

<strong>comarcas</strong> sem que tal ocorra. Essa é a nossa primeira recomendação. A<br />

repetição de erros, de desperdícios, de resistências, pode comprometer<br />

irremediavelmente este processo de mudança da justiça portuguesa. Os<br />

órgãos e os agentes do Estado e da sociedade, empenha<strong>dos</strong> nesta reforma,<br />

devem ass<strong>um</strong>ir que o quadro de crise social e de escassez de recursos não<br />

permite desperdícios de <strong>experiência</strong>s e de oportunidades.<br />

O alargamento do período experimental pode ainda ser aproveitado, no<br />

que respeita à componente gestionária, para testar alg<strong>um</strong>as possibilidades que<br />

a avaliação e as recomendações possam sugerir. Apesar deste alargamento<br />

impedir o c<strong>um</strong>primento da calendarização prevista na reforma, deve<br />

estabelecer-se <strong>um</strong>a agenda alternativa rigorosa que permita definir objectivos e<br />

metas.<br />

Na sequência <strong>dos</strong> princípios e linhas orientadoras que as várias teorias<br />

gestionárias enfatizam e à luz da investigação realizada, apresentamos de<br />

seguida as recomendações principais.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Recomendações gerais relativas à reforma do mapa e<br />

da organização judiciária<br />

Avaliação global da reforma do mapa e da organização judiciária<br />

Um processo de reforma alicerçado em diagnósticos consistentes e na<br />

verificação empírica da aplicação da lei, através de <strong>um</strong> competente<br />

programa de monitorização e de avaliação, é fundamental para o sucesso<br />

da reforma. Essa monitorização deve ser interna e externa.<br />

A nossa recomendação é no sentido do não alargamento a outras<br />

<strong>comarcas</strong> piloto sem prévia avaliação da reforma.<br />

Definição de <strong>um</strong> programa de avaliação<br />

A avaliação exigente deve sustentar-se em metodologias adequa<strong>das</strong>, bem<br />

como partir da definição prévia de objectivos, critérios e indicadores, que<br />

devem constar de <strong>um</strong> programa de monitorização que permita avaliar e<br />

medir o impacto da reforma.<br />

Tal programa deve dar especial atenção às dificuldades de<br />

interpretação de determina<strong>dos</strong> conceitos da lei, designadamente,<br />

em matéria de competências funcionais (divisão de competências<br />

entre entidades centrais e locais e dentro destas) de forma a<br />

concretizar os perfis profissionais <strong>dos</strong> diferentes intervenientes,<br />

especificando as tarefas e responsabilidades de modo a evitar<br />

<strong>sobre</strong>posição de competências e dificuldades de criação de<br />

interfaces.<br />

Conclusões e Recomendações 217


218<br />

Preparação eficiente do alargamento da reforma<br />

A preparação da reforma não se relaciona apenas com o necessário<br />

esforço analítico de interpretação da realidade <strong>sobre</strong> a qual se quer intervir<br />

de modo a produzir conhecimento sólido que possa informar o debate e<br />

orientar as soluções em discussão. A sua execução prática deve também<br />

prever <strong>um</strong> plano de actividades para a sua implementação que garanta o<br />

suporte estrutural necessário, que permita <strong>um</strong>a execução faseada e que<br />

potencie a participação social e profissional alargada.<br />

O alargamento futuro a outras <strong>comarcas</strong> piloto deve ser precedido<br />

de <strong>um</strong> plano estratégico e da criação de <strong>um</strong> conjunto de<br />

instr<strong>um</strong>entos de suporte que potenciem <strong>um</strong>a adequada e eficiente<br />

<strong>gestão</strong> prática da mudança. Este plano deve prever os principais<br />

canais de comunicação e de informação e envolver, o mais<br />

possível, as pessoas mais directamente afecta<strong>das</strong> pelo processo<br />

de mudança.<br />

Levantamento sistematizado, programação e calendarização de to<strong>das</strong><br />

as necessidades, quer no âmbito de infra-estruturas, quer de<br />

equipamentos que o alargamento a mais <strong>comarcas</strong> exige<br />

O nosso estudo permitiu identificar vários aspectos em que essa<br />

programação não ocorreu. As reformas estruturantes que impliquem<br />

rupturas com rotinas tendem a sofrer <strong>um</strong>a maior resistência. Essa<br />

resistência será tanto maior quanto mais perturbador for o processo de<br />

mudança em si mesmo.<br />

Sistematização e acompanhamento da experimentação gestionária<br />

O período experimental da reforma propicia e deve ser aproveitado para<br />

ensaiar, no respeito pelos princípios e normas legais, novas formas de<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


organização interna e novos méto<strong>dos</strong> de trabalho. A reforma tem potencial<br />

e introduz muitas inovações que devem ser testa<strong>das</strong>. Mas essa<br />

experimentação deve ser enquadrada por linhas orientadoras, objectivos e<br />

metas previamente defini<strong>dos</strong> e deve ser acompanhada de forma a poder<br />

controlar as diferentes variáveis. Não pode ser casuística, baseada em<br />

constatações empíricas, na <strong>experiência</strong> pessoal ou no bom senso. Só <strong>um</strong>a<br />

<strong>experiência</strong> racionalizada e devidamente controlada pode ser melhor<br />

aproveitada enquanto processo de boas práticas e susceptível de produzir<br />

<strong>um</strong> efeito sistémico.<br />

Recomenda-se, assim, que sejam defini<strong>das</strong> áreas de<br />

experimentação – a nossa proposta é que se situem no âmbito da<br />

organização interna e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho <strong>das</strong> secções de<br />

processo – e se crie, em conjunto com os principais<br />

intervenientes, <strong>um</strong> programa informado de experimentação nas<br />

três <strong>comarcas</strong> piloto.<br />

Definição de regras e princípios gerais para a instalação <strong>dos</strong> juízos<br />

O trabalho de campo evidenciou a instalação de juízos em locais<br />

manifestamente inadequa<strong>dos</strong>, considerando quer o vol<strong>um</strong>e de trabalho,<br />

quer o número de cidadãos que diariamente aí se dirigem. Por exemplo, há<br />

instalações que podem comportar <strong>um</strong> juízo de execução, com <strong>um</strong>a<br />

intervenção de público mais reduzida, mas não <strong>um</strong> juízo de família e<br />

menores ou <strong>um</strong> juízo de trabalho. No contexto da reforma experimental,<br />

esta vertente pode atenuar ou acentuar a força simbólica da mudança.<br />

Articulação com outras reformas<br />

A natureza estruturante da reforma do mapa e da organização judiciária<br />

leva-nos, ainda, a recomendar que o desenvolvimento de outras reformas<br />

conexas, com sejam reformas de natureza processual, de criação de meios<br />

Conclusões e Recomendações 219


220<br />

alternativos de resolução de conflitos ou de colocação e progressão nas<br />

carreiras judiciais, deva ter <strong>um</strong> lastro na avaliação e monitorização desta<br />

reforma, de modo a que se possa melhor prever os impactos respectivos<br />

no desempenho funcional <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. Por exemplo, se a opção for no<br />

sentido do reforço da oralidade do processo civil, a organização <strong>das</strong><br />

secções de processos exigirão, em várias vertentes, <strong>um</strong> outro tipo de<br />

dimensionamento. Daí que essa avaliação global se revele fundamental.<br />

Recomenda-se, assim, que se crie <strong>um</strong>a plataforma de articulação<br />

entre a monitorização da reforma do mapa e da organização<br />

judiciária e os eventuais processos de reforma em matérias<br />

conexas.<br />

Definição de canais e regras de interface entre as diferentes entidades<br />

com competência de administração e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />

A governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, a nível central, está configurada n<strong>um</strong> modelo<br />

de competências bicéfalo, repartido entre vários organismos do Ministério<br />

da Justiça e os conselhos e, a nível local, entre várias figuras no contexto<br />

do tribunal de comarca. Ainda que alg<strong>um</strong>as dessas competências venham<br />

a ser concentra<strong>das</strong> no juiz presidente ou no administrador do tribunal,<br />

como se propõe, a lei prevê, em diversos momentos, a combinação e<br />

articulação de competências centrais e locais. A <strong>gestão</strong> integrada que<br />

tenha como referência o tribunal de comarca depende muito da capacidade<br />

de articulação entre as diversas entidades, isto é, da realização plena do<br />

princípio da cooperação previsto na lei. O trabalho de campo permitiu<br />

verificar que há dificuldades de articulação várias. Se, a nível local, está<br />

previsto <strong>um</strong> conselho de comarca e <strong>um</strong> papel de coordenação por parte do<br />

juiz presidente, a nível central, a dispersão de competências exige a<br />

criação de <strong>um</strong>a estrutura que possa sintetizar <strong>um</strong>a maior articulação.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Propõe-se que se evolua no sentido de <strong>um</strong> modelo que preveja a<br />

criação de <strong>um</strong> Conselho de Coordenação e de Planeamento de<br />

Políticas de Administração e Gestão <strong>dos</strong> Tribunais nas várias<br />

vertentes com a participação <strong>dos</strong> Conselhos Superiores, <strong>dos</strong><br />

juízes presidentes <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> de comarca e do Ministério da<br />

Justiça. A <strong>um</strong> tal conselho seria conferido <strong>um</strong> papel primordial na<br />

execução de políticas e concertação de acções.<br />

Conclusões e Recomendações 221


Recomendações que visam criar capacitação<br />

gestionária ao nível do tribunal de comarca<br />

222<br />

Criação de <strong>um</strong> gabinete de apoio ao juiz presidente e ao administrador<br />

do tribunal<br />

A lei veio conferir importantes competências em matéria gestionária a estas<br />

duas figuras, cujo exercício precisa de <strong>um</strong> suporte organizacional. A<br />

densificação dessas competências, designadamente em matéria<br />

orçamental e de <strong>gestão</strong> de recursos, exige que esse gabinete seja<br />

dotado de recursos h<strong>um</strong>anos e materiais em número e perfis<br />

funcionais adequa<strong>dos</strong>.<br />

O tribunal de comarca como unidade administrativa de referência a<br />

nível local<br />

A reforma dá continuidade à característica atomística da organização<br />

interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, ao manter as actuais secretarias <strong>dos</strong> juízos como<br />

unidades administrativas de referência, e não o tribunal de comarca em si<br />

mesmo. Como mostramos no relatório, esta característica tem<br />

consequências no âmbito <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos, materiais, financeiros<br />

(por exemplo, as secretarias deixam de serem titulares de contas<br />

bancárias) e mesmo no domínio da informatização (<strong>um</strong>a vez que, apesar<br />

de ter <strong>um</strong> servidor a nível da comarca, trata cada secretaria como se<br />

fossem <strong>tribunais</strong> autónomos, o que leva a que diariamente haja problemas<br />

vários na transmissão de da<strong>dos</strong>) e não é compatível com os objectivos da<br />

reforma do mapa judiciário ao condicionar o efeito de <strong>um</strong>a escala maior<br />

que a reforma introduziu.<br />

Recomendamos, por isso, que seja alterada esta organização<br />

administrativa. Admite-se que essa alteração seja complexa e exija<br />

<strong>um</strong> esforço acrescido, dada a ruptura que irá provocar com<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


conceitos e práticas de há várias déca<strong>das</strong>. Contudo,<br />

constrangimentos vários mostram que não é possível aprofundar<br />

os objectivos de governação integrada e de proximidade que a<br />

reforma incorpora sem essa alteração.<br />

A <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos (com excepção <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>) deve ser feita<br />

ao nível do tribunal de comarca<br />

Nesta articulação, cabe ao juiz presidente o planeamento <strong>das</strong><br />

necessidades. A decisão, ponderando a elasticidade <strong>dos</strong> recursos e as<br />

necessidades <strong>das</strong> diferentes <strong>comarcas</strong>, é central. Ao nível local a decisão é<br />

desconcentrada, sendo a <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos (colocação, deslocação,<br />

permuta, etc.) da exclusiva competência do juiz presidente. A supervisão,<br />

com a obrigação de apresentação de relatórios periódicos, é reservada às<br />

autoridades centrais ou ao Conselho de Coordenação e de Planeamento<br />

de Políticas de Administração e Gestão <strong>dos</strong> Tribunais acima proposto.<br />

Relativamente aos magistra<strong>dos</strong> devem ser cria<strong>dos</strong> canais de comunicação<br />

próprios que estreitem a articulação com o tribunal de comarca.<br />

Atribuição de orçamento único ao tribunal<br />

A proposta de orçamento, bem como a sua <strong>gestão</strong> e execução, devem<br />

ter como referência o tribunal de comarca globalmente considerado, e<br />

não cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> secretarias. Deve ser atribuído <strong>um</strong> orçamento único<br />

ao tribunal. O juiz presidente, com a coadjuvação do administrador, tem<br />

competência para a distribuição do orçamento pelas secretarias. A decisão<br />

<strong>sobre</strong> as transferências entre rubricas ou entre secretarias deve ser<br />

competência própria do juiz presidente, coadjuvado pelo administrador.<br />

Este modelo deve evoluir para a centralidade administrativa <strong>das</strong> tarefas<br />

relativas ao orçamento. Esta evolução exige a criação de <strong>um</strong>a estrutura de<br />

apoio, não só através de recursos h<strong>um</strong>anos especializa<strong>dos</strong>, mas também<br />

Conclusões e Recomendações 223


224<br />

de <strong>um</strong>a aplicação informática adequada ao controlo da execução<br />

orçamental global.<br />

Formação na área da <strong>gestão</strong><br />

A criação e densificação de competências ao nível do tribunal de comarca<br />

exige <strong>um</strong>a atenção especial ao perfil, formação e capacitação <strong>dos</strong> vários<br />

intervenientes com funções de direcção e coordenação. A lei prevê <strong>um</strong>a tal<br />

formação e as futuras colocações dela devem beneficiar sempre. Esta<br />

necessidade ass<strong>um</strong>e contornos especiais nos casos do juiz presidente,<br />

dada a amplitude <strong>das</strong> suas competências, e do administrador do tribunal,<br />

mas não só, sendo igualmente aplicável às demais funções de<br />

coordenação. É, assim, fundamental que essa formação inclua os<br />

escrivães de direito, considerando o papel que desempenham na chefia da<br />

secção de processos.<br />

Transitoriamente, deve ser definido e executado <strong>um</strong> programa de<br />

formação específica obrigatória, envolvendo to<strong>das</strong> as matérias de<br />

<strong>gestão</strong> (processual, de recursos h<strong>um</strong>anos e materiais, financeira,<br />

entre outras) para as pessoas que estão actualmente no exercício<br />

de tais funções.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Recomendações no âmbito da <strong>gestão</strong> de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos<br />

Os movimentos, quer para magistra<strong>dos</strong>, quer para funcionários<br />

judiciais, devem ser anuais e devem ocorrer em simultâneo<br />

A prática, no caso <strong>dos</strong> funcionários, de mais que <strong>um</strong> concurso anual e o<br />

facto de não ocorrerem em simultâneo com a movimentação de<br />

magistra<strong>dos</strong> tem consequências negativas na eficiência <strong>dos</strong> serviços.<br />

Quadro e mapa de pessoal<br />

Considerando o modelo actual de distribuição <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos com<br />

referência ao quadro de juízes <strong>dos</strong> juízos e ao quadro de pessoal <strong>das</strong><br />

secretarias, <strong>um</strong>a primeira medida é a avaliação da sua adequação tendo<br />

em conta critérios objectivos, designadamente, os processos entra<strong>dos</strong> e<br />

pendentes <strong>dos</strong> diferentes juízos e os índices de produtividade.<br />

A <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos pode admitir dois cenários: a) a criação de<br />

quadros máximos e mínimos de juízes e de funcionários; b) a criação de<br />

<strong>um</strong> mapa de funcionários para o tribunal de comarca. Note-se que a<br />

questão <strong>dos</strong> juízes tem outros contornos, que serão abaixo desenvolvi<strong>dos</strong>.<br />

a) Funcionários Judiciais<br />

Definição de orientações e critérios objectivos que permitam prever<br />

as necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos nos diferentes juízos do<br />

tribunal de comarca<br />

Esta questão é complexa e implica o aprofundar da reflexão <strong>sobre</strong> vol<strong>um</strong>es<br />

de trabalho e conteú<strong>dos</strong> funcionais. Não obstante, é <strong>um</strong>a reflexão<br />

fundamental. Os instr<strong>um</strong>entos que existem dizem respeito a <strong>um</strong>a realidade<br />

Conclusões e Recomendações 225


226<br />

organizacional que a reforma alterou profundamente. Essas linhas de<br />

orientação são essenciais para que o juiz presidente, em conjunto com as<br />

entidades com competências de <strong>gestão</strong> de recursos a nível central<br />

(Conselhos e DGAJ), possa prever, não só os recursos h<strong>um</strong>anos<br />

necessários para toda a comarca, mas também para cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> juízos.<br />

Deve apostar-se na produção de estu<strong>dos</strong> objectivos. Contudo, a<br />

complexidade dessa temática exige <strong>um</strong> estudo de acompanhamento que<br />

se prolongue no tempo, admitindo-se que, n<strong>um</strong> período de transição, se<br />

façam as aproximações possíveis.<br />

Propõe-se a criação de <strong>um</strong> grupo de trabalho que faça <strong>um</strong>a<br />

actualização <strong>dos</strong> trabalhos produzi<strong>dos</strong> <strong>sobre</strong> esta matéria<br />

considerando as novas <strong>comarcas</strong> de modo a produzir indicadores<br />

de referência, tendo por base o vol<strong>um</strong>e e a natureza da litigância,<br />

carga horária, número e categoria <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos.<br />

Colocação <strong>dos</strong> funcionários judiciais no tribunal de comarca<br />

Mostramos no relatório que existem vários constrangimentos à mobilidade<br />

<strong>dos</strong> funcionários judiciais entre as secretarias <strong>dos</strong> juízos do tribunal. Esses<br />

constrangimentos decorrem, no essencial, do Estatuto <strong>dos</strong> Funcionários de<br />

Justiça, e pelo facto de se interpretar como unidade de referência de<br />

colocação a secretaria <strong>dos</strong> juízos e não o tribunal de comarca. Uma <strong>gestão</strong><br />

eficiente <strong>dos</strong> recursos exige <strong>um</strong>a deslocação ágil, de acordo com critérios<br />

de racionalidade e de necessidades de serviço. A intervenção <strong>sobre</strong> esta<br />

matéria exige, contudo, que se encontre <strong>um</strong> adequado equilíbrio entre as<br />

necessidades de racionalização <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos disponíveis, direitos<br />

adquiri<strong>dos</strong> e expectativas legítimas <strong>dos</strong> funcionários aquando do ingresso<br />

na carreira.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Propõe-se a alteração do Estatuto <strong>dos</strong> Funcionários de Justiça no<br />

sentido de permitir a mobilidade geográfica de to<strong>dos</strong> os<br />

funcionários judiciais, alicerçada em critérios de necessidade de<br />

serviço devidamente fundamenta<strong>dos</strong>, independentemente da sua<br />

categoria funcional. No respeito pelo limite <strong>dos</strong> critérios de<br />

mobilidade que se venham a definir, a unidade de referência de<br />

colocação <strong>dos</strong> funcionários judiciais deve ser o tribunal de<br />

comarca. As actuais regras de mobilidade estabeleci<strong>das</strong> pela lei e<br />

jurisprudência laboral consagram direitos que não podem ser<br />

derroga<strong>dos</strong>.<br />

Densificação <strong>das</strong> competências do juiz presidente no que respeita à<br />

avaliação de desempenho <strong>dos</strong> funcionários judiciais<br />

Recomendamos que se analise a possibilidade de a avaliação de to<strong>dos</strong> os<br />

funcionários passar a estar sujeita ao SIADAP. Independentemente da<br />

evolução para <strong>um</strong> tal sistema, a afectação e a avaliação <strong>dos</strong> funcionários<br />

devem convergir no sentido de se situarem ao nível do tribunal de comarca,<br />

tendo como superior hierárquico o juiz presidente. No COJ seriam manti<strong>das</strong><br />

as actuais competências, quanto aos funcionários judiciais, em matéria<br />

disciplinar.<br />

Recrutamento e colocação de outro pessoal para o exercício de<br />

funções de natureza administrativa ou de suporte à actividade<br />

jurisdicional a nível do tribunal de comarca<br />

O vínculo funcional com estes quadros deve situar-se ao nível do tribunal<br />

de comarca. O recrutamento e <strong>gestão</strong> destes recursos, em to<strong>das</strong> as suas<br />

vertentes, deve situar-se exclusivamente ao nível do tribunal de comarca e<br />

deve constituir competência própria do juiz presidente.<br />

Conclusões e Recomendações 227


228<br />

b) Juízes<br />

Distribuição de processos<br />

Deve abrir-se <strong>um</strong> debate informado que possa definir linhas de orientação<br />

para o estabelecimento de regras que permitam <strong>um</strong>a maior racionalidade,<br />

eficiência e qualidade na distribuição do trabalho <strong>dos</strong> juízes e que evitem o<br />

recurso ao mecanismo de ac<strong>um</strong>ulação e permitam regras de distribuição<br />

de processos diferencia<strong>das</strong> e sem colocar em causa o princípio do juiz<br />

natural. A solução pode levar à criação de critérios diferencia<strong>dos</strong> para as<br />

várias <strong>comarcas</strong>. O trabalho de campo permitiu identificar, entre os agentes<br />

judiciais, dissensos vários quanto a possíveis soluções, que passam por<br />

diferentes interpretações <strong>sobre</strong> os limites decorrentes do princípio do juiz<br />

natural. A importância e complexidade da matéria exige que se inicie esse<br />

debate.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Recomendações no âmbito da informatização<br />

Diagnóstico <strong>dos</strong> níveis de segurança do sistema<br />

A questão da segurança foi enfatizada por vários agentes entrevista<strong>dos</strong>. De<br />

modo a garantir a credibilidade do sistema e a não colocar em causa o<br />

processo de informatização deve ser feita <strong>um</strong>a avaliação à sua<br />

segurança tendo como referência normas aplicáveis à segurança<br />

informática (por exemplo, ISO 27001:2005 Information Security<br />

Management, ISO 20000:2005 IT Service Management e BS 2599:2006<br />

Business Continuity Management).<br />

Gap Analysis<br />

Deve ser promovida <strong>um</strong>a análise de diagnóstico <strong>dos</strong> actuais sistemas, de<br />

modo a identificar problemas e necessidades de expansão para comportar<br />

mudanças na organização interna, nos méto<strong>dos</strong> de trabalho ou na <strong>gestão</strong><br />

processual. Esta avaliação deve ser precedida da identificação de to<strong>dos</strong><br />

utilizadores, <strong>das</strong> suas necessidades e da definição <strong>dos</strong> diferentes<br />

perfis e níveis de acesso. A realização deste diagnóstico deve envolver<br />

o mais possível os diferentes tipos de utilizadores.<br />

A competência para a definição do perfil <strong>dos</strong> utilizadores e <strong>dos</strong><br />

níveis de acesso deve ser mantida ao nível do tribunal de comarca<br />

concentrada no juiz presidente.<br />

Avaliação <strong>das</strong> necessidades para o exercício de funções de <strong>gestão</strong> do<br />

juiz presidente e do administrador<br />

A nossa proposta é que a regra seja de pleno acesso, por parte do juiz<br />

presidente, a toda a informação gerada nos juízos, com ressalva de<br />

Conclusões e Recomendações 229


230<br />

situações excepcionais, como as abrangi<strong>das</strong> pelo segredo de justiça. Deve<br />

ser levada a cabo <strong>um</strong>a avaliação que permita definir diferentes níveis<br />

de acesso, bem como a criação de programas específicos que<br />

atendam às necessidades do juiz presidente e do administrador no<br />

exercício <strong>das</strong> tarefas de <strong>gestão</strong> do tribunal.<br />

Serviços de apoio técnico e informático<br />

Os <strong>tribunais</strong> de comarca devem ser dota<strong>dos</strong> de <strong>um</strong> serviço de apoio<br />

técnico e informático adequado que permita, com proximidade, rapidez<br />

e eficiência, resolver os problemas que surgem nos respectivos<br />

serviços. O caminho da utilização crescente <strong>das</strong> novas tecnologias e da<br />

desmaterialização <strong>dos</strong> processos em que se apostou exige essa<br />

disponibilidade. A actual situação cria ineficiências graves no exercício <strong>das</strong><br />

funções, que devem rapidamente ser acautela<strong>das</strong>.<br />

O caminho da desmaterialização <strong>dos</strong> processos<br />

A situação que hoje se vive, não só nas novas <strong>comarcas</strong> piloto, mas em<br />

to<strong>dos</strong> os <strong>tribunais</strong> do país é geradora de perda de eficiência e de qualidade,<br />

de desperdícios e de insegurança. A este propósito destaca-se o facto de<br />

existirem, em regra, dois processos a correr em paralelo, que se<br />

complementam: <strong>um</strong> a tramitar em suporte de papel e outro a tramitar em<br />

suporte electrónico. A gravidade desta situação exige que se defina e<br />

execute, de imediato, <strong>um</strong> programa de acção, em especial, no âmbito<br />

<strong>das</strong> novas <strong>comarcas</strong> piloto. Pela dinâmica que se pretende criar, devem<br />

merecer prioridade. A não resolução atempada deste problema, além <strong>dos</strong><br />

efeitos acima referi<strong>dos</strong>, poderá gerar <strong>um</strong> rápido retrocesso no caminho da<br />

desmaterialização. Assim:<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


a) Devem-se definir regras que obriguem, de facto, à<br />

desmaterialização de to<strong>dos</strong> os doc<strong>um</strong>entos que ainda chegam ao<br />

tribunal em suporte de papel;<br />

b) Deve-se dotar to<strong>dos</strong> os juízos de equipamentos adequa<strong>dos</strong> (em<br />

número e em eficiência) que permitam suportar essa<br />

desmaterialização;<br />

c) Deve-se definir e executar, no âmbito de cada comarca piloto, <strong>um</strong><br />

adequado programa de formação que abranja to<strong>dos</strong> os utilizadores,<br />

de modo a criar competências na utilização <strong>das</strong> ferramentas<br />

promovendo a sua utilização (por exemplo, há escrivães que não<br />

utilizam, por dificuldade de conhecimento técnico, a ferramenta que<br />

permite controlar os prazos <strong>dos</strong> processos);<br />

d) Os serviços do Estado, em especial aqueles que com regularidade<br />

se articulam com os <strong>tribunais</strong>, devem fazê-lo através de meios<br />

telemáticos. À semelhança do que já ocorre com DGRS, devem ser<br />

cria<strong>dos</strong> protocolos de articulação com os vários serviços,<br />

designadamente, órgãos de polícia, serviços da segurança social,<br />

serviços de perícia.<br />

Conclusões e Recomendações 231


Recomendações no âmbito da organização interna e<br />

<strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho<br />

232<br />

Como referimos no ponto 6, a heterogeneidade social, administrativa e<br />

territorial <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong>, influenciada por diferente vol<strong>um</strong>e e natureza da<br />

procura judicial, determina que as propostas de optimização da organização<br />

interna e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho não possam corresponder a <strong>um</strong>a solução<br />

única a aplicar uniformemente a to<strong>das</strong> as secções. Neste campo deve existir,<br />

<strong>sobre</strong>tudo, reflexão e experimentação suficientemente consolidada que permita<br />

produzir regras e princípios orientadores sóli<strong>dos</strong>.<br />

Daí que a primeira recomendação vá no sentido de reforçar a<br />

utilização do período experimental para ensaiar propostas de mudança na<br />

organização interna e nos méto<strong>dos</strong> de trabalho, devidamente orienta<strong>das</strong>, de<br />

forma identificar boas práticas que sirvam de referência para o alargamento da<br />

reforma.<br />

A segunda recomendação é que <strong>um</strong>a tal experimentação deve, por<br />

<strong>um</strong> lado, ser sustentada a partir de certas variáveis (instalação <strong>dos</strong> juízos,<br />

dispersão territorial, vol<strong>um</strong>e e natureza da procura, recursos h<strong>um</strong>anos) e, por<br />

outro, ser fundada nos estu<strong>dos</strong> existentes e conhecimento empírico do<br />

funcionamento quotidiano <strong>dos</strong> serviços, da divisão de tarefas e <strong>dos</strong> processos<br />

de trabalho. O trabalho de campo produzido permite-nos avançar com alg<strong>um</strong>as<br />

propostas.<br />

Secções de Serviço Com<strong>um</strong><br />

Os juízos devem organizar-se em secções de processos e, sempre<br />

que tal se justifique, em secções de serviço com<strong>um</strong>. No actual quadro da<br />

organização judiciária e da desmaterialização <strong>dos</strong> processos, a secretaria<br />

perde utilidade como intermediária do fluxo entre a secção de processos e o<br />

exterior ou outros serviços. Explicámos como a reforma do mapa e da<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


organização judiciária, apesar de elevar a escala, manteve esta situação,<br />

fazendo corresponder, na prática, as anteriores secretarias <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> às<br />

actuais secretarias <strong>dos</strong> juízos. Esta situação é geradora de eleva<strong>dos</strong><br />

desperdícios, em especial, nos juízos que têm apenas <strong>um</strong>a ou duas secções.<br />

Não defendemos a adopção do modelo espanhol que apresentamos neste<br />

relatório, mas a <strong>experiência</strong> espanhola tem alg<strong>um</strong>as virtualidades, em especial<br />

a que se refere à criação de serviços comuns, que podem ser experimenta<strong>das</strong><br />

no nosso contexto.<br />

O serviço com<strong>um</strong> deve ser criado onde a escala o justifique<br />

(podendo agregar tarefas de juízos situa<strong>dos</strong> no mesmo edifício ou em<br />

edifícios próximos) e deve englobar to<strong>das</strong> as tarefas susceptíveis de<br />

serem agrega<strong>das</strong> não colocando em causa o controlo total do processo<br />

por parte do juiz e da secção do processo onde está a tramitar. Este<br />

serviço deve ser dirigido por <strong>um</strong> secretário ou escrivão de direito e tem<br />

que ser dotado <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos necessários. Propõe-se como<br />

possíveis tarefas a agregar em serviços comuns as seguintes:<br />

Criação de <strong>um</strong> serviço com<strong>um</strong> de atendimento e informação<br />

Baseado n<strong>um</strong> sistema informático aperfeiçoado que permita deslocar <strong>um</strong><br />

funcionário ou <strong>um</strong> grupo de funcionários para <strong>um</strong> front office,<br />

concentrado no atendimento ao público mas garantindo também o<br />

c<strong>um</strong>primento de outras tarefas da secção a que está afectado. Assim,<br />

elimina-se o atendimento telefónico nas secções de processos e as<br />

interrupções causa<strong>das</strong> pelo atendimento ao público. Esta proposta exige<br />

a redefinição e ampliação <strong>dos</strong> critérios de acesso às informações<br />

constantes do processo electrónico. Só se deve evoluir para a criação de<br />

serviços de informação fora da secção de processos quando os<br />

processos estiverem totalmente informatiza<strong>dos</strong>. Uma condição primeira<br />

para o funcionamento destes serviços é que os utentes não vejam<br />

a<strong>um</strong>enta<strong>das</strong> as dificuldades de acesso à informação constante do<br />

Conclusões e Recomendações 233


234<br />

processo. Reside aí a importância de estes serviços serem dota<strong>dos</strong> de<br />

pessoal altamente qualificado.<br />

Enquanto tal não for possível a prestação de atendimento ao<br />

público, presencial ou por telefone, deve ser racionalizada na<br />

secção ou no juízo, com mais de <strong>um</strong>a secção, com a criação de<br />

<strong>um</strong> front office.<br />

Criação de <strong>um</strong> serviço com<strong>um</strong> de estatísticas<br />

Este serviço pode estar vinculado ao gabinete da presidência do tribunal<br />

e será responsável pelo tratamento <strong>das</strong> estatísticas produzi<strong>das</strong> em to<strong>dos</strong><br />

os juízos do tribunal de comarca com o objectivo principal de produzir<br />

indicadores, que sirvam, designadamente, como instr<strong>um</strong>entos de<br />

planeamento, <strong>gestão</strong> e avaliação de desempenho. Pode, ainda,<br />

colaborar na avaliação <strong>dos</strong> sistemas informáticos.<br />

Criação de <strong>um</strong> serviço com<strong>um</strong> para as execuções, que tramitam em<br />

<strong>tribunais</strong> especializa<strong>dos</strong>, ou para a elaboração da conta <strong>dos</strong><br />

processos<br />

Tratando-se de tarefas repetitivas que podem ser agrega<strong>das</strong>, a criação<br />

de <strong>um</strong> serviço com<strong>um</strong> traria ganhos de eficiência, quer para a execução<br />

dessas tarefas, quer para a libertação da secção de processos dessas<br />

funções.<br />

Criação de <strong>um</strong> gabinete do cidadão<br />

O gabinete teria funções de esclarecimento e aproximação do cidadão<br />

ao sistema judicial, com especial mais-valia nos processos-crime e nos<br />

juízos de família, por exigirem maior atenção do tribunal face ao cidadão.<br />

Também poderia ser responsável, em colaboração com a Ordem <strong>dos</strong><br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Advoga<strong>dos</strong>, por prestar serviços de informação e consulta jurídica no<br />

âmbito do apoio judiciário.<br />

Criação de serviços comuns de registo e digitalização da<br />

correspondência<br />

Este serviço contribuiria para a concretização da informatização do<br />

processo, apoiando <strong>um</strong> conjunto de juízos de acordo com o vol<strong>um</strong>e de<br />

entrada de doc<strong>um</strong>entos. Esta medida poderá a obrigar a alterações nos<br />

fluxos electrónicos do processo de modo a que informação possa ser<br />

transferida directamente para o histórico e os detalhes do processo.<br />

Secção única de processos<br />

Esta possibilidade teria como resultado o estabelecimento de <strong>um</strong>a<br />

<strong>gestão</strong> de equipas orientada para a execução de tarefas pré determina<strong>das</strong>,<br />

permitindo <strong>um</strong>a maior racionalização da distribuição e controlo do desempenho<br />

funcional. A criação deste tipo de secção implica reflectir <strong>sobre</strong> a criação de<br />

unidades de apoio directo aos magistra<strong>dos</strong> e a sua relação com a secção<br />

única, a necessidade de reestruturação da carreira <strong>dos</strong> funcionários judiciais<br />

introduzindo diferentes níveis de especialização e de responsabilidade, e o<br />

perfil e a formação do escrivão como verdadeiro gestor da secção. A<br />

densificação do papel do escrivão deve, ainda, evoluir para o alargamento de<br />

competências processuais não jurisdicionais.<br />

Divisão de tarefas e méto<strong>dos</strong> de trabalho.<br />

A observação do trabalho de campo permitiu identificar os<br />

seguintes três modelos ideais de divisão de tarefas nas secções de<br />

Conclusões e Recomendações 235


processo (sendo possível que em to<strong>dos</strong> eles se distribuam tarefas<br />

específicas por determina<strong>dos</strong> funcionários):<br />

236<br />

Modelo A. Distribuição aleatória de processos (em regra por número).<br />

Trata-se de <strong>um</strong> modelo com baixo nível de especialização, mas que<br />

permite <strong>um</strong> conhecimento generalista de to<strong>dos</strong> os actos do processo por<br />

parte de to<strong>dos</strong> os funcionários, bem como <strong>um</strong> conhecimento<br />

aprofundado do processo pelo funcionário responsável.<br />

Modelo B. Distribuição por tipo de acção. Este modelo também permite<br />

<strong>um</strong> conhecimento aprofundado do processo, garantindo ainda a<br />

especialização <strong>dos</strong> funcionários em determina<strong>das</strong> matérias. A sua<br />

desvantagem reside na baixa mobilidade funcional, dado o grau de<br />

especialização que incorpora.<br />

Modelo C. Distribuição por tarefas. É <strong>um</strong> modelo que também potencia<br />

maior especialização, mas admite baixa mobilidade funcional e não<br />

permite o conhecimento do processo na íntegra por parte de <strong>um</strong><br />

funcionário.<br />

Nos juízos observa<strong>dos</strong>, não foi possível identificar <strong>um</strong> modelo que<br />

indiciasse maior ou menor eficiência na execução <strong>das</strong> tarefas e na tramitação<br />

<strong>dos</strong> processos. A variável de influência, que nos pareceu mais constante,<br />

relaciona-se com o perfil do escrivão de direito. O que reforça o nosso<br />

arg<strong>um</strong>ento da inexistência de <strong>um</strong>a solução geral de eficiência nos méto<strong>dos</strong> de<br />

trabalho que possa ser adoptada de forma homogénea. A melhor adequação<br />

deve ser encontrada ao nível do juízo, tendo em conta determina<strong>das</strong><br />

características, por exemplo, a massificação ou a complexidade <strong>das</strong> acções<br />

prevalecentes, mas também o perfil <strong>dos</strong> funcionários, entre outras variáveis.<br />

Para tal, o escrivão que chefia a secção desempenha <strong>um</strong> papel fundamental.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Esta constatação não significa, muito pelo contrário, que não se deva<br />

desenvolver processos de experimentação que incentivem boas práticas, o<br />

que, por sua vez, contribui para a criação de linhas orientadoras.<br />

A nossa proposta é que haja <strong>um</strong>a aposta forte, nas três <strong>comarcas</strong><br />

piloto, na experimentação devidamente informada e monitorizada.<br />

Esta experimentação deve ser associada a <strong>um</strong> forte investimento na<br />

formação <strong>dos</strong> lugares de chefia e na produção de indicadores e de<br />

conhecimento associa<strong>dos</strong> ao processo de monitorização.<br />

Conclusões e Recomendações 237


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8


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A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


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Referências bibliográficas 245


ANEXO<br />

9


SEMINÁRIO “PARA UM NOVO JUDICIÁRIO:<br />

TRANSFORMAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO INTERNA E<br />

NOS MÉTODOS DE TRABALHO DOS TRIBUNAIS” 99<br />

PROGRAMA<br />

14h | Sessão de abertura<br />

CES, 8 de Janeiro de 2010<br />

Boaventura de Sousa Santos, Director do Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais e do Observatório<br />

Permanente da Justiça Portuguesa<br />

João Correia, Secretário de Estado da Justiça<br />

14h15 | A nova oficina judicial em Espanha<br />

Ignacio Colomer, Professor de direito processual (Universidade Pablo Olavide - Sevilha)<br />

Luis Martín Contreras, Secretario de Gobierno de la Audiencia Nacional<br />

Organização interna e funcionamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> em Portugal<br />

Conceição Gomes, Directora Executiva do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa<br />

16h30 | Comentários<br />

Ana Azeredo Coelho, Juíza Presidente da Comarca Grande Lisboa-Noroeste<br />

José Morais, Especialista em Controlo de Gestão e Engenharia de Qualidade<br />

Maria João Santos, Juíza Presidente da Comarca Alentejo Litoral<br />

Margarida Mano, Professora da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra<br />

Paulo Brandão, Juiz Presidente da Comarca Baixo Vouga<br />

99 Dado o carácter público da sessão e a importância <strong>dos</strong> temas em discussão, optámos por<br />

incluir neste anexo a transcrição do seminário. Contudo, como não foi possível obter, em<br />

tempo, resposta de to<strong>dos</strong> os intervenientes, optámos pelo seu anonimato, identificando-os com<br />

<strong>um</strong> código atribuído aleatoriamente.


Sessão de abertura<br />

S1<br />

Muito boa tarde a to<strong>dos</strong>. Passaria a palavra<br />

(…) dando logo de seguida início aos<br />

nossos trabalhos.<br />

S2<br />

Boa tarde senhor Secretário de Estado,<br />

senhor Presidente do Supremo Tribunal<br />

Administrativo, senhores Presidentes <strong>dos</strong><br />

Tribunais da Relação, Senhores<br />

procuradores-gerais adjuntos, senhores<br />

magistra<strong>dos</strong>, senhores funcionários<br />

judiciais, minhas senhoras e meus<br />

senhores. É <strong>um</strong> prazer imenso estar aqui<br />

nesta sessão e dar-vos as boas vin<strong>das</strong>. É<br />

digno de registo que, mais <strong>um</strong>a vez,<br />

estamos n<strong>um</strong> evento desta natureza,<br />

organizado por aquele que, dentro do<br />

Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais é seguramente<br />

<strong>um</strong> <strong>dos</strong> seus núcleos mais dinâmicos e<br />

inovadores - o Observatório Permanente da<br />

Justiça Portuguesa (OPJ) - pela<br />

capacidade de abertura que tem em<br />

trabalhar com os diferentes ramos e<br />

sectores da justiça, indo ao seu encontro e<br />

trazê-los aqui para debater questões que<br />

são de relevante interesse para o país.<br />

É com <strong>um</strong> enorme gosto que estamos aqui<br />

e cabe-me, por isso, registar a satisfação<br />

que é para nós a vossa presença,<br />

<strong>sobre</strong>tudo por conseguir a atenção de <strong>um</strong><br />

tão variado número de interesses que aqui<br />

estão representa<strong>dos</strong>. Por outro lado,<br />

gostaria de sublinhar o trabalho do OPJ,<br />

que é também o reflexo do nosso trabalho<br />

e da nossa disponibilidade em trabalhar<br />

com as diferentes profissões na área da<br />

justiça, em relação às quais estamos muito<br />

interessa<strong>dos</strong> e muito abertos, <strong>sobre</strong>tudo no<br />

250<br />

que toca ao seu desenvolvimento.<br />

Portanto, estou seguro que este Seminário<br />

contribuirá para desenvolver <strong>um</strong>a reflexão<br />

em que to<strong>dos</strong> nós temos interesse, em<br />

partilhar <strong>experiência</strong>s de forma a sairmos<br />

daqui com bases para trabalhos futuros.<br />

Nestas breves palavras introdutórias são<br />

estes os votos que gostaria de desejar,<br />

estando certo que este Seminário vai ser<br />

produtivo para to<strong>dos</strong><br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO<br />

S3<br />

Muito obrigado pelo convite. Serei breve.<br />

Aos membros da mesa, os meus<br />

c<strong>um</strong>primentos. senhores magistra<strong>dos</strong> –<br />

está aqui a representação de mais alto<br />

nível do Supremo Tribunal Administrativo,<br />

está o senhor presidente da Relação de<br />

Coimbra, está o senhor procurador-geral<br />

distrital, estão colegas meus, estão<br />

funcionários, dirigentes sindicais e<br />

representantes da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong>.<br />

Isto é <strong>um</strong>a sessão de trabalho, e como tal<br />

penso que convém que estes discursos<br />

protocolares tenham o mínimo de duração<br />

possível. De qualquer forma, gostaria de<br />

salientar que, como sessão de trabalho,<br />

para nós é absolutamente essencial que<br />

estas sessões sejam muito profícuas.<br />

Ainda há pouco eu comentava que estou<br />

com muita avidez, não em termos<br />

pessoais, mas em termos funcionais, <strong>sobre</strong><br />

o resultado destas avaliações.<br />

Nós estamos to<strong>dos</strong> nessa orientação, e eu<br />

sei que o Observatório também o está,<br />

n<strong>um</strong>a perspectiva de avaliação, e tudo o<br />

que se vai fazer, há-de ser ponderado, em<br />

primeira mão, por via <strong>das</strong> avaliações que<br />

estão a ser feitas; e em segunda mão,


partilhando responsabilidades com to<strong>dos</strong><br />

os intervenientes processuais e to<strong>dos</strong> os<br />

responsáveis pela justiça. Isto é, para nós,<br />

(…), terminou a época, ou ela não<br />

começará – talvez seja melhor assim dizer<br />

– em que, n<strong>um</strong>a perspectiva il<strong>um</strong>inista<br />

cada <strong>um</strong> de nós pensa pela sua própria<br />

cabeça. Penso que a partilha de<br />

responsabilidades entre magistra<strong>dos</strong>,<br />

advoga<strong>dos</strong> e funcionários deve ser<br />

ass<strong>um</strong>ida com vista a resolver os<br />

problemas <strong>dos</strong> cidadãos e <strong>das</strong> empresas. E<br />

é nessa perspectiva que é essencial para<br />

nós que estas reflexões se façam e que<br />

tenham bons resulta<strong>dos</strong>. E posso-vos<br />

garantir que elas serão toma<strong>das</strong> em muito<br />

boa consideração pelo Ministério da Justiça<br />

(…) com todo o respeito pela actividade de<br />

cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> sectores, pelos titulares <strong>dos</strong><br />

órgãos de soberania que são os juízes,<br />

pelo Ministério Público, cuja autonomia tem<br />

que ser reforçada através da<br />

responsabilidade pelas suas próprias<br />

funções e, acima de tudo, por <strong>um</strong>a<br />

advocacia viva, actuante e com respeito<br />

por to<strong>dos</strong>, bem como por funcionários<br />

responsabiliza<strong>dos</strong>, mas também altamente<br />

mobiliza<strong>dos</strong> para a sua própria função.<br />

Aliás, tivemos há dias <strong>um</strong>a reunião com o<br />

Sindicato <strong>dos</strong> Funcionários Judiciais, em<br />

que foi extremamente agradável verificar<br />

como eles são extremamente exigentes<br />

consigo próprios e com a sua própria<br />

função.<br />

Como tal, penso que estamos no bom<br />

caminho, estamos no caminho da<br />

avaliação, <strong>das</strong> ponderações e <strong>das</strong> reformas<br />

feitas a dois tempos. A <strong>um</strong> tempo, através<br />

<strong>das</strong> medi<strong>das</strong> que se com<strong>um</strong>mente<br />

tomaram e identificaram como medi<strong>das</strong><br />

cirúrgicas, mas depois as medi<strong>das</strong> de<br />

ponderação há-de ser feitas a seu tempo –<br />

essas têm a ver com <strong>um</strong>a estratégia da<br />

justiça para os próximos cinco, dez, quinze<br />

anos e não devem ser feitas de forma<br />

irreflectida.<br />

Quem já conhece bem a justiça como eu, já<br />

sabe quais são os seus vícios e as suas<br />

bondades, quais são as suas debilidades e<br />

as suas forças, as suas fraquezas e as<br />

suas potencialidades e sabe bem que<br />

temos bons profissionais, mas também<br />

sabe que a organização não permite que a<br />

sua bondade e eficácia se repercuta<br />

também na imagem da justiça.<br />

Nessa medida, é esse o esforço que<br />

estamos a fazer, ou o fazemos de forma<br />

partilhada ou então não vale a pena pensar<br />

que, repito, de forma il<strong>um</strong>inista, nós<br />

alcancemos alg<strong>um</strong> resultado.<br />

Volto a agradecer a presença de to<strong>dos</strong> vós<br />

aqui, e garanto-vos que ficamos<br />

avidamente à espera de <strong>um</strong>a boa<br />

ponderação desta avaliação que está a ser<br />

feita por nós e pelos nossos colegas<br />

espanhóis que parece estarem <strong>um</strong> pouco<br />

mais adianta<strong>dos</strong> nesta ponderação <strong>das</strong><br />

secretarias judiciais e, portanto, estamos<br />

com muita vontade de aprender com a<br />

vossa <strong>experiência</strong> e conhecer os vossos<br />

resulta<strong>dos</strong>, porque de facto poderemos<br />

também colher alguns frutos da <strong>experiência</strong><br />

espanhola.<br />

Muito obrigado a to<strong>dos</strong>.<br />

Anexo 251


I A nova secretaria judicial em Espanha<br />

S4<br />

Boa tarde a to<strong>dos</strong>. Antes de mais, gostaria<br />

de vos pedir desculpa por não falar em<br />

português. Gostaria muito de o fazer, mas<br />

tal não me é possível. Todavia, espero em<br />

breve poder conseguir ter mais contactos<br />

com Portugal e suas instituições jurídicas<br />

para poder avançar no conhecimento da<br />

vossa língua.<br />

Em segundo lugar, quero agradecer à<br />

Universidade de Coimbra, ao Centro de<br />

Estu<strong>dos</strong> Sociais e ao Observatório<br />

Permanente da Justiça, especialmente a<br />

S1, pelo convite para participar neste<br />

evento/ encontro, podendo assim partilhar<br />

alg<strong>um</strong>as reflexões a respeito do processo<br />

de implementação da nova secretaria<br />

judicial em Espanha.<br />

Para distribuir a temática, S5 vai ocupar-se<br />

de questões mais orgânicas, isto é, de<br />

como se está a desenhar a nova secretaria<br />

judicial do ponto de vista orgânico. Quanto<br />

a mim, irei partilhar alguns <strong>dos</strong> problemas<br />

com os quais nos temos vindo a deparar ao<br />

longo do processo de implementação da<br />

nova secretaria judicial. Por essa razão,<br />

falarei eu em primeiro lugar.<br />

Advirto para o facto de padecer de <strong>um</strong><br />

certo vício de formação, dado que sou<br />

professor de direito processual. O que<br />

significa que, apesar de convosco partilhar<br />

a <strong>experiência</strong> que adquiri no ministério da<br />

justiça, como assessor do senhor<br />

secretário de estado no início do processo<br />

de reforma em 2003 (tal como S5),<br />

provavelmente nestas questões acabarei<br />

por dar mais importância aos problemas<br />

que se colocam do ponto de vista da<br />

tramitação processual.<br />

252<br />

Isto porque em Espanha os problemas<br />

surgiram porque tivemos que associar as<br />

reformas orgânicas às reformas<br />

processuais, <strong>das</strong> leis processuais.<br />

Tínhamos leis processuais que não<br />

permitiam a implementação de <strong>um</strong>a<br />

secretaria judicial para o século XXI,<br />

possibilitando assim <strong>um</strong>a tramitação<br />

processual célere.<br />

E a primeira questão é a questão da<br />

oralidade. Até à reforma da lei processual<br />

civil, do ano 2000, o processo civil era<br />

totalmente escrito. O que não se<br />

coadunava bem com <strong>um</strong> desenho de<br />

secretaria como o que vos iremos mostrar,<br />

no qual se distribuem as tarefas de forma<br />

mais eficiente.<br />

O mesmo ocorria com a lei processual<br />

administrativa, que se modificou no ano de<br />

1998. Já a lei processual laboral foi a<br />

primeira a ser alterada nesse sentido. A lei<br />

processual que resta reformar, da qual<br />

existem já dois projectos de lei, é a lei<br />

processual penal. É a que levanta maiores<br />

dificuldades de momento, dado que se<br />

pretende reformar profundamente a fase de<br />

investigação, para instaurar <strong>um</strong> sistema de<br />

investigação por parte do Ministério<br />

Público, e não por parte de <strong>um</strong> juiz de<br />

instrução, como actualmente.<br />

Neste contexto de reformas processuais,<br />

tiveram de ser feitas <strong>um</strong>a série de<br />

modificações no ordenamento jurídico para<br />

implementar a nova secretaria judicial. E<br />

<strong>um</strong>a <strong>das</strong> questões fundamentais tem,<br />

efectivamente, sido a relação entre os<br />

magistra<strong>dos</strong> e os secretários judiciais. Os<br />

secretários judiciais são licencia<strong>dos</strong> em<br />

Direito que são os encarrega<strong>dos</strong>, no<br />

desenho clássico da secretaria judicial, de<br />

todo o controlo e <strong>gestão</strong> da secretaria<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


judicial. Teoricamente, eram os directores<br />

da secretaria, os encarrega<strong>dos</strong> de conferir<br />

fé pública a actuação judicial. Não<br />

obstante, não possuíam nenh<strong>um</strong> tipo de<br />

competências resolutórias, não podendo<br />

resolver nenh<strong>um</strong>a questão que pudesse<br />

afectar a tramitação do processo,<br />

limitavam-se simplesmente a prestar<br />

contas ao juiz, para que esse pudesse<br />

tomar a decisão correspondente.<br />

No ano de 2003, foi aprovada a reforma da<br />

Lei Orgânica do Poder Judicial, pela qual<br />

se introduziram muitas e profun<strong>das</strong><br />

alterações. Nomeadamente, alterações no<br />

sentido de atribuir mais competências aos<br />

secretários. Por exemplo, n<strong>um</strong>a matéria<br />

que até então era da exclusividade <strong>dos</strong><br />

magistra<strong>dos</strong>: a execução <strong>das</strong> sentenças<br />

cíveis. O que, claro, obrigou a modificar as<br />

normas processuais, para permitir que o<br />

secretário pudesse desempenhar essa<br />

função.<br />

Não houve mais alterações legislativas até<br />

ao passado dia 4 de Novembro, data em<br />

que se aprovou <strong>um</strong>a lei de reforma de<br />

to<strong>das</strong> as leis processuais, permitindo assim<br />

a implementação da nova secretaria<br />

judicial. Essa lei veio, basicamente,<br />

estabelecer quais são as competências que<br />

passam a ser atribuí<strong>das</strong> ao secretário para<br />

facilitar a tramitação processual. No<br />

entanto, esta lei está a gerar <strong>um</strong> aceso<br />

debate em Espanha, especialmente entre<br />

juízes e os defensores da reforma da<br />

secretaria judicial. Isto porque há muitos<br />

juízes que defendem que o facto de lhes<br />

serem retira<strong>das</strong> certas competências vem<br />

afectar o próprio exercício <strong>das</strong> suas<br />

funções, funções essas que não podem, a<br />

seu ver, ser concedi<strong>das</strong> a nenh<strong>um</strong> outro<br />

órgão ou funcionário da administração da<br />

justiça que não o juiz.<br />

Por exemplo, a respeito da admissão da<br />

petição inicial surgiram enormes<br />

problemas. Aqueles que estão contra a<br />

reforma entendem que tal acto tem<br />

natureza jurisdicional: só quando a petição<br />

inicial é admitida pelo juiz tem início o<br />

processo, e se o juiz não admite a petição<br />

inicial, o processo não nasce. Esta será,<br />

efectivamente, a verdade até à entrada em<br />

vigor da reforma. Inclusivamente, foi<br />

também dito que esta transmissão de<br />

competências afectava o direito à tutela<br />

jurisdicional, constitucionalmente<br />

consagrado no art. 24.º, da Constituição<br />

Espanhola. Pois que, se é <strong>um</strong> secretário<br />

judicial quem decide se <strong>um</strong>a acção tem<br />

início ou não, <strong>um</strong> caso em que este não<br />

admita <strong>um</strong>a petição inicial, haverá<br />

denegação do direito a <strong>um</strong>a tutela<br />

jurisdicional efectiva.<br />

Em s<strong>um</strong>a e em conclusão, este debate<br />

prolongou-se por todo o processo<br />

legislativo. Notem que o projecto não foi<br />

aprovado durante a legislatura anterior,<br />

nomeadamente, pelo conselho de<br />

ministros, em 2004, por não haver<br />

consenso a este respeito. O projecto de lei<br />

esteve quase 5 anos no parlamento e foi<br />

sendo corrigido para aproximar as partes<br />

em dissenso.<br />

Acabou por ser aprovado <strong>um</strong> sistema<br />

misto, distinguindo-se o que é actividade<br />

exclusivamente jurisdicional <strong>dos</strong> juízes e o<br />

que é actividade de <strong>gestão</strong> processual, que<br />

pode ser da competência <strong>dos</strong> secretários<br />

judiciais. Assim, a nova lei estabelece que<br />

actos cabem a <strong>um</strong> e a outro.<br />

Por exemplo, em relação a <strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />

questões complica<strong>das</strong>, o da admissão da<br />

petição inicial, entendeu-se que o<br />

secretário é competente para a admitir,<br />

mas já não para recusar a sua entrada. No<br />

caso de o secretário entender não a<br />

admitir, digamos, por falta de alg<strong>um</strong><br />

requisito, terá de ser o juiz a decidir se esta<br />

é efectivamente admitida ou não.<br />

Esta questão, que poderá parecer<br />

meramente académica, tal como vos<br />

exemplificará S5, gera resulta<strong>dos</strong><br />

assombrosos em termos de economia de<br />

tempo e de dinheiro.<br />

Anexo 253


A diferença de custos entre a decisão por<br />

parte de <strong>um</strong> secretário judicial e por parte<br />

de <strong>um</strong> juiz é assombrosa, da ordem <strong>dos</strong><br />

50%. Claro que se trata de decisões que<br />

não são decisões de fundo, têm <strong>um</strong><br />

carácter jurisdicional mais reduzido.<br />

Este que vos acabei de relatar foi <strong>um</strong>a <strong>dos</strong><br />

principais problemas com que nos<br />

deparámos. A lei que foi aprovada em<br />

Novembro tem <strong>um</strong> período de vacatio legis<br />

até Maio, e estão a ser estuda<strong>das</strong> to<strong>das</strong> as<br />

implicações para que a transição seja o<br />

menos tra<strong>um</strong>ática possível, porque<br />

seguramente que a sua aplicação levantará<br />

muitos problemas.<br />

Em segundo lugar, o secretário judicial era<br />

<strong>um</strong>a figura que estava subaproveitada, pelo<br />

que lhe foram atribuí<strong>das</strong> <strong>um</strong>a série de<br />

competências adicionais, que até agora<br />

pertenciam ao juiz. Uma dessas<br />

competências, por exemplo, era a<br />

marcação <strong>das</strong> audiências. Até agora, a<br />

marcação era feita pelo juiz, o qual<br />

organizava a sua própria agenda, muitas<br />

vezes em função da sua disponibilidade.<br />

Este foi o motivo por detrás da única greve<br />

de juízes que já teve lugar em Espanha.<br />

Estes não estavam de acordo em que<br />

fosse <strong>um</strong> secretário judicial a gerir a<br />

agenda. Vemos assim como <strong>um</strong>a questão<br />

que poderia parecer <strong>um</strong> problema de<br />

implementação do novo modelo de<br />

secretaria judicial, afinal, do ponto de vista<br />

social, surge como <strong>um</strong> problema de status<br />

de <strong>um</strong>a profissão.<br />

Para que vejam outro exemplo muito<br />

similar, o Ministério Público (ficalía), em<br />

Espanha, só existe nas capitais <strong>das</strong><br />

províncias, mas existem <strong>tribunais</strong> de<br />

instrução em pequenas vilas. Pelo que se<br />

decidiu tentar colocar Ministério Público<br />

nesses <strong>tribunais</strong>, por meio de<br />

destacamentos instala<strong>dos</strong> em cada duas<br />

ou três vilas. Ora, não foi possível criar<br />

nenh<strong>um</strong> destacamento, pois não houve<br />

fiscales a deslocar-se para esses locais.<br />

Assim, quando se realiza <strong>um</strong> julgamento na<br />

254<br />

capital de província, o Ministério Público<br />

está presente. No entanto, se a diligência<br />

tem lugar no tribunal de instrução de <strong>um</strong>a<br />

vila, poderá acontecer que não esteja<br />

presente. Este é <strong>um</strong> mero exemplo para<br />

vos demonstrar como, muitas vezes, na<br />

justiça as questões são questões de status<br />

<strong>dos</strong> corpos profissionais.<br />

Outro <strong>dos</strong> aspectos relativos à<br />

implementação da nova secretaria judicial<br />

diz respeito à inovação tecnológica ao<br />

serviço da administração da justiça. A<br />

respeito da qual, aliás, Portugal e Espanha<br />

se encontram mais ou menos a par.<br />

Há pouco, alguém comentava que os<br />

colegas espanhóis não necessitavam de<br />

relatar parte da sua <strong>experiência</strong>.<br />

Efectivamente, porque a nossa <strong>experiência</strong><br />

neste campo é muito similar à vossa, no<br />

sentido de que a introdução <strong>dos</strong><br />

mecanismos de justiça electrónica, como<br />

notificações electrónicas e afins é muito<br />

recente. A sua implementação foi aprovada<br />

há dois anos e meio, três anos e meio. Mas<br />

como hoje nos indicará S5, apenas nos<br />

territórios da competência exclusiva do<br />

Ministério da Justiça. Isto porque <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />

grandes problemas que existe em Espanha<br />

diz respeito à existência de comunidades<br />

autónomas com competências próprias em<br />

sede de administração da justiça.<br />

Para que tenham ideia, em Espanha não<br />

existe coordenação na distribuição de<br />

competências em sede de administração<br />

da justiça, o que por vezes causa situações<br />

de verdadeira ingovernabilidade. De <strong>um</strong><br />

lado, temos os juízes, que evidentemente<br />

estão submeti<strong>dos</strong> ao poder judicial. Até<br />

aqui não há nenh<strong>um</strong> problema. Mas, no<br />

outro lado, temos os secretários judiciais,<br />

que dependem do Ministério da Justiça, em<br />

todo o território espanhol, incluindo<br />

comunidades autónomas. E, por fim, temos<br />

os funcionários judiciais, que dependem<br />

<strong>das</strong> próprias comunidades autónomas.<br />

Por exemplo, o País Basco tem o seu<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


próprio sistema informático de tramitação<br />

processual. Esse sistema não é compatível<br />

com o sistema informático do Ministério da<br />

Justiça, nem com o da Andaluzia, de<br />

Sevilha, da Catalunha ou de Barcelona. A<br />

consequência está em que, sempre que se<br />

quer pedir o envio de da<strong>dos</strong> de <strong>um</strong><br />

processo, por exemplo, a correr termos<br />

n<strong>um</strong> tribunal de Bilbao para <strong>um</strong> tribunal de<br />

Madrid, tal não é possível. Tudo isto são<br />

problemas com os quais nos deparamos ao<br />

procurar aplicar <strong>um</strong> sistema informático à<br />

administração da justiça, o que pareceria<br />

lógico e normal em pleno século XXI.<br />

Temos <strong>um</strong>a lei, que criou <strong>um</strong> sistema<br />

chamado LEXNET, para to<strong>das</strong> as<br />

notificações de actos processuais, mas que<br />

funciona apenas nos territórios da<br />

competência do Ministério da Justiça,<br />

porque depois temos as comunidades<br />

autónomas, nas quais é necessário haver<br />

lugar a investimentos adicionais para obviar<br />

os problemas informáticos e implementar<br />

sistemas que permita suportar a aplicação<br />

informática do Ministério da Justiça.<br />

A acrescer a estes problemas informáticos,<br />

há outra questão que também gostaria que<br />

fosse ressaltada, de forma a podermos<br />

fazer <strong>um</strong>a análise realista da<br />

implementação da nova secretaria judicial.<br />

È <strong>um</strong>a questão de ordem económica, ou<br />

seja, relativa ao financiamento.<br />

O governo de Espanha abriu <strong>um</strong>a porta<br />

clara à modernização da secretaria judicial,<br />

à substituição do modelo por <strong>um</strong> muito<br />

mais eficiente. No entanto, depois não<br />

existem fun<strong>dos</strong> suficientes disponíveis para<br />

levar a cabo a reforma. Não diria que são<br />

inexistentes, mas quase. Ou seja,<br />

pretende-se realizar <strong>um</strong>a mudança radical,<br />

mas sem existirem os fun<strong>dos</strong> necessários á<br />

efectivação da mesma.<br />

Chegamos assim à conclusão de que ainda<br />

há <strong>um</strong> longo caminho a percorrer para<br />

podermos ter <strong>um</strong>a secretaria judicial digna<br />

do século XXI em Espanha. E o percurso<br />

deve começar imediatamente. A vacatio<br />

legis <strong>das</strong> leis reformistas que aprovámos<br />

termina em Maio. Nessa altura, já<br />

deveríamos ser capazes de implementar o<br />

modelo que em seguida vos daremos a<br />

conhecer.<br />

Acrescendo a to<strong>dos</strong> os problemas que vos<br />

expus, temos o facto de que o sistema<br />

judicial, incluindo o próprio Ministério, é, por<br />

tradição, muito reticente perante a<br />

mudança. O que vem, realmente, colocar<br />

muitos problemas na implementação de<br />

reformas.<br />

Uma vez mais, para que tenham <strong>um</strong>a ideia<br />

mais clara, apresento-vos <strong>um</strong> exemplo. Em<br />

2004, foram cria<strong>dos</strong> os <strong>tribunais</strong> de<br />

violência contra a mulher, competentes<br />

para lidar com to<strong>das</strong> as questões<br />

relaciona<strong>das</strong> com a violência <strong>sobre</strong><br />

mulheres. Estes <strong>tribunais</strong>, que existem em<br />

Madrid e nas grandes capitais de província,<br />

têm competência exclusiva em tais<br />

matérias. Ora, sabendo-se que muitos<br />

actos de violência <strong>sobre</strong> mulheres têm<br />

lugar durante a noite e aos fins-de-semana,<br />

n<strong>um</strong>a cidade como Madrid, a partir <strong>das</strong> 16h<br />

de sexta-feira e durante todo o fim-desemana,<br />

não há ninguém no tribunal de<br />

violência contra a mulher, porque não há<br />

dinheiro para pagar a guar<strong>das</strong>,<br />

funcionários, juízes e secretários. A<br />

consequência é que a polícia, nesses<br />

casos, recorre ao tribunal de instrução<br />

criminal de turno, que decreta as medi<strong>das</strong><br />

que tomar por convenientes, com validade<br />

até segunda-feira de manhã, altura em que<br />

a competência transita para o tribunal de<br />

violência contra a mulher.<br />

No entanto, termino dizendo que sim, o<br />

contexto é problemático, mas sem<br />

pessimismos excessivos, porque a pouco e<br />

pouco as coisas vão mudando e acabamos<br />

por avançar. Muito Obrigado.<br />

S5<br />

Em primeiro lugar, quero agradecer ao<br />

Anexo 255


Observatório Permanente da Justiça<br />

Portuguesa, à Universidade de Coimbra e<br />

ao Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais, em<br />

particular, à Dra. Conceição Gomes e à sua<br />

equipa, por nos ter oferecido a<br />

oportunidade de compartilhar os nossos<br />

saberes e <strong>experiência</strong>s.<br />

Foi-me proposto falar <strong>sobre</strong> o plano de<br />

implementação da nova secretaria judicial<br />

em Espanha. Neste século de siglas – e<br />

espero que me entendam – verão que não<br />

há mais do que siglas. Mas não se<br />

preocupem que vou explicar o conteúdo ou<br />

o significado de to<strong>das</strong> as siglas.<br />

Esta seria a representação gráfica do ponto<br />

de chegada. Em Espanha este seria o<br />

ponto de chegada de acordo com a nova<br />

secretaria judicial. Eu continuo a pensar<br />

que este é <strong>um</strong> ponto intermédio e não <strong>um</strong><br />

ponto de chegada, porque – e é unânime<br />

(…)– há <strong>um</strong>a grande desordem na<br />

organização judiciária espanhola: de alg<strong>um</strong><br />

modo, temos <strong>um</strong>a organização herdada da<br />

unificação <strong>dos</strong> foros, levada a cabo no<br />

século XVIII e, de alg<strong>um</strong>a maneira,<br />

continuamos a manter aquela estrutura,<br />

que agora pretendemos dinamizar.<br />

Possivelmente, pensaram em mim para vos<br />

falar deste novo projecto,<br />

fundamentalmente porque estou a<br />

participar nele desde 1986, no contexto da<br />

publicação da nova lei orgânica do poder<br />

judicial do período democrático.<br />

Começámos os trabalhos precisamente<br />

atribuindo <strong>um</strong>a nova denominação – de<br />

secretaria judicial para oficina judicial (em<br />

castelhano) –, passando, assim, de <strong>um</strong>a<br />

secretaria à frente da qual estaria <strong>um</strong>a<br />

pessoa – o secretário – que seria o titular e<br />

que se encarregaria, inclusivamente, <strong>dos</strong><br />

pagamentos aos funcionários que<br />

prestavam serviço naquele espaço, para<br />

<strong>um</strong> espaço que responde às necessidades<br />

do direito processual.<br />

Pois bem, o ponto de partida é o que temos<br />

em curso: <strong>um</strong>a organização de espaços<br />

256<br />

estanques, independentes, aquilo que, nas<br />

reminiscências históricas em Espanha<br />

podíamos chamar de reinos de tarifas,<br />

onde se concentram <strong>um</strong> grande número de<br />

órgãos jurisdicionais, cada <strong>um</strong> funcionando<br />

à sua maneira, utilizando metodologias<br />

diferentes e obtendo resulta<strong>dos</strong> obviamente<br />

também distintos.<br />

De maneira que, n<strong>um</strong>a concentração de<br />

órgãos jurisdicionais, como por exemplo<br />

em Madrid, n<strong>um</strong> edifício, onde podem<br />

concentrar-se cerca de 80 a 90 órgãos<br />

jurisdicionais, de <strong>um</strong>a mesma ordem<br />

jurisdicional, podemos deparar-nos com<br />

secções que têm resulta<strong>dos</strong> razoavelmente<br />

bons, com prazos razoáveis. Por exemplo,<br />

n<strong>um</strong> processo denominado de reclamação<br />

de quantidade, se correr termos n<strong>um</strong><br />

determinado órgão jurisdional, em 1.ª<br />

instância, termina n<strong>um</strong> prazo não superior<br />

a 150-200 dias; e, se correr termos n<strong>um</strong><br />

outro órgão jurisdicional a funcionar no<br />

mesmo edifício, pode arrastar-se no tempo<br />

por 2 ou 3 anos. Aparentemente, nesta<br />

organização, isso não teria muita<br />

justificação, mas só aparentemente. Na<br />

prática, esta situação verifica-se<br />

frequentemente.<br />

Mas gostaria de vos mostrar <strong>um</strong> pouco da<br />

evolução desde 1966, data a partir da qual<br />

se começou a analisar esta situação. Este<br />

diapositivo mostra quanto gastam os<br />

nossos países vizinhos e quanto nós<br />

gostamos. Verão, por <strong>um</strong> lado, a<br />

percentagem do PIB, e na continuação da<br />

coluna seguinte, o gasto público, em<br />

percentagem, e na terceira o gasto por<br />

habitante. Nos nossos casos concretos,<br />

tanto Espanha como Portugal, encontramonos<br />

abaixo da média mas não muito<br />

afasta<strong>dos</strong>.<br />

Qual é a ratio de número de juízes por<br />

cada 100 mil habitantes? À cabeça temos a<br />

Alemanha com 28 juízes por cada 100 mil<br />

habitantes. Em Espanha e França, são<br />

casos que, na ratio, poderiam estar abaixo<br />

da média, existe <strong>um</strong>a relação dentro do<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


que poderia ser <strong>um</strong> quadro razoável para<br />

ter <strong>um</strong>a justiça seguramente melhor.<br />

As estatísticas leva<strong>das</strong> a cabo pelo<br />

Conselho Geral do Poder Judicial denotam<br />

<strong>um</strong>a insatisfação crescente, ao ponto de<br />

chegar a <strong>um</strong>a situação de cepticismo<br />

perante a administração. Não existe<br />

qualquer tipo de controlo parlamentar. O<br />

qual parece razoável, enquanto exercício<br />

do poder jurisdicional. Ou seja, existe <strong>um</strong><br />

sistema que permite gerir e controlar os<br />

recursos. Por outro lado, também seria<br />

razoável que, no âmbito daquilo que é a<br />

administração do poder judicial, existisse<br />

<strong>um</strong> controlo parlamentar. Mas não existe.<br />

Neste momento, e apesar <strong>dos</strong> vários<br />

intentos para conseguir alg<strong>um</strong> tipo de<br />

controlo, o certo é que até agora isso<br />

sempre se revelou impossível. O mais que<br />

se conseguiu foi, através da lei de orgânica<br />

do poder judicial, o preceito de que o<br />

presidente do Conselho Geral do Poder<br />

Judicial possa apresentar-se à Comissão<br />

Mista Congresso-Senado para apresentar o<br />

relatório de actividades do ano anterior.<br />

O segundo ponto a ter em conta é o<br />

seguinte: os cidadãos sentem-se afasta<strong>dos</strong><br />

da administração da justiça. Não participam<br />

em nada daquilo que é a tomada de<br />

decisões, no âmbito do governo da justiça.<br />

Estão totalmente afasta<strong>dos</strong>. Isso provoca<br />

<strong>um</strong>a insatisfação, de maneira que a<br />

administração da justiça, em geral, se situa<br />

nos últimos lugares na opinião <strong>dos</strong><br />

cidadãos. Os cidadãos continuam a<br />

considerar que a classe judicial se mantém<br />

n<strong>um</strong> pedestal, ou seja, que se mantém no<br />

pedestal organizativo em que foi colocada<br />

na época pré-constitucional, prédemocrática.<br />

A estes da<strong>dos</strong> sociológicos, acrescentamos<br />

os custos. Que diferença há nos custos?<br />

Temos aqui exemplifica<strong>dos</strong> os da<strong>dos</strong> desde<br />

1999 até 2008. Por exemplo, em 2008 as<br />

decisões que puseram fim a processos<br />

judiciais em Espanha, custaram 8.649.663<br />

€. Deste valor, 1.529.476 € correspondem<br />

a sentenças, ou seja, decisões típicas e<br />

que se manterão na competência exclusiva<br />

<strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>. Pelo contrário, mais do<br />

dobro daquelas decisões correspondem a<br />

outro tipo de resoluções que também põe<br />

fim ao procedimento, mas que deixarão de<br />

estar nas mãos <strong>dos</strong> juízes. Portanto,<br />

passarão a ser dita<strong>das</strong>, na sua maioria, por<br />

secretários judiciais.<br />

Qual é o custo de <strong>um</strong>as e outras?<br />

Enquanto as sentenças supõem <strong>um</strong> custo<br />

de 2.112 € por cada, o custo de <strong>um</strong>a<br />

resolução que ponha fim a <strong>um</strong> processo<br />

não ditada por juiz desceria<br />

consideravelmente, para 371 €. A diferença<br />

é notável. Estes são da<strong>dos</strong> que vou<br />

aportando e pretendo deixá-los expostos<br />

para que para que no debate os possamos<br />

discutir e concretizar <strong>um</strong> pouco mais.<br />

Relativamente à organização do poder<br />

judicial na Constituição Espanhola de 1978,<br />

o que encontramos? Encontramos o<br />

seguinte, <strong>um</strong> sistema duplo. Em primeiro<br />

lugar, no artigo 117.º, n.º 1, a Constituição<br />

estabelece que a administração da justiça é<br />

exercida pelos juízes. Ou seja, quem a<br />

administra? Os juízes. Mas continuando<br />

nesse mesmo artigo 117.º, mas no n.º 3, no<br />

momento de se definir o que é o poder<br />

jurisdicional, já se amplia o espectro. Não<br />

apenas quem a administra mas <strong>sobre</strong><br />

quem se exerce. O artigo 117.º, n.º 3,<br />

estabelece que esta função jurisdicional –<br />

julgar e executar as decisões judiciais – já<br />

não corresponde aos juízes de per si, antes<br />

corresponde, de forma exclusiva, não a<br />

<strong>um</strong>a corporação, mas sim aos órgãos<br />

jurisdicionais. Aliás, de <strong>um</strong> ponto de vista<br />

processual, penso que é unânime o<br />

reconhecimento de que o poder judicial<br />

ostenta, participa, necessita de <strong>um</strong> poder<br />

específico, próprio, que é a doc<strong>um</strong>entação<br />

e afé pública judicial. Que não pertence aos<br />

juízes, mas sim aos secretários judiciais.<br />

Daqui se conclui que os detractores desta<br />

reforma provavelmente ignoram este n.º 3,<br />

do art. 117.º, da Constituição.<br />

Anexo 257


Neste contexto de evolução legislativa, a<br />

primeira Lei Orgânica do Conselho Geral<br />

do Poder Judicial optou por <strong>um</strong> modelo<br />

generalista. De modo que o Conselho<br />

Geral do Poder Judicial, dentro da linha<br />

que se estabelece no art. 122.º, da<br />

Constituição, constitui-se como <strong>um</strong> órgão<br />

de governo do poder judicial. De forma<br />

generalista, ass<strong>um</strong>e competências <strong>sobre</strong><br />

todo o pessoal da administração da justiça:<br />

juízes, secretários judiciais e funcionários<br />

judiciais.<br />

Pelo contrário, a Lei Orgânica do Poder<br />

Judicial de 1965 optou por <strong>um</strong> modelo<br />

corporativo. De maneira que o Conselho<br />

Geral do Poder Judicial se desprende <strong>das</strong><br />

competências do secretário e restantes<br />

funcionários. Que passam a estar sob a<br />

alçada do Ministério da Justiça e,<br />

posteriormente, <strong>das</strong> Comunidades<br />

Autónomas.<br />

Quanto à organização administrativa em<br />

Espanha, ela resulta da confluência de três<br />

administrações, to<strong>das</strong> elas importantes.<br />

Isto é, não podemos pensar, em alg<strong>um</strong><br />

momento, que a administração geral do<br />

Estado está acima da administração <strong>das</strong><br />

Comunidades Autónomas, mas apenas que<br />

são administrações que confluem e cuja<br />

diferença reside nas competências que<br />

ass<strong>um</strong>em. De maneira que, a<br />

administração do Estado tem competências<br />

legislativas, mas as Comunidades<br />

Autónomas também as têm, embora<br />

ditando leis de âmbito diferente. Esta é a<br />

situação administrativa em Espanha: três<br />

administrações diferentes que confluem<br />

com <strong>um</strong> equivalente na organização da<br />

administração da justiça. Assim, em<br />

equivalência à administração geral do<br />

Estado estariam os órgãos centrais:<br />

Tribunal Supremo e Audiência Nacional.<br />

Em equivalência às Comunidades<br />

Autónomas, estariam: os Tribunais<br />

Superiores de Justiça. Em equivalência aos<br />

órgãos da administração local, províncias e<br />

municípios, estariam: as Audiências<br />

Provinciais e os <strong>tribunais</strong> de primeira<br />

258<br />

instância.<br />

No que toca aos antecedentes do novo<br />

modelo, encontramos o primeiro na Lei<br />

Orgânica do Poder Judicial de 1965. Pela<br />

primeira vez alterou-se n<strong>um</strong> normativo a<br />

terminologia, em espanhol, de secretaria,<br />

para oficina (em castelhano). Isto causou,<br />

<strong>sobre</strong>tudo inicialmente, no âmbito<br />

processual, e dentro <strong>das</strong> universidades, <strong>um</strong><br />

certo alarme inicial, pois pensou-se na<br />

possibilidade de se voltar a <strong>um</strong>a<br />

napoleonização do Estado, em que o poder<br />

executivo absorve poderes próprios do<br />

poder judicial. Esta terminologia não é<br />

minha, mas do Professor Juan Montero<br />

Aroca, que alerta para essa possibilidade.<br />

Pois bem, foram feitos os primeiros estu<strong>dos</strong><br />

a partir de 1965. Em concreto, em 1966, já<br />

se falava de novas denominações. Não se<br />

falava então de serviços comuns, mas de<br />

micro ou macro secretarias. Outro lado a<br />

ter em conta é a reunião do Conselho de<br />

Ministros de Justiça, do Conselho da<br />

Europa, de 12 de Dezembro de 1986, em<br />

que se recomendou a to<strong>dos</strong> os Esta<strong>dos</strong>membros<br />

a descodificação de tudo aquilo<br />

que pudesse ter alg<strong>um</strong> tipo de referência<br />

administrativa.<br />

Em Espanha, concretamente em 1969, no<br />

seio da Comissão Geral de Codificação<br />

criou-se <strong>um</strong> grupo específico para o estudo<br />

e análise desta nova organização. Tive o<br />

prazer de participar neste grupo de trabalho<br />

durante mais de <strong>um</strong> ano.<br />

Por último, outro ponto a ter em conta,<br />

ainda do ponto de vista terminológico, é a<br />

sentença n.º 56.969. do Tribunal<br />

Constitucional Espanhol, que estabeleceu e<br />

introduziu <strong>um</strong> termo novo: administração da<br />

administração da justiça. De forma que,<br />

segundo esta terminologia, tudo aquilo que<br />

não cabe no núcleo duro e específico do<br />

que é a justiça, pode ser excluído.<br />

Quais são os preferentes imediatos no que<br />

toca à implementação deste modelo em<br />

Espanha? Em primeiro lugar, a reunião <strong>das</strong><br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


três administrações confluentes na<br />

administração da justiça, a Reunião <strong>das</strong><br />

Canárias do ano 2001. E falo em<br />

administrações no plural, porque me refiro<br />

à administração judicial, ao Ministério da<br />

Justiça e às oito comunidades autónomas<br />

que então teriam competências em matéria<br />

de justiça.<br />

Pouco depois desta reunião <strong>das</strong> Canárias,<br />

produziu-se o Pacto do Estado para a<br />

Justiça, no mesmo ano de 2001, subscrito<br />

pelos dois principais grupos parlamentares<br />

e donde se destacava, fundamentalmente,<br />

<strong>um</strong>a declaração de intenções que nunca foi<br />

concretamente plasmada no Orçamento de<br />

Estado, mas que indicava <strong>um</strong>a previsão de<br />

200 mil milhões de pesetas, n<strong>um</strong> período<br />

de execução de 5 anos. Sublinho que tal<br />

montante nunca teve reflexos o Orçamento<br />

de Estado, o que foi <strong>um</strong>a <strong>das</strong> causas pelas<br />

quais <strong>um</strong> <strong>dos</strong> parti<strong>dos</strong> políticos (o que está<br />

actualmente no governo, aliás) decidiu<br />

romper com aquele pacto.<br />

O terceiro <strong>dos</strong> antecedentes imediatos<br />

desta Lei Orgânica, a que S4 já havia<br />

aludido, é a Lei Orgânica de 2003, que<br />

modifica a Lei Orgânica do Poder Judicial<br />

de 1985. Veio criar <strong>um</strong> marco estatutário<br />

novo, adequado à implementação do novo<br />

modelo de secretaria judicial. Pela primeira<br />

vez se define, aliás, o conceito de<br />

secretaria judicial, que se estabelece n<strong>um</strong><br />

sistema unitário, senão a possibilidade de<br />

criar diferentes modelos, prevendo-se<br />

também, pela primeira vez, a participação<br />

<strong>das</strong> Comunidades Autónomas.<br />

Com estes da<strong>dos</strong> que temos, que<br />

necessidades teríamos quanto aos<br />

aspectos orgânicos? Evidentemente, passa<br />

a configurar-se <strong>um</strong>a nova carreira de<br />

secretário judicial, mantendo as mesmas<br />

estruturas mas criando <strong>um</strong> sistema<br />

piramidal similar ao do Ministério Público, o<br />

qual era desconhecido, até agora, na<br />

administração da justiça. Este sistema<br />

piramidal conflui no Ministério da Justiça,<br />

que continua a manter a independência<br />

orgânica <strong>dos</strong> secretários judiciais em todo o<br />

território nacional.<br />

Nessa organização piramidal, temos, n<strong>um</strong><br />

lugar intermédio, os secretários<br />

coordenadores provinciais, que estão à<br />

frente da organização a nível provincial, e<br />

por último os secretários judiciais.<br />

Em termos de espaços, em primeiro lugar,<br />

a reforma de 2003 estabelece <strong>um</strong>a<br />

estrutura básica de organização da nova<br />

secretaria judicial, em que ao mesmo<br />

tempo inclui <strong>um</strong> desenho flexível, mas<br />

homogéneo – o que, como veremos, é<br />

bastante contraditório.<br />

Qual é a conclusão a que chegamos? Nas<br />

cores que mostrámos a princípio, tínhamos<br />

círculos azuis com a sigla UPAD – Unidade<br />

Processual de Apoio Directo. Este espaço<br />

é herdeiro directo <strong>dos</strong> juízos tradicionais, é<br />

o espaço natural <strong>dos</strong> juízes. Onde<br />

exercerão eles a sua função jurisdicional.<br />

Com <strong>um</strong> número muito reduzido de<br />

funcionários, e com <strong>um</strong> secretário que<br />

exercerá a fé pública judicial, de forma<br />

partilhada com outras Unidades<br />

Processuais de Apoio Directo. Quem está<br />

encarregado da criação, estabelecimento e<br />

integração <strong>das</strong> Unidades Processuais de<br />

Apoio Directo? É <strong>um</strong>a competência<br />

exclusiva do Ministério da Justiça. É o<br />

Ministério quem estabelece quantos<br />

secretários haverá, quantas unidades<br />

processuais servirão <strong>um</strong> secretário, e o<br />

número certo de funcionários adstitos a<br />

esse serviço.<br />

Na segunda parte temos os SCOP<br />

Corresponde à zona central o organograma<br />

que vos apresento. É <strong>um</strong> serviço que<br />

presta serviços a <strong>um</strong>a ou várias Unidades<br />

Processuais de Apoio Directo. É o espaço<br />

natural do secretário judicial, onde dão<br />

entrada as petições iniciais, onde serão<br />

tramita<strong>das</strong> as acções e de onde estas<br />

sairão, <strong>um</strong>a vez finaliza<strong>das</strong>, para as<br />

Unidades Processuais de Apoio Directo,<br />

para que o juiz decida.<br />

Anexo 259


A alocação de recursos h<strong>um</strong>anos aos<br />

Serviços Comuns de Ordenação do<br />

Processo cabe às Comunidades<br />

Autónomas, ou ao Ministério da Justiça,<br />

caso aquelas tenham transferido para ele<br />

as competências, o que acontece<br />

actualmente em onze <strong>das</strong> dezassete<br />

Comunidades Autónomas com<br />

competência na área. Ao Ministério da<br />

Justiça corresponde não só a criação <strong>dos</strong><br />

Serviços Comuns de Ordenação do<br />

Processo, como a definição <strong>dos</strong> serviços<br />

que estes prestam, para os quais não há<br />

<strong>um</strong> catálogo fechado. À frente <strong>dos</strong> SCOP<br />

está sempre <strong>um</strong> secretário judicial, e por<br />

sua vez pode ter subunidades, que podem<br />

ser encabeça<strong>das</strong> por outros secretários<br />

judiciais que respodem perante aquele.<br />

Neste caso concreto, há <strong>um</strong>a vinculação ao<br />

Conselho Geral do Poder Judicial e a<br />

criação de <strong>um</strong> deste espaços, quando<br />

sejam de tramitação, requer sempre o<br />

parecer prévio favorável do Conselho<br />

Geral do Poder Judicial. Portanto, neste<br />

caso concreto estabelece-se <strong>um</strong>a função<br />

homogeneizadora para o Conselho Geral<br />

do Poder Judicial. O que de modo alg<strong>um</strong><br />

quer dizer homologadora, ou seja, o<br />

Conselho Geral do Poder Judicial não é<br />

apenas <strong>um</strong> filtro que dá <strong>um</strong>a autorização<br />

tabelar para que certo desenho de <strong>um</strong><br />

serviço com<strong>um</strong> tenha validade. Pelo<br />

contrário, o Conselho Geral do Poder<br />

Judicial deverá fazê-lo tendo em conta não<br />

apenas a função jurisdicional mas também<br />

a função administrativa <strong>das</strong> Comunidades<br />

Autónomas ou do Ministério da Justiça.<br />

Por último, o terceiro espaço que se define<br />

é o <strong>das</strong> Unidades Administrativas. As<br />

Unidades Administrativas não são defini<strong>dos</strong><br />

como órgãos específicos da administração<br />

da justiça, tendo apenas <strong>um</strong>a função de<br />

apoio material às unidades anteriormente<br />

referi<strong>das</strong>. É <strong>um</strong>a definição algo<br />

contraditória, porque se por <strong>um</strong> lado a lei<br />

diz que não se incorporam no poder<br />

judicial, estão integra<strong>das</strong> na orgânica<br />

judicial, gerem recursos h<strong>um</strong>anos e<br />

260<br />

materiais. Serão sempre compostas por<br />

pessoal ao serviço da administração da<br />

justiça ou por pessoal da administração<br />

civil do Estado. Notem que, em Espanha,<br />

existe <strong>um</strong>a diferenciação entre pessoal da<br />

administração pública em geral e da<br />

administração da justiça, inclusivamente<br />

com <strong>um</strong>a diferenciação clara <strong>sobre</strong> <strong>um</strong>a<br />

reserva de lei ordinária, para os primeiros,<br />

e <strong>um</strong>a reserva de lei orgânica, para os<br />

segun<strong>dos</strong>.<br />

O resultado deste cenário são três espaços<br />

diferentes, mas com <strong>um</strong>a estreita<br />

conjugação entre si, de tal modo que, dado<br />

que não se trata de <strong>um</strong> espaço ou definição<br />

unitários.<br />

Neste momento, o modelo do Ministério da<br />

Justiça é o único em marcha. Alg<strong>um</strong>as<br />

Comunidades Autónomas lançaram<br />

estu<strong>dos</strong>, mas não têm <strong>um</strong> modelo<br />

específico. Enquanto as Comunidades<br />

Autónomas governa<strong>das</strong> pelo PSOE gostam<br />

mais <strong>dos</strong> SCOP, as do PP preferem manter<br />

as pequenas unidades, com serviços<br />

comuns não para funções de tramitação,<br />

mas apenas para funções repetitivas, como<br />

notificações ou citações.<br />

Eis o que temos em Espanha. Face à<br />

vontade, referida (…), de ouvir o que se<br />

poderia aprender connosco, creio<br />

francamente que há pouco a aprender.<br />

Estamos a estudar, tal como vós, a<br />

possibilidade de rentabilizar recursos.<br />

Com que problemas nos deparamos para<br />

colocar as coisas em marcha? Apesar de a<br />

vacatio legis <strong>das</strong> leis processuais<br />

refromistas estar já a correr, neste<br />

momento, em Espanha só o Ministério da<br />

Justiça começou a c<strong>um</strong>prir os seus<br />

deveres. Arrancou com nove <strong>experiência</strong>s<br />

piloto, em Melilla, em sete capitais<br />

espanholas e na Audiência Nacional, esta<br />

última provavelmente pela transcendência<br />

da sua projecção interna e externa. Eu,<br />

francamente, neste caso sinto-me<br />

verdadeiramente honrado de poder<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


comandar esta nova <strong>experiência</strong> dentro da<br />

Audiência Nacional.<br />

Com que problemas nos deparamos<br />

então? Em primeiro lugar, problemas de<br />

organização. É necessário <strong>um</strong> novo mapa<br />

judiciário. É evidente que o mapa que era<br />

ideal em 1969, para <strong>um</strong> sistema<br />

organizativo diferente, é agora insuficiente.<br />

Além de que distribui recursos de forma<br />

difícil de justificar, respondendo mais a<br />

critérios políticos que de necessidade.<br />

Em segundo lugar, aponto a necessidade<br />

de ordenar e unificar os sistemas<br />

processuais. Não faz sentido que não<br />

tenhamos encontrado <strong>um</strong>a uniformização,<br />

do ponto de vista orgânico, para os<br />

Tribunais Superiores de Justiça <strong>das</strong><br />

Comunidades Autónomas, apesar de o<br />

artigo 52.º, da Constituição Espanhola, os<br />

estabelecer como órgão máximo da<br />

organização judiciária nos territórios <strong>das</strong><br />

Comunidades Autónomas. Não obstante,<br />

uns Tribunais Superiores de Justiça<br />

ass<strong>um</strong>em este papel preponderante e<br />

outros não. Em certas ordens jurisdicionais<br />

têm competências para tanto, noutras não.<br />

Ponto assente é que as Audiências<br />

Provinciais precisam de <strong>um</strong>a unificação.<br />

Quanto ao terceiro problema: as novas<br />

tecnologias. (…) sistema LEXNET, sistema<br />

de notificação e comunicações judiciais<br />

através da internet. Este sistema está a ser<br />

usado há cerca de ano e meio única e<br />

exclusivamente no território do Ministério<br />

da Justiça. O que não faz muito sentido.<br />

Por exemplo, na cidade de Madrid, os<br />

órgãos centrais (Supremo Tribunal e<br />

Audiência Nacional) usam as novas<br />

tecnologias com resulta<strong>dos</strong> muito<br />

satisfatórios, mas o Tribunal Superior de<br />

Justiça da Comunidade Autónoma de<br />

Madrid, cujos recursos dependem da<br />

administração da justiça do governo<br />

autonómico de Madrid, não utiliza ainda<br />

estes mecanismos.<br />

Um problema importante que podemos<br />

ainda apontar ao sistema LEXNET<br />

(provavelmente devido à desconfiança<br />

inicial que o legislador teve neste sistema,<br />

mas que imagino que com o passar do<br />

tempo, face aos resulta<strong>dos</strong> satisfatórios,<br />

deverá ter solução) é que as notificações<br />

aos advoga<strong>dos</strong> ficam ainda nas mãos <strong>dos</strong><br />

procuradores de notificações. É <strong>um</strong>a<br />

contradição, pelo menos do ponto de vista<br />

processual, que apesar do envio de<br />

notificações por meios electrónicos, estas<br />

seguem igualmente por correio normal,<br />

para os serviços <strong>dos</strong> procuradores de<br />

notificações. Esta duplicação não faz para<br />

mim qualquer sentido.<br />

Em segundo lugar, em relação ao sistema<br />

de apresentação de peças processuais,<br />

julgo que temos de aprender mais de vós, e<br />

reciprocamente. Na recepção de<br />

doc<strong>um</strong>entos escritos, vivemos <strong>um</strong> enorme<br />

contra-senso onde o advogado elabora a<br />

peça processual, envia-a por internet para<br />

o procurador de notificações, que a<br />

imprime para a apresentar formalmente no<br />

órgão jurisdicional em causa. E nós, no<br />

caso concreto da Audiência Nacional,<br />

temos de digitalizá-la novamente para<br />

poder transmiti-la. Não faz qualquer sentido<br />

e representa <strong>um</strong> gasto económico<br />

desnecessário.<br />

Em terceiro lugar, a desmaterialização do<br />

processo. Estamos convenci<strong>dos</strong> que será<br />

<strong>um</strong> passo importantíssimo, mas só o<br />

começámos agora, e apenas na Audiência<br />

Nacional. Cremos contar com ele em Abril.<br />

É ainda necessário, a par destas<br />

modificações, <strong>um</strong> novo sistema de registo.<br />

Quanto a problemas relativos a meios<br />

materiais, creio que necessitamos de <strong>um</strong>a<br />

relação de postos de trabalho pensando<br />

nas novas tecnologias. Há postos de<br />

trabalho obsoletos e outros a criar. É<br />

necessária <strong>um</strong>a modificação do sistema de<br />

colocações. Provavelmente há que o<br />

ampliar, pelo menos até ao nível da<br />

localidade, e assim garantir que <strong>um</strong><br />

funcionário tenha <strong>um</strong>a reserva de<br />

Anexo 261


colocação dentro da mesma localidade,<br />

mas não necessariamente dentro do<br />

mesmo órgão jurisdicional. Outra questão<br />

ainda é a necessidade de <strong>um</strong>a regulação<br />

diferente para o pessoal não funcionário,<br />

que neste momento se estima que seja<br />

20% do pessoal que presta serviços na<br />

administração da justiça.<br />

O quarto problema diz respeito aos<br />

espaços físicos. Na sua maioria não são<br />

adequa<strong>dos</strong>. Os antigos edifícios de<br />

<strong>tribunais</strong> estão obsoletos, não só pelos<br />

recursos materiais, mas pelos próprios<br />

espaços. Os espaços amplos necessários<br />

ao funcionamento de serviços comuns não<br />

existem, neste momento, nos edifícios. É,<br />

portanto, necessário <strong>um</strong> novo desenho <strong>dos</strong><br />

edifícios. Os agentes implica<strong>dos</strong> são o<br />

Conselho Geral do Poder Judicial, através<br />

de decreto de homogeneização; o<br />

Ministério da Justiça, que ainda mantém as<br />

competências defini<strong>das</strong> em seis<br />

Comunidades Autónomas, mas <strong>sobre</strong>tudo<br />

porque mantém as competências <strong>sobre</strong> os<br />

que dirigem a reforma; e, está claro, as<br />

Comunidades Autónomas, pois são elas<br />

que terão de aproximar os serviços da<br />

administração da justiça aos seus<br />

cidadãos.<br />

Aponto desde já alg<strong>um</strong>as soluções<br />

possíveis. Em primeiro lugar, actuação do<br />

Conselho Geral do Poder Judicial, através<br />

de <strong>um</strong> tal decreto de homogeneização,<br />

para que as Comunidades Autónomas<br />

saibam a quem devem atender na hora de<br />

criar <strong>um</strong> serviço com<strong>um</strong>. Da parte do<br />

Ministério da Justiça, é necessário<br />

estabelecer <strong>um</strong> sistema, <strong>um</strong>a dotação<br />

genérica para to<strong>das</strong> as Unidades<br />

Processuais de Apoio Directo, porque é a<br />

sua competência. Até agora têm sido<br />

previstas dotações desadequa<strong>das</strong> para a<br />

realidade actual, a partir do momento em<br />

que se incorporam novos meios, através<br />

<strong>das</strong> reformas processuais.<br />

Portanto, aponto para novas condições nos<br />

postos de trabalho, novos edifícios, novas<br />

262<br />

dotações. E isso já se fez, na verdade:<br />

600.000.000 € previstos para três anos.<br />

A terceira solução, a levar a cabo por parte<br />

<strong>das</strong> Comunidades Autónomas, passa por<br />

definir o modelo entre <strong>um</strong> modelo de<br />

primazia <strong>dos</strong> serviços comuns ou de<br />

primazia <strong>das</strong> Unidades Processuais de<br />

Apoio Directo, o que tem repercussões na<br />

composição e dotação <strong>dos</strong> edifícios.<br />

Edifícios esses que são <strong>um</strong>a <strong>das</strong> carências<br />

do marco estatutário estabelecido na lei de<br />

2003. Tudo tem que ver com o que se<br />

defende, isto é, se se defende a<br />

concentração ou não. O sistema inglês, por<br />

exemplo, optou pela desconcentração, eu<br />

pessoalmente inclino-me mais para a<br />

concentração, em que as Unidades<br />

Processuais de Apoio Directo estejam<br />

próximas <strong>dos</strong> Serviços Comuns de<br />

Ordenação do Processo.<br />

Em relação à segurança, é fundamental<br />

que n<strong>um</strong> edifício judicial existam e se<br />

respeitem normas de segurança –<br />

permitam-me neste caso ser levado pelo<br />

factor profissional da minha pertença à<br />

Audiência Nacional.<br />

Uma nova organização também é<br />

fundamental. Creio que, se a nova<br />

organização assenta <strong>sobre</strong> os secretários<br />

judiciais e o c<strong>um</strong>e desta nova organização<br />

<strong>dos</strong> secretários judiciais é o Secretário-<br />

Geral da Administração da Justiça, no<br />

decreto de organização do próprio<br />

Ministério da Justiça deveria criar-se e<br />

estabelecer-se essa figura.<br />

Para concluir, e perdoem-me ter-me<br />

estendido <strong>um</strong> pouco, para mim este<br />

projecto é emocionante. Insisto novamente:<br />

creio que este projecto, mais que para <strong>um</strong><br />

futuro imediato, é para o longo prazo, e<br />

deverá culminar n<strong>um</strong>a nova reforma<br />

organizativa que estabeleça ordem na<br />

organização judicial espanhola.<br />

Neste momento, como já referi, estão em<br />

marcha nove <strong>experiência</strong>s piloto, se bem<br />

que estamos como que a trabalhar iludi<strong>dos</strong>,<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


pois não existem da<strong>dos</strong> concretos.<br />

Por último, estaremos perante <strong>um</strong>a<br />

administrativização ou, segundo as<br />

palavras do professor Professor Juan<br />

Montero Aroca, perante <strong>um</strong>a<br />

napoleanização da administração da<br />

justiça? Creio que não. Estamos, creio,<br />

perante <strong>um</strong> projecto que, além de ser<br />

muitíssimo estimulante, pretende oferecer<br />

<strong>um</strong> serviço rápido e ágil aos cidadãos,<br />

onde se possa conjugar, no maior respeito<br />

aos termos da Constituição, a função<br />

jurisdicional com aqueles aspectos de<br />

natureza mais administrativa. E, nessa<br />

conjugação entre to<strong>dos</strong>, conseguir <strong>um</strong><br />

melhor serviço público.<br />

Sem mais, muito obrigado e espero que<br />

tenha sido capaz de vos transmitir o que<br />

queria.<br />

II Organização interna e funcionamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> em<br />

Portugal<br />

OPJ<br />

Vou procurar ser muito breve e vou apenas<br />

introduzir alguns aspectos que podem<br />

ajudar ao debate. Como vimos pelas<br />

intervenções <strong>dos</strong> nossos colegas<br />

espanhóis, há muitos problemas comuns e<br />

muitas dificuldades que também<br />

identificámos entre nós, bem como<br />

alg<strong>um</strong>as soluções que já preconizámos.<br />

Por outro lado, é também importante<br />

salientar que a ideia muito generalizada de<br />

que entre nós está tudo mal e nos outros<br />

países está tudo a correr bem, é <strong>um</strong>a ideia<br />

errada. Aliás, até é com gosto que vemos<br />

que, em alguns aspectos, até estamos<br />

mais avança<strong>dos</strong>.<br />

Há a reter também a ideia de que <strong>um</strong><br />

sistema de justiça não se reforma de <strong>um</strong><br />

dia para o outro. Tudo isto implica<br />

mudanças que têm de ser feitas em<br />

pequenos passos, mas com <strong>um</strong> sentido<br />

orientador, isto é, procurando saber onde<br />

queremos chegar e o que é que temos de ir<br />

fazendo para lá chegar.<br />

Queria também chamar a atenção para o<br />

facto de estar entre nós <strong>um</strong> colega que há<br />

tempos, n<strong>um</strong> encontro, referiu que<br />

questões da <strong>gestão</strong>, de organização de<br />

méto<strong>dos</strong> de trabalho, etc. não eram<br />

discuti<strong>das</strong> entre nós há quatro ou cinco<br />

anos. E estamos a discuti-las agora!<br />

Também os nossos países vizinhos não as<br />

discutiam muito. De facto, estes conceitos<br />

relaciona<strong>dos</strong> com as políticas gestionárias,<br />

com novos méto<strong>dos</strong> de trabalho, com o<br />

modelo da qualidade total, da qualidade da<br />

justiça, da governance, da <strong>gestão</strong><br />

integrada, <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> de excelência, são<br />

conceitos muito novos e que fomos<br />

importar a outros sectores, nomeadamente<br />

a alg<strong>um</strong>as organizações priva<strong>das</strong> que<br />

agora estão a confluir no sector da justiça.<br />

É claro que isto é perturbante para to<strong>dos</strong><br />

nós porque não fomos forma<strong>dos</strong> com estes<br />

conceitos. Portanto, é preciso ter a noção<br />

que é necessário formar as pessoas que<br />

estão no sistema. Tudo isto mudou muito<br />

rapidamente.<br />

De facto, há motivos de várias ordens,<br />

designadamente a massificação do<br />

sistema, da procura, que levaram a que<br />

Anexo 263


hoje estejamos confronta<strong>dos</strong> com novas<br />

solicitações e exigências r<strong>um</strong>o a <strong>um</strong> novo<br />

tipo de reformas.<br />

Entre nós, a reforma do mapa judiciário<br />

veio colocar esta temática de <strong>um</strong>a maneira<br />

mais assertiva no debate e na ordem do<br />

dia.<br />

Aqueles que conhecem a reforma sabem<br />

que ela traz conceitos e novas<br />

potencialidades no que diz respeito à<br />

<strong>gestão</strong>. Por exemplo, com a introdução<br />

destas novas figuras do juiz presidente, do<br />

administrador judicial, <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong><br />

coordenadores, foram cria<strong>dos</strong>, a nível<br />

intermédio da comarca, <strong>um</strong> conjunto de<br />

instr<strong>um</strong>entos gestionários que não<br />

existiam.<br />

Agora, o problema que se coloca é como<br />

densificar esses conceitos e interpretá-los.<br />

De facto, há muitas novidades legais, como<br />

por exemplo competências para a<br />

elaboração do orçamento, para a<br />

elaboração de regulamentos internos,<br />

propostas de flexibilização no que respeita<br />

à ac<strong>um</strong>ulação <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>,<br />

possibilidades de colocação de<br />

funcionários dentro da comarca; ao nível de<br />

<strong>gestão</strong> processual, por exemplo,<br />

implementar méto<strong>dos</strong> e objectivos,<br />

designadamente na fixação <strong>dos</strong><br />

indicadores de vol<strong>um</strong>e processual,<br />

acompanhar e avaliar a actividade do<br />

tribunal e o vol<strong>um</strong>e processual do mesmo,<br />

promover a aplicação de medi<strong>das</strong> de<br />

simplificação e agilização processual,<br />

possibilidade de criação de secções<br />

especializa<strong>das</strong>, etc.<br />

Enfim, há aqui todo <strong>um</strong> conjunto de<br />

possibilidades que esta nova reforma do<br />

mapa judiciário coloca, em termos de<br />

desafio, e a questão é como densificá-las e<br />

como concretizá-las.<br />

Ao mesmo tempo que nós introduzimos<br />

estas novas possibilidades gestionárias de<br />

nível intermédio, continuamos a ter <strong>um</strong><br />

conjunto de competências a nível mais<br />

264<br />

macro. A questão é como compatibilizar<br />

estas competências com a Direcção-Geral<br />

da Administração da Justiça, órgão máximo<br />

que continua a ter competências ao nível<br />

<strong>dos</strong> funcionários, ou com o Conselho<br />

Superior da Magistratura, que continua a<br />

ter, e tem de ter, <strong>um</strong> conjunto de<br />

competências relativamente à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />

magistra<strong>dos</strong> em razão do princípio basilar<br />

da independência do juiz? Mais, como<br />

compatibilizar estas competências com<br />

outros institutos como o Instituto <strong>das</strong><br />

Tecnologias de Informação na Justiça, o<br />

Conselho Superior da Magistratura do<br />

Ministério Público? Depois, ainda ao nível<br />

da comarca, entre os secretários que se<br />

mantiveram e o administrador judicial. Há<br />

aqui <strong>um</strong>a difusão de competências e <strong>um</strong>a<br />

necessidade de se definir e avaliar que<br />

competências devem estar acometi<strong>das</strong> a<br />

uns e a outros, n<strong>um</strong>a perspectiva de<br />

eficácia.<br />

Mas, obviamente que tudo isto está<br />

também relacionado com estatutos <strong>dos</strong><br />

funcionários. Já foi referido n<strong>um</strong>a sessão<br />

de trabalho, a propósito deste tema, que só<br />

se pode gerir aquilo <strong>sobre</strong> o qual se tem<br />

competência para gerir. A questão que se<br />

impõe é como é que se consegue a<br />

flexibilização de recursos h<strong>um</strong>anos quando<br />

há regras estatutárias e, provavelmente<br />

também, direitos adquiri<strong>dos</strong>. Não se pode,<br />

por exemplo, mudar <strong>um</strong> escrivão de <strong>um</strong><br />

lugar para outro, discricionariamente.<br />

Portanto, como é que se pode falar de<br />

<strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos e novos<br />

méto<strong>dos</strong> de trabalho, definição de perfil<br />

etc., se não os podemos mover daqui para<br />

ali?<br />

Depois temos o problema da aplicação<br />

prática <strong>das</strong> reformas e da sua<br />

interpretação, em que se reforma <strong>um</strong>a<br />

parte e se esquecem outros normativos<br />

que existem. Em Portugal, aliás, é muito<br />

com<strong>um</strong> esta forma de legislar: sem prejuízo<br />

<strong>das</strong> competências gerais, sejam elas quais<br />

forem. Ou seja, é frequente que haja em<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


outros diplomas, normas que nos<br />

esqueçamos de alterar e que impedem que<br />

determinada norma funcione.<br />

No que diz respeito à mobilidade <strong>dos</strong><br />

funcionários judiciais (…) ressalta-se<br />

dificuldades de movimentar funcionários<br />

n<strong>um</strong> espaço geográfico relativamente curto,<br />

entre secretarias <strong>dos</strong> juízos.<br />

Uma outra questão é, como é que se<br />

compatibiliza esta colocação no quadro,<br />

estes micros, no contexto da Administração<br />

Pública em que há <strong>um</strong>a tendência<br />

reformista de abandono de quadros e<br />

criação de mapas de pessoal.<br />

Penso que é importante discutirmos aqui a<br />

questão <strong>dos</strong> limites da mobilidade<br />

geográfica, mas também, da mobilidade<br />

funcional. Porque, por <strong>um</strong> lado, como é que<br />

se compatibilizam os conteú<strong>dos</strong> funcionais<br />

que estão defini<strong>dos</strong> para o exercício de<br />

determina<strong>das</strong> funções na tramitação <strong>dos</strong><br />

processos com <strong>um</strong>a tendência para a<br />

especialização dentro de determina<strong>das</strong><br />

temáticas, e, por outro, com a ideia de que<br />

temos juízos em que é <strong>sobre</strong>tudo a<br />

massificação da conflitualidade que ali está<br />

presente, ao passo que noutros é a<br />

complexidade da litigação que está<br />

presente? Como é que encontramos<br />

sistemas com princípios orientadores,<br />

protocolos de funcionamento, mas que,<br />

depois, permitam esta flexibilidade?<br />

Por outro lado, como é que conseguimos<br />

determinar n<strong>um</strong>a secção de processos,<br />

conceitos de que hoje se fala muito, como<br />

front office ou back office, quando temos,<br />

ainda entre nós, <strong>um</strong>a tendência<br />

excessivamente atomística, com secções<br />

em que to<strong>dos</strong> fazem o mesmo, e em que<br />

os funcionários estão sistematicamente a<br />

ser interrompi<strong>dos</strong> por atendimento ao<br />

público ou pelo telefone? Ou como é que<br />

se define se se deve dar mais importância<br />

à recuperação de processos pendentes ou<br />

antes manter os processos mais recentes<br />

em dia?<br />

No fundo, como é que se resolvem estas<br />

questões de maneira a atender de <strong>um</strong>a<br />

forma diferenciada neste princípio e<br />

orientação de qualidade, porque a justiça é<br />

<strong>um</strong> serviço público, essencial n<strong>um</strong>a<br />

sociedade democrática. A justiça está ao<br />

serviço do cidadão. É <strong>um</strong> chavão, é certo,<br />

mas temos de dizê-lo. Tem de haver<br />

prioridades na justiça. Não me parece que<br />

se possa achar que <strong>um</strong> problema de <strong>um</strong>a<br />

criança ou de <strong>um</strong>a pessoa que necessita<br />

de <strong>um</strong>a pensão de alimentos e <strong>um</strong>a<br />

questão de divisão de <strong>um</strong> terreno é a<br />

mesma coisa e entre no mesmo número.<br />

Há quem entenda que é a mesma coisa.<br />

To<strong>dos</strong> têm a sua importância, claro, mas há<br />

aqui <strong>um</strong>a prioridade em determinado tipo<br />

de conflitos, pelo que, penso que temos<br />

que encontrar formas internas de tornar o<br />

sistema mais eficaz.<br />

É também importante dizer que muito do<br />

que acontece no sistema da justiça em<br />

termos de ineficiência ou morosidade não<br />

tem a ver só com o que acontece<br />

internamente. Hoje, as instituições<br />

conexas, que trabalham com a justiça são<br />

muitas e varia<strong>das</strong>. Há muitas questões que<br />

dependem muito do trabalho do Instituto<br />

Nacional de Medicina Legal, da Segurança<br />

Social, <strong>das</strong> Finanças, e compete ao Estado<br />

e ao poder político ter <strong>um</strong>a visão conjunta e<br />

sistémica. Tem de se saber articular, no<br />

sentido de encontrar formas de agilização.<br />

Mas também não nos esqueçamos que<br />

isso tem a ver com a cultura de to<strong>dos</strong> nós.<br />

De facto, continua muito presente no nosso<br />

sistema interno e na forma como se articula<br />

com as outras instituições, a ideia do ofício,<br />

do despacho, etc.<br />

É a nossa forma de trabalhar, mas que<br />

urge alterar, porque nos perdemos no<br />

ofício, no prazo para isto e para aquilo, e<br />

esquecemo-nos, muitas vezes, ou<br />

relegamos para segundo plano, o que é<br />

verdadeiramente importante: a resolução<br />

do conflito. O que precisamos, de facto, é<br />

criar <strong>um</strong>a cultura de <strong>gestão</strong> do processo,<br />

porque quando o problema social que os<br />

Anexo 265


cidadãos pedem ao tribunal para resolver<br />

entra no sistema, tem de haver <strong>um</strong>a<br />

previsibilidade da sua resolução.<br />

É evidente que não é fácil fazê-lo,<br />

atendendo à carga burocrática e ao<br />

problema da articulação com as outras<br />

instituições, porque mais do que <strong>um</strong><br />

problema da justiça, este é <strong>um</strong> problema de<br />

funcionamento da sociedade.<br />

Eu penso que depende muito, também, de<br />

<strong>um</strong>a outra dinâmica que o poder político<br />

possa aqui implementar, mas <strong>sobre</strong>tudo<br />

<strong>dos</strong> protagonistas da justiça e da forma<br />

como encaram as situações.<br />

Comentários<br />

OPJ<br />

Iniciaríamos os nossos trabalhos com este<br />

nosso painel de comentadores e depois,<br />

abriremos o debate a to<strong>dos</strong>. Por consenso<br />

da mesa, penso que vamos começar<br />

primeiro pelo lado jurídico, isto é, pelo lado<br />

do sistema e depois, ouviremos as visões<br />

externas do sistema.<br />

S6<br />

Muito boa tarde. Neste contexto de<br />

comentário que nos coube, pensámos que<br />

seria útil fazer <strong>um</strong>a referência à <strong>experiência</strong><br />

em curso e a que estamos a proceder.<br />

Refiro-me a esta <strong>experiência</strong> piloto<br />

portuguesa que se iniciou em 14 de Abril<br />

de 2009.<br />

Esta <strong>experiência</strong> que está em curso em<br />

três <strong>comarcas</strong> piloto assenta em três<br />

vectores, que são, <strong>um</strong>a nova matriz<br />

territorial, <strong>um</strong> novo modelo de <strong>gestão</strong> e<br />

<strong>um</strong>a acentuada especialização <strong>das</strong><br />

266<br />

Tudo isto para concluir que há <strong>um</strong>a<br />

necessidade de repensarmos e<br />

reformularmos esta forma de organização<br />

interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, que tem de definir<br />

princípios orientadores, metas e objectivos<br />

com flexibilidade para diferenciar o que é<br />

diferente, com novas formas de<br />

funcionamento, com mais qualidade e<br />

eficiência para dar aos cidadãos e às<br />

empresas <strong>um</strong>a resposta mais rápida. Mas<br />

estas são apenas <strong>um</strong>as notas e penso que<br />

de seguida, no debate, vamos discutir<br />

to<strong>das</strong> estas questões.<br />

jurisdições.<br />

Quanto à matriz territorial e como é <strong>um</strong>a<br />

opção política, parece-me que<br />

relativamente a cada <strong>um</strong>as <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong><br />

há características muito particulares e<br />

talvez não seja a questão central deste<br />

debate.<br />

Quanto à especialização <strong>das</strong> jurisdições,<br />

hoje em dia parece não oferecer dúvi<strong>das</strong><br />

quanto ao seu benefício para os cidadãos<br />

que se dirigem aos serviços da justiça.<br />

O novo modelo de <strong>gestão</strong> que foi instituído<br />

constitui talvez a maior novidade e o maior<br />

desafio desta reforma. Este modelo, penso<br />

que se poderá definir por três ideias-chave:<br />

por <strong>um</strong> lado a desconcentração, por outro,<br />

<strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> integrada e de proximidade e,<br />

embora ainda tímida, <strong>um</strong>a abertura à<br />

participação de to<strong>dos</strong> os actores judiciários<br />

e não apenas <strong>dos</strong> tradicionais operadores<br />

<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>: os juízes, os magistra<strong>dos</strong> do<br />

Ministério Público e os funcionários<br />

judiciais.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


A concretização destes vectores encontra a<br />

sua expressão nos órgãos de <strong>gestão</strong> que<br />

estão instituí<strong>dos</strong> na relação entre eles e na<br />

relação deles com os poderes e os órgãos<br />

centrais.<br />

São órgãos de <strong>gestão</strong>: o juiz presidente e<br />

os juízes coordenadores; o administrador<br />

judiciário; o conselho de comarca, aqui sim<br />

a intervenção <strong>dos</strong> actores judiciários<br />

estranhos àquilo que normalmente se<br />

designa como o tribunal e que aqui é talvez<br />

<strong>um</strong>a novidade e <strong>um</strong>a garantia de qualidade<br />

do nosso sistema – ver-se-á depois as<br />

dificuldades que isso ainda traz – e quanto<br />

aos serviços do Ministério Público, no<br />

respeito pela sua autonomia, a<br />

coordenação pelo magistrado da respectiva<br />

magistratura.<br />

No nosso sistema, a administração da<br />

justiça envolve, por <strong>um</strong> lado, o executivo<br />

que define a política de justiça; por outro<br />

lado, o órgão de <strong>gestão</strong> da magistratura<br />

judicial: o Conselho Superior da<br />

Magistratura.<br />

A opção da lei orgânica, naquele contexto<br />

<strong>dos</strong> órgãos de <strong>gestão</strong> que referi, optou por<br />

atribuir ao juiz presidente ao nível da<br />

comarca – e aqui se encontra a<br />

desconcentração e também a <strong>gestão</strong><br />

integrada e de proximidade – a<br />

coordenação de diversos aspectos de<br />

competências que são, por <strong>um</strong> lado, do<br />

Conselho Superior da Magistratura, por<br />

outro do executivo antes da reforma, e<br />

competências que existem, tanto ao nível<br />

decisório, do próprio juiz presidente, como<br />

ao nível da instituição de <strong>um</strong>a obrigação de<br />

promoção junto desses órgãos, daquilo que<br />

é relevante e que é importante para a<br />

comarca concreta e que é gerida. São<br />

disso exemplo as competências atribuí<strong>das</strong><br />

ao juiz presidente quanto à colocação de<br />

funcionários judiciais no âmbito <strong>dos</strong> juízos,<br />

com extinção da noção de quadro, por<br />

exemplo, relativamente aos escrivães<br />

adjuntos e aos escrivães auxiliares, e não<br />

quanto aos escrivães de direito.<br />

Penso que esta é <strong>um</strong>a <strong>das</strong> grandes<br />

potencialidades de <strong>gestão</strong> de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos e de desconcentração dessa<br />

<strong>gestão</strong>.<br />

Ao nível do juiz presidente, como se<br />

recordarão, eram defini<strong>dos</strong> os quadros <strong>das</strong><br />

secretarias, o número de escrivães<br />

adjuntos, o número de escrivães auxiliares<br />

que deveriam ser atribuí<strong>dos</strong> a cada juízo.<br />

Actualmente é definido o número destas<br />

categorias que cabe a <strong>um</strong>a determinada<br />

comarca ou aos juízos territoriais dessa<br />

comarca, e a <strong>gestão</strong> é feita pelo juiz<br />

presidente na consideração <strong>das</strong> concretas<br />

circunstâncias do serviço e, eventualmente,<br />

da alteração delas.<br />

Em situações, como por exemplo nos<br />

juízos de (…), que são juìzos com <strong>um</strong>a<br />

enorme dimensão, e portanto têm <strong>um</strong><br />

número muito grande de funcionários<br />

atribuí<strong>dos</strong> sem quadro, penso que 140, se<br />

não estou em erro, permite, de facto, <strong>um</strong>a<br />

flexibilização da <strong>gestão</strong>. Permite, por outro<br />

lado, compreensão <strong>das</strong> dificuldades e <strong>das</strong><br />

necessidades de cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> juízos em<br />

termos de lhes afectar, no momento, mais<br />

ou menos escrivães adjuntos, mais ou<br />

menos escrivães auxiliares e de ir<br />

alterando isto ao longo do tempo, o que me<br />

parece ser <strong>um</strong>a <strong>das</strong> grandes virtualidades<br />

desta reforma.<br />

Por outro lado, a competência do juiz<br />

presidente para propor, por exemplo, a<br />

especialização <strong>das</strong> secções de processos,<br />

penso que responde também a alg<strong>um</strong>as<br />

<strong>das</strong> dificuldades que nos foram<br />

transmiti<strong>das</strong> relativamente ao sistema<br />

espanhol, de <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> secretarias.<br />

As secretarias puderam passar a ser<br />

geri<strong>das</strong> em termos de competências<br />

materiais e de especialização dessas<br />

competências materiais, em termos de<br />

afectação, por exemplo, de <strong>um</strong> grupo de<br />

funcionários a <strong>um</strong> determinado grupo de<br />

tarefas ou a <strong>um</strong>a determinada matéria<br />

processual.<br />

Anexo 267


Assim, daquilo que sei, embora ainda não<br />

haja nenh<strong>um</strong>a <strong>experiência</strong> a esse nível nas<br />

três <strong>comarcas</strong> piloto, há circunstâncias que<br />

me parece, por exemplo, relativamente aos<br />

juìzos de (…) que aconselham que seja<br />

pensada essa solução.<br />

Esta especialização <strong>das</strong> secções permite<br />

<strong>um</strong>a especialização funcional ao encontro<br />

daquilo que há pouco nos foi referido, que<br />

nos faz escapar àquele modelo que, a meu<br />

ver, bloqueia muitas vezes as nossas<br />

secretarias, que é termos os processos<br />

distribuí<strong>dos</strong> por números e por funcionários<br />

que fazem to<strong>dos</strong> eles tudo e, faltando o<br />

funcionário, <strong>um</strong> determinado tipo de<br />

processos pára durante <strong>um</strong>a semana, <strong>um</strong><br />

mês…<br />

Esta reforma, pela proximidade da <strong>gestão</strong><br />

do juiz presidente e pela possibilidade<br />

desta especialização e desta diversificação<br />

<strong>dos</strong> conteú<strong>dos</strong> funcionais, parece-me ter<br />

funcionalidades muito relevantes.<br />

De notar que esta decisão é atribuída,<br />

embora se inclua naquela obrigação de<br />

promoção do juiz presidente ao Conselho<br />

Superior da Magistratura que deverá<br />

articular depois com os órgãos do<br />

executivo necessários à efectivação da<br />

especialização <strong>das</strong> secções.<br />

Por outro lado, a possibilidade de o juiz<br />

presidente propor a reafectação de juízes,<br />

a ac<strong>um</strong>ulação de funções, a colocação de<br />

juízes do quadro complementar permite<br />

<strong>um</strong>a maior maleabilidade e <strong>um</strong>a<br />

proximidade decorrente do conhecimento<br />

concreto e real <strong>das</strong> situações que<br />

possibilita <strong>um</strong>a intervenção atempada, que<br />

embora já existisse no regime anterior. De<br />

facto, estes institutos existiam, mas de <strong>um</strong>a<br />

tal maneira centralizada e lidando com<br />

situações atomistas em que <strong>um</strong> juízo de<br />

<strong>um</strong>a secretaria não tinha <strong>um</strong>a coordenação<br />

que permitisse ver o conjunto, não tinha<br />

talvez as possibilidades que, actualmente,<br />

e em concreto, por exemplo, tem n<strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />

<strong>comarcas</strong> piloto – e sei porque temos<br />

268<br />

institucionalizado <strong>um</strong> conselho <strong>dos</strong> juízes<br />

presidentes que nas outras <strong>comarcas</strong><br />

também tem tido bons resulta<strong>dos</strong>.<br />

Por outro lado, ao nível da <strong>gestão</strong><br />

processual entendida como a <strong>gestão</strong><br />

macro, ou seja a <strong>gestão</strong> do conjunto, da<br />

organização da tramitação de <strong>um</strong> conjunto<br />

de processos pendente n<strong>um</strong> tribunal,<br />

também as funções que são atribuí<strong>das</strong> ao<br />

juiz presidente em conjunto com os juízes<br />

coordenadores e também com os juízes<br />

titulares permitem, por <strong>um</strong> lado, obter <strong>um</strong>a<br />

uniformidade de critérios e obviar em<br />

situações como aquela que nos foi descrita<br />

há pouco por <strong>um</strong>a <strong>das</strong> pessoas que<br />

interveio descrevendo o modelo espanhol,<br />

que é de encontrarmos juízos vizinhos em<br />

que as opções são diversas, sendo que os<br />

cidadãos se defrontam com essa<br />

diversidade sem haver <strong>um</strong>a explicação<br />

para isso.<br />

Situa-se, também, a <strong>gestão</strong> processual a<br />

este nível que parece ser o local correcto,<br />

que é no âmbito do judicial e não no âmbito<br />

do executivo, sendo certo que há a tal<br />

articulação entre o juiz presidente e os<br />

juízes coordenadores e os juízes titulares,<br />

aos quais continua a caber, mediante a<br />

dependência funcional <strong>das</strong> secretarias, a<br />

<strong>gestão</strong> processual ao nível micro, ou seja<br />

ao nível da <strong>gestão</strong> do processo em si e da<br />

sua tramitação.<br />

Esta <strong>gestão</strong> processual, isto é, como se<br />

dizia há pouco, a questão de quando <strong>um</strong><br />

processo entra dever ser possível<br />

determinar quando é que ele acaba e gerir<br />

os passos da sua tramitação, é talvez o<br />

ponto mais fraco e que resulta já não da<br />

organização judiciária mas da organização<br />

<strong>das</strong> leis de processo.<br />

Nós temos situações, por exemplo, nos<br />

processos de insolvência actuais, em que a<br />

própria lei de organização do processo faz<br />

com que o seu início e a prática do primeiro<br />

acto pelo juiz desencadeie, por exemplo,<br />

<strong>um</strong> conjunto de prazos que permite fazer<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


esta previsão e esta <strong>gestão</strong> do próprio<br />

processo. Não temos isso ao nível do<br />

processo civil. Quando <strong>um</strong> processo civil<br />

entra n<strong>um</strong> tribunal, por muito que o juiz<br />

queira fazer <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> dele, a tramitação<br />

processual encarrega-se de o dissuadir<br />

dessa intenção porque os diversos<br />

operadores, como têm prazos que<br />

começam a correr em circunstâncias<br />

diversas que dependem da prática de actos<br />

diversos tornam isso muito complicado.<br />

Por exemplo, na comarca (…), porque há<br />

esta possibilidade ao nível <strong>dos</strong> processos<br />

de insolvência, está a ser feito <strong>um</strong> estudo<br />

do que é a tramitação razoável destes<br />

processos que permitam <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> ao<br />

nível micro. Esse estudo está a ser feito em<br />

ordem a podermos dali tirar alg<strong>um</strong>as<br />

conclusões relativamente a processos que,<br />

por exemplo, excedam esse prazo de<br />

tramitação e quais são os<br />

estrangulamentos de que eles resultam.<br />

O ponto de encontro, parece-me ser a<br />

figura do juiz presidente, para além da<br />

actividade de <strong>gestão</strong> processual, deve-se<br />

ter em conta a figura do administrador<br />

judiciário que tem competências delega<strong>das</strong><br />

do juiz presidente, mas que tem também<br />

<strong>um</strong> conjunto de competências delega<strong>das</strong><br />

<strong>dos</strong> órgãos centrais da administração (do<br />

Instituto de Gestão Financeira e de Infra-<br />

Estruturas da Justiça e da Direcção-Geral<br />

da Administração da Justiça). E parece-me<br />

que o sistema tem a possibilidade de não<br />

criar assim <strong>um</strong>a bicefalia, mas, antes pelo<br />

contrário, integrar na comarca e nesta<br />

desconcentração da comarca, este<br />

conjunto de competências, <strong>um</strong>a vez que o<br />

administrador judiciário coadjuva o juiz<br />

presidente e, parece-nos, exercerá tais<br />

funções em coordenação com o plano<br />

administrativo do juiz presidente, pese<br />

embora, e como é óbvio, o respeito pela<br />

direcção <strong>das</strong> entidades delega<strong>das</strong>.<br />

Este ponto de encontro de coordenação e<br />

de confluência de interventores na figura do<br />

juiz presidente permite <strong>um</strong>a<br />

desconcentração da intervenção central ao<br />

nível da comarca sem a afastar, e que,<br />

obviamente, tem de existir ao nível<br />

nacional, mas, também, <strong>um</strong>a proximidade<br />

de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> problemas concretos e a<br />

integração e coordenação <strong>das</strong> várias áreas<br />

de intervenção.<br />

O que eu referi inicialmente quanto à<br />

possibilidade de colocação de funcionários<br />

judiciais, por exemplo de promoção do que<br />

é necessário ao nível <strong>dos</strong> juízes, permite<br />

adequar, por exemplo, <strong>um</strong>a situação de<br />

colocação do juiz auxiliar pelo Conselho<br />

Superior da Magistratura com a colocação<br />

de funcionários acresci<strong>dos</strong> para suportarem<br />

a actividade do juiz auxiliar. Contrariamente<br />

ao que muitas vezes encontrávamos nos<br />

<strong>tribunais</strong>, que era o Conselho intervir<br />

colocando juízes, mas como entretanto não<br />

eram coloca<strong>dos</strong> funcionários, o<br />

engarrafamento movia-se do gabinete do<br />

juiz para a secção e os cidadãos<br />

continuavam a ter os seus processos<br />

para<strong>dos</strong>.<br />

A nomeação do juiz presidente pelo<br />

Conselho Superior da Magistratura, que foi<br />

consagrada na lei orgânica, sendo este o<br />

órgão garante da independência <strong>dos</strong> juízes,<br />

também atribui ao sistema <strong>um</strong> factor de<br />

qualidade que, situando-se a <strong>um</strong> nível<br />

diverso da eficácia, tem assim imensa<br />

relevância. Garante, também, no sistema, o<br />

direito a <strong>um</strong> juiz, e o direito ao juiz<br />

entendido nos termos em que o Conselho<br />

da Europa e o Tribunal Europeu <strong>dos</strong><br />

Direitos do Homem os vêm referindo, ou<br />

seja, direito a <strong>um</strong> juiz independente,<br />

imparcial, cremos terá que ser também <strong>um</strong><br />

juiz director efectivo da marcha do<br />

processo.<br />

Na situação portuguesa, o carácter<br />

adjectivo <strong>das</strong> leis processuais parece<br />

indicar que não há <strong>um</strong>a possibilidade de<br />

dissociação da actividade processual da<br />

actividade jurisdicional. Esta actividade<br />

processual não é <strong>um</strong>a actividade<br />

administrativa.<br />

Anexo 269


Isto para em linhas muito breves vos dizer<br />

o que são as grandes potencialidades do<br />

sistema que está instituído, sendo certo<br />

que isto não quer dizer que tudo sejam<br />

rosas no âmbito da <strong>experiência</strong> que<br />

estamos a viver. Há muitos espinhos, mas<br />

são <strong>sobre</strong>tudo virtualidades que penso que<br />

é responsabilidade nossa desenvolvê-las e<br />

que tem possibilidades de intervenção<br />

concreta.<br />

Temos levado a cabo reuniões de<br />

avaliação, de planeamento, em que há <strong>um</strong>a<br />

intervenção efectiva na <strong>gestão</strong> <strong>das</strong><br />

secretarias e, no fundo, da definição de<br />

quais são os parâmetros que o trabalho<br />

<strong>das</strong> secretarias deve seguir.<br />

Na minha comarca tem havido o<br />

envolvimento de to<strong>dos</strong> os juízes, e esto<strong>um</strong>e<br />

a referir ao âmbito judicial. Outras<br />

pessoas com mais <strong>experiência</strong> que eu<br />

poderão referi-lo, no âmbito do Ministério<br />

Público. Parece-me que são virtualidades<br />

importantes da reforma.<br />

Há pontos que são de dificuldade. A mera<br />

descrição que fiz, fá-los suscitar. Há várias<br />

competências envolvi<strong>das</strong> na coordenação<br />

de to<strong>das</strong>, são passos de <strong>um</strong> caminho que<br />

estamos a percorrer sem estar ainda<br />

delineado. Há <strong>um</strong>a nova mentalidade que<br />

precisa de crescer e de ser desenvolvida,<br />

que ainda é muito embrionária, e a<br />

coordenação <strong>dos</strong> inventores envolvi<strong>dos</strong><br />

nem sempre resulta óbvia.<br />

Por outro lado, e apenas em apontamento,<br />

o conselho de comarca. Este órgão é <strong>um</strong><br />

órgão que tem apenas funções consultivas,<br />

mas a sua intervenção na <strong>experiência</strong> que<br />

temos é de <strong>um</strong> entusiasmo grande <strong>das</strong><br />

pessoas relativamente ao conselho de<br />

comarca. Devo dizer que, inicialmente,<br />

quando foram coopta<strong>dos</strong> os membros<br />

relativos aos utentes <strong>dos</strong> serviços de<br />

justiça, tive alg<strong>um</strong> receio de qual fosse a<br />

receptividade, mas, de imediato, as<br />

pessoas manifestaram o seu agrado e o<br />

seu interesse e têm sido assíduas e<br />

270<br />

interventoras nas reuniões do conselho de<br />

comarca.<br />

As funções consultivas que têm e a<br />

dificuldade, ainda, de capacidade efectiva<br />

de participação, pela percepção do que é o<br />

tribunal, são dificuldades. Mas penso que é<br />

<strong>um</strong> caminho adequado e seguro, trazer ao<br />

tribunal as pessoas que, sendo verdadeiros<br />

destinatários do serviço que prestamos, às<br />

vezes poderão ter pouca voz.<br />

Por exemplo, relativamente a este<br />

entusiasmo <strong>dos</strong> membros coopta<strong>dos</strong>,<br />

também correspondeu na eleição que se<br />

fez para a designação do membro que<br />

representa os funcionários judiciais. A<br />

participação que foi feita por voto secreto e<br />

universal <strong>dos</strong> funcionários destaca<strong>dos</strong> na<br />

comarca foi surpreendentemente elevada e<br />

muito satisfatória, sob esse ponto de vista.<br />

Quanto aos serviços do Ministério Público,<br />

não os referi porque há outros participantes<br />

que o poderão referir melhor do que eu.<br />

Penso que a consagração de <strong>um</strong>a<br />

coordenação autónoma corresponde ao<br />

estatuto de autonomia que tem que ser<br />

garantido. A coordenação informal que a<br />

presidência e a coordenação do Ministério<br />

Público podem ir mantendo - e que<br />

mantém, efectivamente - é <strong>um</strong>a mais-valia,<br />

sem dúvida, para os serviços da comarca.<br />

Há muitas situações que são de<br />

colaboração entre os serviços e, assim,<br />

podem ser optimiza<strong>das</strong>, nomeadamente,<br />

dividindo o trabalho que tem que ser feito<br />

ao nível que estamos a ensaiar, do arquivo<br />

de objectos, do registo <strong>dos</strong> processos.<br />

Por outro lado, a instituição formal da<br />

comissão permanente que é constituída<br />

pelo juiz presidente, pelo magistrado do<br />

Ministério Público, pelo coordenador e<br />

também pelo representante da Ordem <strong>dos</strong><br />

Advoga<strong>dos</strong>, tem permitido <strong>um</strong> melhor<br />

diálogo que é profícuo e é também <strong>um</strong><br />

daqueles órgãos, que estando ainda muito<br />

em estado embrionário será muito<br />

relevante de envolver e de desenvolver ao<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


nível da sua participação na vida da<br />

comarca.<br />

Muito Obrigado.<br />

S7<br />

Face à exposição anterior, apenas queria<br />

acrescentar o seguinte: é <strong>um</strong>a questão<br />

recorrente que colegas e outros operadores<br />

judiciários que não integram nenh<strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />

<strong>comarcas</strong> piloto me colocam sub-questões<br />

liga<strong>das</strong> a essa questão principal e que é a<br />

seguinte: Isso corre bem? Isso funciona?<br />

Isso não causa <strong>um</strong>a grande confusão? Não<br />

se trata de <strong>um</strong>a estrutura demasiado<br />

pesada? Essa organização nova e esse<br />

novo modelo de <strong>gestão</strong> não causa<br />

confusão entre os colegas juízes, entre<br />

procuradores, funcionários? Não seria<br />

melhor termos outra solução?<br />

Aquilo que eu posso dizer da <strong>experiência</strong><br />

que tem sido vivida desde o dia 14 de Abril<br />

do ano passado é que, efectivamente,<br />

funciona. Claro que, conforme foi referido,<br />

nem tudo são rosas, existem obviamente<br />

espinhos, mas as potencialidades deste<br />

novo modelo de <strong>gestão</strong>, coloca<strong>das</strong> na<br />

balança, acabam por resultar, digamos,<br />

mais positivas do que propriamente naquilo<br />

que aparentemente se afigura ou se podia<br />

afigurar como negativas. E aquilo que tem<br />

sido bastante positivo, na minha<br />

perspectiva, tem sido o envolvimento <strong>dos</strong><br />

vários intervenientes, <strong>sobre</strong>tudo <strong>dos</strong><br />

magistra<strong>dos</strong> judiciais, do Ministério Público<br />

e <strong>dos</strong> funcionários judiciais, trabalhando,<br />

agora sim, verdadeiramente como equipa.<br />

Isto parece, no fundo, <strong>um</strong>a visão idílica,<br />

mas nesta situação não é. É <strong>um</strong>a visão<br />

real. O que nós estávamos habitua<strong>dos</strong> – e<br />

voltamos à questão <strong>das</strong> mentalidades – era<br />

o juiz, o magistrado do Ministério Público, a<br />

secção de processos.<br />

Hoje nós estamos n<strong>um</strong> modelo em que,<br />

mais do que isso, temos unidades<br />

orgânicas pertencentes a <strong>um</strong> único tribunal<br />

e em que é curioso verificar, mesmo do<br />

ponto de vista <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> judiciais, os<br />

colegas já não trabalham só com eles<br />

próprios, dentro do seu próprio gabinete,<br />

com os seus próprios processos. Há <strong>um</strong><br />

entrosamento de cada unidade orgânica e<br />

inclusivamente propostas de solução de<br />

determina<strong>das</strong> situações.<br />

Eu vou dar <strong>um</strong> exemplo muito simples: se<br />

eu n<strong>um</strong>a unidade orgânica detecto que<br />

existe <strong>um</strong>a situação que é deficitária em<br />

termos de serviço, quer porque a<br />

pendência do processo é elevada, quer<br />

porque o método que está a ser aplicado<br />

pode não ser o mais correcto a médio<br />

prazo, eu tenho imediatamente <strong>um</strong> colega<br />

que me propõe e sugere <strong>um</strong>a reafectação -<br />

“colega eu estou disponìvel para ser<br />

reafectado àquele serviço, para fazer<br />

saneadores, fazer sentenças”.<br />

Ora, isto é <strong>um</strong> exemplo de <strong>um</strong>a situação<br />

que hoje, neste novo modelo de <strong>gestão</strong> é<br />

possível - pegar nas peças de <strong>um</strong> puzzle<br />

mais completo e organizá-las, de acordo<br />

com aquilo que são as necessidades<br />

concretas.<br />

Esse é <strong>um</strong> exemplo relativamente a<br />

magistra<strong>dos</strong> judiciais, outros existem<br />

relativamente ao quadro de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos <strong>dos</strong> funcionários, ainda que este<br />

é <strong>um</strong> <strong>dos</strong> aspectos em que poderemos<br />

caminhar n<strong>um</strong> sentido mais profundo.<br />

Portanto, a movimentação de funcionários<br />

judiciais, no âmbito territorial de <strong>um</strong>a<br />

comarca, seria extremamente positiva se<br />

pudesse ser mais alargada do que hoje<br />

está prevista na lei. Poderia, efectivamente,<br />

trazer resulta<strong>dos</strong> positivos para as<br />

necessidades do serviço que se verificam.<br />

Para concluir, gostaria de acrescentar que<br />

quanto aos órgãos que hoje integram este<br />

novo modelo de <strong>gestão</strong>, concretamente o<br />

conselho de comarca, que é composto,<br />

quer pelo conselho geral, quer pela<br />

comissão permanente, também tem sido<br />

Anexo 271


muito interessante verificar, na prática, o<br />

modo de funcionamento destas duas<br />

estruturas. O que, aparentemente, poderá<br />

parecer pesado e que me perguntam: “mas<br />

isso não é <strong>um</strong>a perda de tempo?”,<br />

respondo que não é <strong>um</strong>a perda de tempo<br />

porque na <strong>gestão</strong> de <strong>um</strong> tribunal, e quer<br />

nós magistra<strong>dos</strong>, quer funcionários, quer<br />

outros operadores judiciários,<br />

representa<strong>dos</strong>, obviamente, no conselho<br />

geral, precisamos de ter, cada vez mais,<br />

<strong>um</strong>a visão global do funcionamento do<br />

tribunal e <strong>das</strong> respectivas unidades<br />

orgânicas. E tem sido justamente essa a<br />

finalidade que se tem procurado prosseguir<br />

no funcionamento deste órgão. Há<br />

questões, que, de facto, não estávamos<br />

habitua<strong>dos</strong> a considerar, como<br />

magistra<strong>dos</strong>, em termos de <strong>gestão</strong> de<br />

<strong>tribunais</strong>.<br />

O facto de tornarmos a <strong>gestão</strong><br />

multidisciplinar enriquece a <strong>gestão</strong> e<br />

permite <strong>um</strong>a certa abertura ao exterior. O<br />

tribunal, deixa tendencialmente de ser <strong>um</strong>a<br />

entidade fechada, <strong>um</strong>a entidade vista como<br />

qualquer coisa onde apenas se vai de vez<br />

em quando ou, de preferência, onde não se<br />

vai, para ser efectivamente <strong>um</strong>a estrutura<br />

que é tida como minimamente organizada,<br />

e que, tendencialmente, poderá até estar<br />

aberta a novas iniciativas.<br />

Desse ponto de vista, aquilo que está<br />

previsto em termos de elaboração de plano<br />

de actividades, que aliás é <strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />

competências que hoje estão atribuí<strong>das</strong> ao<br />

juízes presidentes e que gerou alg<strong>um</strong>a<br />

discussão e debate de ideias entre nós, é a<br />

pergunta: o que seria esse plano de<br />

actividades? Porque, no fundo, os <strong>tribunais</strong><br />

não tinham planos de actividades. E pensar<br />

que se a competência de <strong>um</strong> tribunal é, no<br />

fundo, exercer a actividade jurisdicional,<br />

então o que é que sobra para esse plano<br />

de actividades?<br />

Foi interessante elaborar esse plano de<br />

actividades, e <strong>sobre</strong>tudo, penso que vai ser<br />

interessante colocá-lo na prática e ver<br />

272<br />

como isso resulta. E ver, efectivamente,<br />

que é possível elaborar <strong>um</strong> plano de<br />

actividades, e que afinal <strong>um</strong> tribunal pode<br />

ter várias actividades para além da<br />

actividade jurisdicional.<br />

Muito caminho há ainda para percorrer, não<br />

temos dúvi<strong>das</strong>. Muita coisa há por<br />

desenvolver e também por aperfeiçoar, na<br />

certeza, porém, daquilo que temos<br />

discutido, de que efectivamente este<br />

modelo tem várias potencialidades e várias<br />

virtudes.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO<br />

S8<br />

Na sequência da exposição anterior, queria<br />

apenas dar conhecimento de alguns<br />

problemas, da percepção daquilo que é<br />

específico da comarca onde trabalho.<br />

Também penso que este novo modelo de<br />

mapa judiciário tem virtualidades e tem<br />

potencialidades, mas de facto o que é<br />

importante saber no final é se essas<br />

potencialidades se vão transformar em<br />

acto. Se são estes os resulta<strong>dos</strong> que se<br />

esperam, se depois de todo este vol<strong>um</strong>e de<br />

recursos económicos, de recursos<br />

judiciários, de funcionários, de magistra<strong>dos</strong>,<br />

se isto corresponde no final a <strong>um</strong> maior<br />

número de processos decidi<strong>dos</strong>, a <strong>um</strong><br />

maior número de resoluções da<strong>das</strong> às<br />

questões que as pessoas colocam perante<br />

a justiça. E essa é a questão nuclear, essa<br />

é que vai seguir o julgamento no final deste<br />

novo mapa judiciário.<br />

Tenho procurado indagar, junto <strong>das</strong> mais<br />

diversas entidades e organismos ,<strong>sobre</strong><br />

eventual informação que exista acerca<br />

desta questão, mas não tenho tido<br />

nenh<strong>um</strong>a informação. Tenho aquelas<br />

informações que vou obtendo por mim<br />

próprio na <strong>gestão</strong> do tribunal no dia-a-dia, e<br />

devo dizer que na actividade da<br />

administração da comarca há elementos<br />

que nos faltam <strong>sobre</strong> os seus resulta<strong>dos</strong>.<br />

Por exemplo, acho que como presidente da


comarca deveria ter - tal como <strong>um</strong><br />

magistrado quando se senta ao<br />

computador e tem acesso ao Citius - forma<br />

de poder saber quais são os processos que<br />

estão atrasa<strong>dos</strong>, que é <strong>um</strong>a <strong>das</strong> funções do<br />

juiz presidente, isto é, poder saber quais os<br />

processos que estão atrasa<strong>dos</strong> há mais de<br />

três e há mais de seis meses, sinalizá-los,<br />

identificá-los, e indagar dessa situação.<br />

Nós não podemos, a não ser que haja <strong>um</strong>a<br />

indicação de alg<strong>um</strong> interessado, se esse<br />

processo está ou não atrasado há seis<br />

meses, e qual é o seu estado. Portanto,<br />

nós só agimos por reacção. As pessoas<br />

reagem e nós, então, vamos à procura<br />

deste processo e indagar o que é que se<br />

passa. Esse é <strong>um</strong> problema, <strong>um</strong>a limitação<br />

grande na actividade do presidente da<br />

comarca, que não tem como saber aquilo<br />

que, de facto, se passa em concreto na sua<br />

comarca.<br />

Um outro problema que eu sinalizo na<br />

organização da comarca, tendo em<br />

atenção o novo mapa judiciário, é que este<br />

mapa engloba <strong>um</strong> determinado número de<br />

unidades orgânicas, mas essas unidades<br />

estão organiza<strong>das</strong> sob o modelo <strong>das</strong><br />

<strong>comarcas</strong> anteriores. Ou seja, os juízes<br />

estão coloca<strong>dos</strong> naqueles juízos, os<br />

funcionários estão coloca<strong>dos</strong> naquelas<br />

secretarias e não consigo fazer <strong>um</strong>a<br />

<strong>gestão</strong>, tanto de magistra<strong>dos</strong> como de<br />

funcionários, a não ser que tenha a<br />

anuência dessas pessoas.<br />

Dos magistra<strong>dos</strong>, tenho obtido sempre a<br />

melhor colaboração, pronta e excelente, e<br />

sobeja. Mas, em relação aos funcionários,<br />

n<strong>um</strong> ponto em concreto, em que eu<br />

necessitaria absolutamente dessa<br />

colaboração não a obtive e não tenho como<br />

a ultrapassar. E só me cabe respeitar a lei<br />

e os estatutos, e as limitações legais que<br />

daí decorrem. Portanto, não há como<br />

resolver essas situações a bem de <strong>um</strong>a<br />

justiça pronta e célere, que é<br />

absolutamente essencial para que as<br />

coisas corram a contento.<br />

Há aqui dois magistra<strong>dos</strong> coordenadores<br />

de <strong>um</strong>a comarca piloto que poderão darvos<br />

<strong>um</strong>a indicação <strong>sobre</strong> os seus juízos,<br />

porque os seus dois juízos de execução,<br />

juntamente com o de comércio, são três<br />

pontos absolutamente essenciais para o<br />

sucesso do mapa judiciário e é aí que se<br />

joga o interesse, não diria <strong>das</strong> pessoas de<br />

maneira geral - porque também há os<br />

<strong>tribunais</strong> cíveis, os juízos cíveis, e os<br />

<strong>tribunais</strong> de família e menores que também<br />

são relevantes, do ponto de vista pessoal -<br />

mas <strong>das</strong> empresas e da satisfação de<br />

interesses absolutamente relevantes, de<br />

que muitas vezes decorre <strong>um</strong>a má imagem<br />

da justiça, porque é aí que as pessoas<br />

sentem no seu bolso (se as suas empresas<br />

andam, se são liquida<strong>das</strong> em benefício <strong>dos</strong><br />

trabalhadores, se os credores tem obtido o<br />

ressarcimento <strong>dos</strong> seus créditos). E é aí,<br />

nesses três pontos essenciais da comarca,<br />

que se joga grande parte do sucesso do<br />

mapa judiciário.<br />

Essa solução, e esse problema que vem a<br />

seguir são, de facto, problemas de<br />

somenos resolução, que é a falta de<br />

funcionários.<br />

Quanto ao mapa judiciário, há a maneira<br />

como a presidência se relaciona com<br />

outras entidades, houve <strong>um</strong> grande<br />

benefício. Benefícios quer com as próprias<br />

autarquias, quer quando se dirige à<br />

comarca. Na verdade, há <strong>um</strong> ganho tanto<br />

para o serviço como para esses<br />

organismos quando se querem relacionar<br />

com a comarca e obter eventuais pedi<strong>dos</strong>,<br />

relativamente mesmo à própria cedência de<br />

instalações, por exemplo para organização<br />

de eventos. Há, pois, <strong>um</strong>a maior agilidade<br />

e celeridade nesse aspecto.<br />

Na minha comarca, por outro lado, há <strong>um</strong><br />

problema que não temos, que foi o facto de<br />

não termos herdado <strong>um</strong>a grande<br />

pendência. Contamos também com <strong>um</strong><br />

corpo de funcionários empenha<strong>dos</strong> e<br />

mobiliza<strong>dos</strong>, mas que é insuficiente e a<br />

solicitar alg<strong>um</strong> reforço em alg<strong>um</strong>as áreas, e<br />

Anexo 273


que tem <strong>sobre</strong>vivido à custa de <strong>um</strong> grande<br />

esforço de profissionais que se empenham<br />

profundamente nisso, em particular, <strong>dos</strong><br />

juízes e escrivães.<br />

Além disso, não tenho mais nenh<strong>um</strong>a<br />

queixa em relação à administração da<br />

comarca, a não ser o pedido já formulado<br />

ao senhor Director-Geral da Administração<br />

da Justiça que aqui, <strong>um</strong>a vez mais reitero,<br />

quanto à satisfação de <strong>um</strong> conjunto de<br />

funcionários, penso que cerca de 10<br />

funcionários.<br />

Muito obrigado a to<strong>dos</strong>.<br />

S9<br />

Boa tarde a to<strong>dos</strong>. O contributo que<br />

eventualmente vos possa dar tem a ver<br />

com as <strong>experiência</strong>s de modernização e de<br />

reestruturação de organismos da<br />

Administração Pública central, regional e<br />

local. E penso que alg<strong>um</strong>as questões que<br />

aí se colocaram, ir-se-ão também colocar<br />

neste processo de transformação, e<br />

portanto, penso que elas poderão ser úteis.<br />

Tenho muitas questões. Vamos começar<br />

pelas mais importantes e depois veremos<br />

se temos tempo para abordar as outras.<br />

Começaria por <strong>um</strong>a que já foi aflorada e<br />

que me parece determinante, que é a<br />

<strong>gestão</strong> por processos, ou a optimização de<br />

processos, ou a reengenharia de<br />

processos.<br />

O que está em causa é determinar em<br />

cada momento, agora e no futuro, quais<br />

são as actividades relevantes para que os<br />

processos possam ser eficazes. Onde<br />

estão os estrangulamentos que<br />

eventualmente estejam a comprometer os<br />

prazos previstos? Como é que podemos<br />

intervir, optimizando <strong>sobre</strong> esses<br />

processos? Quais são as actividades que<br />

efectivamente acrescentam valor e aquelas<br />

que não acrescentam nenh<strong>um</strong> valor, que<br />

274<br />

são redundantes e podemos eliminar sem<br />

prejuízo nenh<strong>um</strong> para o processo e para<br />

<strong>um</strong>a boa decisão? Quais são os custos<br />

associa<strong>dos</strong> a todo este trabalho? Qual é o<br />

valor que acrescentamos, de facto, ao<br />

transformar estes processos? Portanto,<br />

esta é parte da tramitação do processo e<br />

que, de facto, alguém tem de pensar e tem<br />

de verificar como é que pode ser<br />

melhorado.<br />

Uma questão que se colocará,<br />

seguramente, nestas <strong>experiência</strong>s piloto é<br />

se eventuais soluções optimiza<strong>das</strong> podem<br />

ser constituí<strong>das</strong> como boas práticas que,<br />

eventualmente, possam ser adopta<strong>das</strong> por<br />

outras <strong>comarcas</strong>. Ou se essas boas<br />

práticas podem ser transforma<strong>das</strong>, de<br />

alg<strong>um</strong>a forma, em orientações, em<br />

regulamentos ou manuais que possam ser<br />

utiliza<strong>dos</strong> por outras <strong>comarcas</strong> e por outros<br />

<strong>tribunais</strong>.<br />

A segunda componente da <strong>gestão</strong> por<br />

processos são as tecnologias de<br />

informação, sendo que as tecnologias de<br />

informação por si só não resolvem nenh<strong>um</strong><br />

problema. Elas resolvem ou ajudam a<br />

resolver os problemas se se traduzirem em<br />

melhores práticas. Não posso informatizar<br />

o caos. Se eu estiver a informatizar<br />

milhentos processos mal defini<strong>dos</strong>, com<br />

certeza que aquela solução não resolve<br />

nenh<strong>um</strong> problema.<br />

Por outro lado, mesmo boas soluções, bem<br />

concebi<strong>das</strong>, muitas vezes são mal<br />

utiliza<strong>das</strong>. E estamos fartos de verificar<br />

aplicações boas a serem muito mal<br />

utiliza<strong>das</strong> nas organizações públicas e<br />

priva<strong>das</strong> também, por várias razões, a<br />

primeira <strong>das</strong> quais é a formação. As<br />

pessoas não têm, normalmente, boa<br />

formação, nem a formação em tempo<br />

suficiente, nem a formação prática para<br />

que possam dominar a aplicação. E se não<br />

dominarem a aplicação, qualquer <strong>um</strong> de<br />

nós se desenrasca, só que os da<strong>dos</strong><br />

depois faltam, estão ausentes, e não<br />

conseguimos depois que ela funcione<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


adequadamente. Portanto, temos que ter<br />

boas soluções informáticas, bem<br />

conheci<strong>das</strong>, bem domina<strong>das</strong> e bem<br />

utiliza<strong>das</strong>. E isto é passível de verificação.<br />

A terceira componente da questão da<br />

<strong>gestão</strong> por processos e que condiciona as<br />

duas primeiras é a lei, porque eu posso ter<br />

o processo, a tentativa de o optimizar,<br />

posso ter <strong>um</strong>a boa solução informática,<br />

mas a lei processual impede muitas vezes<br />

de conseguir melhores resulta<strong>dos</strong>. Isto é<br />

particularmente visível nas autarquias, em<br />

particular no domínio do urbanismo, em<br />

que de facto, há prazos extensos, e mesmo<br />

que to<strong>dos</strong> c<strong>um</strong>pram estritamente os prazos<br />

que estão previstos, não é possível reduzir<br />

o prazo porque a tramitação está feita de<br />

tal modo que não é viável, mesmo pela<br />

melhor solução informática que tenham.<br />

Portanto, a primeira questão, e penso que<br />

estes projectos-piloto podem dar <strong>um</strong><br />

excelente contributo e reflectir <strong>sobre</strong> isto, é<br />

como é que a <strong>gestão</strong> por processos pode<br />

ser optimizada, como podemos seleccionar<br />

as melhores soluções, e como é que as<br />

podemos disseminar para outros<br />

contextos?<br />

Colocava já a segunda questão, que é <strong>um</strong>a<br />

questão, do meu ponto de vista, que pode<br />

determinar o sucesso ou insucesso deste<br />

tipo de abordagens e que não tem nada a<br />

ver com questões jurídicas, e que tem a ver<br />

simplesmente com a <strong>gestão</strong> da mudança.<br />

Ou seja, estamos a fazer transformações,<br />

orgânicas, processuais, de estrutura e<br />

estamos a lidar com pessoas. E to<strong>dos</strong><br />

resistimos à mudança, to<strong>dos</strong>! Uns<br />

confessam mais do que outros, é certo,<br />

mas to<strong>dos</strong> resistimos à mudança, pelo que<br />

temos que contar que há, inevitavelmente,<br />

por parte <strong>dos</strong> actores envolvi<strong>dos</strong>,<br />

fenómenos de resistência à mudança, e<br />

que esses fenómenos de resistência que<br />

se manifestam podem comprometer boas<br />

soluções.<br />

Portanto, a implementação destes<br />

projectos-piloto, do meu ponto de vista,<br />

fazia todo o sentido, que fossem<br />

acompanha<strong>dos</strong> de acções de <strong>gestão</strong> da<br />

mudança, questões de comunicação, de<br />

envolvimento <strong>das</strong> pessoas, de informação,<br />

que possam, de facto, levar as pessoas a<br />

sentirem que são parte do processo e que<br />

não são, de alg<strong>um</strong>a forma, ameaça<strong>das</strong><br />

pelas transformações que estão a decorrer.<br />

Na legislação verifiquei que há formação<br />

prevista para os juízes presidentes, para os<br />

administradores, mas há outro tipo de<br />

formação que fazia todo o sentido que<br />

fosse feita nestas <strong>experiência</strong>s piloto – e<br />

não me refiro a formação técnica, refiro-me<br />

à formação comportamental, formação<br />

<strong>sobre</strong> trabalho em equipa ou outro, que<br />

ajuda e, há pouco foi óptimo ouvir dizer que<br />

funciona, que há possibilidade de comparar<br />

entre unidades, o desempenho. Portanto,<br />

estas acções de <strong>gestão</strong> de mudança, creio<br />

que facilitam bastante esse espírito de<br />

equipa e esse contributo para que os<br />

processos tenham sucesso.<br />

A terceira questão é <strong>um</strong>a questão <strong>um</strong><br />

pouco mais delicada, mas eu não resisto a<br />

colocá-la e penso que o posso fazer. Tratase<br />

da questão da avaliação. A avaliação é<br />

fundamental e temos de estar prepara<strong>dos</strong>,<br />

também, para lidar com esta questão e isso<br />

significa várias coisas. Significa, em<br />

primeiro lugar, escolher indicadores de<br />

medida úteis. Nós não precisamos de<br />

muitos indicadores de medida, mas<br />

precisamos de alguns, que nos permitam<br />

perceber se estamos a ter sucesso ou não<br />

estamos a ter sucesso.<br />

Em segundo lugar, devemos ter padrões de<br />

referência. Eu percebo que, de repente,<br />

não se consigam gerar padrões de<br />

referência, temos que ter <strong>experiência</strong>,<br />

demora alg<strong>um</strong> tempo. Mas, com a<br />

utilização destes indicadores, ao longo do<br />

tempo criamos condições para ter padrões<br />

de referência. E isso é muito importante,<br />

quando temos de tomar decisões <strong>sobre</strong><br />

pessoas, <strong>sobre</strong> tempos, <strong>sobre</strong> capacidades<br />

Anexo 275


ou <strong>sobre</strong> instalações.<br />

Estas duas questões <strong>dos</strong> indicadores e <strong>dos</strong><br />

padrões de referência, penso que fazia<br />

todo o sentido trabalhá-las. E daí, a<br />

produção de estatísticas que nos permitam<br />

perceber em que medida é que estamos a<br />

atingir os objectivos de que partimos para<br />

este projecto, nomeadamente de custos,<br />

que é <strong>um</strong>a abordagem, que há pouco,<br />

quando foi apresentada a <strong>experiência</strong> de<br />

Espanha, me pareceu particularmente<br />

interessante pelo facto de que tudo isto<br />

custa dinheiro, que é <strong>um</strong> bem cada vez<br />

mais escasso, pelo que também devemos<br />

medir o impacto que este tipo de soluções<br />

tem mais tarde.<br />

Depois a avaliação pode ser interna ou<br />

externa, ou talvez deva ser as duas coisas.<br />

E em relação a isso, penso que há formas<br />

hoje mais do que estuda<strong>das</strong>, aplica<strong>das</strong> na<br />

administração pública, de fazer estas<br />

abordagens. Ora, os <strong>tribunais</strong> não serão,<br />

seguramente, diferentes <strong>dos</strong> outros<br />

organismos públicos.<br />

A última questão é a questão da<br />

comparação. Ou seja, se vamos medir e<br />

comparar com padrões de referência, em<br />

que medida é que podemos utilizar – e vou<br />

utilizar agora dois chavões – ou o<br />

benchmarking ou o e-learning para<br />

podermos perceber se estamos no bom<br />

caminho e em que medida podemos<br />

introduzir melhorias necessárias e avaliar<br />

os resulta<strong>dos</strong> depois de introduzi<strong>das</strong> essas<br />

medi<strong>das</strong>.<br />

S10<br />

De acordo com o que ouvimos hoje à tarde<br />

e em relação àquilo que tenho tido<br />

oportunidade de acompanhar recentemente<br />

na área da justiça, mas já há alg<strong>um</strong> tempo,<br />

em termos de outros sectores da<br />

Administração Pública, só vou referir três<br />

ou quatro questões.<br />

276<br />

A primeira tem a ver com o contexto em<br />

que estamos, que é claramente <strong>um</strong><br />

contexto da nova <strong>gestão</strong> pública e que<br />

apareceu já há alg<strong>um</strong>as déca<strong>das</strong>, mas<br />

muito ligado à questão da <strong>gestão</strong> por<br />

objectivos, da accountability, que de<br />

alg<strong>um</strong>a forma esteve ligada a mudanças<br />

muito importantes na Administração<br />

Pública.<br />

A accountability surge não só n<strong>um</strong>a<br />

perspectiva de prestação de contas<br />

financeira, mas basicamente de prestação<br />

de contas à sociedade. É preciso prestar<br />

contas e isto leva-nos a <strong>um</strong> outro conceito<br />

que é o conceito do que é o retorno social.<br />

Qual é o retorno que a sociedade tem com<br />

os serviços públicos, e aqui é obvio que<br />

temos serviços públicos como é o caso da<br />

educação, da saúde, onde existe<br />

concorrência, e que portanto, de alg<strong>um</strong>a<br />

forma, pode ser escolhido. Temos outros,<br />

como a justiça, onde não existe<br />

concorrência, e portanto, onde o serviço<br />

público é muito importante. Mas eu não vou<br />

falar <strong>sobre</strong> isso, porque sou a pessoa que<br />

menos sabe <strong>sobre</strong> isso aqui.<br />

O que eu quero dizer é que a nova <strong>gestão</strong><br />

pública assenta na perspectiva do cidadão<br />

no centro, como já foi aqui muitas vezes<br />

referido, e o cidadão que entra n<strong>um</strong> duplo<br />

papel. O papel de utilizador do serviço<br />

público e que tem expectativas em relação<br />

a ele, mas, também, alguém também que<br />

paga esse serviço público. Portanto, <strong>um</strong><br />

contribuinte que vai financiar o serviço<br />

público.<br />

As expectativas levam-nos, de alg<strong>um</strong>a<br />

forma, a ouvir muito do que foi dito hoje, e<br />

do que tem vindo a ser dito, e a encontrar<br />

duas preocupações, por vezes, diferentes,<br />

mas que, no fundo, têm que ser concilia<strong>das</strong><br />

e eu penso que a grande dificuldade em<br />

termos de estratégia e a longo prazo é<br />

exactamente esta questão do equilíbrio<br />

entre o custo da justiça e o modelo de<br />

<strong>gestão</strong>. Naturalmente que eu estou a falar,<br />

em termos de modelo de <strong>gestão</strong>, de qual é<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


o modelo de <strong>gestão</strong> que menos custa e<br />

melhor permite servir a sociedade.<br />

Eu diria que os modelos de excelência têm<br />

vindo a ser muito utiliza<strong>dos</strong> pelos<br />

organismos públicos em várias áreas,<br />

alg<strong>um</strong>as já com alg<strong>um</strong>as déca<strong>das</strong> de<br />

<strong>experiência</strong>, mesmo na Europa,<br />

nomeadamente na educação, e, neste<br />

momento, nas Câmaras com grande<br />

dinamismo.<br />

Mas, eu diria que é <strong>sobre</strong>tudo <strong>um</strong> modelo<br />

que interessa em termos do modelo.<br />

Primeiro, é <strong>um</strong> modelo com muitos<br />

critérios, ou seja, não interessam apenas<br />

os ganhos de eficiência, não interessa<br />

apenas medir ou avaliar quais são os<br />

resulta<strong>dos</strong>, mas interessa avaliar <strong>um</strong><br />

conjunto de critérios em simultâneo.<br />

Um <strong>dos</strong> critérios que no caso da justiça tem<br />

que ter <strong>um</strong> peso diferente é o critério<br />

sociedade. Como é que a sociedade avalia<br />

a <strong>gestão</strong> da justiça? Mas, efectivamente,<br />

muitos critérios (…).<br />

Eu penso que o modelo de excelência,<br />

para além desta questão da existência de<br />

muitos critérios (meios, pessoas,<br />

estratégia, liderança, resulta<strong>dos</strong> a vários<br />

níveis e indicadores-chave), tem <strong>um</strong>a outra<br />

questão muito importante e que deve<br />

preocupar mais, que é a questão da<br />

melhoria contínua.<br />

A melhoria contínua, ou seja, colocar <strong>um</strong><br />

modelo de <strong>gestão</strong> no terreno, que obtenha<br />

a curto prazo, resulta<strong>dos</strong> relevantes, não<br />

será difícil. Nós hoje ouvimos aqui, e para<br />

mim com muito agrado, que o modelo<br />

português é <strong>um</strong> modelo que vale a pena,<br />

embora comparativamente com o modelo<br />

espanhol é <strong>um</strong> modelo distinto do ponto de<br />

vista daquilo que é o papel da liderança, o<br />

que significa que não há <strong>um</strong> modelo, há<br />

vários modelos. Os pontos de partida são<br />

diferentes e as estruturas também e,<br />

portanto, penso que ninguém quer<br />

encontrar o modelo.<br />

Mas, a questão não está só em conseguir<br />

ou não encontrar reduções nos tempos do<br />

processo, nos custos, em melhorar <strong>um</strong><br />

serviço no imediato, mas está antes em<br />

termos estratégicos assegurar que o<br />

modelo de <strong>gestão</strong> vai continuar e permitir<br />

que a melhoria se faça. Pontualmente,<br />

ouvimos alguns comentários que nos dão<br />

esta ideia, to<strong>dos</strong> os que tiveram<br />

responsabilidades de <strong>gestão</strong> de equipas<br />

sabem que os voluntarismos são<br />

fundamentais, não vivemos sem eles, mas<br />

em termos sistemáticos, não levam a <strong>um</strong>a<br />

melhoria sustentada.<br />

Portanto, eu penso que é este tipo de<br />

preocupações que se exige ao modelo de<br />

<strong>gestão</strong> e <strong>sobre</strong>tudo a quem, no fundo, está<br />

nesta <strong>experiência</strong> piloto.<br />

Isto leva-me a mais dois pontos. Estando<br />

de fora deste processo e <strong>das</strong> suas<br />

discussões, assisto àquilo que várias<br />

pessoas antes de mim referiram que é <strong>um</strong><br />

processo de mudança e <strong>um</strong> processo que<br />

requer <strong>um</strong>a nova estratégia. Há, de facto,<br />

necessidade de encontrar <strong>um</strong>a estratégia<br />

ponderada, estrutural, que exige alteração<br />

de cultura e meios de tecnologia e<br />

h<strong>um</strong>anos em termos, nomeadamente, da<br />

qualificação como foi aqui referido.<br />

Existem também competências, que eu<br />

prezo muito, e tem sido <strong>um</strong>a <strong>experiência</strong><br />

fantástica estar a participar nestas<br />

discussões, até porque tenho aprendido<br />

muitíssimo, mas eu penso que<br />

percebemos, ou pelo menos a minha<br />

perspectiva é de que os magistra<strong>dos</strong> aqui<br />

presentes são pessoas, que para além de<br />

juízes, têm características gestionárias. A<br />

forma como falam, é também de pessoas<br />

que têm <strong>um</strong>a sensibilidade muito especial<br />

para a missão que ass<strong>um</strong>iram e<br />

certamente por isso terão sido escolhi<strong>dos</strong>.<br />

E certamente muitos outros que não o<br />

foram terão as mesmas características.<br />

Mas, isto não é automático e portanto,<br />

aquilo que me parece é que no modelo<br />

Anexo 277


escolhido de concentração, que aparenta<br />

ser <strong>um</strong> modelo com as virtualidades aqui<br />

descritas, a questão <strong>das</strong> competências é<br />

também muito importante não só ao nível<br />

de topo, mas também a outros níveis,<br />

porque por exemplo, gerir orçamentos não<br />

é <strong>um</strong> dom, nem é sequer algo que não<br />

tenha que ser aprendido ou pelo menos<br />

reflectir-se <strong>sobre</strong> o que isso significa.<br />

Portanto, assistimos, nesta perspectiva, a<br />

<strong>um</strong> processo de mudança que exige muito<br />

e de muita gente a vários níveis, e exige<br />

que não se confunda aquilo que é <strong>um</strong>a<br />

melhoria incremental, que é reduzir o<br />

tempo de <strong>um</strong> processo e aquilo que é <strong>um</strong>a<br />

melhoria estrutural, que é melhorar o<br />

serviço público para a sociedade. E aí<br />

entramos n<strong>um</strong>a área delicadíssima e onde<br />

o envolvimento <strong>dos</strong> que estão no sistema é<br />

fundamental, do ponto de vista da reflexão<br />

e da discussão.<br />

Eu penso que, pelo que percebi do caso<br />

espanhol, essa reflexão foi feita ao<br />

decidirem o que é essencial e o que não é<br />

essencial. E nós achámos, e penso que os<br />

testemunhos que aqui foram da<strong>dos</strong> foram<br />

nesse sentido, que a perspectiva é outra. É<br />

muito importante, de facto, o modelo de<br />

concentração, mas então em que é que o<br />

responsável deve efectivamente focar a<br />

sua atenção? Em analisar estatísticas para<br />

ver que os processos estão atrasa<strong>dos</strong>, ou<br />

em perceber como é que vai gerir as<br />

pessoas que tem de deslocar e que não<br />

tem. Ou seja, é preciso subir o patamar e<br />

tentar perceber qual é verdadeiramente o<br />

papel, neste caso, do responsável desta<br />

unidade orgânica, que tem tantas<br />

responsabilidades em simultâneo. Isso é<br />

<strong>um</strong> desafio muito importante.<br />

Na minha perspectiva, penso que isto tudo<br />

toca n<strong>um</strong> aspecto muito importante, que<br />

tem a ver com a definição de funções,<br />

responsabilidades e competências.<br />

De fora, olhando para a legislação<br />

espanhola e para a nossa, com o meu<br />

278<br />

<strong>olhar</strong> preocupado pelas questões da<br />

<strong>gestão</strong>, aquilo que eu vejo é que no caso<br />

espanhol, muito provavelmente fruto do<br />

percurso que tiveram de vários anos de<br />

reflexão, as competências estão muito mais<br />

claramente defini<strong>das</strong>.<br />

No caso português, parece-me que há, do<br />

ponto de vista da <strong>gestão</strong>, alg<strong>um</strong>a ausência,<br />

pois, na prática, <strong>das</strong> duas <strong>um</strong>a, ou cada <strong>um</strong><br />

sabe tão bem o seu papel que as coisas<br />

funcionarão perfeitamente, ou então vão<br />

criar situações, pelo menos na minha<br />

perspectiva, de alg<strong>um</strong>a dificuldade.<br />

Posso concluir de tudo o que aqui foi dito,<br />

que muito caminho foi feito, e que há muito<br />

optimismo e dedicação, o que eu acho<br />

fundamental nestes processos para que as<br />

coisas avancem positivamente. Acho que<br />

não se mostrou tanto foi a seguinte<br />

preocupação: passada a fase <strong>dos</strong><br />

processos e do modelo de <strong>gestão</strong> no<br />

imediato, quais são os patamares de<br />

qualidade que se pretendem do serviço<br />

público que são os <strong>tribunais</strong>? É <strong>um</strong>a<br />

questão muito difícil, mas é fundamental<br />

em termos de modelos de excelência<br />

porque é essa que garante a melhoria<br />

contínua e a sua sustentabilidade.<br />

Depois, há a questão da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />

recursos. Ora, não se pode gerir o que não<br />

se detém. E isto parece-me que, de<br />

<strong>experiência</strong>s que testemunhei em outras<br />

situações, há responsabilidades que estão<br />

acometi<strong>das</strong> aos juízes <strong>sobre</strong> meios que<br />

não detêm e que não dependem de si. E<br />

isto tem a ver com aquela confusão entre<br />

funções, responsabilidades e<br />

competências.<br />

Mas, voltando à questão final, e eu<br />

identifico-me muito com aquele diálogo<br />

utilizado muitas vezes quando se fala de<br />

missão, no conto Alice no País <strong>das</strong><br />

Maravilhas, em que a certa altura há <strong>um</strong>a<br />

encruzilhada, há várias hipóteses e ela<br />

pergunta: “Que caminho é que devo<br />

tomar?”. E, naturalmente, que lhe<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


perguntam: “Então mas para onde é que<br />

queres ir? É que se não sabes para onde ir,<br />

qualquer caminho serve”. E com isto eu<br />

diria que me parece que o que<br />

verdadeiramente importa, para além <strong>dos</strong><br />

indicadores quantitativos, embora<br />

Debate<br />

S11<br />

Eu sou juiz na grande instância cível da<br />

comarca (…) e penso que este optimismo<br />

que se denotou <strong>das</strong> palavras <strong>dos</strong> senhores<br />

juízes resulta de <strong>um</strong> certo ambiente, é<br />

preciso mudar alg<strong>um</strong>a coisa e é preciso dar<br />

<strong>um</strong>a nova face. Eu acho que to<strong>dos</strong> os<br />

colegas que vieram comigo e to<strong>dos</strong> os<br />

intervenientes da justiça estão a precisar<br />

disto, porque tanto ouvimos que as coisas<br />

estavam mal, estavam desorganiza<strong>das</strong>...<br />

Temos agora este começo, esta nova<br />

unidade orgânica com possibilidade de<br />

avançarmos e eu penso que há muita<br />

gente motivada. E não é por falta de<br />

vontade de muitos magistra<strong>dos</strong> e<br />

funcionários que as coisas não podem<br />

andar. Temos também a sorte de ter <strong>um</strong><br />

juiz presidente com <strong>um</strong>a grande<br />

capacidade de <strong>gestão</strong>, de tolerância e de<br />

diálogo, que motiva as pessoas n<strong>um</strong>a<br />

posição de “vamos to<strong>dos</strong> trabalhar“ e não<br />

encolher os ombros. E é muito importante,<br />

de facto, a pessoa que está à frente de<br />

determina<strong>dos</strong> cargos. (…) <strong>um</strong>a última<br />

questão (…) que me parece fundamental<br />

porque não se pode falar de <strong>um</strong>a<br />

organização e de <strong>gestão</strong> sem falar de<br />

avaliação, e sem falar de competências e<br />

de responsabilização. Tenho pena que isso<br />

tenha ficado <strong>um</strong> pouco para trás nesta<br />

nova orgânica judiciária porque isso é<br />

fundamental, não só para os cidadãos mas<br />

para to<strong>dos</strong> nós que trabalhamos na área da<br />

justiça. Penso que há muitos anos que se<br />

anda a falar de ponto de contingentação<br />

processual ou nos tais indicadores, mas<br />

fundamentais, até para ir motivando quem<br />

está no terreno e quer ver melhorias, é<br />

perceber os indicadores qualitativos<br />

estruturais que têm a ver com a tal<br />

estratégia que terá de ser definida. Esta é a<br />

minha leitura.<br />

penso que isso é fundamental para nos<br />

motivar também para trabalhar, porque as<br />

condições que temos para trabalhar<br />

também são o que nos motiva ou nos<br />

desmotiva. Parece-me que a parte da<br />

contingentação processual é muito<br />

importante quer ao nível da <strong>gestão</strong>, quer ao<br />

nível da responsabilização, da eficácia, da<br />

qualidade e penso que isso é <strong>um</strong> passo<br />

que tem tardado <strong>um</strong> pouco a ser dado e<br />

que eu gostaria, de facto, de ver <strong>um</strong> pouco<br />

adiantado.<br />

S12<br />

Eu sou procuradora-geral adjunta<br />

coordenadora da comarca (…) e gostava<br />

de dar aqui o meu testemunho desta<br />

<strong>experiência</strong> e da anterior. Sendo que sou<br />

originária de <strong>um</strong>a magistratura do<br />

Ministério Público muito mais habituada a<br />

hierarquia, a <strong>um</strong>a rotina de especialização<br />

e de coordenação – evidentemente que<br />

dessa <strong>experiência</strong> já havia meio caminho<br />

andado - tenho sido confrontada com a<br />

<strong>experiência</strong> de ver os juízes a avançarem<br />

nisso e relativamente a nós, Ministério<br />

Público, é que não quer dizer que as coisas<br />

estejam a correr mal, antes pelo contrário,<br />

mas vejo com alg<strong>um</strong>a apreensão – (…) –<br />

não tenho sentido da parte da hierarquia<br />

superior – e não sei se os meus colegas<br />

sentem o mesmo – alg<strong>um</strong>a compreensão<br />

para o benefício que aquela estrutura,<br />

apesar de nós, Ministério Público, já<br />

funcionarmos de <strong>um</strong>a forma organizada.<br />

Anexo 279


Está a correr bem, é interessantíssimo, e é<br />

aliciante. Há apenas aqui alg<strong>um</strong> peso e<br />

alg<strong>um</strong> interesse que possa resolver isto. É<br />

que para além <strong>dos</strong> problemas estruturais<br />

como sabem, a magistratura do Ministério<br />

Público tem <strong>um</strong>a falta de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos que não tem comparação com a<br />

que tem actualmente a magistratura<br />

judicial. Não há magistra<strong>dos</strong> do Ministério<br />

Público. Não há! A questão é que a<br />

comarca estará hoje com as coisas <strong>um</strong><br />

pouco mal distribuí<strong>das</strong>, mas a nota que eu<br />

dou, e é contra isso que tenho lutado e<br />

continuarei a lutar, é de alg<strong>um</strong> desinteresse<br />

da estrutura superior do Ministério Público,<br />

relativamente a <strong>um</strong>a <strong>experiência</strong> que<br />

também para o Ministério Público será<br />

muitíssimo importante.<br />

Apesar disto, não posso deixar de estar de<br />

acordo (…), que é <strong>um</strong>a <strong>experiência</strong>, na<br />

minha opinião, muito positiva e enfim, com<br />

os ajustes que ela ainda levar, é <strong>um</strong>a<br />

<strong>experiência</strong> positiva.<br />

S13<br />

Sim. Eu queria, de facto, apenas registar<br />

com agrado, as intervenções relativamente<br />

ao funcionamento destas novas unidades.<br />

De facto, <strong>das</strong> informações que temos tido,<br />

as <strong>comarcas</strong>, têm funcionado e têm tido<br />

indicadores de funcionamento que são<br />

bastante positivos.<br />

Naturalmente, também corroboro o que foi<br />

dito <strong>sobre</strong> a qualidade <strong>dos</strong> juízes<br />

presidentes que foram escolhi<strong>dos</strong>, mas<br />

certamente também <strong>dos</strong> administradores,<br />

cuja acção não tem sido despicienda nesse<br />

contributo.<br />

Quanto ao modelo espanhol, eu<br />

sinceramente fiquei <strong>um</strong> pouco surpreendido<br />

porque estava à espera – mas isso por<br />

ignorância minha, confesso – de vir<br />

verificar resulta<strong>dos</strong> da aplicação do modelo<br />

espanhol. Não sabia que ainda não tinha<br />

entrado em funcionamento, portanto<br />

280<br />

ficamos apenas com a expectativa. Só<br />

depois de aplicada é que viremos a saber<br />

se será bom ou se será mau. Certamente<br />

que, e faço esse apelo (…), que daqui a <strong>um</strong><br />

ano possamos ter cá os senhores Drs. de<br />

Espanha para nos fazerem <strong>um</strong>a avaliação<br />

da aplicação desse modelo, porque há ali<br />

alguns aspectos, nomeadamente as<br />

competências relativamente ao secretários,<br />

em que fiquei com alg<strong>um</strong>a expectativa.<br />

Gostaria de deixar aqui duas questões,<br />

(…): quando falou da dificuldade de <strong>gestão</strong><br />

<strong>dos</strong> funcionários, falou-se muito da questão<br />

da <strong>gestão</strong> e da mobilidade, ouvi falar que<br />

tinha tido alg<strong>um</strong>a dificuldade na <strong>gestão</strong> de<br />

funcionários. Mas depois, no fim, ouvi-o<br />

pedir mais funcionários. Eu também tenho<br />

pedido. O senhor Dr. fez muito bem. Agora,<br />

a minha dúvida é se o problema é <strong>dos</strong><br />

funcionários não estarem bem distribuí<strong>dos</strong><br />

mas serem suficientes os que lá tem, ou se<br />

é necessário é reforçar com mais<br />

funcionários.<br />

Quanto à questão da mobilidade, eu<br />

defendo - e não temos levantado<br />

nenh<strong>um</strong>as questões - a mobilidade dentro<br />

de <strong>um</strong>a área razoável, dentro de <strong>um</strong>a área<br />

territorial ou só dentro do edifício do<br />

tribunal mas dentro de <strong>um</strong>a área razoável.<br />

Agora, dentro da própria comarca não<br />

podemos deixar de registar alg<strong>um</strong>a<br />

dificuldade. Estou a lembrar-me de <strong>um</strong>a<br />

comarca do Alentejo, por exemplo, como é<br />

que é possível esta semana ou para a<br />

próxima, mandar <strong>um</strong> ou dois funcionários<br />

que estão no tribunal de Odemira, e que<br />

eventualmente, não farão lá tanta falta,<br />

como fazem em Alcácer do Sal.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO<br />

S7<br />

Mas já agora, permita-me só dizer que, por<br />

vezes, são os próprios funcionários que<br />

querem ser movimenta<strong>dos</strong>.


S13<br />

Pois, mas, naturalmente, quando a vontade<br />

é deles nem se põe a questão! Agora, por<br />

imposição, porque por <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento de<br />

<strong>gestão</strong> tem de ir agora <strong>um</strong> funcionário ou<br />

dois de Ourique trabalhar para Alcácer do<br />

Sal... Isto, enfim, tem a ver com a vida <strong>das</strong><br />

pessoas. Não digo que não seja<br />

necessário, mas é preciso encontrarmos<br />

aqui <strong>um</strong>a solução razoável.<br />

Última questão, e que gostaria de referir<br />

(…) dois aspectos que eu considero<br />

fundamentais também, que é a questão da<br />

qualificação e <strong>das</strong> competências,<br />

nomeadamente ao nível <strong>das</strong> capacidades,<br />

e também a formação, naturalmente. Mas a<br />

formação não só nos aspectos técnicos,<br />

que é fundamental e temos sentido essa<br />

falta, mas também (…), na questão da<br />

formação comportamental, para a tal<br />

imagem de credibilidade. Não só a<br />

resposta <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> é importante, a<br />

melhoria da qualidade e a melhoria da<br />

resposta judicial, mas também a qualidade<br />

e credibilidade é fundamental, e nesse<br />

aspecto, a formação nas áreas<br />

comportamentais é também importante.<br />

S8<br />

Eu gostaria de responder à sua pergunta. E<br />

em relação à intervenção inicial <strong>sobre</strong> a<br />

implementação do mapa judicial, aqueles<br />

maus pressentimentos que existiam,<br />

gostaria de ouvir a sua opinião <strong>sobre</strong> se os<br />

mesmos se vieram depois a confirmar ou<br />

não. E as dúvi<strong>das</strong>, confirmaram-nas ou<br />

infirmaram-nas?<br />

Em relação à questão do número de<br />

funcionários da comarca, se o senhor me<br />

questionar que neste momento o número<br />

de funcionários é suficiente, eu digo que<br />

sim, falando em número. Mas, o senhor<br />

sabe que nem to<strong>dos</strong> os funcionários<br />

respondem da mesma maneira. Há<br />

secções onde estão os sete funcionários,<br />

mas se nós analisarmos bem só três ou<br />

quatro é que trabalham, dois não trabalham<br />

como deviam, <strong>um</strong> está de baixa e o outro<br />

está a faltar para ir a <strong>um</strong>a consulta no<br />

centro de saúde. Não está toda a gente ao<br />

mesmo tempo. Pelo que o número de<br />

funcionários seria suficiente se to<strong>dos</strong><br />

trabalhassem nas mesmas condições.<br />

Por exemplo, eu tenho o tribunal de (…) e<br />

ao lado está o tribunal de execução (…),<br />

que dista <strong>das</strong> duas unidades orgânicas<br />

cerca de 10km. O problema é que os<br />

funcionários que estão a mais em (…) são<br />

to<strong>dos</strong> de (…). E eu compreendo muito bem<br />

que ao fim do dia queiram ir to<strong>dos</strong> de<br />

regresso à sua cidade e lhes fica muito<br />

mais económico. Mas (…) não fica muito<br />

mais distante (…) que envolva grande<br />

sacrifício para eles. Ora neste caso<br />

concreto, eu estou a falar de duas unidades<br />

orgânicas, como disse, que distam cerca<br />

de 8 a 10km e em que os funcionários<br />

recusam-se a ir para outro tribunal. E eu<br />

tenho de respeitar.<br />

Temos aqui (…), juiz do juízo de execução,<br />

que teve de pedir “Pelo amor de Deus” e<br />

nem assim eles aceitaram.<br />

OPJ<br />

Mas então o seu problema é de falta de<br />

funcionários ou é de critérios de avaliação?<br />

Porque se lá estão sete funcionários mas<br />

só quatro trabalham, onde estão os outros?<br />

Vamos substituí-los por outros quatro, e<br />

então o que fazemos a esses?<br />

S8<br />

Eu considero que tem de haver mais<br />

critério no recrutamento, na formação, mais<br />

exigência na permanência, etc. Agora em<br />

termos de número, eu diria que sim, que<br />

são perfeitamente adequa<strong>dos</strong>, não houve<br />

nenh<strong>um</strong>a discrepância, nenh<strong>um</strong>a má<br />

Anexo 281


surpresa quanto ao número. O problema é<br />

que há necessidade de os poder mobilizar,<br />

porque estão a mais n<strong>um</strong> sítio. Deveria<br />

haver <strong>um</strong> mecanismo ao nível da comarca<br />

com que se pudesse compensar os<br />

funcionários desse esforço e dessas<br />

despesas.<br />

Mas, mesmo em termos de orçamento,<br />

eles estão fixa<strong>dos</strong> a cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />

unidades orgânicas. O administrador<br />

judicial não consegue transportar <strong>um</strong>a<br />

verba de <strong>um</strong>a unidade orgânica para a<br />

outra. Nós não temos essa possibilidade,<br />

apesar de estarmos a tentar sensibilizar o<br />

Ministério da Justiça nesse sentido. Ou<br />

seja, a <strong>gestão</strong> e a administração debatemse<br />

com estes constrangimentos na prática.<br />

S7<br />

Eu quero fazer <strong>um</strong>a precisão relativamente<br />

à afirmação que fiz no que toca à<br />

mobilização <strong>dos</strong> funcionários judiciais (…).<br />

A questão é só esta e é simples: existe<br />

hoje, legalmente, <strong>um</strong>a discrepância entre<br />

aquilo que é possível fazer relativamente a<br />

magistra<strong>dos</strong> judiciais e aquilo que é<br />

possível fazer ao nível da <strong>gestão</strong> de<br />

recursos de funcionários. Ou seja, hoje o<br />

juiz presidente tem como competência<br />

poder propor ao Conselho Superior da<br />

Magistratura a reafectação de juízes a<br />

outra ou outras unidades orgânicas e tem<br />

também a possibilidade de <strong>um</strong>a outra figura<br />

que é a da ac<strong>um</strong>ulação de serviço. A<br />

reafectação não depende da aceitação do<br />

próprio, já a ac<strong>um</strong>ulação de serviço sim.<br />

Isto é, o juiz presidente pode considerar<br />

que o magistrado, não obstante o muito<br />

trabalho que já tem, pode, com sacrifício<br />

pessoal, ac<strong>um</strong>ular funções noutra unidade<br />

orgânica. A reafectação é outra coisa.<br />

Parte de <strong>um</strong>a avaliação que é dizer o<br />

seguinte: este magistrado tem <strong>um</strong> serviço<br />

que fica <strong>um</strong> pouco aquém <strong>das</strong> suas<br />

capacidades normais, digamos assim, e<br />

282<br />

existe outra unidade orgânica em que<br />

essas capacidades podem ser<br />

aproveita<strong>das</strong> em termos profícuos, sem<br />

prejuízo da unidade orgânica de que esse<br />

juiz é titular.<br />

Há, ainda, <strong>um</strong>a terceira possibilidade que é<br />

a de propor ao Conselho Superior da<br />

Magistratura a colocação de juízes da<br />

bolsa na área da comarca.<br />

Ora, em termos de funcionários judiciais<br />

nós não os podemos movimentar sem<br />

mais, na área da comarca. E o que eu<br />

queria precisar é isto - eu não disse que<br />

defendia <strong>um</strong>a movimentação acrítica e sem<br />

regras. O que eu penso que poderá ser<br />

proveitoso é estabelecer, pelo menos, <strong>um</strong><br />

regime idêntico àquele que hoje está<br />

previsto em termos de afectação de juízes.<br />

S15<br />

Eu sou advogado, e ao longo da minha<br />

<strong>experiência</strong> profissional trabalhei longos<br />

anos no sector financeiro privado. Não<br />

concordo com essa visão aligeirada que diz<br />

que o sector privado funciona muito bem e<br />

que a resposta do sector público é <strong>um</strong>a<br />

desgraça. Porque julgo que, aliás, na<br />

Administração Pública há muitos exemplos<br />

de eficiência <strong>dos</strong> serviços.<br />

Estou-me a lembrar, por exemplo, da Caixa<br />

Nacional de Pensões, que to<strong>dos</strong> os meses<br />

coloca cá fora pensões para mais de <strong>um</strong><br />

milhão de pessoas. E com certeza que há<br />

muitos outros bons exemplos de<br />

funcionamento.<br />

O que por vezes me inquieta é perceber<br />

que nestes serviços que têm que gerir<br />

processos com qualidade, não haja nem<br />

nunca tenha havido profissionais, técnicos<br />

de organização e método. Porque mesmo<br />

para <strong>um</strong> juiz, não é indiferente saber como<br />

é que começam a trabalhar os processos<br />

que lhe chegam diariamente da secretaria.<br />

Trabalha-os como? Faz alg<strong>um</strong>a<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


separação? Trabalha-os tal como eles<br />

chegam? As respostas, os tempos, não vão<br />

ser indiferentes.<br />

Na verdade, há <strong>um</strong>a série de operadores<br />

do sistema de justiça que <strong>sobre</strong> essas<br />

matérias não têm, praticamente, nenh<strong>um</strong><br />

conhecimento. Pelo que eu acho que as<br />

avaliações são necessárias mas não gosto,<br />

pela <strong>experiência</strong> que tenho, de ouvir falar<br />

muito em avaliações e não ouvir falar, por<br />

exemplo, de preocupações como dar a<br />

to<strong>dos</strong>, incluindo aos juízes, aos<br />

funcionários e também aos procuradores<br />

do Ministério Público, alguns<br />

conhecimentos para melhorar as sua<br />

próprias formas de trabalhar e intervir nos<br />

processos. Portanto, julgo que deve haver<br />

mais atenção a estes procedimentos, ao<br />

saber e às competências de técnicos que<br />

não são, propriamente, oriun<strong>dos</strong> do meio<br />

judicial, mas que julgo terem <strong>um</strong> papel<br />

muito importante para ajudar na eficiência<br />

do sistema.<br />

S5<br />

Eu gostaria de responder ao que foi dito<br />

nas últimas intervenções, <strong>sobre</strong>tudo, à<br />

penúltima. Eu gostaria de vos informar,<br />

dentro de <strong>um</strong> ano, do resultado do novo<br />

modelo, porque é claro, também para nós<br />

em Espanha, que o modelo actual não<br />

funciona. Também é certo, desde que<br />

iniciámos os estu<strong>dos</strong> em Espanha <strong>sobre</strong> a<br />

situação e a possibilidade de incorporar o<br />

novo modelo, que estamos em frente de<br />

<strong>um</strong> mecanismo, de <strong>um</strong>a maquinaria muito<br />

lenta. Aparentemente, parece disparatado<br />

pensar que levámos tantos anos debatendo<br />

que o modelo não funciona e que há novas<br />

ideias que confluem e que as autoridades<br />

nos reclamam.<br />

Hoje fala-se de novas técnicas de <strong>gestão</strong>,<br />

responsabilidade e controlo, e isto ao<br />

princípio pareceu-nos <strong>um</strong> pouco afastado<br />

do mundo da justiça. Éramos, pelo menos<br />

no que se refere a Espanha, <strong>um</strong> mundo à<br />

parte, em que os cidadãos se aproximavam<br />

da justiça com <strong>um</strong> temor quase reverencial.<br />

Para quê solucionarmos <strong>um</strong> conflito que já<br />

era endémico?<br />

Ora, é óbvio que a sociedade nos reclama<br />

algo diferente. Algo mais próximo, em que<br />

se possa participar e aplicar estas<br />

equações normais – como referiu o último<br />

interveniente – próprias de <strong>um</strong>a empresa<br />

privada, guardando as distâncias e<br />

respeitando as diferenças, como é<br />

evidente, porque estamos a falar de <strong>um</strong><br />

serviço público, a quem se reclamam<br />

resulta<strong>dos</strong>. Estamos perante <strong>um</strong> poder do<br />

Estado que tem de prestar esse serviço<br />

público, resolvendo os conflitos, de <strong>um</strong>a<br />

forma próxima. Algo a quem se podem<br />

pedir responsabilidades e<br />

fundamentalmente resulta<strong>dos</strong>.<br />

Eu volto a dizer: provavelmente não<br />

funcionará o modelo que estamos a<br />

instaurar porque cometemos <strong>um</strong> erro<br />

enorme de cair n<strong>um</strong> movimento pendular –<br />

ir de <strong>um</strong> modelo que não nos serviu para<br />

outro completamente ao contrário. Mas só<br />

dentro de <strong>um</strong> ano ou mais, quando terminar<br />

o ciclo de 5 anos, por exemplo, é que<br />

poderemos verificar onde é que colocamos<br />

o fio da balança, onde está o equilíbrio,<br />

porque, seguramente, no equilíbrio, estará<br />

a solução.<br />

S16<br />

Eu sou secretário de justiça. Tinha alg<strong>um</strong>as<br />

questões que gostaria que fossem postas à<br />

consideração. A primeira diz respeito (…) à<br />

análise estatística. Salvo o devido respeito,<br />

e posso não ter interpretado bem a sua<br />

intervenção, o CITIUS para os magistra<strong>dos</strong><br />

e o HABILUS para os funcionários - e vejo<br />

isso no tribunal – tem <strong>um</strong>a área de<br />

informação onde se vê, claramente, o<br />

tempo <strong>dos</strong> atrasos <strong>dos</strong> processos, os<br />

processos não movimenta<strong>dos</strong>, bem como<br />

há <strong>um</strong> mapa global em que se vêem<br />

processos a arrastar-se há dez anos.<br />

Anexo 283


OPJ<br />

A questão é saber se esta aplicação está<br />

disponível para os senhores juízes<br />

presidentes.<br />

S8<br />

Nós não temos essa aplicação e também<br />

há constrangimentos legais (…).<br />

S6<br />

O que eu ia dizer não era tão só isso, mas<br />

<strong>sobre</strong>tudo que, exactamente, aquilo que se<br />

vê não é o que está atrasado mas sim o<br />

que não foi movimentado, que são duas<br />

coisas diferentes. Porque o processo pode<br />

não ser movimentado há três meses e não<br />

estar atrasado, se o prazo para o<br />

movimentar for superior a três meses. E,<br />

justamente, nós temo-nos debatido com<br />

esta dificuldade (…) porque, por exemplo, a<br />

comarca (…) é <strong>um</strong>a comarca com<br />

pendências ac<strong>um</strong>ula<strong>das</strong> gravíssimas.<br />

Aliás, embora a nova reforma preveja a<br />

colocação de meios h<strong>um</strong>anos para<br />

recuperar essas pendências, eles não<br />

foram coloca<strong>dos</strong>, e por isso, a <strong>experiência</strong><br />

piloto está-se a fazer com a tentativa de os<br />

recuperar.<br />

Temos esse problema que apenas está a<br />

ser ultrapassado agora com a<br />

implementação de <strong>um</strong> sistema no juízo de<br />

execução – que aproveito para referir que<br />

tem 50.000 processos e <strong>um</strong> escrivão –<br />

devendo ser o maior juízo do país e onde<br />

era absolutamente impossível, até aqui,<br />

saber o que aí se passava. Portanto, houve<br />

necessidade de estabelecer <strong>um</strong> critério de<br />

codificação com o senhor administrador<br />

judiciário que tem estado a desenvolver<br />

com aquela escrivã, de forma que têm<br />

284<br />

estado a introduzir códigos nos processos<br />

que nos permitam saber, esses sim, que<br />

processos estão atrasa<strong>dos</strong> e para quê.<br />

OPJ<br />

Esse instr<strong>um</strong>ento está a desenvolvê-lo na<br />

sua comarca, mas pode não estar a ser<br />

desenvolvido em outros locais onde deveria<br />

ser.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO<br />

S6<br />

Mas o que eu quero dizer é que aquilo que<br />

(…) refere como sendo <strong>um</strong>a deficiência do<br />

sistema informático é exactamente assim e<br />

que apenas com recurso a esta tentativa de<br />

<strong>um</strong>a boa prática é que nós estamos a<br />

conseguir dar a volta.<br />

S8<br />

Ainda há poucos dias tive <strong>um</strong>a situação<br />

concreta, em que o funcionário estava a<br />

tirar o prazo de Setembro. E como nesta<br />

situação sou eu que tenho de perguntar<br />

porque não tenho acesso a esses<br />

elementos. Tenho de me basear sempre<br />

nos elementos que me são da<strong>dos</strong>, a não<br />

ser que depois vá agir por reacção.<br />

S17<br />

O que eu queria dizer é exactamente <strong>sobre</strong><br />

esta matéria. As aplicações não são<br />

acessíveis por to<strong>das</strong> as pessoas que<br />

intervém no sistema. Ou seja, eu<br />

intervenho no sistema mas não tenho<br />

acesso a to<strong>das</strong> essas informações. O<br />

senhor secretário terá essa informação,<br />

mas o presidente do tribunal não tem.<br />

Parece <strong>um</strong> contra-senso. Mas é preciso ter<br />

noção que o acesso privilegiado que alguns


intervenientes têm não é extensível a<br />

to<strong>dos</strong>, nomeadamente, aos presidentes.<br />

OPJ<br />

Mas é natural que tenhamos níveis de<br />

acesso diferencia<strong>dos</strong>. Mas o que é preciso<br />

é definir, em protocolo, quem é que deve<br />

aceder e parece-me que o juiz presidente<br />

deve ter acesso a to<strong>dos</strong> os instr<strong>um</strong>entos.<br />

S16<br />

Houve aqui, aliás, <strong>um</strong>a questão (…) os<br />

<strong>tribunais</strong> muitas vezes não estão<br />

dependentes deles próprios. Estão<br />

dependentes do Instituto de Medicina<br />

Legal, <strong>das</strong> empresas de telecomunicações,<br />

mas também de <strong>um</strong>a entidade em relação<br />

à qual sou bastante crítico, no que toca às<br />

execuções.<br />

Como se sabe, 50% ou 70% <strong>dos</strong> processos<br />

pendentes nos <strong>tribunais</strong> são acções<br />

executivas. E o que é estranho é que se<br />

ouve na comunicação social, os jornalistas<br />

e até muitas vezes gestores e economistas,<br />

colocarem os <strong>tribunais</strong> nas ruas da<br />

amargura, esquecendo-se que, neste caso,<br />

as execuções estão no sector privado.<br />

Desde 15 de Setembro de 2003 que as<br />

acções executivas estão no sector privado.<br />

E isto é que ninguém vê! To<strong>dos</strong> falam <strong>dos</strong><br />

<strong>tribunais</strong> mas, de facto, isto devia ser<br />

ponderado e analisado.<br />

Há cerca de <strong>um</strong> mês estive a preparar o<br />

relatório anual a enviar para o Conselho<br />

Superior da Magistratura e verifico que há<br />

situações gravíssimas <strong>dos</strong> solicitadores de<br />

execução porque, por exemplo, não fazem<br />

as comunicações como estão previstas na<br />

lei. Há <strong>um</strong>a série de situações em relação<br />

às quais considero que, se houvesse rigor,<br />

qualidade e eficiência, possivelmente os<br />

<strong>tribunais</strong> teriam <strong>um</strong>a diminuição de 1/3 ou<br />

mais <strong>dos</strong> processos.<br />

S1<br />

Muito bem, mas nós vimos que, nesta<br />

reforma, estamos a falar de pendências em<br />

outros <strong>tribunais</strong> que não só nos <strong>tribunais</strong> de<br />

execução. De facto, a reforma do mapa<br />

judiciário, veio permitir fazer esta<br />

separação e muito bem, como os senhores<br />

Drs. salientaram. Mas estamos a falar de<br />

pendências <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> civis e de outras<br />

jurisdições, que não são, propriamente, só<br />

as questões <strong>das</strong> acções executivas.<br />

S18<br />

Eu não estou ligado directamente à justiça,<br />

sou sociólogo de profissão mas interessome<br />

por estas questões e tenho<br />

responsabilidades sindicais.<br />

A questão que eu queria colocar é se este<br />

novo mapa judiciário, a territorialização da<br />

justiça, digamos assim, vai promover <strong>um</strong><br />

maior acesso à justiça pelos que menos<br />

podem ou se, por outro lado, vai potenciar<br />

ainda mais o acesso à justiça <strong>dos</strong> que mais<br />

têm.<br />

Eu sou de <strong>um</strong>a região onde o desemprego<br />

afecta milhares de pessoas e onde as<br />

insolvências são mais do que muitas. Há<br />

<strong>um</strong>a conflitualidade social cada vez maior,<br />

pelo que se impõe saber se este modelo,<br />

que agora emerge, é <strong>um</strong> modelo que vai ter<br />

em atenção esta dualidade social e se vai<br />

potenciar que a justiça sirva estes cidadão<br />

desampara<strong>dos</strong> ou se, de facto, vai<br />

potenciar os que mais acesso têm a ela, as<br />

grandes empresas e interesses<br />

económicos.<br />

A outra reflexão tem a ver com a<br />

especialização. Acho muito bem a<br />

especialização. Porque tendo <strong>um</strong> grupo x<br />

de funcionários, se <strong>um</strong> deles adoecer ou<br />

tiver que faltar, pode ser facilmente<br />

substituído.<br />

Anexo 285


Outra questão que queria levantar é da<br />

avaliação. Nós estamos n<strong>um</strong> processo de<br />

avaliação da função pública, e o que se<br />

coloca aqui é saber quando é que são<br />

avalia<strong>dos</strong> os avaliadores. Se os critérios<br />

que são aplica<strong>dos</strong> para a avaliação são, de<br />

facto, idóneos ou são outros critérios que<br />

não tem nada a ver com a performance <strong>dos</strong><br />

trabalhadores.<br />

S19<br />

Sou procuradora-geral coordenadora do<br />

Ministério Público n<strong>um</strong>a comarca piloto. Na<br />

minha comarca, os problemas que se<br />

colocam são, de certa forma, transversais<br />

às três <strong>comarcas</strong> piloto. Como foi dito há<br />

pouco, não se gere o que não se tem.<br />

Faltam magistra<strong>dos</strong>.<br />

Desde que estou na minha comarca, ainda<br />

não consegui ter o quadro completo de<br />

magistra<strong>dos</strong>. Quando consegui completálo,<br />

começou a faltar <strong>um</strong>a magistrada – e<br />

não está em causa o direito de os<br />

magistra<strong>dos</strong> faltarem, nomeadamente,<br />

quando as magistra<strong>das</strong> estão em licença<br />

de maternidade. É <strong>um</strong> direito que lhes<br />

assiste e que não pode, de maneira<br />

nenh<strong>um</strong>a ser posto em causa, mas<br />

considero que o sistema tem de ter formas<br />

de responder quando há estas faltas e<br />

estas ausências ao serviço.<br />

Assim como também não consegui ter <strong>um</strong><br />

quadro completo de funcionários, que têm<br />

todo o direito de estar doentes. Mas o certo<br />

é que o sistema não me responde e não<br />

me permite ter alguém que os possa<br />

substituir.<br />

Quando chegarmos a Abril de 2010,<br />

provavelmente aquele resultado que se<br />

pretendia na minha comarca e, talvez nas<br />

outras, que era a diminuição <strong>das</strong><br />

pendências e maior qualidade do serviço a<br />

outros níveis, não vai ser atingido porque<br />

não temos tido a nível de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos aquilo que era desejável e<br />

286<br />

expectável e que a lei permite e prevê que<br />

tenhamos.<br />

Em termos de delimitação territorial, o que<br />

foi gizado, provavelmente, não teve em<br />

conta as pessoas, pois talvez se tenha<br />

atendido muito apenas às pendências, a<br />

da<strong>dos</strong> estatísticos. Mas, há questões<br />

específicas na minha comarca,<br />

nomeadamente, a nível da especialização<br />

<strong>dos</strong> juízos de família e menores que estão<br />

distantes relativamente ao município de<br />

(…), que para recorrer a este tribunal, têm<br />

de ir a (…) e para chegar até lá, passam<br />

por (…), onde sempre trataram de tudo.<br />

Tendo em conta que não há transportes<br />

públicos que respondam, tudo isto torna-se<br />

difícil.<br />

Quanto à <strong>gestão</strong>, eu penso que nós<br />

magistra<strong>dos</strong>, e falo por mim, temos <strong>um</strong>a<br />

preparação técnico-jurídica, mas é<br />

fundamental termos <strong>um</strong>a preparação<br />

técnica a nível da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos.<br />

Sinto que, na realidade, isso é fundamental<br />

para quem lidera e gere <strong>um</strong>a equipa de<br />

funcionários. E é certo que a lei exige que o<br />

magistrado coordenador tenha essa<br />

formação, mas porque estamos no período<br />

experimental não pôde ser c<strong>um</strong>prida.<br />

Eu sinto na prática, no meu dia-a-dia, que<br />

se torna muito difícil gerir aquilo que à<br />

partida me parece ingovernável, mas<br />

provavelmente, <strong>olhar</strong>ia essas situações<br />

com outros olhos se à partida tivesse outro<br />

tipo de conhecimentos que não me advém<br />

apenas da <strong>experiência</strong>.<br />

Depois há questões de orçamento. Eu<br />

considero que a presidência devia ter <strong>um</strong><br />

orçamento, mas não o tem. Tem de ir<br />

buscar <strong>um</strong> pouco a cada unidade orgânica,<br />

para daí poder gerir o tribunal. Ao mesmo<br />

tempo, também não temos funcionários. Os<br />

funcionários que eu tenho são funcionários<br />

que tive de ir buscar à secção central e que<br />

ficou sem eles.<br />

Os quadros do MP não estão também, de<br />

acordo com os quadros <strong>dos</strong> juízes.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


Há, portanto, aqui <strong>um</strong>a série de questões<br />

que ainda têm de ser pensa<strong>das</strong>.<br />

OPJ<br />

Antes de passar a palavra, gostava de<br />

introduzir <strong>um</strong>a questão. Várias pessoas<br />

aqui referiram a necessidade de mais<br />

quadros de pessoal. Provavelmente terão<br />

razão, mas surge aqui <strong>um</strong>a outra questão:<br />

quais são os parâmetros para sabermos se<br />

faltam ou não funcionários, sem termos<br />

aqui <strong>um</strong>a redefinição de tarefas? Quais são<br />

as tarefas mais importantes e mais<br />

frequentes dentro da tramitação processual<br />

de <strong>um</strong>a jurisdição de família, criminal,<br />

n<strong>um</strong>a pequena instância, n<strong>um</strong>a grande<br />

instância etc.? Estamos a falar de que<br />

quadros, de que referências?<br />

S20<br />

Sou juiz coordenador n<strong>um</strong>a grande<br />

instância criminal de <strong>um</strong>a comarca piloto.<br />

Quero, em primeiro lugar, enaltecer esta<br />

iniciativa. Foi <strong>das</strong> poucas que foram feitas,<br />

no país, desde Abril em relação a este<br />

novo mapa. Depois gostaria de salientar<br />

duas questões que já foram aqui referi<strong>das</strong>.<br />

A primeira é da formação. Eu sou juiz<br />

coordenador, mas ninguém me deu<br />

formação, a não ser jurídica, para além da<br />

minha <strong>experiência</strong> pessoal. Ora, a<br />

formação é muito importante. E, quando se<br />

fala destas <strong>comarcas</strong> piloto, elas carecem,<br />

desde logo, deste handicap. Ou seja, a lei<br />

prevê formação, mas ela não foi dada e<br />

ninguém fala disso.<br />

Por outro lado, também temos a questão<br />

do gabinete de apoio ao juiz. Já existem<br />

<strong>um</strong>as portarias e uns ensaios <strong>sobre</strong> isso,<br />

mas não temos nenh<strong>um</strong> gabinete de apoio<br />

ao juiz. O juiz continua a digitalizar as<br />

peças processuais, a despachar o<br />

processo, a exercer funções de<br />

investigação que poderiam ser delega<strong>das</strong><br />

n<strong>um</strong> funcionário, n<strong>um</strong>a figura próxima do<br />

secretário que lida com o processo, como<br />

em Espanha, e que aqui em Portugal<br />

poderia ser <strong>um</strong> funcionário que colabora<br />

com o juiz, n<strong>um</strong>a assessoria que está<br />

prevista na lei, talvez de forma limitada,<br />

mas que se poderia pensar em termos<br />

mais amplos no futuro.<br />

Finalmente, <strong>um</strong> critério objectivo. Quando<br />

estas três <strong>comarcas</strong> piloto foram<br />

instala<strong>das</strong>, em Abril, eu tentei perceber<br />

porquê este quadro e confesso que não<br />

percebi. Porque existem estatísticas da<br />

justiça, mas tenho grande dificuldade em<br />

as perceber. E, portanto, quando se vai<br />

fazer <strong>um</strong>a monitorização desta reforma e<br />

pensar n<strong>um</strong> modelo de <strong>gestão</strong>, procurando<br />

o que é melhor para a justiça,<br />

necessariamente tem de se partir de<br />

parâmetros e estatísticas que existam e<br />

que se conheçam.<br />

Eu, por exemplo, não existindo essas<br />

estatísticas ou não me sendo cognoscíveis,<br />

tentei fazer a ratio entre juiz e população,<br />

mas cheguei a conclusões que fazem crer<br />

que a reforma não tem muita consistência.<br />

Estou agora para ver o que vai acontecer<br />

na monitorização, se não se definirem os<br />

parâmetros.<br />

S6<br />

Gostaria de responder à questão de como<br />

é que nós sabemos se precisamos de<br />

funcionários. De facto, não há indicadores<br />

e era urgente que houvesse. Isso é<br />

absolutamente relevante. Sei onde faltam<br />

funcionários e é na comarca de (…) e<br />

passo a explicar porquê. Os funcionários<br />

que lá estão foram pensa<strong>dos</strong> e são,<br />

eventualmente, adequa<strong>dos</strong> a <strong>um</strong>a comarca<br />

com <strong>um</strong> funcionamento normal. Mas nós<br />

herdámos pendências anormais, e por isso<br />

mesmo, as leis que instalaram as <strong>comarcas</strong><br />

previram a colocação de funcionários e<br />

juízes para recuperar essas pendências.<br />

Portanto, nessa comarca, pese embora não<br />

Anexo 287


haver esses indicadores, não há dúvida<br />

nenh<strong>um</strong>a que os funcionários não são<br />

suficientes para aquilo que temos de fazer.<br />

S9<br />

Eu gostaria só de fazer <strong>um</strong> comentário<br />

<strong>sobre</strong> a mobilidade e a flexibilidade e,<br />

depois, fazer-vos <strong>um</strong>a pergunta.<br />

A mobilidade e a flexibilidade têm que ser<br />

aborda<strong>das</strong> com clareza e respeito pelas<br />

pessoas. E as questões <strong>das</strong> deslocações<br />

longas, entre outros aspectos, têm que ser<br />

pondera<strong>das</strong>. Mas depois, há <strong>um</strong> conjunto<br />

de outros aspectos, às vezes<br />

completamente disparata<strong>dos</strong> e que limitam<br />

imenso o trabalho e a eficácia <strong>das</strong><br />

organizações. Dou-vos alguns exemplos. A<br />

Universidade de Coimbra, na<br />

reestruturação de 2003, tinha onze quadros<br />

de pessoal. Ao passarmos para <strong>um</strong> único<br />

facilitou muito mais a mobilidade, que em<br />

termos geográficos, não coloca problemas<br />

na cidade de Coimbra.<br />

Um outro exemplo é a região autónoma<br />

<strong>dos</strong> Açores. Eles têm quadros de ilha.<br />

Dentro da mesma ilha, os funcionários<br />

podem movimentar-se, mesmo entre<br />

serviços diferentes, desde que dentro da<br />

mesma função, o que faz todo o sentido.<br />

A pergunta que gostava de vos fazer é: <strong>das</strong><br />

unidades orgânicas que dirigem, quem é<br />

que conhece o seu índice de absentismo?<br />

E se estão satisfeitos com o índice de<br />

absentismo. Porque este é <strong>um</strong> dado<br />

fundamental para poder gerir a<br />

organização. Isto porque ainda há pouco<br />

tempo estive a trabalhar com <strong>um</strong>a unidade<br />

que tem sido referência na modernização<br />

administrativa, com cerca de 100 pessoas,<br />

to<strong>das</strong> jovens, licencia<strong>das</strong>, e estimou-se <strong>um</strong><br />

nível de absentismo de 4%. Isto é, a<br />

direcção estava à espera de ter<br />

normalmente, noventa e seis pessoas.<br />

Quando se começaram a fazer os primeiros<br />

288<br />

cálculos, de facto, tinham, na realidade,<br />

oitenta e oito, o que lhes colocava<br />

problemas porque era <strong>um</strong> horário contínuo<br />

e tinha de encontrar maneira de resolver o<br />

problema. As razões são as melhores: as<br />

pessoas eram novas, casaram-se e tiveram<br />

filhos. No entanto, em vez <strong>das</strong> noventa e<br />

seis, têm oitenta e oito pessoas e têm<br />

<strong>um</strong>as condições diferentes de <strong>gestão</strong>.<br />

Portanto, são estes elementos e<br />

indicadores que são fundamentais para<br />

poder gerir.<br />

S21<br />

Sou procurador da República no DIAP da<br />

comarca de (…). Eu gostei particularmente<br />

da intervenção (…) que focou pontos que<br />

achei da maior pertinência, embora alguns,<br />

nomeadamente a melhoria contínua do<br />

processo seja para nós <strong>um</strong>a utopia. Pode<br />

ser que exista, mas não está na prática. E<br />

<strong>um</strong>a <strong>das</strong> razões porque não existe é a falta<br />

de preparação <strong>dos</strong> líderes desta operação.<br />

Não recebemos nenh<strong>um</strong> curso de <strong>gestão</strong>.<br />

Achei ainda mais interessante a questão da<br />

avaliação, que me fez lembrar a avaliação<br />

<strong>dos</strong> professores. Porque, como sabem,<br />

olhando para a lei, estamos a três meses<br />

do fim do primeiro relatório de avaliação.<br />

Sendo certo que, tanto quanto percebi, é<br />

importante ter os indicadores de avaliação<br />

e que os operadores que estão no terreno,<br />

nesse processo de mudança, conheçam<br />

esses índices. Ora, se estamos a três<br />

meses e ninguém conhece esses índices,<br />

dá a ideia que estaremos talvez no período<br />

experimental do período experimental.<br />

E, provavelmente, até seria melhor que<br />

assim fosse, para partirmos para <strong>um</strong>a nova<br />

fase mais organizada. Até porque a forma<br />

como se fez a implementação desta<br />

reforma nestas <strong>comarcas</strong> foi pouco<br />

preparada, o que causou aos<br />

intervenientes envolvi<strong>dos</strong> <strong>um</strong>a perturbação<br />

processual que durou meses, por exemplo<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO


com a transferência electrónica e física <strong>dos</strong><br />

processos, a distribuição, a colocação <strong>das</strong><br />

pessoas, etc, a que se seguiram férias<br />

judiciais.<br />

Portanto, não seria de todo descabido<br />

saber quem vai fazer essa avaliação e<br />

quais vão ser os critérios. Suponho, à falta<br />

de outro critério, que vão buscar as<br />

estatísticas do Ministério da Justiça e que,<br />

de alg<strong>um</strong>a forma, partam daí.<br />

A ideia da qualidade da mudança, essa<br />

então, está muito para além da prática. A<br />

ideia que eu tenho é que está toda a gente,<br />

ainda, a partir. Ainda não há <strong>um</strong>a forma<br />

assente de funcionar convenientemente.<br />

Outra questão que também achei<br />

essencial, é o destaque dado ao apoio<br />

informático, que também está, de alg<strong>um</strong>a<br />

forma, desorganizado e desigual. Só a<br />

título de exemplo, a cobertura de banda<br />

larga na Comarca Grande Lisboa-Noroeste<br />

é de 100 megas e na Comarca Baixo<br />

Vouga é de 10 megas. E ninguém percebe<br />

porquê.<br />

Finalmente, o tipo de acções de to<strong>dos</strong> os<br />

operadores e, essencialmente, por <strong>um</strong> lado<br />

os quadros de <strong>gestão</strong> da comarca e, por<br />

outro, os operadores de massa que são<br />

funcionários, se não existir, não vai ter<br />

grande êxito. Principalmente na questão da<br />

qualidade do serviço.<br />

Quanto aos poderes do juiz presidente são,<br />

de facto, menos e são poucos. Não é por<br />

acaso que são vagos, como já foi aqui<br />

referido, são mesmo poucos. O juiz<br />

presidente não tem os poderes de <strong>gestão</strong>,<br />

até, orçamental e devia tê-los, bem como<br />

não tem poderes de <strong>gestão</strong> processual que<br />

podia ter e não tem informações que na<br />

altura foram discuti<strong>das</strong>. Houve, aliás,<br />

grande oposição <strong>dos</strong> membros <strong>dos</strong><br />

operadores judiciários, para que o juiz<br />

presidente tivesse mais poderes. Talvez no<br />

futuro devesse ter mais poderes, mas, de<br />

facto, neste momento, tem poucos porque<br />

isso foi pensado.<br />

S10<br />

O que me parece é que, de facto, n<strong>um</strong><br />

modelo deste género, como foi escolhido,<br />

diferente do espanhol, teria que ter mais<br />

poderes, senão não faz muito sentido a<br />

opção. Há aqui <strong>um</strong>a inconsistência, pelo<br />

menos, em termos de <strong>gestão</strong>.<br />

S17<br />

Eu estava a pensar em prescindir da<br />

intervenção, mas como veio a propósito a<br />

questão da competência <strong>dos</strong> juízespresidentes,<br />

gostaria de colocar a seguinte<br />

questão: acham ou não que deveriam ter<br />

competência para solucionar to<strong>dos</strong> os<br />

conflitos de competência que surgissem<br />

entre os juízes <strong>das</strong> vossas <strong>comarcas</strong>?<br />

Eu não questiono isto de forma inócua. De<br />

facto, qualquer reorganização judiciária<br />

implica conflitos de competência e,<br />

nomeadamente, na área do Baixo Vouga<br />

são quatro ou cinco centenas. São<br />

processos que ficam completamente,<br />

bloquea<strong>dos</strong>, durante meses, e o juiz<br />

presidente ou o Conselho Superior da<br />

Magistratura poderia, eventualmente, tomar<br />

<strong>um</strong>a atitude imediata. E aquilo que se está<br />

a passar é que como o conflito é suscitado,<br />

processo a processo, são inúmeros os<br />

recursos que vêm aos <strong>tribunais</strong> da<br />

Relação, quando poderia com <strong>um</strong>a simples<br />

medida de atribuição dessa competência<br />

aos juízes presidentes solucionar-se as<br />

questões, reservando para o tribunal da<br />

Relação qualquer conflito entre juízes de<br />

<strong>comarcas</strong> diferentes.<br />

S22<br />

Eu sou do México e estou a fazer<br />

investigação <strong>sobre</strong>tudo nos <strong>tribunais</strong> de<br />

província. Estou a investigar antropologia<br />

Anexo 289


jurídica nos <strong>tribunais</strong>. Com base na minha<br />

investigação e nas impressões que recolhi<br />

aqui, surgiu-me <strong>um</strong>a questão e não quero<br />

deixar passar a oportunidade de a colocar.<br />

Estou a estudar dois <strong>tribunais</strong> em concreto,<br />

que são bastante informais onde não é<br />

obrigatória a intervenção do advogado.<br />

Ora, estamos perante <strong>um</strong> paradoxo. Estes<br />

<strong>tribunais</strong> foram cria<strong>dos</strong> com a reforma<br />

judicial, a qual definiu, também, que to<strong>dos</strong><br />

os critérios de avaliação – pelo menos no<br />

México – são números. E são esses<br />

números que vão classificar como bom ou<br />

mau determinado tribunal. Mas,<br />

curiosamente, em geral as populações, que<br />

acorrem a estes <strong>tribunais</strong> opinam muito<br />

bem <strong>sobre</strong> eles, porque aí os funcionários<br />

dispensam-lhe <strong>um</strong>a atenção que nenh<strong>um</strong><br />

outro lhes dá. E eu perguntava-me se este<br />

método de avaliação tão n<strong>um</strong>érico, tão<br />

quantitativo e tão invisível é correcto e se<br />

não há outra forma de avaliação?<br />

OPJ<br />

Trata-se da questão <strong>dos</strong> critérios de<br />

avaliação, quer interna, quer externa e que<br />

deve atender, também, a padrões de<br />

qualidade.<br />

S23<br />

A reflexão que gostaria de fazer convosco<br />

é qual é que é o significado desta<br />

flexibilidade funcional, espacial, n<strong>um</strong>érica e<br />

financeira, porque foi com agrado que ouvi<br />

dizer que em alg<strong>um</strong>as situações,<br />

nomeadamente na universidade de<br />

Coimbra, não se coloca tanto o problema<br />

da mobilidade espacial, como ocorre<br />

nestes contextos da justiça de que estamos<br />

a falar. Mas, depois, qual é a outra<br />

resistência que devemos ter? Não há<br />

problema na flexibilidade espacial, mas<br />

temos problemas na flexibilidade funcional<br />

e a resistência que se coloca.<br />

290<br />

No fundo, quais são os da<strong>dos</strong> e os<br />

mecanismos que temos, em termos de<br />

mobilidade funcional e o que é que isso<br />

depois traduz no envolvimento total de<br />

passar de <strong>um</strong> absentismo para <strong>um</strong><br />

presentismo, se não temos eficiência<br />

organizacional?<br />

OPJ<br />

Muito obrigada. Eu daria agora <strong>um</strong> minuto<br />

a cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> intervenientes.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO<br />

S4<br />

Achei to<strong>das</strong> as intervenções muito<br />

interessantes. Gostaria, para terminar de<br />

voltar a <strong>um</strong>a questão que não sei se ficou<br />

clara na nossa intervenção. O modelo<br />

espanhol está a ser implementado agora,<br />

mas tratando-se de <strong>um</strong> modelo<br />

revolucionário, haverá certamente muitas<br />

dificuldades práticas. Quero salientar que o<br />

processo vai deixar de ser “propriedade<br />

exclusiva” <strong>dos</strong> do juiz.<br />

Hoje, temos <strong>um</strong> processo que entra no<br />

tribunal e o juiz diz: “vou tramitá-lo<br />

conforme a lei”, mas marcando o prazo,<br />

marcando o tempo, marcando tudo. No<br />

futuro, é o secretário que vai seguir as<br />

minhas instruções nesse sentido para o<br />

fazer. Aquele personalismo é fundamental<br />

para a eficiência do resultado.<br />

Há juízes que proferem cem sentenças,<br />

outras trezentas e outros até que proferem<br />

quinhentas. Mas, se <strong>um</strong> se atrasa, to<strong>dos</strong> os<br />

outros se atrasam. Ora, tudo isto vai mudar<br />

e mudará porque a partir de agora, o<br />

serviço com<strong>um</strong> é que se vai encarregar da<br />

tramitação e simplesmente se dirá ao juiz,<br />

por exemplo, ” produção da prova, na data<br />

x”, conforme a sua agenda.<br />

Há <strong>um</strong>a perda do conceito de domínio do<br />

processo e esta mudança é <strong>um</strong>a novidade


muito grande, mas que poderá ter<br />

problemas de implantação. No fundo<br />

subjaz o problema da articulação entre o<br />

secretário e o juiz, sendo a este apenas<br />

reservada a sua função primeira que é<br />

julgar, resolver o conflito.<br />

S5<br />

Eu centraria a minha exposição em três<br />

conceitos principais: mobilidade, formação<br />

e a<strong>um</strong>ento <strong>dos</strong> quadros de pessoal.<br />

É algo que para mim não é <strong>um</strong>a novidade,<br />

pois é algo que já se havia discutido antes<br />

e em torno de outros problemas no meu<br />

país. Creio que é algo até de repetitivo e<br />

que acontece em to<strong>das</strong> as organizações<br />

sociais e em to<strong>dos</strong> os países.<br />

Se servir de algo, a minha <strong>experiência</strong> de<br />

mais de vinte anos dentro do organograma<br />

judicial espanhol, posso falar-vos em três<br />

pontos essenciais.<br />

O primeiro é a<strong>um</strong>ento <strong>dos</strong> recursos<br />

h<strong>um</strong>anos, isto é, <strong>dos</strong> quadros de pessoal.<br />

Posso dizer-vos que não há <strong>um</strong>a proporção<br />

directa entre o a<strong>um</strong>ento de pessoal e o<br />

a<strong>um</strong>ento de decisões, de resoluções de<br />

conflitos, portanto, não pensem que o<br />

a<strong>um</strong>ento de pessoal pode ser a resolução<br />

de to<strong>das</strong> as questões.<br />

O segundo é a formação, essa sim, deverá<br />

ser para to<strong>dos</strong>. Digo e repito, para to<strong>dos</strong> os<br />

estratos. É fundamental termos <strong>um</strong>a<br />

formação adequada.<br />

O terceiro é a mobilidade. É <strong>um</strong> eterno<br />

conflito e é o eterno problema. Posso dizervos<br />

que o novo modelo que estamos a<br />

projectar em Espanha consagra em parte a<br />

mobilidade. Como foi dito aqui esta tarde,<br />

mobilidade não só dentro do tribunal, mas<br />

dentro da própria área geográfica. No<br />

entanto, vai ser difícil de a manter. Temos<br />

informação de que os sindicatos, pelo<br />

menos a sua maioria, estão a ass<strong>um</strong>ir que<br />

é muito provável que se tenha que ceder<br />

na questão da mobilidade, afim de não se<br />

pôr <strong>um</strong> fim ao novo modelo que se<br />

pretende implantar. Se bem que a<br />

mobilidade, no caso concreto <strong>das</strong> divisões<br />

administrativas de que vos falava, no pior<br />

<strong>dos</strong> casos, seria reduzida a <strong>um</strong>a<br />

mobilidade territorial circunscrita ao âmbito<br />

de cada comunidade autónoma. Embora,<br />

inicialmente, a ideia fosse de que ela se<br />

circunscrevesse apenas a <strong>um</strong>a mesma<br />

localidade.<br />

S9<br />

Queria debruçar-me <strong>sobre</strong> quatro pontos<br />

muito rápi<strong>dos</strong>.<br />

O primeiro é para voltar a agradecer o<br />

convite para este evento, que foi de<br />

extremo interesse para mim.<br />

O segundo para dizer que o diálogo foi<br />

excepcional. São 19h horas e a casa está<br />

cheia, o que é <strong>um</strong> excelente indicador.<br />

Um terceiro ponto, para dizer que o<br />

sucesso destas <strong>experiência</strong>s, portuguesa<br />

ou espanhola, depende claramente de <strong>um</strong>a<br />

intervenção coordenada <strong>sobre</strong> os vários<br />

domínios do conhecimento, sejam aspectos<br />

judiciários, aspectos de <strong>gestão</strong>, de recursos<br />

h<strong>um</strong>anos, méto<strong>dos</strong>, etc. Os processos têm<br />

de se conjugar para se encontrar o<br />

sucesso.<br />

E o quarto ponto é que adoraria debater a<br />

questão do absentismo, <strong>das</strong> presenças e<br />

da motivação e da produtividade. Tenho<br />

muitos da<strong>dos</strong> nesse domínio. Só que<br />

precisávamos de mais <strong>um</strong>a tarde,<br />

seguramente. Seria <strong>um</strong> tema muito<br />

interessante, mas infelizmente não o<br />

podemos fazer.<br />

S10<br />

Eu gostava de aproveitar para abordar<br />

Anexo 291


duas notas <strong>sobre</strong> duas questões ou ideias<br />

que surgiram. Uma nota <strong>sobre</strong> aquela<br />

questão suscitada pelo colega de seminário<br />

relativamente à questão do serviço público<br />

vs serviço privado, e o que lhes<br />

corresponde. Eu penso que hoje já não se<br />

acredita muito nisso. Eu trabalhei dez anos<br />

ou doze com responsabilidades na banca<br />

privada e com responsabilidades de <strong>gestão</strong><br />

e comerciais – naturalmente na <strong>gestão</strong><br />

pública temos muito mais restrições – mas<br />

as duas grandes variáveis em ambas são<br />

gerir as pessoas e as questões<br />

organizacionais. E para tal, como foi<br />

referido, há méto<strong>dos</strong> e técnicas que<br />

facilitam o trabalho do gestor em que,<br />

naturalmente, <strong>um</strong> gabinete de apoio, fará<br />

todo o sentido. Por isso, essa diferença<br />

entre serviço privado ou público penso que<br />

já não fará tanto sentido. O que é essencial<br />

é não perder de vista a essência do<br />

serviço, os valores e os princípios que<br />

devem estar subjacentes na avaliação da<br />

qualidade de <strong>um</strong> serviço público que serão,<br />

obviamente, diferentes do serviço privado.<br />

E aí eu penso que a excelência é,<br />

naturalmente, <strong>um</strong>a utopia. Aliás, a palavra<br />

excelência é <strong>um</strong> conceito que é usado no<br />

âmbito da qualidade total mas também é<br />

usada no quotidiano, o que leva a que haja<br />

muitas ideias <strong>sobre</strong> o que é a excelência,<br />

mas nesta perspectiva - e Aristóteles dizia<br />

que a excelência é <strong>um</strong> hábito - e a<br />

mudança espanhola é de facto<br />

revolucionária, ouvir falar de serviços<br />

partilha<strong>dos</strong> nos <strong>tribunais</strong> é algo<br />

absolutamente novo.<br />

Na medida em que é essa a grande<br />

questão hoje <strong>das</strong> multinacionais, por<br />

exemplo, que andam a deslocalizar para a<br />

Índia e para a Europa os serviços<br />

partilha<strong>dos</strong> em função <strong>dos</strong> custos de mãode-obra,<br />

ou seja, a importância do centro<br />

de serviços partilha<strong>dos</strong> n<strong>um</strong>a perspectiva<br />

da <strong>gestão</strong> privada em termos de eficácia e<br />

de ganhos, neste caso, exclusivamente<br />

financeiros.<br />

Portanto, estamos aqui a falar de modelos<br />

292<br />

com conceitos que estão na crista na onda,<br />

naquilo que são alguns <strong>dos</strong> paradigmas da<br />

<strong>gestão</strong> privada.<br />

Agora, a questão da excelência, refiro-a<br />

porque, do muito que foi dito, pela ausência<br />

de estatísticas, indicadores e parâmetros<br />

de avaliação, do meu ponto de vista julgo<br />

que os parâmetros de excelência ajudam<br />

porque evitam a execução de avaliações<br />

precipita<strong>das</strong> com base em indicadores<br />

pouco cuida<strong>dos</strong>. Ou seja, nós não devemos<br />

ter apenas em conta a rapidez, há o risco<br />

de comparar de forma igual coisas<br />

desiguais, há realidades ocultas e que não<br />

aprecem nos números e por isso, digamos<br />

que a excelência, enquanto princípio para<br />

nos obrigar a ver muitos <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> e<br />

até mais do que eles, penso é e <strong>um</strong><br />

princípio fundamental. E digo só o seguinte,<br />

do que conheço, existem muitos exemplos<br />

já, em Portugal, de serviços públicos com<br />

prémios internacionais em termos de<br />

modelos de excelência, e muitas vezes até<br />

independentemente da dimensão, com<br />

alg<strong>um</strong>a complexidade.<br />

Pelo que deve ser algo orientador e<br />

embora seja <strong>um</strong>a utopia, é <strong>um</strong>a utopia que<br />

deve estar presente para que as coisas<br />

tenham <strong>um</strong> carácter de sustentabilidade a<br />

médio e longo prazo.<br />

Eu só queria agradecer, também, porque<br />

me foi muito grato estar aqui a participar<br />

neste seminário.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO<br />

S6<br />

Queria focar duas notas. (…). Nós,<br />

pessoas a quem a <strong>gestão</strong> aconteceu,<br />

precisamos muito de formação nestas<br />

áreas. Um outro ponto, tem que ver com a<br />

questão da comparação que foi agora<br />

retomada há pouco (…), que diz respeito<br />

ao modelo espanhol e ao modelo<br />

português e à definição de competências.<br />

Como tentei referir quando abordei o


conjunto de competências do juiz<br />

presidente, sejam elas diminutas ou não, o<br />

que é facto é que nele se conjugam, de<br />

maneira que exige <strong>um</strong>a coordenação<br />

diplomática muito grande, determina<strong>das</strong><br />

áreas de intervenção no tribunal e, portanto<br />

(…) a definição de competências é<br />

essencial, não está feita e há que a fazer.<br />

Mas há outro aspecto que parece<br />

absolutamente fundamental, que é o modo<br />

como se definem as competências, que<br />

não é indiferente. A questão de dissociação<br />

entre a actividade jurisdicional e a<br />

actividade processual não é indiferente.<br />

Administrar a justiça, na nossa tradição<br />

portuguesa, implica administrar o processo<br />

e a nossa lei orgânica permite isto e este<br />

elemento é fundamental, sendo que me<br />

parece que é dentro dele que podemos<br />

definir melhor as competências que estão<br />

em jogo n<strong>um</strong> tribunal e não dissociando-as<br />

e reservando para o juiz a nobre função de<br />

julgar que, no fundo, é apenas reduzida a<br />

<strong>um</strong> acto n<strong>um</strong> processo e não à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />

processos.<br />

S7<br />

Em primeiro lugar agradeço também o<br />

convite para participar neste seminário<br />

Mesmo que não fizesse parte dele,<br />

participaria n<strong>um</strong>a outra perspectiva, e<br />

sempre com muito agrado.<br />

Por outro lado, quero agradecer (…)<br />

porque, de facto, as suas palavras para nós<br />

são quase como <strong>um</strong> encaixe da teoria na<br />

nossa prática do dia-a-dia, e é quase como<br />

conseguir pensar isso de <strong>um</strong>a outra forma.<br />

Queria também referir mais alg<strong>um</strong>as<br />

coisas. Aquilo de que estivemos aqui a<br />

falar, relativamente aos traços gerais deste<br />

novo modelo de <strong>gestão</strong>, é <strong>um</strong>a situação.<br />

Outra situação são as condições do<br />

exercício deste modelo, ou seja como é<br />

que o modelo se executa, que meios temos<br />

para pôr em prática este modelo, haver que<br />

gerir e os meio para gerir – isto é outra<br />

situação.<br />

Uma coisa é dizer: este modelo adequa-se<br />

ou não aos objectivos traça<strong>dos</strong> e que<br />

queremos traçar? Outra coisa é questionar:<br />

temos as condições para pôr em prática<br />

este modelo? Temos que gerir. E como<br />

gerir? Assim, são duas questões distintas,<br />

embora se complementem.<br />

É evidente que se tivermos essas<br />

condições em parâmetros de normalidade<br />

e se tivermos essas condições acima <strong>dos</strong><br />

parâmetros de normalidade, melhores<br />

condições, maiores potencialidades temos<br />

para bem os servir. Portanto, esse é <strong>um</strong><br />

apelo que deixo, porque se discutimos o<br />

modelo de <strong>gestão</strong>, também temos de<br />

discutir, inerentemente, as condições em<br />

que é exercido.<br />

Relativamente à qualidade por contraponto<br />

à quantidade, eu pessoalmente penso que<br />

ambas estão necessariamente associa<strong>das</strong><br />

e qualquer avaliação que eu tenha de<br />

fazer, tenho de ter em conta esses dois<br />

vectores.<br />

Na justiça, temos em conta isso mesmo,<br />

com a preocupação, no nosso trabalho, de<br />

atender à produtividade mas também à<br />

qualidade do que fazemos e ser autocríticos<br />

<strong>sobre</strong> o que fazemos.<br />

Volto a dizer, <strong>um</strong>a <strong>das</strong> grandes<br />

virtualidades deste novo modelo é<br />

possibilitar <strong>um</strong> espírito dentro de <strong>um</strong>a<br />

equipa – ele pode funcionar bem e pode<br />

funcionar mal, como é óbvio, porque como<br />

já se disse, nem tudo são rosas – mas<br />

potencia justamente o dizer-se que o<br />

modelo de <strong>gestão</strong> não está pensado só<br />

porque existe <strong>um</strong> juiz presidente, <strong>um</strong><br />

administrador, juízes coordenadores ou <strong>um</strong><br />

procurador coordenador, <strong>um</strong>a vez que<br />

to<strong>dos</strong> os intervenientes que fazem parte da<br />

área territorial do tribunal de comarca farão<br />

parte deste modelo de <strong>gestão</strong>.<br />

Ora, eu não consigo fazer a <strong>gestão</strong><br />

Anexo 293


processual se não tiver a colaboração de<br />

todo e qualquer colega, como não consigo<br />

fazer a <strong>gestão</strong> do que é a planificação de<br />

<strong>um</strong>a unidade orgânica de secretaria se não<br />

tiver a colaboração <strong>dos</strong> funcionários, do<br />

administrador, do procurador coordenador,<br />

etc.<br />

Portanto, a grande virtualidade é<br />

justamente criar este espírito de equipa e<br />

que toda a gente participe neste modelo.<br />

Quando falamos aqui <strong>das</strong> competências do<br />

juiz presidente, ele será talvez o topo da<br />

pirâmide desta estrutura intermédia mas o<br />

importante, na realidade, é a articulação<br />

disto tudo, para entroncar na questão da<br />

qualidade que é justamente isso,<br />

esperamos qualidade quando motivamos<br />

os outros para determina<strong>dos</strong> objectivos que<br />

não são apenas quantitativos mas também<br />

qualitativos.<br />

Dada a possibilidade, volto a repetir, a<br />

flexibilidade é essencial, pois por maior que<br />

seja a área geográfica há sempre solução.<br />

Mais, no dia-a-dia constatamos que as<br />

pessoas estão cada vez mais abertas para<br />

a flexibilidade. Não to<strong>das</strong> e podemos ser<br />

to<strong>dos</strong> muito críticos quanto a ela. Mas, a<br />

questão é: existe ou não? Porque se não<br />

existe, mais <strong>um</strong>a vez não temos <strong>um</strong> meio<br />

de <strong>gestão</strong>.<br />

Relativamente à questão colocada da<br />

possibilidade de o juiz presidente ter<br />

competência para decidir conflitos de<br />

competência no âmbito territorial da<br />

comarca, é <strong>um</strong>a questão mais complexa.<br />

Não sei se seria bem encarado o facto de,<br />

no fundo, estarmos inter pares a decidir<br />

essa situação e a situação não ser<br />

submetida, como é hoje, a apreciação<br />

superior.<br />

S17<br />

Bom, mas não é inter pares porque os<br />

senhores são juízes presidentes, há <strong>um</strong><br />

ónus adicional no exercício dessa função.<br />

294<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO<br />

S7<br />

Com inter pares quero dizer, por exemplo,<br />

(…), somos juízes de círculo, e (…) juiz<br />

desembargador. Ora, estamos habitua<strong>dos</strong><br />

a subir, a submeter a apreciação superior.<br />

S17<br />

Sim, mas o facto de estarmos habitua<strong>dos</strong> a<br />

esse tipo de <strong>gestão</strong> processual, e se<br />

estamos a evoluir n<strong>um</strong> modelo de <strong>gestão</strong><br />

diferente, não poderíamos superar e<br />

ultrapassar, passar para outro patamar?<br />

S7<br />

A minha resposta é a seguinte:<br />

poderíamos, eventualmente, poderíamos.<br />

Simplesmente a questão que se coloca em<br />

retorno é se será que tal será bem aceite?<br />

S17<br />

Na minha perspectiva, se é bem aceite ou<br />

não, é questão que se deve colocar. O que<br />

se deve colocar é em termos de eficiência<br />

do serviço para evitar que o cidadão, como<br />

hoje, fique seis, sete, oito, nove ou dez<br />

meses à espera da solução do caso,<br />

enquanto que teria ali <strong>um</strong> expediente<br />

eficiente e rápido de solucionar.<br />

S6<br />

Gostaria de responder à pergunta. Penso<br />

que será relativamente indiferente que<br />

tenha essa competência ou não. O que me<br />

aprece mais grave é que haja vinte<br />

processos com a mesma situação e em<br />

to<strong>dos</strong> eles tenha de seguir <strong>um</strong>a<br />

determinada tramitação. Porque seja no


tribunal da Relação ou ao nível do juiz<br />

presidente o problema é o mesmo.<br />

Tivemos <strong>um</strong>a situação na comarca (…), de<br />

quinze processos que tinham <strong>um</strong>a situação<br />

que eu entendi ser de competência e que a<br />

colega entendeu que seria eu a decidir por<br />

ser de distribuição. Veio o primeiro<br />

processo e, resolvida essa questão, não foi<br />

suscitada a questão nos restantes<br />

processos, porque entendeu que a questão<br />

ficava resolvida com aquele primeiro. Ou<br />

seja, a eficiência talvez resulte de nós<br />

termos outros mecanismos que não nos<br />

façam andar a repetir as mesmas<br />

situações, com actos inúteis, em vários<br />

processos em que já se sabe que vão ser<br />

decidi<strong>dos</strong> exactamente da mesma forma.<br />

Não me choca que se decidam os conflitos<br />

de competência ao nível do juiz presidente.<br />

Se calhar os próprios conflitos é que<br />

deveriam ser mais fáceis de resolver.<br />

S8<br />

Vou gastar apenas <strong>um</strong> minuto para<br />

agradecer o convite, a amabilidade de ter<br />

cá estado. C<strong>um</strong>primento to<strong>dos</strong> os<br />

presentes, os membros da mesa, e a to<strong>dos</strong><br />

desejo as maiores felicidades e que o ano<br />

corra tão bem como começou, esperando<br />

que tenha começado bem. Agradeço<br />

também ao senhor sociólogo que está lá ao<br />

fundo e responder-lhe-ei quanto à questão<br />

<strong>das</strong> faltas <strong>dos</strong> funcionários. Eu tenho muito<br />

respeito por quem está doente, não ponho<br />

em causa isso, respeito <strong>um</strong>a sociedade de<br />

bem-estar e que as pessoas doentes<br />

tenham o melhor tratamento possível e<br />

estejam ausentes o tempo necessário para<br />

reparar a saúde. Apenas me referi a essas<br />

faltas como maneira de me justificar<br />

quando peço funcionários, porque n<strong>um</strong>a<br />

situação em que os recursos são escassos,<br />

tenho de justificar que essas pessoas<br />

faltando não estão ao serviço, e este tem<br />

de ser c<strong>um</strong>prido, tenho de as substituir<br />

para assegurar o serviço prestado ao<br />

cidadão.<br />

Também não ponho em causa que o<br />

avaliador seja avaliado. Passei a vida toda<br />

a ser avaliado e continuo a sê-lo, pela<br />

sociedade, pelos senhores advoga<strong>dos</strong>,<br />

pelo sistema.<br />

(…), acho sem dúvida <strong>um</strong> passo<br />

importantíssimo na decisão <strong>dos</strong> conflitos de<br />

jurisdição. Tenho, concretamente, <strong>um</strong> caso<br />

na comarca, em que escusava de estar a<br />

prender os <strong>tribunais</strong> da Relação e o próprio<br />

Supremo Tribunal Administrativo com<br />

centenas de processos. O juiz presidente<br />

poderia intervir, sim, e os processos<br />

acabariam ali mesmo e em tempo útil, o<br />

mesmo prosseguiria a bem <strong>das</strong> pessoas e<br />

da justiça. Mais <strong>um</strong>a vez agradeço.<br />

OPJ<br />

Obrigada senhor Dr. Antes de passar a<br />

palavra (…), aproveito para agradecer<br />

muito a to<strong>dos</strong> que aqui intervieram, aos<br />

membros da mesa, a to<strong>dos</strong> que intervieram<br />

e colocaram questões. O sucesso deste<br />

seminário deve-se a vós.<br />

S3<br />

Serei muito breve. Esta foi seguramente a<br />

primeira reunião de avaliação <strong>das</strong> três<br />

<strong>comarcas</strong> piloto. (…).<br />

Nós sabemos que temos <strong>um</strong>a organização<br />

judiciária com 200 anos mas sabemos<br />

também que esta organização judiciária<br />

pode durar outros 200 anos e, portanto,<br />

não é fácil e também não foi completa hoje<br />

– e não me levem a mal – a avaliação feita.<br />

A primeira avaliação que tem de ser feita é<br />

saber se aquilo que foi projectado e o que<br />

foi realizado coincide. Saber se o Estado<br />

tem ou não meios para concretizar tudo o<br />

mais, rapidamente e de <strong>um</strong>a só vez. Saber<br />

Anexo 295


se temos também os mecanismos<br />

processuais adequa<strong>dos</strong> para poder pôr<br />

tudo de pé de <strong>um</strong>a só vez e saber se a<br />

eficácia da justiça resulta desta<br />

organização judiciária.<br />

Há coisas que não foram ditas - e vão ter<br />

de ser - onde de facto o poder político vai<br />

ter de avaliar. E esta indagação não é junto<br />

<strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>, nós não avaliamos<br />

magistra<strong>dos</strong> nem funcionários. Isto é,<br />

avaliamos sim aquilo que estava projectado<br />

e aquilo que foi realizado. E essa avaliação<br />

vai ter de ser feita.<br />

É <strong>um</strong> bom caminho, o <strong>das</strong> grandes<br />

<strong>comarcas</strong>, mas para ser trilhado com<br />

consequência, eficácia e meios h<strong>um</strong>anos e<br />

materiais é preciso saber se o que foi<br />

idealmente gizado em termos ideais<br />

coincide ou não com o que está a ser<br />

concretizado na prática.<br />

Ora, eu não vi aqui nenh<strong>um</strong>a intervenção<br />

nem nenh<strong>um</strong>a alusão à advocacia, nem<br />

<strong>dos</strong> cidadãos <strong>sobre</strong> o modo como sentem<br />

esta reforma e isso tem de ser feito<br />

também. Isto é, temos aqui problemas <strong>dos</strong><br />

magistra<strong>dos</strong>, da formação, da organização,<br />

de método, de financiamento, mas também<br />

teremos o da advocacia e <strong>dos</strong> cidadãos<br />

que recorrem aos <strong>tribunais</strong>. Por isso, essa<br />

ponte que é feita entre os cidadãos e o<br />

Estado, que é feita pela advocacia, tem de<br />

ser aqui também devidamente assegurada<br />

e não foi. Logo, vamos ter de o fazer.<br />

Portanto eu vou pedir a to<strong>dos</strong> os senhores<br />

magistra<strong>dos</strong> que façam esta avaliação<br />

muito rigorosa, porque de facto, o<br />

Ministério da Justiça vai-lhes solicitar<br />

veementemente que essa avaliação se<br />

faça nestes termos, porque estamos aqui<br />

para optimizar o serviço da justiça, dar-lhe<br />

consequência, e para lhe dar eficácia e<br />

dignidade. Isto porque, de facto, ainda há<br />

dias recebemos <strong>um</strong>a organização<br />

empresarial no Ministério que nos trouxe<br />

<strong>um</strong>a avaliação de todo o mundo da justiça<br />

296<br />

em que nós, homens e mulheres da justiça,<br />

estávamos abaixo <strong>dos</strong> políticos. Ora, é<br />

dramático ouvir isto, ouvir que nós, as<br />

pessoas do judiciário, estamos abaixo <strong>dos</strong><br />

agentes políticos em termos de<br />

representação social, isto tem de ser<br />

ultrapassado rapidamente.<br />

A função que tenho no Ministério da Justiça<br />

é fazer este apelo a to<strong>dos</strong>, seja qual for o<br />

papel que desempenhem dentro do<br />

tribunal, que é fazer-nos chegar respostas<br />

<strong>sobre</strong> o modo de resolver estes problemas.<br />

Este novo mapa judiciário e estas três<br />

<strong>comarcas</strong> piloto são, de facto, matriciais<br />

para nós, para o nosso país nas próximas<br />

déca<strong>das</strong> ou até, quem sabe, para a<br />

próxima centúria, pelo que é necessário<br />

muita cautela porque se este modelo<br />

soçobrar será <strong>um</strong> desastre! Este modelo<br />

não pode soçobrar, mas para o<br />

encaminharmos para o sucesso, como<br />

disse, temos de ter muita cautela e<br />

precisão relativamente a pessoas,<br />

méto<strong>dos</strong>, critérios ou recursos h<strong>um</strong>anos e<br />

financeiros.<br />

Agradeço a to<strong>dos</strong>, sinceramente, porque fui<br />

alertado para realidades que desconhecia,<br />

e a Dra Conceição Gomes sabe porque<br />

discutimos muito e conhece as reticências<br />

que tinha em relação a este concreto<br />

mapa. O modelo já está fixado, pelo que<br />

agora há que dar o salto qualitativo e para<br />

tanto o apelo é para que se faça a<br />

avaliação ao que foi feito e que foi<br />

projectado e como é que vamos concretizar<br />

o futuro desta organização judiciária.<br />

Muito obrigado a to<strong>dos</strong>. Peço desculpa pelo<br />

que disse, mas tinha que o dizer, tinha de<br />

ser sincero com esta audiência tão delicada<br />

e responsável e com a qual muito aprendi.<br />

OPJ<br />

Muito obrigada a to<strong>dos</strong>.<br />

A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />

PILOTO

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