a gestão dos tribunais: um olhar sobre a experiência das comarcas ...
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A GESTÃO NOS TRIBUNAIS<br />
Um <strong>olhar</strong> <strong>sobre</strong> a <strong>experiência</strong><br />
<strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto<br />
Boaventura de Sousa Santos<br />
Director Científico<br />
Conceição Gomes (coord.)<br />
Élida Santos<br />
Marina Henriques<br />
Diana Fernandes<br />
Tiago Ribeiro<br />
Março 2010
Relatório em realização do contrato de prestação de serviços celebrado entre o<br />
Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais/Observatório Permanente da Justiça Portuguesa e a<br />
Direcção-Geral de Administração da Justiça.<br />
Boaventura de Sousa Santos<br />
Director Científico<br />
Consultores<br />
Conceição Gomes (coord.)<br />
Élida Santos<br />
Marina Henriques<br />
Diana Fernandes<br />
Tiago Ribeiro<br />
Daniel Costa – Administrador Judiciário da Comarca Grande Lisboa-Noroeste<br />
José Morais – Especialista em controlo de <strong>gestão</strong> e engenharia de qualidade<br />
José Mouraz Lopes – Juiz Desembargador<br />
Luís Azevedo Mendes – Juiz Desembargador<br />
Margarida Mano – Professora da FEUC<br />
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS<br />
UNIVERSIDADE DE COIMBRA<br />
MARÇO 2010
ÍNDICE<br />
1 Introdução geral ....................................................................................................... 16<br />
Nota metodológica .................................................................................................. 24<br />
2 Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas ..................... 30<br />
Introdução ............................................................................................................... 30<br />
2.1 As abordagens clássicas................................................................................... 31<br />
2.2 O modelo burocrático e a modernidade organizacional ..................................... 33<br />
2.3 A perda da centralidade do modelo burocrático e a emergência de novos<br />
paradigmas ............................................................................................................. 37<br />
2.3.1 Da escola <strong>das</strong> relações h<strong>um</strong>anas às abordagens manageriais .................. 37<br />
2.4 As teorias manageriais ...................................................................................... 39<br />
2.5 O conceito de governação e as novas abordagens organizacionais ................. 42<br />
2.6 Dos conceitos de qualidade e de excelência: breve abordagem ....................... 49<br />
3 Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong> medi<strong>das</strong> gestionárias:<br />
da qualidade à excelência .......................................................................................... 56<br />
3.1 A qualidade no judiciário: a discussão em torno de alg<strong>um</strong>as componentes ...... 60<br />
3.2 Da qualidade à excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> ........................................................... 67<br />
4 A nova secretaria judicial em Espanha .................................................................... 74<br />
4.1 Breve contextualização da reforma ................................................................... 76<br />
4.2 O novo modelo de secretaria judicial: principais características ........................ 79<br />
4.2.1 Estrutura da nova secretaria judicial ........................................................... 80<br />
4.3 Recursos h<strong>um</strong>anos ........................................................................................... 86<br />
4.3.1 Os funcionários judiciais ............................................................................. 90<br />
4.4 Alguns problemas ............................................................................................. 92<br />
5 A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
................................................................................................................................... 96<br />
5.1 A preparação da reforma .................................................................................. 98
5.2 A governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>: entre a centralização e a proximidade ................ 103<br />
5.3 As potencialidades da nova lei de organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>: <strong>gestão</strong><br />
integrada e de proximidade ................................................................................... 119<br />
5.4 O novo modelo de <strong>gestão</strong> e os desafios da diversidade organizacional .......... 124<br />
5.5 Dinâmicas de governação no âmbito da articulação de competências entre as<br />
diversas entidades ................................................................................................ 137<br />
5.5.1. Gestão de recursos h<strong>um</strong>anos.................................................................. 138<br />
5.5.2 Gestão financeira ..................................................................................... 151<br />
5.5.3 Gestão do património e <strong>das</strong> infra-estruturas ............................................. 156<br />
5.5.4 Gestão da informação .............................................................................. 160<br />
6 Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho ..................... 168<br />
6.1 O impacto do modelo de <strong>gestão</strong> da nova LOFTJ nas rotinas e méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> ............................................................................................ 169<br />
6.2 Instr<strong>um</strong>entos de <strong>gestão</strong> ................................................................................... 176<br />
6.3 Rupturas e continuidades nas rotinas de funcionamento do sistema .............. 178<br />
7 Conclusões e Recomendações ............................................................................. 194<br />
7.1 Conclusões ..................................................................................................... 194<br />
7.2 Recomendações principais ............................................................................. 215<br />
Recomendações gerais relativas à reforma do mapa e da organização judiciária . 217<br />
Recomendações que visam criar capacitação gestionária ao nível do tribunal de<br />
comarca ................................................................................................................ 222<br />
Recomendações no âmbito da <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos ............................... 225<br />
Recomendações no âmbito da informatização ...................................................... 229<br />
Recomendações no âmbito da organização interna e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho ... 232<br />
8 Referências bibliográficas ...................................................................................... 240<br />
Anexo<br />
Seminário “Para <strong>um</strong> novo judiciário: transformações na organização interna e nos<br />
méto<strong>dos</strong> de trabalho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>” ........................................................................... 249
LISTA DE ACRÓNIMOS<br />
AIJA – Australian Institute of Judicial<br />
Administration<br />
APM – Associação Profissional da<br />
Magistratura<br />
CEPEJ – Comissão Europeia para a<br />
Eficiência da Justiça<br />
CES – Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais<br />
CFFJ – Centro de Formação <strong>dos</strong><br />
Funcionários de Justiça<br />
CGPJ – Conselho Geral do Poder Judicial<br />
COJ – Conselho <strong>dos</strong> Oficiais de Justiça<br />
CQI – Continuous Quality Improvement<br />
CSM – Conselho Superior de Magistratura<br />
DGAJ – Direcção-Geral de Administração<br />
da Justiça<br />
EADJ – Escrivão Adjunto<br />
EAUX – Escrivão Auxiliar<br />
ED – Escrivão de Direito<br />
EFQM – European Foundation for Quality<br />
Management<br />
ENCJ – European Network of Councils for<br />
the Judiciary<br />
EQA – European Quality Award<br />
ICCE – International Consorti<strong>um</strong> for Court<br />
Excellence<br />
IFCE – International Framework for Court<br />
Excellence<br />
IGFIJ – Instituto de Gestão Financeira e de<br />
Infra-estruturas da Justiça<br />
ITIJ – Instituto <strong>das</strong> Tecnologias de<br />
Informação na Justiça<br />
JUSE – Japanese Union of Scientists and<br />
Engineers<br />
LOFTJ – Lei de Organização e<br />
Funcionamento <strong>dos</strong> Tribunais Judiciais<br />
LOPJ – Lei Orgânica do Poder Judicial<br />
MBNQA – Malcolm Baldrige Award<br />
MP – Ministério Público<br />
NCSC – National Center for State Courts<br />
OPJ – Observatório Permanente da Justiça<br />
Portuguesa<br />
SATURN – Study and Analysis of Judicial<br />
Time Research Network<br />
SCE – Serviço Com<strong>um</strong> de Execuções<br />
SCG – Serviço Com<strong>um</strong> Geral<br />
SCOP – Serviço Com<strong>um</strong> de Ordenação do<br />
Processo<br />
SCP – Serviço Com<strong>um</strong> Processual<br />
SQSP – Sistema de Qualidade em Serviços<br />
Públicos<br />
TCPS – Trial Court Performance Standards<br />
TQM – Total Quality Management<br />
UA – Unidade Administrativa<br />
UPAD – Unidade Processual de Apoio<br />
Directo<br />
UPSJ – União Progressista de Secretários<br />
Judiciais
AGRADECIMENTOS<br />
O presente estudo, realizado pelo Observatório Permanente da Justiça<br />
Portuguesa do Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais da Universidade de Coimbra, foi<br />
solicitado pela Direcção-Geral da Administração da Justiça e tem como objecto<br />
central a análise do impacto do modelo de <strong>gestão</strong> introduzido com a nova<br />
reforma do mapa e da organização judiciária na organização e funcionamento<br />
interno <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />
Com a entrada em vigor daquela reforma, em Abril de 2009, Portugal, à<br />
semelhança de outros países, ass<strong>um</strong>e que as medi<strong>das</strong> gestionárias<br />
desempenham <strong>um</strong> papel central na política pública de justiça no sentido da<br />
consolidação de <strong>um</strong> sistema judiciário com mais qualidade e mais eficiência.<br />
Esta é, contudo, <strong>um</strong>a perspectiva recente da política de justiça, a desenvolver-<br />
se n<strong>um</strong> contexto em que a reflexão, entre nós, é, ainda, escassa, pouco<br />
aprofundada e restrita.<br />
A análise que se apresenta neste relatório é <strong>um</strong>a análise precursora –<br />
necessariamente limitada, porque circunscrita ao modelo de <strong>gestão</strong> – e<br />
contribui para a produção de conhecimento <strong>sobre</strong> esta matéria tendo em vista,<br />
<strong>sobre</strong>tudo, a necessária reflexão e avaliação que o período experimental da lei<br />
exige antes do seu alargamento a outras <strong>comarcas</strong>. A via experimental, que a<br />
reforma do mapa e da organização judiciária seguiu, só fará verdadeiramente<br />
sentido se incorporar <strong>um</strong> exigente programa de monitorização e de avaliação<br />
em to<strong>das</strong> as suas vertentes. Se assim não for, não é possível consolidar boas
práticas, aperfeiçoar ou alterar efeitos perversos e dificilmente serão<br />
alcança<strong>dos</strong> ganhos que contribuam para <strong>um</strong>a verdadeira alteração estrutural<br />
do sistema judicial para a qual a reforma do mapa judiciário poderia<br />
decisivamente contribuir.<br />
Como escrevemos em estudo anterior (OPJ, 2006), não seria expectável<br />
que a reforma do mapa e da organização judiciária resolvesse, só por si, to<strong>dos</strong><br />
os bloqueios e problemas com que se confronta o sistema judiciário. Mas, se<br />
integrada n<strong>um</strong>a agenda estratégica mais vasta de reforma, não só poderia<br />
contribuir, de forma decisiva, para a sua solução, como poderia ser mesmo a<br />
alavanca desse processo. A avaliação do período experimental da reforma é,<br />
por isso, crucial para <strong>um</strong>a melhor definição <strong>dos</strong> pontos dessa agenda<br />
estratégica.<br />
A complexidade da matéria abordada neste relatório convoca, para além<br />
de <strong>um</strong> aprofundado conhecimento da prática, <strong>um</strong>a abordagem multidisciplinar.<br />
Daí que, para a produção analítica deste estudo foi fundamental a prestimosa<br />
colaboração, não só <strong>dos</strong> consultores, mas também <strong>dos</strong> diferentes actores do<br />
sistema judicial. Sem essa cooperação alargada não seria possível levar a<br />
cabo esta reflexão e análise. Queremos, assim, acentuar, n<strong>um</strong>a nota geral, o<br />
quanto estamos a to<strong>dos</strong> profundamente gratos. A riqueza <strong>dos</strong> contributos exige<br />
que, pública e individualmente, se dê conta deles.<br />
Um primeiro agradecimento é devido à Direcção-Geral da Administração<br />
da Justiça pela confiança depositada no Observatório Permanente da Justiça<br />
Portuguesa e nesta equipa de investigadores para a realização de <strong>um</strong> estudo<br />
desta natureza.<br />
Aos senhores magistra<strong>dos</strong> e funcionários que manifestaram a sua<br />
disponibilidade para participarem no painel de discussão, para serem<br />
entrevista<strong>dos</strong> e para nos auxiliarem na observação que levámos a cabo nos<br />
juízos queremos deixar <strong>um</strong>a especial palavra de agradecimento.<br />
Deixamos aqui o nosso reconhecido agradecimento, pela disponibilidade<br />
para participarem no painel de discussão, aos senhores juízes presidente <strong>das</strong>
<strong>comarcas</strong> piloto: Dra. Ana Azeredo Coelho, Dra. Maria João Santos e Dr. Paulo<br />
Brandão, bem como às senhoras procuradoras coordenadoras <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong><br />
Grande Lisboa-Noroeste e Baixo Vouga, Dra. Paula Figueiredo e Dra. Maria<br />
José Bandeira.<br />
Agradecemos, também, aos senhores administradores judiciários <strong>das</strong><br />
<strong>comarcas</strong> piloto, Daniel Costa, Júlio Almeida e Vítor Mendes.<br />
Aos senhores magistra<strong>dos</strong> judiciais e do Ministério Público e<br />
funcionários judiciais, que connosco colaboraram nas entrevistas, e que de<br />
seguida se identificam, deixamos também o nosso reconhecido agradecimento.<br />
São eles:<br />
Magistra<strong>dos</strong> judiciais: Fernando de Jesus Monteiro; Isabel Palma<br />
Calado, Joaquim Manuel da Silva, Mafalda Faria Pestana e Teresa Carla Faria<br />
de Brito.<br />
Magistra<strong>dos</strong> do Ministério Público: Antónia Soares, Carlos Azevedo,<br />
Henrique Novo e Judite Resende.<br />
Jerónimo.<br />
Secretárias de justiça: Fátima Pequito, Filomena Constantino e Manuela<br />
Escrivães de direito: António Tavares, Elisabete Direito, Fátima Varela,<br />
Lucília Matos e Maria João Gonçalves.<br />
Escrivães adjuntos: Adélia Macela, Celeste Nunes, Elisabete Fortes,<br />
Joaquim Salvador, José Rigal, Luciana Peixoto, Pedro Batista, Rosa Gomes e<br />
Vítor Costa.<br />
Escrivães auxiliares: Cristina Godinho, Elisabete Martins, Helena<br />
Mendes, Isabel Rodrigues, João Gomes, João Lopes, José Dinis, Madalena<br />
Pereira, Miguel Candeias, Patrícia Machado, Paula Parente, Paulo Santos,<br />
Paulo Teixeira e Telmo Figueiredo.<br />
Ao Doutor Ignacio Colomer e ao Doutor Luís Martín Contreras , que com<br />
grande entusiasmo aceitaram o nosso convite, queremos agradecer os
contributos que trouxeram para esta discussão, não só no seminário realizado<br />
no âmbito deste estudo 1 , mas também na reunião científica que se lhe seguiu.<br />
Queremos, ainda, realçar o seu esforço em darem <strong>um</strong> testemunho objectivo e<br />
alargado <strong>dos</strong> diferentes aspectos da reforma da nova secretaria judicial em<br />
Espanha. Aquela reunião científica beneficiou, ainda, da participação <strong>dos</strong><br />
nossos consultores, bem como do Dr. Nuno Coelho e da Doutora Teresa Carla<br />
Oliveira, a quem deixamos aqui o nosso reconhecimento.<br />
Apresentamos em anexo a transcrição do seminário Para <strong>um</strong> novo<br />
Judiciário: Transformações na Organização Interna e nos Méto<strong>dos</strong> de Trabalho<br />
<strong>dos</strong> Tribunais. Consideramos que importantes aspectos da reforma foram aí<br />
discuti<strong>dos</strong> e tal deveu-se, <strong>sobre</strong>tudo, à qualidade da reflexão trazida pelos seus<br />
oradores. Queremos, por isso, salientar a intervenção do senhor Secretário de<br />
Estado da Justiça, Dr. João Correia, <strong>dos</strong> senhores juízes presidentes <strong>das</strong> três<br />
<strong>comarcas</strong> piloto, do Engenheiro José Morais, da Doutora Margarida Mano, do<br />
Doutor Ignacio Colomer e do Doutor Luís Martín Contreras.<br />
Para além da intervenção <strong>dos</strong> oradores, deve ser destacada a<br />
participação da audiência (cerca de 70 pessoas) constituída, <strong>sobre</strong>tudo, por<br />
operadores judiciários, mas também por outras profissões relaciona<strong>das</strong> directa<br />
ou indirectamente com o sistema de justiça, o que enriqueceu decisivamente o<br />
debate. A sua disponibilidade para, n<strong>um</strong>a sexta-feira à tarde por largas horas,<br />
participarem n<strong>um</strong>a reflexão <strong>sobre</strong> esta temática merece ser relevada.<br />
A intervenção <strong>dos</strong> nossos consultores, em vários momentos ao longo<br />
1 O Seminário “Para <strong>um</strong> novo judiciário: transformações na organização interna e nos méto<strong>dos</strong><br />
de trabalho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>” foi realizado em 8 de Janeiro de 2010 no Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais,<br />
e contou com a participação do Sr. Secretário de Estado da Justiça, Dr. João Correia; Doutor<br />
Ignacio Colomer (professor de Direito Processual na Universidade Pablo de Olavide de<br />
Sevilha) e Doutor Luis Martín Contreras (Secretário Gestor da Audiência Nacional), ambos<br />
dando conta da <strong>experiência</strong> da nova secretaria judicial em Espanha; bem como da Sra. Juíza<br />
Presidente da Comarca Grande Lisboa-Noroeste, Dra. Ana Azeredo Coelho; da Sra. Juíza<br />
Presidente da Comarca Alentejo Litoral, Dra. Maria João Santos; do Sr. Juiz Presidente da<br />
Comarca Baixo Vouga, Dr. Paulo Brandão; da Doutora Margarida Mano e do Engenheiro José<br />
Morais, especialistas nas questões relativas à <strong>gestão</strong> e à qualidade nas organizações.
deste trabalho, foi essencial. Queremos, por isso, deixar aqui <strong>um</strong><br />
agradecimento muito especial aos consultores deste estudo: Daniel Costa,<br />
José Morais, José Mouraz Lopes, Luís Azevedo Mendes e Margarida Mano. Ao<br />
Sr. Daniel Costa queremos, ainda, agradecer o seu inexcedível apoio no<br />
trabalho de campo e a fundamental ajuda na interpretação de alguns da<strong>dos</strong><br />
empíricos. Ao Dr. Luís Azevedo Mendes, queremos agradecer a sua<br />
colaboração na revisão <strong>dos</strong> organogramas que integram este relatório. À<br />
Doutora Margarida Mano, <strong>um</strong> agradecimento singular é também devido pela<br />
sua colaboração com <strong>um</strong> texto que integra o ponto 2.6 deste relatório.<br />
Além da equipa de investigação, este trabalho contou, em vários<br />
momentos, com o apoio <strong>dos</strong> Drs. Alexandra Silva, Carla Soares, Catarina<br />
Trincão, Fátima Antunes, Fátima de Sousa, Marta Cancela, José Borges Reis e<br />
Paula Fernando.
INTRODUÇÃO GERAL<br />
1
1 INTRODUÇÃO GERAL<br />
16<br />
O contexto social do exercício <strong>das</strong> funções <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> sofreu<br />
profun<strong>das</strong> alterações ao longo <strong>das</strong> últimas déca<strong>das</strong>, designadamente, no<br />
Estado, na sociedade e na economia, alterando significativamente o vol<strong>um</strong>e e o<br />
perfil da procura judiciária, com consequências nas condições da relação <strong>dos</strong><br />
cidadãos com o sistema de justiça. A perda de centralidade do Estado como<br />
garante de direitos fundamentais e de direitos sociais constitucionalmente<br />
consagra<strong>dos</strong> – o que tem levado o judiciário a expandir-se para áreas que<br />
tradicionalmente se situavam na esfera <strong>dos</strong> poderes executivo e legislativo –, a<br />
crise de legitimação <strong>dos</strong> poderes executivo e legislativo, a alta exposição<br />
pública e a mediatização da justiça e de muitos <strong>dos</strong> seus agentes são factores<br />
que colocam novos e exigentes desafios ao poder judicial para os quais, não só<br />
não estava preparado, como tem mostrado especiais dificuldades em se<br />
preparar.<br />
Essa preparação não depende exclusivamente do próprio judiciário,<br />
como, aliás, se verá ao longo deste relatório. No nosso sistema de governação<br />
da justiça, os recursos financeiros, materiais e, nalguns casos, h<strong>um</strong>anos, que<br />
suportam a acção do sistema judicial globalmente considerado dependem, na<br />
sua maioria, do poder executivo. Também da acção do poder político depende<br />
a verificação de outras condições com impacto decisivo na qualidade e<br />
eficiência do desempenho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, como, por exemplo, perícias,<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
einserção social ou segurança social. Destaca-se, ainda, o recrutamento e a<br />
formação <strong>dos</strong> agentes judiciais.<br />
Vários estu<strong>dos</strong> do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa 2<br />
mostram como o desempenho do sistema judicial, no que se refere à qualidade<br />
e à eficácia depende, em muitos casos, de igual qualidade e eficácia de<br />
resposta de outros serviços do Estado. As limitações relativas à capacidade<br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, isto é, os recursos de que dispõem para levar a cabo eficazmente<br />
a política judiciária, n<strong>um</strong> contexto de maior exposição e vulnerabilidade à<br />
pressão social coloca-os n<strong>um</strong> dilema que deveria levar o sistema judicial, se<br />
não quer continuar a perder legitimidade social, a <strong>um</strong>a profunda reflexão <strong>sobre</strong><br />
o seu papel sociopolítico.<br />
Ainda que os <strong>tribunais</strong> judiciais não sejam a única via para a efectivação<br />
de direitos, nas sociedades modernas são instr<strong>um</strong>entos centrais da qualidade<br />
da democracia, dado o papel que desempenham na garantia de direitos<br />
sociais, no combate à corrupção ou na resolução de conflitos <strong>dos</strong> cidadãos e<br />
<strong>das</strong> empresas. O impacto social destes conflitos evidencia a função simbólica<br />
exercida pelos <strong>tribunais</strong> face à garantia da cidadania e à transparência do<br />
sistema político. As reformas da justiça, quer na sua concepção, quer na sua<br />
execução, devem considerar essa essencialidade do papel <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> na<br />
configuração do sistema político.<br />
As reformas da justiça, inicialmente centra<strong>das</strong> em soluções de carácter<br />
processual – visando, <strong>sobre</strong>tudo, a simplificação <strong>das</strong> leis processuais – e no<br />
apetrechamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> com mais recursos h<strong>um</strong>anos e mais infra-<br />
estruturas, mostraram a sua insuficiência em responder satisfatoriamente à<br />
procura judicial e às expectativas <strong>dos</strong> cidadãos <strong>sobre</strong> a justiça, levando os<br />
governos a apostar, por <strong>um</strong> lado, em soluções de desprofissionalização e<br />
desjudicialização <strong>dos</strong> meios de resolução <strong>dos</strong> conflitos. Por outro lado, passou<br />
a investir-se n<strong>um</strong>a vertente de reforma tecnocrática da justiça, o que inclui o<br />
2 Por exemplo, no âmbito da justiça penal, ver OPJ (2009).<br />
Introdução geral 17
aprofundamento da reflexão em torno <strong>das</strong> questões da qualidade, da eficiência<br />
e da eficácia <strong>dos</strong> sistemas de justiça, colocando na agenda política as reformas<br />
da organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> judiciais.<br />
18<br />
No contexto europeu, as reformas que visam o reforço da capacidade de<br />
organização 3 e <strong>gestão</strong> da justiça tornaram-se apostas centrais <strong>das</strong> agen<strong>das</strong> de<br />
reforma em muitos países e integram recomendações do Conselho da Europa,<br />
designadamente, no âmbito <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho, da <strong>gestão</strong> de recursos e<br />
da melhor articulação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> com os serviços complementares da justiça.<br />
Apesar do relativo consenso, entre nós, quanto à essencialidade destas<br />
reformas, reconhecendo-se que o défice de organização, <strong>gestão</strong> e<br />
planeamento do sistema judicial é responsável por grande parte da ineficiência<br />
e ineficácia do seu desempenho funcional, a reflexão <strong>sobre</strong> esta matéria é<br />
reduzida 4 . A tal facto não é alheia a reconhecida carência de formação e de<br />
profissionalização no âmbito <strong>das</strong> áreas de administração e <strong>gestão</strong> de <strong>tribunais</strong>,<br />
o que introduz na governação do sistema judicial <strong>um</strong> factor permanente de<br />
limitação e incapacidade, dificultando, não só a eficácia <strong>das</strong> reformas, mas,<br />
também, suscitando lógicas de actuação pouco informa<strong>das</strong> e consolida<strong>das</strong> e,<br />
por vezes, adversas aos seus objectivos.<br />
O Observatório Permanente da Justiça tem procurado promover e trazer<br />
para a agenda sociopolítica os temas da organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>,<br />
quer através da produção destes estu<strong>dos</strong>, quer de outras acções de natureza<br />
formativa, quer, ainda, através da participação de seus membros em estu<strong>dos</strong><br />
compara<strong>dos</strong> de âmbito europeu e de actividades em rede <strong>sobre</strong> esta matéria.<br />
O objectivo é contribuir para a densificação do conhecimento <strong>sobre</strong> estes<br />
temas através de <strong>um</strong>a análise teórico-analítica em torno <strong>dos</strong> paradigmas da<br />
eficiência, qualidade e excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, destacando a centralidade <strong>das</strong><br />
3 Sobre as reformas do mapa e da organização judiciária na <strong>experiência</strong> comparada, ver OPJ<br />
(2006). Sobre os modelos de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, Ver estudo OPJ (2001, 2006 e 2008).<br />
4 A este propósito, cf., entre outros, Coelho (2008).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
medi<strong>das</strong> gestionárias.<br />
Em 2001, o OPJ levou a cabo o estudo A administração e <strong>gestão</strong> da<br />
justiça: análise comparada <strong>das</strong> tendências de reforma, cujo objecto de<br />
investigação se centrou nos modelos compara<strong>dos</strong> de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> na<br />
Europa, bem como o conjunto alargado de soluções em curso para responder<br />
às novas exigências de organização, funcionamento, qualidade e eficiência da<br />
justiça nos diferentes sistemas judiciais.<br />
Em 2006, o relatório do OPJ Como gerir os <strong>tribunais</strong>? Análise<br />
comparada de modelos de organização e <strong>gestão</strong> da justiça testou a hipótese<br />
da proliferação de reformas no âmbito da administração e <strong>gestão</strong> da justiça em<br />
diferentes países, estudada a partir <strong>das</strong> <strong>experiência</strong>s reformistas leva<strong>das</strong> a<br />
cabo na Europa e nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> da América. Neste estudo, visou-se,<br />
principalmente, identificar projectos em curso com o objectivo de atacar as<br />
irracionalidades burocráticas como bloqueios ao a<strong>um</strong>ento da eficácia, da<br />
eficiência e da qualidade do sistema de justiça. Neste sentido, foram estuda<strong>das</strong><br />
seis <strong>experiência</strong>s: Espanha, Bélgica, Holanda, Noruega, Irlanda e Esta<strong>dos</strong><br />
Uni<strong>dos</strong> da América (Estado do Michingan).<br />
Ainda em 2006, no relatório A geografia da justiça, a importância do<br />
tema da <strong>gestão</strong> e administração da justiça foi igualmente sublinhada. Neste<br />
estudo, chamamos a atenção para o facto do sucesso da reorganização<br />
judiciária não poder ser alcançado sem a realização de reformas conexas, para<br />
além de reformas processuais, entre elas, os mecanismos de <strong>gestão</strong> e<br />
administração, a formação <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> e funcionários judiciais e o uso de<br />
novas tecnologias de comunicação e informação.<br />
Em 2008, o relatório Para <strong>um</strong> novo judiciário: qualidade e eficiência na<br />
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> processos cíveis abordava as questões da organização e <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, destacando a heterogeneidade e a inexistência de critérios<br />
objectivos na definição <strong>das</strong> rotinas e méto<strong>dos</strong> de trabalho, de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />
espaços, infra-estruturas, recursos h<strong>um</strong>anos e materiais. Outros dois aspectos<br />
mereceram especial reflexão no âmbito deste estudo: o impacto da reforma de<br />
Introdução geral 19
desmaterialização <strong>dos</strong> processos na tramitação <strong>dos</strong> processos e nos fluxos de<br />
informação e o papel do juiz na <strong>gestão</strong> processual (<strong>gestão</strong> do caso concreto).<br />
20<br />
A importância desta temática justificou a realização do curso de<br />
formação Organização e Gestão <strong>dos</strong> Tribunais, em 2008, enquadrado no<br />
Programa de Formação Avançada Justiça XXI 5 . De entre os temas do curso,<br />
salientam-se matérias relaciona<strong>das</strong> com as exigências de cariz organizativo e<br />
de <strong>gestão</strong> que se colocam ao sistema judicial e <strong>sobre</strong> os modelos mais<br />
actualiza<strong>dos</strong> de <strong>gestão</strong> e administração pública aplica<strong>dos</strong> ao domínio judiciário.<br />
O curso, para além da necessária orientação multidisciplinar, incluiu <strong>um</strong>a<br />
dimensão comparativa, motivando a discussão <strong>sobre</strong> os modelos de<br />
administração e <strong>gestão</strong> aplica<strong>dos</strong> em outros sistemas, dotando os forman<strong>dos</strong><br />
de instr<strong>um</strong>entos teóricos e práticos necessários à concretização <strong>dos</strong> objectivos<br />
da reforma organizativa, administrativa e de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. Este curso de<br />
formação avançada foi iniciado com a Conferência Internacional Estado,<br />
sociedade e justiça no Século XXI: democracia, qualidade e eficiência nos<br />
<strong>tribunais</strong> judiciais 6 .<br />
Mais recentemente, no âmbito do projecto de investigação cujos<br />
resulta<strong>dos</strong> se apresentam neste relatório, o OPJ organizou o Seminário Para<br />
<strong>um</strong> novo judiciário: transformações na organização interna e nos méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, onde se debateu, de modo comparativo, a nova<br />
secretaria judicial em Espanha e os desafios e as potencialidades que a<br />
reforma em curso coloca à organização interna e ao funcionamento <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong> em Portugal 7 .<br />
Ao dirigir-se ao impacto <strong>das</strong> transformações trazi<strong>das</strong> pela Lei de<br />
5 No âmbito de <strong>um</strong> protocolo celebrado entre a Associação Sindical <strong>dos</strong> Juízes Portugueses, o<br />
Centro de Estu<strong>dos</strong> Judiciários e o Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais da Universidade de Coimbra.<br />
6 Tendo contado com os seguintes oradores: Álvaro Laborinho Lúcio, Juiz Conselheiro do<br />
Supremo Tribunal de Justiça jubilado; Brian J. Ostrom, National Center for State Courts -<br />
Williamsburg (Virgínia, E.U.A.); Jacques Commaille, Ecole Normale Supérieure de Cachan e<br />
director da revista Droit et Société.<br />
7 Cf. nota 1.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Organização e Funcionamento <strong>dos</strong> Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/2008, de 28<br />
de Agosto), este estudo não tem qualquer pretensão de realizar <strong>um</strong>a avaliação<br />
global do período experimental. O relatório que agora se apresenta centra-se<br />
apenas na análise do novo modelo de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, limitando-se aos<br />
serviços judiciais, o que exclui os serviços específicos do Ministério Público.<br />
Como já referimos no âmbito de outros trabalhos do Observatório<br />
Permanente da Justiça Portuguesa, consideramos que as reformas<br />
estruturantes da justiça devem ser precedi<strong>das</strong> de estu<strong>dos</strong> assentes n<strong>um</strong>a<br />
análise rigorosa da realidade. Este esforço analítico, concretizado através da<br />
produção de diagnósticos sociológicos, permite informar o debate político e<br />
profissional, orientando as soluções em discussão, a sua execução prática, e<br />
actuando posteriormente no acompanhamento do processo de implementação<br />
da reforma.<br />
Um processo de reforma alicerçado em diagnósticos consistentes<br />
permite, desde logo, que a política a desenvolver incorpore <strong>um</strong>a perspectiva<br />
global do sistema de justiça de forma a evitar incongruências na reforma. A<br />
<strong>experiência</strong> comparada mostra que os processos de reformas estruturais do<br />
sistema de justiça que seguem aquela metodologia têm tido <strong>um</strong> grau de<br />
sucesso muito mais consolidado.<br />
Da<strong>das</strong> as suas virtualidades no que respeita à identificação atempada<br />
<strong>dos</strong> bloqueios à aplicação da lei e de possíveis efeitos perversos, temos<br />
defendido a importância da introdução de <strong>um</strong> experimentalismo na área da<br />
justiça. Esta estratégia permite associar àquele diagnóstico <strong>um</strong>a verificação<br />
empírica da aplicação da lei, ass<strong>um</strong>indo <strong>um</strong> carácter preventivo face a<br />
problemas que poderão surgir aquando da sua aplicação generalizada.<br />
Essa é claramente <strong>um</strong>a mais-valia da reforma em curso do mapa e da<br />
organização judiciária, devendo, por isso, sublinhar-se sua importância. Esta<br />
mais-valia só será plenamente eficaz se a experimentação for devidamente<br />
monitorizada e avaliada em to<strong>das</strong> as suas vertentes. E a avaliação global tem<br />
que pressupor a definição de <strong>um</strong> conjunto de critérios prévios. A existência de<br />
Introdução geral 21
critérios de referência relativamente aos quais se produz a avaliação tem <strong>um</strong><br />
impacto significativo no apuramento da eficácia da reforma, de forma a<br />
contrapor as opiniões de alguns protagonistas – importantes mas<br />
necessariamente parcelares e subjectivas – com da<strong>dos</strong> empíricos<br />
consolida<strong>dos</strong>.<br />
22<br />
O êxito do projecto experimental não é <strong>um</strong> fim em si mesmo, a sua<br />
grande vantagem reside antes no potencial de identificação <strong>das</strong> virtualidades e<br />
obstáculos do processo que pretende encetar. No caso da reforma do mapa e<br />
organização judiciária, por se tratar de <strong>um</strong> projecto-piloto, é fundamental que se<br />
prevejam e testem as diferentes possibilidades para que o alargamento seja,<br />
efectivamente, <strong>um</strong> alargamento consistente. Daí que o experimentalismo, por<br />
<strong>um</strong> lado, e a produção de <strong>um</strong> diagnóstico sociológico, por outro lado, devem<br />
ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong> carácter de complementaridade entre si na opção pela introdução<br />
de projectos-piloto nas reformas jurídicas.<br />
O novo modelo de <strong>gestão</strong> é <strong>um</strong>a realidade muito recente entre nós, visto<br />
que para além <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> já produzi<strong>dos</strong> pelo OPJ, o acervo de informação<br />
disponível é muito escasso. Por isso, este estudo, ao contribuir para a<br />
produção de conhecimento neste domínio, constitui <strong>um</strong>a reflexão pioneira.<br />
O presente trabalho beneficia, em primeiro lugar, do acervo de<br />
informação produzido, <strong>sobre</strong>tudo ao longo da última década, pelo Observatório<br />
da Justiça. De acordo com a recapitulação <strong>das</strong> principais conclusões do<br />
trabalho empírico, bem como com as orientações e recomendações<br />
ac<strong>um</strong>ula<strong>das</strong> nos diferentes estu<strong>dos</strong> do OPJ, formularam-se novas questões<br />
que permitem <strong>um</strong>a análise da evolução do modelo de organização e <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> à luz <strong>das</strong> alterações legislativas recentes.<br />
Da<strong>das</strong> as inovações trazi<strong>das</strong> pela reforma no que se refere à criação ou<br />
à reconfiguração de competências de <strong>gestão</strong> local, o curto período de vigência<br />
da reforma e a escassez de estu<strong>dos</strong> empíricos <strong>sobre</strong> esta temática, a<br />
investigação produzida ass<strong>um</strong>iu <strong>um</strong> papel exploratório. O trabalho de campo foi<br />
direccionado no sentido de avaliar as potencialidades e desafios desta <strong>gestão</strong><br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
local, tanto na articulação com as entidades que têm responsabilidades de<br />
centralização administrativa, como na direcção e supervisão <strong>das</strong> actividades no<br />
interior do tribunal, isto é, o conjunto de tarefas a serem desempenha<strong>das</strong> de<br />
forma articulada pelas diferentes unidades orgânicas.<br />
Assim, o relatório estrutura-se em torno de sete pontos. Após o ponto<br />
inicial, constituído pela introdução e a justificação metodológica da investigação<br />
realizada, o ponto 2 trata <strong>dos</strong> processos de mudança em curso na<br />
administração <strong>das</strong> organizações públicas, tendo em atenção não só as<br />
transformações ocorri<strong>das</strong> na organização e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> organizações, mas<br />
também dando conta do contributo <strong>das</strong> abordagens clássicas <strong>das</strong><br />
organizações, até chegar a conceitos organizacionais mais recentes como a<br />
governação.<br />
O ponto 3 aponta os novos caminhos da reforma da justiça e destaca a<br />
centralidade <strong>das</strong> medi<strong>das</strong> gestionárias, privilegiando os conceitos de qualidade<br />
e excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. Os conceitos de qualidade e excelência <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong> têm enquadramentos diferentes. Os modelos de excelência são<br />
instr<strong>um</strong>entos de referência ao modelo de <strong>gestão</strong> do tribunal por serem<br />
conceptualmente integradores de vários critérios, potenciando a coexistência<br />
matricial de diferentes tutelas e podendo ser utiliza<strong>dos</strong> em estádios muito<br />
diferentes <strong>das</strong> organizações e <strong>dos</strong> sistemas.<br />
O ponto 4 apresenta a reforma da secretaria judicial em Espanha. A<br />
secretaria judicial em Espanha caracterizava-se, no início da década 90, por<br />
<strong>um</strong>a ausência de critérios organizativos, funcionando de forma atomizada e<br />
auto-suficiente. Partindo da constatação de que o modelo de organização e<br />
funcionamento interno <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> não era, pela sua ineficiência, adequado<br />
ao actual contexto social e processual, esta reforma introduziu mudanças<br />
profun<strong>das</strong> no paradigma estrutural e funcional <strong>das</strong> secretarias judiciais. A<br />
escolha do caso da <strong>experiência</strong> espanhola deve-se, <strong>sobre</strong>tudo, à proximidade<br />
entre os problemas e as ineficiências estruturais do desempenho do sistema de<br />
justiça espanhol e a situação que ocorre em Portugal.<br />
Introdução geral 23
24<br />
Os pontos 5 e 6 apresentam os resulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong> através da realização<br />
do trabalho de campo, de acordo com <strong>um</strong>a dupla perspectiva analítica. Em<br />
primeiro lugar, de acordo com <strong>um</strong> eixo de análise de ordem macro,<br />
apresentam-se as dinâmicas de governação local/central <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e, em<br />
segundo lugar, recorre-se a <strong>um</strong>a análise micro <strong>dos</strong> desafios que se colocam à<br />
<strong>gestão</strong> local, designadamente a sua organização interna e os méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho.<br />
Assim, no ponto 5 damos conta <strong>das</strong> dinâmicas de governação <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong> destacando as potencialidades da nova lei de organização e <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> em termos de <strong>gestão</strong> integrada e de proximidade e os desafios<br />
coloca<strong>dos</strong> pela diversidade organizacional ao novo modelo de <strong>gestão</strong> e as<br />
dinâmicas de governação no âmbito da articulação entre as diversas entidades<br />
com competências de organização, direcção e supervisão <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />
O ponto 6 resulta de <strong>um</strong>a estratégia de investigação que permitiu<br />
recolher informação de acordo com <strong>um</strong>a perspectiva analítica bottom up, dando<br />
particular ênfase ao impacto <strong>das</strong> alterações introduzi<strong>das</strong> pelo novo modelo de<br />
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> nas rotinas e tarefas <strong>dos</strong> diferentes agentes judiciais, de<br />
acordo com a investigação empírica levada a cabo, <strong>sobre</strong>tudo, nas secções de<br />
processos.<br />
Finalmente, no ponto 7 apresentam-se as principais conclusões e<br />
recomendações que resultam da investigação realizada.<br />
Nota metodológica<br />
Para a realização do trabalho de campo, revelou-se adequada a<br />
adopção de <strong>um</strong>a estratégia de investigação que permitisse recolher informação<br />
de acordo com duas perspectivas – top down e bottom up. Na perspectiva top<br />
down, analisou-se a concretização do modelo de <strong>gestão</strong> entre as diferentes<br />
figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. Por outro lado, de<br />
acordo com a perspectiva bottom up, foi dada ênfase à análise do impacto<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
destas alterações nas rotinas e tarefas <strong>dos</strong> diferentes agentes judiciais. Neste<br />
caso, foi dada especial atenção ao funcionamento da secção de processos,<br />
tendo em conta a relevância desta unidade orgânica no quotidiano da<br />
tramitação processual.<br />
Na selecção <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> onde decorreu a observação sistemática, para<br />
garantir maior diversidade da amostra, considerou-se pertinente a<br />
representatividade <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto (Baixo Vouga, Alentejo Litoral e Grande<br />
Lisboa-Nordeste), tendo sido selecciona<strong>das</strong> duas <strong>comarcas</strong> através do método<br />
de selecção aleatória. De acordo com estes critérios, foram selecciona<strong>das</strong> as<br />
<strong>comarcas</strong> de Baixo Vouga e Lisboa-Noroeste (designadamente, os juízos de<br />
família e menores e os juízos cíveis).<br />
Nestes <strong>tribunais</strong> aplicou-se <strong>um</strong> plano de pesquisa com recurso a duas<br />
técnicas metodológicas complementares: a realização de entrevistas semi-<br />
estrutura<strong>das</strong> aos profissionais de justiça envolvi<strong>dos</strong> e a observação<br />
sistemática.<br />
O modelo de entrevista aplicado foi o da entrevista semi-estruturada,<br />
cujas potencialidades consistem fundamentalmente na possibilidade de <strong>um</strong>a<br />
determinada flexibilidade na condução da entrevista e na exploração <strong>dos</strong> temas<br />
por parte do entrevistado. Assim, o recurso à metodologia da entrevista semi-<br />
estruturada junto do juiz presidente, magistrado do Ministério Público<br />
coordenador, administrador, secretários, magistra<strong>dos</strong> judiciais, procuradores e<br />
escrivães procurou obter testemunhos de combinação entre as suas vivências<br />
quotidianas e as perspectivas que propõem, tendo em vista o desenvolvimento<br />
de condições de visibilidade sociológica <strong>sobre</strong> a nova organização judiciária.<br />
As entrevistas possibilitaram apurar as percepções e opiniões <strong>dos</strong><br />
operadores face às dinâmicas e práticas procedimentais <strong>das</strong> respectivas<br />
unidades orgânicas, referindo questões como a definição de méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho, a divisão de tarefas, o impacto específico <strong>das</strong> recentes alterações na<br />
optimização <strong>das</strong> suas rotinas de trabalho, bem como as vantagens e<br />
dificuldades que associam à entrada em funcionamento da nova lei. A natureza<br />
Introdução geral 25
complementar face à observação sistemática aconselhou a sua realização no<br />
espaço de trabalho <strong>dos</strong> operadores entrevista<strong>dos</strong> e durante o seu horário de<br />
trabalho.<br />
26<br />
A observação sistemática centrou-se no objectivo da compreensão <strong>das</strong><br />
principais alterações introduzi<strong>das</strong> após a entrada em vigor da nova lei, em 14<br />
de Abril de 2009, e do funcionamento interno e quotidiano do tribunal. Para<br />
além disso, a observação foi multifocada, de modo a incluir os diferentes<br />
factores que concorrem para <strong>um</strong> trabalho de valor acrescentado mais eficiente<br />
e promotor da qualidade da justiça. Assim, a observação incorporou, para além<br />
<strong>das</strong> práticas e méto<strong>dos</strong> de trabalho, as condições físicas e materiais <strong>das</strong><br />
unidades orgânicas, bem como outros elementos integrantes da <strong>gestão</strong> de<br />
recursos h<strong>um</strong>anos.<br />
Procedeu-se, ainda, à realização de <strong>um</strong> painel que contou com a<br />
presença e participação <strong>dos</strong> juízes presidentes e <strong>dos</strong> procuradores do MP<br />
coordenadores de to<strong>das</strong> as <strong>comarcas</strong> piloto, bem como de académicos<br />
especialistas em <strong>gestão</strong> e qualidade, colocando-os em confronto orientado face<br />
às problemáticas levanta<strong>das</strong> no âmbito da investigação em curso.<br />
Promoveu-se, também, <strong>um</strong>a reunião científica (seminário já referido) que<br />
contou com a presença de operadores judiciais de Portugal e de Espanha,<br />
tendo em vista o confronto e a discussão da <strong>experiência</strong> comparada no que se<br />
refere concretamente à nova secretaria judicial em Espanha.<br />
A análise doc<strong>um</strong>ental foi fundamental, quer para a análise do sistema de<br />
governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> explicitado nos organogramas, quer da <strong>experiência</strong><br />
espanhola.<br />
O reduzido tempo de vigência do período experimental da nova lei de<br />
organização e funcionamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> não permitiu a averiguação<br />
quantitativa, nem mesmo através de da<strong>dos</strong> provisórios, do impacto <strong>das</strong><br />
alterações de <strong>gestão</strong> na produtividade <strong>dos</strong> funcionários e no tempo <strong>dos</strong><br />
processos. Por esta razão, privilegiou-se a análise qualitativa através da<br />
recolha <strong>das</strong> percepções <strong>dos</strong> agentes envolvi<strong>dos</strong> no processo bem como a<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
observação empírica <strong>das</strong> práticas e rotinas <strong>das</strong> unidades orgânicas.<br />
Após a análise de conteúdo <strong>das</strong> entrevistas, da observação sistemática<br />
efectuada, do painel de discussão realizado e <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> da reunião<br />
científica, apresentam-se neste relatório os resulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong> organiza<strong>dos</strong> de<br />
acordo com as categorias analíticas resultantes daquele exercício.<br />
Introdução geral 27
DINÂMICAS DE MUDANÇA NA ADMINISTRAÇÃO<br />
DAS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS<br />
2
2 DINÂMICAS DE MUDANÇA NA ADMINISTRAÇÃO<br />
DAS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS<br />
Introdução<br />
30<br />
Os modelos de administração e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> organizações públicas têm<br />
vindo a ser submeti<strong>dos</strong> a <strong>um</strong> contínuo processo de reflexão académica e<br />
política. Com contornos e intensidades diferentes, este é <strong>um</strong> processo<br />
generalizado a diferentes países com contextos políticos, sociais e económicos<br />
muito diferencia<strong>dos</strong>, ganhando particular visibilidade e aceleração nas últimas<br />
déca<strong>das</strong> no quadro do que se designa como a crise burocrática do Estado 8 .<br />
Trata-se de <strong>um</strong> desafio às principais características e dinâmicas prevalecentes<br />
nas organizações públicas suscitando, em regra, o consenso de amplos<br />
sectores da sociedade, que dependem <strong>dos</strong> seus resulta<strong>dos</strong>, da sua eficácia e<br />
da qualidade do seu desempenho, na busca de mudanças que as tornem cada<br />
vez mais eficientes e mais próximas <strong>dos</strong> cidadãos. Mas este processo é<br />
igualmente marcado, não só por perspectivas diferencia<strong>das</strong> relativamente ao<br />
sentido e aos instr<strong>um</strong>entos dessa mudança, como também por resistências de<br />
actores directamente envolvi<strong>dos</strong> nas organizações.<br />
8 Sobre o conceito e seus desenvolvimentos, Cf. Santos, 2002.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
A complexidade social e as crises que atravessam o Estado trouxeram<br />
para o centro do debate a questão da eficiência e da qualidade do desempenho<br />
funcional <strong>das</strong> organizações públicas. Apesar de esta questão ter ass<strong>um</strong>ido, ao<br />
longo da última década, novos contornos e <strong>um</strong>a nova dinâmica, não é nova a<br />
preocupação <strong>das</strong> ciências sociais em desenvolver <strong>um</strong> quadro analítico que<br />
permita pensar a administração e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> organizações em cenários<br />
caracteriza<strong>dos</strong> por acréscimos de complexidade institucional e social, com o<br />
objectivo de as tornar mais eficientes. Mais recentemente, os vectores da<br />
qualidade e excelência começam a destacar-se neste debate.<br />
Vejamos, de forma breve, como este quadro se tem vindo a desenvolver<br />
a partir <strong>das</strong> abordagens clássicas <strong>das</strong> organizações. Esta reflexão permite-nos<br />
enquadrar teoricamente a reforma <strong>das</strong> organizações do judiciário no contexto<br />
mais vasto <strong>das</strong> dinâmicas de mudança <strong>das</strong> organizações públicas.<br />
2.1 As abordagens clássicas<br />
Frederick Taylor é <strong>um</strong> <strong>dos</strong> principais precursores <strong>das</strong> abordagens<br />
clássicas, desenvolvendo o que veio a ficar conhecido como a organização<br />
científica do trabalho e abrindo o campo para <strong>um</strong> novo corpus teórico, que<br />
autonomizou as organizações industriais enquanto objecto de estudo. Taylor<br />
defendia <strong>um</strong>a perspectiva virtuosa do ciclo económico da produtividade,<br />
evidenciando o seu contributo para o crescimento da riqueza global, que<br />
garantia <strong>um</strong>a melhoria <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> empresariais e, em consequência, <strong>das</strong><br />
capacidades de investimento, gerando assim mais emprego, bem como <strong>dos</strong><br />
níveis salariais. A baixa produtividade, que considerava decorrer em grande<br />
parte de <strong>um</strong>a supervisão empírica e discricionária, fez Taylor introduzir a noção<br />
de recompensa salarial, enquanto mecanismo de encorajamento à<br />
produtividade, mecanismo que ainda hoje é problematizado pelo seu impacto<br />
sócio-profissional e pela relação, mais ou menos enviesada, com os conceitos<br />
de mérito, competição e desempenho.<br />
Na sua abordagem salienta, ainda, o desconhecimento, por parte <strong>dos</strong><br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 31
quadros administrativos, da rotina e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho e de <strong>gestão</strong><br />
(tempos, gestos, movimentos, pausas) que deveriam enquadrar a execução da<br />
multiplicidade de tarefas próprias do trabalho industrial. Considerava que esse<br />
desconhecimento era gerador, para além de tensões e conflitos funcionalmente<br />
evitáveis, de <strong>um</strong>a lógica de descoordenação impeditiva do incremento de<br />
técnicas racionais e científicas susceptíveis de evoluir no sentido da<br />
especialização e da estandardização. O planeamento, a preparação e a<br />
supervisão constituíam, assim, linhas essenciais às novas dinâmicas<br />
organizacionais, cuja articulação deveriam assegurar o máximo de eficiência<br />
com o mínimo de contingência, imprevisibilidade e desperdício.<br />
32<br />
O investimento reflexivo que este novo modelo comportava traduzia-se<br />
na observação sistemática de comportamentos, movimentos e operações, bem<br />
como na optimização da interacção organizacional entre os recursos h<strong>um</strong>anos<br />
e os recursos materiais e tecnológicos. Contudo, a constelação de práticas,<br />
discursos e representações associa<strong>dos</strong> aos modelos tradicionais de<br />
organização do trabalho – que considerava caracteriza<strong>dos</strong> por empirismo,<br />
negligência, desperdício e irracionalidade – resistiam e contrastavam com os<br />
novos méto<strong>dos</strong> científicos da organização do trabalho, que mobilizavam <strong>um</strong><br />
conjunto amplo de tecnologias organizacionais (como a cronometragem) e de<br />
méto<strong>dos</strong> de organização da divisão do trabalho (padronização). Também as<br />
doenças, os acidentes e a fadiga física deveriam ser contabiliza<strong>dos</strong>, dado o seu<br />
impacto negativo na produtividade. Não será por acaso que é precisamente<br />
neste contexto que a problemática da reparação <strong>dos</strong> acidentes de trabalho<br />
começa a dar os primeiros passos: mais do que a perspectiva da justiça para<br />
com o sinistrado, o objectivo era minorar, quer os custos adicionais com a<br />
sinistralidade, quer os custos sociais da desestabilização conflitual <strong>dos</strong><br />
trabalhadores como reacção aos riscos a que se encontravam expostos e às<br />
fracas garantias de protecção que lhes eram ofereci<strong>das</strong>.<br />
Em s<strong>um</strong>a, de acordo com Taylor, é possível res<strong>um</strong>ir em quatro princípios<br />
básicos a organização científica do trabalho: planeamento, preparação,<br />
controlo e separação entre a concepção e a execução do trabalho. Tais<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
princípios deveriam estar na base da organização do trabalho, pois só assim<br />
seria possível a eliminação do desperdício, a eficiência máxima e o a<strong>um</strong>ento da<br />
produtividade. Defendia, igualmente, <strong>um</strong> sistema regulado de recompensas<br />
salariais, formação e especialização, mas também de penalização <strong>dos</strong> desvios<br />
laborais ou funcionais, da generalização regulamentadora a to<strong>dos</strong> os processos<br />
organizacionais e, acima de tudo, da colocação do homem certo no lugar certo.<br />
Na mesma linha do pensamento taylorista, a perspectiva avançada por<br />
Henri Fayol (1925) ganhou, igualmente, grande influência no estudo da<br />
estruturação <strong>das</strong> organizações modernas. Para além do enfoque na formação<br />
e qualificação científica do corpo de gestores <strong>das</strong> empresas e <strong>das</strong> instituições,<br />
a sua arr<strong>um</strong>ação estrutural e funcional seria o factor decisivo para o<br />
c<strong>um</strong>primento eficiente <strong>dos</strong> respectivos objectivos gerais. Nesse sentido, propõe<br />
<strong>um</strong>a reconfiguração organizacional baseada em seis unidades estruturais, com<br />
funções muito específicas vocaciona<strong>das</strong> <strong>sobre</strong>tudo para organizações de<br />
natureza empresarial: técnica, comercial, financeira, securitária, contabilística e<br />
administrativa 9 . Como princípios gerais, salienta a indivisibilidade da relação<br />
autoridade-responsabilidade, a definição clara da comunicação no interior do<br />
sistema hierárquico (quem obedece a quem), a centralização <strong>dos</strong> processos<br />
enquanto factor de ordem interna e a equidade nas decisões de forma a evitar<br />
sentimentos de injustiça perturbadores do funcionamento da organização.<br />
2.2 O modelo burocrático e a modernidade<br />
organizacional<br />
O fenómeno burocrático, verdadeiramente revolucionário no domínio <strong>das</strong><br />
tecnologias de poder e da administração <strong>das</strong> organizações, foi primeiramente<br />
identificado e caracterizado por Max Weber no quadro da evolução e<br />
9 A unidade administrativa era considerada a função mais importante no funcionamento global<br />
da empresa, na medida em que, almejando a harmonização de to<strong>dos</strong> os actos organizacionais,<br />
concentraria competências de planeamento, organização, comando, coordenação e controlo<br />
<strong>dos</strong> múltiplos processos organizacionais.<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 33
acionalização histórica do capitalismo e da afirmação do Estado Liberal.<br />
Ideologicamente, contesta a centralidade da conflitualidade de classe<br />
desenvolvida pela tradição do pensamento marxista <strong>sobre</strong> a génese da<br />
modernidade capitalista, recolocando a problemática no quadro de valores<br />
emergentes nas sociedades ocidentais e conferindo particular atenção à<br />
natureza da acção social que se lhe encontra associada.<br />
34<br />
Esta abordagem encontra no movimento de racionalização <strong>das</strong><br />
instituições – e do Estado em particular – os fundamentos basilares da nova<br />
ordem social e económica, nascida a partir do século XIX, distinguindo e<br />
analisando os vários tipos de acção predominantes no comportamento social<br />
moderno. Os diferentes tipos de acção encontram-se indexa<strong>dos</strong> a modelos<br />
gerais de autoridade e dominação que estariam subjacentes, não apenas ao<br />
aparelho do Estado, mas também a outras instituições, organizações ou corpos<br />
sociais modernos. A problemática da legitimidade – por oposição ao poder 10<br />
discricionário, coercivo e infundado – no exercício de poder organizacional<br />
conduz o pensamento weberiano à criação de <strong>um</strong>a tipologia tripartida de<br />
autoridade, em que a autoridade legal-racional representa, por excelência, a<br />
modernidade burocrática 11 .<br />
A importância conferida à legalidade faz com que a normatividade da lei<br />
ou da regra seja a fonte de legitimidade no interior <strong>das</strong> organizações e o seu<br />
principal factor de mobilização ou desmobilização organizacional. A<br />
formalização <strong>dos</strong> procedimentos (cultura formalista) constitui a referência para<br />
a validade da acção organizacional, pelo que a burocracia se converte no único<br />
dispositivo de codificação e descodificação da linguagem organizacional, tal<br />
10 Do ponto de vista weberiano, a noção de poder não deverá ser confundida com a noção de<br />
autoridade. Se a primeira remete para a capacidade impositiva de <strong>um</strong>a vontade <strong>sobre</strong> outrem,<br />
a segunda requer que “quem domina tenha a noção, e acredite, que tem o direito de exercer o<br />
poder <strong>sobre</strong> os seus subordina<strong>dos</strong>. Em contrapartida, quem é dominado e simultaneamente<br />
subordinado considera <strong>um</strong> dever e <strong>um</strong>a obrigação obedecer às ordens que provêm <strong>dos</strong> seus<br />
superiores” (Ferreira et al., 1996: 20).<br />
11 São sociologicamente diferencia<strong>das</strong> a autoridade tradicional, a autoridade carismática e a<br />
autoridade racional/legal/burocrática.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
como no único meio de exercer e obedecer à autoridade e à hierarquia da<br />
organização. Por comparação com os modelos de autoridade tradicional e<br />
carismática, este modelo demonstrava ganhos exponenciais de produtividade,<br />
eficiência e funcionalidade, revelando-se intimamente articulado com as lógicas<br />
instr<strong>um</strong>entais do sistema capitalista em progressiva expansão, comportando,<br />
nesse sentido, <strong>um</strong>a transformação organizacional indispensável à própria<br />
sustentabilidade <strong>das</strong> dinâmicas económicas, sociais e institucionais de <strong>um</strong><br />
período muito concreto da modernidade: o capitalismo organizado (Santos,<br />
1999).<br />
Protagonizando <strong>um</strong> reformismo institucional sem precedentes, este<br />
modelo de autoridade organizacional burocrática desfrutou de amplos níveis de<br />
disseminação nas administrações públicas ocidentais, inspirando igualmente<br />
muitas <strong>das</strong> transformações empresariais opera<strong>das</strong> ao longo do século XX e<br />
influenciando as próprias organizações do terceiro sector (economia social).<br />
Apresentamos, em seguida, de forma breve, as principais características deste<br />
modelo organizacional, apresenta<strong>das</strong> por Max Weber na sua obra de referência<br />
Economia e Sociedade (1922).<br />
A racionalidade jurídica era trazida para o interior <strong>das</strong> organizações<br />
através de regras formais e regulamentos escritos, instr<strong>um</strong>entos de aplicação,<br />
específica e concreta, de leis gerais e abstractas. As organizações eram,<br />
assim, desdobra<strong>das</strong> em serviços defini<strong>dos</strong>, com o máximo de rigor técnico e<br />
procedimental, encorajando-se o c<strong>um</strong>primento escrupuloso <strong>das</strong> respectivas<br />
tarefas, por parte <strong>dos</strong> seus funcionários, e evitando-se margens de liberdade<br />
que introduzissem incerteza, imprevisibilidade e arbitrariedade no contexto<br />
organizacional.<br />
O sistema burocrático estruturava-se, ainda, de acordo com o princípio<br />
de organização hierárquica e vertical da autoridade, de forma a assegurar a<br />
ordem interna e a garantir que a subordinação não suscitasse ambiguidade<br />
prática e regulamentar. A noção de competência técnica ganhou relevância na<br />
selecção e avaliação <strong>dos</strong> funcionários, pelo que a sua admissão, transferência<br />
ou promoção se encontrava estritamente vinculada a critérios de mérito<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 35
objectivos e formais aferi<strong>dos</strong> através de <strong>um</strong> conjunto de instr<strong>um</strong>entos<br />
avaliativos e comprovativos como diplomas, exames e concursos.<br />
36<br />
Defendia-se a prevalência <strong>das</strong> relações de tipo formal, procurando<br />
extinguir ou limitar a informalidade e despersonalizar as práticas e as<br />
dinâmicas organizacionais, corporizando a emergência de <strong>um</strong>a cultura<br />
doc<strong>um</strong>ental e procedimental, tanto ao nível <strong>dos</strong> processos decisórios como <strong>dos</strong><br />
padrões de comunicação e interacção desenvolvi<strong>dos</strong> nas organizações. O<br />
profissionalismo e a impessoalidade c<strong>um</strong>priam, do ponto de vista weberiano,<br />
<strong>um</strong>a função essencial à modernização e racionalização <strong>das</strong> organizações,<br />
visando ultrapassar os efeitos negativos do nepotismo e da discricionariedade<br />
que, na sua perspectiva, dominavam nas organizações pré-burocráticas. É,<br />
assim, possível afirmar que a aliança entre a equidade e a tecnicidade é<br />
estruturante <strong>das</strong> organizações burocráticas, revelando <strong>um</strong>a forte desconfiança<br />
administrativa face à espontaneidade do comportamento social (daí o controlo,<br />
a formalização e a imparcialidade relacional).<br />
Os mecanismos promocionais passaram a depender de <strong>um</strong>a fórmula<br />
que articula o desempenho técnico competente com a <strong>experiência</strong> ac<strong>um</strong>ulada<br />
na função. A remuneração regular <strong>dos</strong> funcionários – acompanhando as<br />
grandes transformações salariais nas sociedades contemporâneas – constituía<br />
ainda <strong>um</strong>a característica importante da administração burocrática,<br />
nomeadamente a ideia da segurança e estabilidade remuneratória, ancorada<br />
n<strong>um</strong>a visão contínua da carreira e de emprego fixo.<br />
Em jeito de conclusão, é possível dizer-se que, entre outras<br />
características particulares do modelo burocrático proposto por Max Weber, a<br />
precisão, a eficácia, a unidade, a subordinação estrita e a redução de custos<br />
constituem alguns <strong>dos</strong> aspectos introduzi<strong>dos</strong> por este movimento<br />
racionalizador da vida e do desempenho organizacional. Ainda que este<br />
modelo tenha entrado em crise, convém sublinhar o facto de ter sido a partir do<br />
conceito de burocracia que foi possível pensar reformas mais amplas e<br />
arroja<strong>das</strong> no domínio da administração pública e <strong>das</strong> organizações priva<strong>das</strong>,<br />
materializando aquilo que poderemos designar de modernidade organizacional.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
2.3 A perda da centralidade do modelo burocrático e a<br />
emergência de novos paradigmas<br />
2.3.1 Da escola <strong>das</strong> relações h<strong>um</strong>anas às abordagens<br />
manageriais<br />
Um <strong>dos</strong> primeiros e mais significativos movimentos de reacção às<br />
abordagens clássicas <strong>das</strong> organizações foi protagonizado, entre outros, por<br />
teóricos como Elton Mayo, Kurt Lewin e John Dewey, precursores da Escola<br />
<strong>das</strong> Relações H<strong>um</strong>anas. Este movimento, inspirado na filosofia pragmática e<br />
em ideais h<strong>um</strong>anistas, centrou as suas preocupações na crítica ao<br />
mecanicismo, à instr<strong>um</strong>entalidade e ao formalismo propostos pelas abordagens<br />
clássicas, explorando a ideia de que os níveis de integração social e<br />
organizacional são tão ou mais importantes para o desempenho global <strong>das</strong><br />
organizações que a lógica científica e burocrática de divisão e organização do<br />
trabalho.<br />
Assim, mais do que as competências técnicas estritas, a capacidade<br />
social <strong>dos</strong> trabalhadores, as dinâmicas de grupo, as interacções e<br />
sociabilidades informais e o grau de motivação e satisfação <strong>dos</strong> trabalhadores<br />
constituíam os eixos mais importantes, a partir <strong>dos</strong> quais seria possível dotar<br />
as organizações de maior eficiência e eficácia.<br />
Esta abordagem considerava, ainda, que a especialização excessiva do<br />
trabalho constituía <strong>um</strong>a fragmentação da actividade organizacional que poderia<br />
vir a ter <strong>um</strong> impacto negativo no desempenho global. Em termos gerais, se as<br />
teorias clássicas pensavam as organizações como máquinas, enfatizando as<br />
tarefas e a tecnologia e inspirando-se em sistemas de engenharia, a teoria <strong>das</strong><br />
relações h<strong>um</strong>anas focava-se <strong>sobre</strong>tudo no ambiente organizacional 12 , nas suas<br />
estruturas grupais e na dimensão h<strong>um</strong>ana subjacente às relações de trabalho.<br />
12 Para <strong>um</strong>a recensão da história e da problemática do clima organizacional, cf. Chambel e<br />
Curral (2008).<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 37
A importância atribuída às equipas de trabalho legitimava agora <strong>um</strong> sistema de<br />
delegação de autoridade que beneficiava da autonomia confiada aos<br />
trabalhadores. Em s<strong>um</strong>a, o respeito pelas regras e regulamentos cedia lugar à<br />
ênfase nas relações h<strong>um</strong>anas e na dinâmica grupal e interpessoal.<br />
38<br />
Esta teoria veio dar visibilidade e preponderância à motivação, à<br />
liderança e à comunicação organizacionais, enquanto factores decisivos a <strong>um</strong>a<br />
<strong>gestão</strong> flexível e eficiente do trabalho, gerando novas abordagens teóricas e<br />
conceptuais de grande importância. Contudo, a sua oposição às abordagens<br />
clássicas, descartando muito do seu contributo racionalizador, a sua concepção<br />
<strong>das</strong> relações de trabalho como se a autodisciplina fosse apanágio natural <strong>dos</strong><br />
grupos sociais e ainda o enfoque excessivo na informalidade organizacional,<br />
evidenciavam, para muitos autores, as suas limitações.<br />
Nas críticas ao modelo burocrático destaca-se Robert Merton (1949),<br />
chamando a atenção para as disfunções burocráticas, o impacto da prescrição<br />
estrita de tarefas <strong>sobre</strong> a motivação <strong>dos</strong> emprega<strong>dos</strong>, a resistência às<br />
mudanças e desvirtuamento de objectivos provocado pela obediência acrítica<br />
às normas (apud Secchi, 2009: 353) constituem efeitos negativos da<br />
administração burocrática <strong>das</strong> organizações, a par do enfoque na antiguidade<br />
como critério promocional, desencorajando <strong>um</strong>a salutar competição interna e<br />
convidando à inércia organizacional. É, aliás, nesse sentido que se questiona a<br />
eficiência da burocracia quando as organizações gozam de <strong>um</strong>a situação de<br />
monopólio na prestação de serviços públicos, que as imuniza a estímulos<br />
concorrenciais a partir do exterior.<br />
A abertura à sociedade será, como veremos adiante, <strong>um</strong> ponto de<br />
partida para repensar as lógicas organizacionais na perspectiva da qualidade<br />
<strong>dos</strong> seus outputs e da satisfação <strong>dos</strong> seus beneficiários, utentes ou clientes. A<br />
partir de mea<strong>dos</strong> do século XX, intensificam-se as críticas ao modelo<br />
burocrático, ainda que com proveniências e direcções distintas e, por vezes,<br />
contraditórias, entrando-se no que se designa de era pós-burocrática.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
2.4 As teorias manageriais<br />
No essencial, esta nova era, genericamente adjectivada como<br />
managerial, caracteriza-se por <strong>um</strong> conjunto de orientações comuns no domínio<br />
organizacional que, de acordo com Lane (1995), representa <strong>um</strong>a gradual<br />
substituição de <strong>um</strong> Estado Administrativo, ideologicamente conotada com o<br />
modelo burocrático 13 , como resposta à ineficácia deste. Essas novas<br />
orientações apontam para a profissionalização da <strong>gestão</strong>; a empresarialização;<br />
a redução <strong>dos</strong> níveis hierárquicos e, consequente, achatamento <strong>dos</strong> designs<br />
piramidais <strong>das</strong> organizações; a descentralização e fragmentação em unidades<br />
administrativas; a competição intra e interorganizacional; a focalização nos<br />
resulta<strong>dos</strong>; a prestação de contas (accountability); e a marketização.<br />
Hood (1995) sintetiza as principais características da administração<br />
pública managerial, concedendo destaque à desagregação <strong>dos</strong> serviços<br />
públicos em unidades especializa<strong>das</strong>, à competição entre organizações<br />
públicas e entre serviços públicos e priva<strong>dos</strong>, ao recurso a práticas de <strong>gestão</strong><br />
típicas da administração privada, ao empreendedorismo organizacional, à<br />
autonomia decisória, à avaliação do desempenho e à centralização nos<br />
outputs. A capacidade de resposta, a flexibilidade e elasticidade são conceitos<br />
chave associa<strong>dos</strong> a este novo modelo de <strong>gestão</strong>.<br />
A emergência e hegemonia destas novas teorias, no quadro <strong>das</strong><br />
reformas desencadea<strong>das</strong> na administração pública a partir <strong>dos</strong> anos 80 –<br />
com<strong>um</strong>mente designa<strong>das</strong> como New Public Management –, têm sido<br />
percepciona<strong>das</strong> com relativa ambivalência: por <strong>um</strong> lado, procura-se superar as<br />
limitações e os constrangimentos intrínsecos aos modelos burocráticos de<br />
organização, caracteriza<strong>dos</strong> pela sua rigidez funcional, fechamento orgânico à<br />
13 O que significa que a emergência deste novo paradigma ocorre não apenas com base n<strong>um</strong><br />
consenso tecnocrático <strong>sobre</strong> as organizações mas, igualmente, n<strong>um</strong> consenso ideológico<br />
<strong>sobre</strong> o papel do Estado nas sociedades contemporâneas, <strong>sobre</strong> as relações de poder nas<br />
organizações públicas e <strong>sobre</strong> a preponderância do sector privado na provisão de bens e<br />
serviços.<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 39
sociedade e ineficiência administrativa; por outro, como corporizante de <strong>um</strong>a<br />
transformação política mais ampla, assente n<strong>um</strong> novo consenso ideológico de<br />
natureza neoliberal: o Estado e a administração pública são sinónimos de<br />
desperdício irreformável, abrindo campo a <strong>um</strong> novo receituário político baseado<br />
na privatização do máximo de subsectores públicos alienáveis para o mercado<br />
e na adopção de modelos de <strong>gestão</strong> equipara<strong>dos</strong> ao sector privado, no caso da<br />
sua manutenção na esfera pública.<br />
40<br />
Assim, ganha corpo a ideia segundo a qual, à semelhança <strong>das</strong><br />
organizações priva<strong>das</strong> que se considera funcionarem de forma mais eficiente<br />
por serem orienta<strong>das</strong> pelo lucro e pela oferta <strong>dos</strong> seus bens e serviços estar<br />
relacionada à procura <strong>dos</strong> mesmos, o Estado também dever organizar-se com<br />
base n<strong>um</strong>a filosofia similar (Ng, 2007: 11). Adverte-se, porém, que, embora os<br />
referenciais da <strong>gestão</strong> empresarial possam ser úteis à reforma da <strong>gestão</strong><br />
pública, não devem ser transplanta<strong>dos</strong> para as organizações públicas sem que<br />
se tenha na devida conta a sua missão primordial, os seus objectivos e os seus<br />
principais fundamentos políticos. Desde logo, o conceito de cidadania deverá<br />
prevalecer face ao estatuto de cons<strong>um</strong>idor 14 .<br />
A aferição <strong>dos</strong> padrões de desempenho, a qualidade e a eficácia <strong>das</strong><br />
organizações públicas recentram-se na satisfação <strong>dos</strong> cidadãos utentes <strong>dos</strong><br />
serviços a<strong>um</strong>entando a confiança social nas organizações e, em consequência,<br />
conferindo-lhes maior legitimidade. Como melhor se verá adiante, no quadro<br />
<strong>dos</strong> modelos de excelência, o critério sociedade ou o retorno social ass<strong>um</strong>em-<br />
se como <strong>um</strong> importante dispositivo e sendo precisamente aquele que, a par<br />
<strong>dos</strong> ganhos de eficiência e da qualidade nos resulta<strong>dos</strong>, permite <strong>um</strong>a<br />
ampliação da noção de prestação de contas, para além <strong>dos</strong> mecanismos de<br />
14 Para Madureira e Rodrigues, “a escola managerial não só não resolveu os problemas<br />
públicos de forma taxativa, como incorreu em incoerências diversas, proclamando não raras<br />
vezes a descentralização, a delegação de competências e a desregulação como medi<strong>das</strong><br />
fundamentais para a mudança de paradigma na reforma administrativa, mas mantendo o poder<br />
hierárquico altamente centralizado na prática. Este foi o terreno propício para que,<br />
independentemente de to<strong>das</strong> as discussões conceptuais acerca do mesmo, o conceito de<br />
governance tivesse ganho peso” (2006: 158).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
esponsabilização, transparência e controlo. Neste contexto, a prestação de<br />
contas <strong>das</strong> organizações públicas exerce <strong>um</strong>a função equivalente à<br />
concorrência nas organizações priva<strong>das</strong> e lucrativas. Considera-se, ainda, que<br />
o envolvimento regrado e operacionalizado <strong>dos</strong> cidadãos na vida <strong>das</strong><br />
organizações – que poderá reportar-se tanto à definição <strong>dos</strong> padrões de<br />
atendimento e acessibilidade, como a outros procedimentos organizacionais<br />
socialmente relevantes e escrutináveis –, para além de constituir <strong>um</strong> factor<br />
facilitador da <strong>gestão</strong> da complexidade, obriga à transparência <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong><br />
como complemento do controlo político normal e da legitimidade democrática<br />
(Langbroek, 2005: 50).<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 41
2.5 O conceito de governação e as novas abordagens<br />
organizacionais<br />
42<br />
Nos anos mais recentes, novas perspectivas teóricas têm vindo a ser<br />
desenvolvi<strong>das</strong> à volta <strong>dos</strong> conceitos de governação e de excelência,<br />
protagonizando <strong>um</strong>a transformação importante nos estu<strong>dos</strong> organizacionais<br />
contemporâneos e comportando, não apenas <strong>um</strong>a nova linguagem<br />
caracterizadora <strong>das</strong> dinâmicas e <strong>dos</strong> processos organizacionais, como <strong>um</strong><br />
novo campo de técnicas e de oportunidades gestionárias. Para alguns 15 , a<br />
governação organizacional deveria c<strong>um</strong>prir, <strong>sobre</strong>tudo, <strong>um</strong>a função<br />
catalizadora que, ao invés de concentrar para si o comando, a <strong>gestão</strong> e a<br />
implementação de medi<strong>das</strong>, deveria dar prioridade à harmonização da acção<br />
desenvolvida por diferentes actores organizacionais. A descentralização<br />
deliberativa e funcional permite <strong>um</strong> melhor aproveitamento <strong>dos</strong> conhecimentos,<br />
<strong>das</strong> capacidades e <strong>das</strong> competências existentes na organização, estimulando a<br />
inovação prática e reflectindo-se na motivação <strong>dos</strong> funcionários.<br />
O conceito de governação organizacional, importado de outros campos<br />
disciplinares, ganhou forte expressão ideológica e académica com o fenómeno<br />
da globalização 16 . Em traços largos, remete para o afastamento do Estado,<br />
enquanto entidade autónoma e isolada na sua função provisional e regulatória<br />
e, portanto, para a transição para <strong>um</strong> modelo colaborativo e articulado entre<br />
diferentes actores estatais e não estatais 17 na produção de políticas públicas. A<br />
penetração daquele conceito na esfera e na linguagem organizacional pública<br />
está fortemente relacionada, tanto com o a<strong>um</strong>ento da complexidade e <strong>dos</strong><br />
15 Na linha do famoso best-seller de Peters e Waterman, In Search of Excellence (1982),<br />
Osborne e Gaebler (1992) dedicaram-se ao estudo do governo empreendedor enquanto<br />
modelo pragmático de <strong>gestão</strong> pública, explorando <strong>um</strong> conjunto amplo de dimensões gerenciais<br />
decisivas à transformação de <strong>um</strong>a organização pública burocrática n<strong>um</strong>a organização pública<br />
racional, eficaz, competitiva e flexível.<br />
16 Para <strong>um</strong>a genealogia crítica do conceito, cf. Santos (2003).<br />
17 Sobre o papel do Estado como Novíssimo Movimento Social, protagonista da coordenação<br />
<strong>dos</strong> diferentes actores provisionais e regulatórios, cf. Santos (2002).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
fluxos de informação a que as organizações se encontram expostas, como com<br />
a necessidade de <strong>um</strong> maior e mais eficaz controlo <strong>dos</strong> processos e <strong>dos</strong><br />
resulta<strong>dos</strong> reivindica<strong>dos</strong> pelos diferentes stakeholders. Nesse sentido,<br />
administrar o sector público passa por <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> de redes complexas,<br />
compostas por actores diversos (com aprendizagens, expectativas e<br />
comportamentos diferencia<strong>dos</strong>), por grupos de pressão, grupos políticos,<br />
instituições sociais e empresas priva<strong>das</strong>. Existindo conflito de interesses entre<br />
estes actores, a <strong>gestão</strong> pública deve ser capaz de os gerir, não devendo impor<br />
unilateralmente a sua vontade (Madureira e Rodrigues, 2006: 157). Todo este<br />
processo envolve <strong>um</strong>a transformação profunda nos cenários organizacionais,<br />
sendo que a antecipação, a adaptação e a capacidade de influência <strong>sobre</strong> as<br />
mudanças em curso são factores determinantes para a sustentabilidade deste<br />
novo paradigma administrativo <strong>das</strong> organizações.<br />
No quadro deste novo conceito, a <strong>gestão</strong> por objectivos, focalizada nos<br />
outputs e no impacto social da actividade organizacional, a par da satisfação<br />
<strong>dos</strong> cidadãos utentes, ass<strong>um</strong>e <strong>um</strong> papel central. O planeamento estratégico<br />
<strong>das</strong> organizações deve, ainda, incentivar <strong>um</strong>a cultura preventiva e pró-activa<br />
face aos problemas menos rotiniza<strong>dos</strong>, contrariando as lógicas reactivas típicas<br />
do comportamento burocrático perante a contingência e a incerteza.<br />
A sua aplicação às organizações públicas não pode, contudo, perder de<br />
vista que elas são portadoras de <strong>um</strong>a racionalidade distinta e que, por vezes,<br />
alg<strong>um</strong>as <strong>das</strong> referi<strong>das</strong> características são ofensivas <strong>dos</strong> princípios e garantias<br />
de que as organizações públicas, e os <strong>tribunais</strong> em particular, são portadores.<br />
Pelo que as noções mais normativas e hegemónicas de informalidade,<br />
simplificação e celeridade de procedimentos não poderão aplicar-se acrítica e<br />
irresponsavelmente em instituições públicas, em particular judiciárias, nas<br />
quais os elementos procedimentais e burocráticos também constituem<br />
modernas garantias <strong>dos</strong> cidadãos.<br />
Este novo conceito abre, igualmente, espaço à problematização <strong>dos</strong><br />
fenómenos inter-organizacionais e à cultura de interface e de articulação que,<br />
nalguns países e sectores se tem vindo a consolidar; enquanto noutros, pelo<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 43
contrário, tem revelado dificuldades de sedimentação nas organizações<br />
públicas. Esta é, aliás, <strong>um</strong>a componente, como temos vindo a demonstrar em<br />
vários trabalhos do OPJ, que revela muitas debilidades no sector da justiça<br />
entre nós. O sistema não consegue responder eficientemente à progressiva<br />
intensidade e complexidade da relação entre as estruturas judiciais e as<br />
múltiplas instituições conexas. Esta circunstância obriga a que se faça <strong>um</strong>a<br />
análise crítica e exaustiva <strong>das</strong> redes organizacionais e do grau de preparação<br />
<strong>das</strong> organizações para as mudanças necessárias à afirmação de <strong>um</strong>a lógica de<br />
projecto e de parceria que efective a qualidade nos resulta<strong>dos</strong> finais, nos<br />
serviços presta<strong>dos</strong> aos cidadãos e, em última instância, na garantia <strong>dos</strong> seus<br />
direitos legalmente consagra<strong>das</strong>. Isto significa que, embora constituam temas<br />
aparentemente distantes, as dinâmicas organizacionais possuem <strong>um</strong>a relação<br />
íntima e decisiva com aquilo que de mais essencial pode existir n<strong>um</strong>a noção<br />
realista e sociologicamente construída de Estado de direito democrático.<br />
44<br />
As novas abordagens organizacionais salientam, igualmente, outras<br />
vertentes. Preparar, qualificar e operacionalizar as organizações públicas para<br />
as mudanças, requeri<strong>das</strong> tanto por novos como por velhos desafios (de ordem<br />
cívica, jurídica e social), significa, entre outras coisas, conferir <strong>um</strong>a especial<br />
atenção ao papel <strong>das</strong> lideranças na condução e no acompanhamento desse<br />
processo, partindo da relação estreita entre cultura, estratégia e liderança.<br />
Neste sentido, Schein (1993) propõe <strong>um</strong>a distinção que se revela, neste<br />
contexto, particularmente útil, entre liderança transaccional e liderança<br />
transformacional, de forma a caracterizar técnicas, comportamentos e atitudes<br />
liderantes adequa<strong>dos</strong> a carências e etapas organizacionais, a partir da tensão<br />
entre estabilidade e mudança.<br />
Se a primeira (transaccional) se reporta à capacidade de assegurar a<br />
rotinização <strong>dos</strong> processos, baseando-se n<strong>um</strong>a relação líder/subordina<strong>dos</strong> na<br />
motivação destes últimos para o c<strong>um</strong>primento <strong>dos</strong> objectivos pré-defini<strong>dos</strong> e na<br />
clarificação de papéis associa<strong>dos</strong> às tarefas, a segunda (transformacional) visa<br />
influenciar o curso de recomposições e alterações mais amplas na<br />
organização, procurando mobilizar e capacitar os seus membros para a<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
mudança organizacional. Capacidade na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> riscos, <strong>das</strong> oportunidades<br />
e <strong>das</strong> expectativas são traços liderantes fundamentais para o sucesso da<br />
transformação e adaptação <strong>das</strong> organizações a novas orientações funcionais e<br />
administrativas. É, aliás, por essa via que, na esteira de Hood e Lodge (2004),<br />
é possível afirmar que a administração pública moderna se passou a<br />
apresentar essencialmente como <strong>um</strong> mediador de actores, factores e<br />
circunstâncias variáveis: a reforma administrativa poderá ser encarada como<br />
<strong>um</strong> projecto integrado, complexo e diversificado onde é realmente necessária<br />
<strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> atenta e conciliadora <strong>dos</strong> diversos actores, <strong>dos</strong> seus<br />
comportamentos e <strong>das</strong> suas expectativas, de forma a que se possam servir<br />
to<strong>das</strong> sem arbítrios (Madureira e Rodrigues, 2006: 157). A liderança deve<br />
flexibilizar-se e ajustar-se em função <strong>dos</strong> cenários e <strong>dos</strong> contextos específicos<br />
que caracterizam as organizações, ultrapassando a rigidez categorial <strong>das</strong><br />
concepções que prevaleceram, <strong>sobre</strong>tudo, até à década de 60.<br />
Neste processo, a aprendizagem organizacional ass<strong>um</strong>e <strong>um</strong> papel<br />
crucial. A incorporação de conhecimento (tanto no domínio técnico,<br />
especializado, como no campo <strong>dos</strong> saberes relacionais, interpessoais e<br />
informais, imprescindíveis ao desenvolvimento de <strong>um</strong>a nova cultura<br />
profissional) e a potenciação da alteração comportamental constituem os<br />
termos mais estruturantes dessa aprendizagem que pode definir os termos da<br />
relação entre estabilidade e mudança 18 .<br />
Na perspectiva de Fiol e Lyles (1985), os ambientes demasiado estáveis<br />
não convidam à alteração <strong>das</strong> práticas nem suscitam novas oportunidades.<br />
Mas, o seu contrário também não reunirá as características mais propícias à<br />
aprendizagem, nomeadamente, à rentabilização organizacional do processo<br />
18 A relação entre mudança e aprendizagem não é, contudo, linear. De acordo com Hedberg<br />
(1981), o conceito de mudança reporta-se ao ajustamento defensivo a <strong>um</strong> estímulo, de<br />
proveniência interna ou externa à organização, ao passo que o conceito de aprendizagem<br />
envolve a compreensão <strong>dos</strong> nexos e <strong>das</strong> razões associa<strong>das</strong> à mudança operada no sistema de<br />
práticas e no ambiente organizacional, contribuindo para a produção, ass<strong>um</strong>pção e<br />
disseminação de novos saberes úteis à dinâmica funcional, cultural e comunicacional <strong>das</strong><br />
organizações.<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 45
aquisitivo, na medida em que as situações de extrema instabilidade implicam,<br />
geralmente, <strong>um</strong>a elevada <strong>sobre</strong>carga para os comportamentos quotidianos,<br />
impondo respostas adaptativas imediatas sem que seja garantido espaço para<br />
o desenvolvimento cognitivo <strong>dos</strong> sujeitos, o que exige mudanças graduais<br />
(Parente, 2006: 90).<br />
46<br />
Do ponto de vista <strong>das</strong> condições para a execução da mudança, o<br />
envolvimento <strong>dos</strong> intervenientes será tanto mais importante quanto mais a<br />
orientação gestionária adoptar <strong>um</strong>a estratégia antropocêntrica, por oposição a<br />
<strong>um</strong>a estratégia tecnocêntrica. Se esta última é dirigida às dimensões<br />
estritamente operacionais, a primeira assenta n<strong>um</strong>a tónica gerencial centrada<br />
no potencial e no capital h<strong>um</strong>ano 19 <strong>das</strong> organizações, procurando enriquecer<br />
os conteú<strong>dos</strong> desenvolvi<strong>dos</strong> na actividade organizacional. Daí que as<br />
condições de aprendizagem que a figura seguinte ilustra devam ser ti<strong>das</strong> em<br />
conta pelas lideranças (Parente, 2006).<br />
19 A noção de capital h<strong>um</strong>ano tem sido objecto de <strong>um</strong>a discussão sociológica própria. Sendo<br />
vasta a literatura que se tem dedicado à sua conceptualização e operacionalização, tem vindo<br />
a sofrer diferentes reconstruções e ampliações desde a sua proposta inicial nos anos 60<br />
(Becker, 1994), ultrapassando o seu significado e a sua aplicação original. Para novos<br />
desenvolvimentos, cf. Oliveira e Holland (2007).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Figura 1. Condições organizacionais de aprendizagem<br />
Fonte: Parente, 2006: 100<br />
Uma dimensão sociológica fundamental <strong>dos</strong> processos de mudança nas<br />
organizações consiste na forma como se estruturam as múltiplas frentes de<br />
resistência à introdução de novos méto<strong>dos</strong> de trabalho e, em geral, à<br />
transformação racionalizadora da vida organizacional. As condições de<br />
aprendizagem organizacional são, como vimos, factores importantes, no<br />
sentido de ganhar ou cativar os seus membros e destinatários para as reformas<br />
a desenvolver. Mas, como salientam Madureira e Rodrigues (2006), a questão<br />
interpretativa apresenta excepcional relevância, na medida em que a forma<br />
como são percepciona<strong>dos</strong> e experimenta<strong>dos</strong> os termos da mudança (direcção,<br />
justificação, condução e implicações directas e indirectas) nas organizações<br />
constitui <strong>um</strong> elemento determinante do seu sucesso ou do seu fracasso.<br />
De acordo com Kanter, Stein e Jick (1992), são várias as circunstâncias<br />
e os conteú<strong>dos</strong> da mudança susceptíveis de gerar reacções adversas por parte<br />
<strong>dos</strong> colaboradores. Desde logo, o impacto da mudança nas condições laborais<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 47
e nos vínculos contratuais constitui <strong>um</strong> elemento objectivo com efeitos no clima<br />
organizacional. No caso específico da administração pública portuguesa, este<br />
problema pode ganhar contornos mais agu<strong>dos</strong> pelo facto do sector beneficiar<br />
de <strong>um</strong> enquadramento mais protector/garantístico no domínio da legislação<br />
laboral. Neste aspecto, os estatutos sócio-profissionais do sector da justiça<br />
obrigam a especiais cuida<strong>dos</strong> no impacto <strong>das</strong> políticas organizacionais para<br />
este sector.<br />
48<br />
A perda de privilégios ou de controlo organizacional, a par da perda da<br />
hegemonia <strong>das</strong> competências (por via, por exemplo, da introdução de<br />
tecnologias que os colaboradores não dominam), constituem áreas de<br />
mudança fortemente carrega<strong>das</strong> de potencial de resistência, pelo que a aposta<br />
em novas competências comportamentais para os funcionários [pode] ser<br />
importante para a restituição de confiança e de auto-estima <strong>dos</strong> mesmos, que<br />
não devem sentir-se excluí<strong>dos</strong> [...]. Se existir <strong>um</strong>a exclusão generalizada <strong>dos</strong><br />
funcionários n<strong>um</strong> processo de mudança, este pode tornar-se contra-producente<br />
e mesmo perigoso para a <strong>sobre</strong>vivência <strong>das</strong> organizações públicas (Madureira<br />
e Rodrigues, 2006: 163). Conquistar os agentes, tornando-os parte activa do<br />
processo de mudança é, por isso, fundamental nos processos de reforma.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
2.6 Dos conceitos de qualidade e de excelência: breve<br />
abordagem 20<br />
Os múltiplos significa<strong>dos</strong> e o carácter corrente da palavra qualidade – de<br />
origem latina qualitas, que significa qualidade, maneira de ser, propriedade <strong>das</strong><br />
coisas [o que determina o que a coisa é (Aristóteles)] – quando utilizada em<br />
contextos varia<strong>dos</strong>, não deixa de ter alg<strong>um</strong>a analogia com as perspectivas<br />
diferencia<strong>das</strong> que o termo pode revelar n<strong>um</strong> contexto de <strong>gestão</strong>.<br />
A evolução do conceito de qualidade, revisto largamente na literatura,<br />
pode ser hoje de forma consensual tipificado em cinco fases:<br />
Inspecção: focalizada no produto, onde o conceito de qualidade surge<br />
ligado à medição, comparação, verificação <strong>das</strong> actividades que determinam<br />
a classificação do produto (década de 20);<br />
Controlo da qualidade: focalizado no processo produtivo, onde o conceito<br />
de qualidade surge ligado ao controlo estatístico e monitorização do<br />
processo (déca<strong>das</strong> de 30 a 50);<br />
Garantia de qualidade: focalizado em outros processos da organização,<br />
para além do processo produtivo, onde a qualidade surge associada ao<br />
planeamento, aos projectos, etc. (década de 60);<br />
Gestão da qualidade: focalizada no cliente, nas suas necessidades e nível<br />
de satisfação, onde o conceito de qualidade é integrado na <strong>gestão</strong> global<br />
da organização. O planeamento, controlo e a melhoria estão em conjunto<br />
presentes (década de 70 e 80);<br />
Qualidade na excelência: focalizada n<strong>um</strong>a cultura da organização que<br />
assegura a satisfação <strong>dos</strong> clientes (a partir da década de 90).<br />
Ao longo do último século, o quadro conceptual da qualidade foi<br />
crescendo de abrangência e de complexidade, embora tenha sido<br />
fundamentalmente a partir da década de setenta que o debate teórico se<br />
20 O texto constante deste ponto, ligeiramente revisto, é da autoria da consultora deste projecto<br />
Margarida Mano.<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 49
desenvolveu significativamente 21 . Neste percurso, o conceito de excelência<br />
enquadra-se n<strong>um</strong>a fase de maturidade do processo, n<strong>um</strong>a óptica de qualidade<br />
total (Total Quality Management) ou, conforme usualmente referenciado nas<br />
áreas da educação e da saúde nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> da América (EUA), de<br />
melhoria de qualidade contínua (Continuous Quality Improvement).<br />
50<br />
Aos modelos de excelência, ou de qualidade total, subjaz <strong>um</strong>a filosofia<br />
de <strong>gestão</strong> que centra a organização naquele que é a razão de ser última da<br />
sua actividade (o cliente/o utente/o cidadão) e n<strong>um</strong>a dinâmica de melhoria<br />
contínua. Neste contexto, pressupõe-se <strong>um</strong>a abordagem sistémica 22 com<br />
princípios de <strong>gestão</strong> aplica<strong>dos</strong> em to<strong>dos</strong> os níveis, to<strong>dos</strong> os estádios e to<strong>dos</strong> os<br />
departamentos da organização, tendo sido cria<strong>dos</strong> a nível internacional vários<br />
programas de incentivos à utilização destes modelos, designa<strong>dos</strong> de prémios<br />
de excelência, de que se destacam: Deming Prize fundado no Japão, pelo<br />
Japanese Union of Scientists and Engineers, em 1951; Malcolm Baldrige<br />
Award, nos EUA, cujo primeiro prémio foi distribuído em 1988; e European<br />
Quality Award na Europa, primeiro prémio atribuído pela European Foundation<br />
for Quality Management em 1992.<br />
O modelo baseado na filosofia da <strong>gestão</strong> pela qualidade total de<br />
referência na Europa é o modelo da EFQM. Trata-se de <strong>um</strong>a ferramenta que<br />
pretende possibilitar melhores práticas de <strong>gestão</strong> e dessa forma melhorar o<br />
desempenho <strong>das</strong> organizações, podendo ser utilizado para verificação do<br />
estado da organização (auto-avaliação), como ferramenta de planeamento ou<br />
enquanto ferramenta de <strong>gestão</strong> da mudança.<br />
21 Juran (1974), Crosby (1979), Ishikaw (1982), Deming (1986), Feigenba<strong>um</strong> (1987), Kanji<br />
(1998), Dahlgaard et al (1998)] e Oakland (2000), entre outros.<br />
22 TQM is a structured attempt to re-focus the organization‟s behaviour, planning and working<br />
practices towards a culture which is employee driven, problem solving, customer oriented, and<br />
open and fear-free. “Furthermore, the organization‟s devolution of decision making, removal of<br />
functional barriers, eradication of sources of errors, team working and fact-based decision<br />
making”, Ghobadian et al. (1998:10).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
A premissa de base em que assenta o modelo, ilustrada na figura<br />
seguinte, é a de <strong>um</strong> processo dinâmico em que resulta<strong>dos</strong> excelentes relativos<br />
aos clientes, pessoas e sociedade são alcança<strong>dos</strong> através de liderança na<br />
condução da estratégia, que é transferida através <strong>das</strong> pessoas, <strong>das</strong> parcerias,<br />
<strong>dos</strong> recursos e <strong>dos</strong> processos, <strong>dos</strong> produtos e <strong>dos</strong> serviços.<br />
Figura 2. Modelo de Excelência da EFQM<br />
Enablers Results<br />
Leadership People<br />
Strategy<br />
Partnerships<br />
& Resources<br />
Processes,<br />
Products &<br />
Services<br />
Fonte: www.efqm.org<br />
People<br />
Results<br />
Customer<br />
Results<br />
Society<br />
Results<br />
Key<br />
Results<br />
Learning, Creativity and Innovation<br />
O modelo de excelência da EFQM, inicialmente vocacionado para<br />
grandes empresas do sector privado, tem vindo a ser revisto no sentido da sua<br />
generalização a to<strong>das</strong> as organizações, independentemente da dimensão e<br />
sector de actividade. Desta tendência é exemplo a evolução recente para a<br />
versão de 2010 23 , que reforça a integração entre os nove critérios<br />
23 EFQM (2009).<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 51
apresenta<strong>dos</strong> na figura e os conceitos fundamentais da excelência 24<br />
(reformula<strong>dos</strong> com <strong>um</strong>a designação mais dinâmica): a) alcançar resulta<strong>dos</strong><br />
equilibra<strong>dos</strong>; b) acrescentar valor para o cliente; c) liderar com visão, inspiração<br />
e integridade; d) gerir por processos; e) alcançar o sucesso através <strong>das</strong><br />
pessoas; f) alimentar a criatividade e a inovação; g) construir parcerias; e h)<br />
ass<strong>um</strong>ir a responsabilidade por <strong>um</strong> futuro sustentável.<br />
52<br />
Taking Responsability<br />
for a Sustainable Future<br />
Building<br />
Partnerships<br />
Nurturing Creativity<br />
& Innovation<br />
Figura 3. Modelo de Excelência da EFQM<br />
Achieving Balanced Results<br />
Succeeding through People<br />
Fonte: wwww.efqm.org<br />
Adding Value for<br />
Customers<br />
Leading with Vision,<br />
Inspiration & Integrity<br />
Managing by Processes<br />
A qualidade no serviço público teve <strong>um</strong> desenvolvimento tardio,<br />
<strong>sobre</strong>tudo a partir da década de oitenta, quando a comparação entre padrões<br />
24 Reforça-se também a integração com a lógica do RADAR que mantém os quatro elementos<br />
(Resulta<strong>dos</strong>; Abordagem; Desdobramento e Avaliação e Refinamento) embora sofra alterações<br />
ao nível <strong>dos</strong> atributos, nomeadamente <strong>dos</strong> Resulta<strong>dos</strong>.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
públicos e priva<strong>dos</strong>, a par com a estratégia de supervisão estatal condicionada<br />
pela escassez de recursos, determinaram a orientação de vários <strong>olhar</strong>es<br />
críticos para os serviços públicos.<br />
Em Portugal é definido em 1999 <strong>um</strong> referencial público inspirado em<br />
princípios de qualidade total: o Sistema de Qualidade em Serviços Públicos (DL<br />
n.º 166-A/99, de 13 de Maio). O diploma considera que a qualidade em<br />
serviços públicos é <strong>um</strong>a filosofia de <strong>gestão</strong> que permite alcançar <strong>um</strong>a maior<br />
eficácia e eficiência <strong>dos</strong> serviços, a desburocratização e simplificação de<br />
processos e procedimentos e a satisfação <strong>das</strong> necessidades explícitas e<br />
implícitas <strong>dos</strong> cidadãos. Este diploma potenciava <strong>um</strong> modelo que, volvi<strong>dos</strong><br />
onze anos, se quedou pelo estabelecimento de princípios enquadradores, não<br />
sendo utilizado, conforme previsto no seu Capítulo III, enquanto referencial de<br />
<strong>um</strong> sistema de certificação de órgãos e serviços.<br />
Dinâmicas de mudança na administração <strong>das</strong> organizações públicas 53
OS NOVOS CAMINHOS DA REFORMA DA JUSTIÇA<br />
E A CENTRALIDADE DAS MEDIDAS GESTIONÁRIAS:<br />
DA QUALIDADE À EXCELÊNCIA<br />
3
3 OS NOVOS CAMINHOS DA REFORMA DA JUSTIÇA E<br />
A CENTRALIDADE DAS MEDIDAS GESTIONÁRIAS: DA<br />
QUALIDADE À EXCELÊNCIA<br />
56<br />
As organizações do judiciário não escapam àquele novo contexto e<br />
novas dinâmicas da administração pública, embora este seja <strong>um</strong> <strong>dos</strong> sectores<br />
do Estado ao qual as reformas gestionárias mais tardiamente chegaram. Tal<br />
como em outras organizações do Estado e da sociedade, os modelos<br />
burocráticos de administração <strong>das</strong> organizações têm vindo a ser submeti<strong>dos</strong> a<br />
<strong>um</strong> processo de reflexão e reavaliação política e académica. Até à década de<br />
90 do século passado, a resposta do sistema à sua crise centrou-se,<br />
<strong>sobre</strong>tudo, em reformas de natureza processual e no crescimento de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos e materiais. Mudanças no Estado e na sociedade mudaram o<br />
contexto social da justiça, cujos sinais mais visíveis são o a<strong>um</strong>ento exponencial<br />
do vol<strong>um</strong>e e da complexidade da litigação, obrigando à procura de novos<br />
caminhos para a reforma do sistema e à conclusão pela necessidade de outro<br />
tipo de reformas estruturais.<br />
Assim, a partir de finais da década de 90 do século passado, em linha<br />
com outros sectores do Estado, o sistema judicial começa também ele a ser<br />
objecto de análise e recomendações que pretendem explorar <strong>um</strong>a nova<br />
dimensão gestionária, considerando-se que o défice de organização, <strong>gestão</strong> e<br />
planeamento <strong>das</strong> organizações do judiciário em geral, eram responsáveis por<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
grande parte da ineficiência e ineficácia do seu desempenho funcional. Os<br />
<strong>tribunais</strong> eram e ainda continuam a ser, generalizadamente, aponta<strong>dos</strong> como<br />
<strong>um</strong>a <strong>das</strong> organizações mais burocráticas do Estado, sendo a burocracia da sua<br />
organização e funcionamento <strong>um</strong> entrave à eficácia, eficiência e qualidade do<br />
seu desempenho. Defende-se, por isso, a introdução de medi<strong>das</strong> que visem a<br />
alteração de méto<strong>dos</strong> de trabalho, <strong>um</strong>a melhor e mais eficaz <strong>gestão</strong> de<br />
recursos (h<strong>um</strong>anos, materiais e <strong>dos</strong> processos) e <strong>um</strong>a melhor articulação <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong> com os serviços complementares da justiça. As reformas que visam o<br />
reforço da capacidade de organização e <strong>gestão</strong> do sistema de justiça tornaram-<br />
se, assim, apostas centrais <strong>das</strong> agen<strong>das</strong> de reforma em muitos países. Nos<br />
últimos anos, como melhor se verá adiante, o debate evoluiu para a reflexão<br />
<strong>sobre</strong> como implementar no judiciário os novos conceitos de qualidade total e<br />
ou de excelência.<br />
O Conselho da Europa, especialmente através da Comissão Europeia<br />
para a Eficiência da Justiça, deu <strong>um</strong> especial impulso a este movimento. Em<br />
2001 (Recomendações (2) e (3)) chamou a atenção para a importância <strong>das</strong><br />
novas tecnologias, enquanto instr<strong>um</strong>ento auxiliar da administração e <strong>gestão</strong> da<br />
justiça, apelando ao seu uso mais intensivo em contexto judiciário, de modo a<br />
permitir, entre outros, a padronização e automatização de procedimentos<br />
repetitivos a melhoria <strong>das</strong> comunicações, quer internamente, quer <strong>das</strong><br />
diferentes organizações com o exterior. A informatização passou, ainda, a ser<br />
vista como <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento essencial para a obtenção de indicadores<br />
estatísticos que permitam melhor definir medi<strong>das</strong> gestionárias e obter<br />
indicadores de avaliação. Mais recentemente, com o conceito de e-governance<br />
(Recomendação (15) de 2004), a vertente transparência e comunicação com<br />
os cidadãos emerge com <strong>um</strong>a <strong>das</strong> componentes do sector da justiça a<br />
dinamizar.<br />
No que se refere aos estu<strong>dos</strong> desenvolvi<strong>dos</strong> no âmbito da CEPEJ 25 ,<br />
25 Para mais desenvolvimentos, cf. OPJ (2008).<br />
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />
medi<strong>das</strong> gestionárias 57
destaca-se a publicação, em 2006, de <strong>um</strong> compêndio de boas práticas de<br />
<strong>gestão</strong> do tempo <strong>dos</strong> processos judiciais. Trata-se de <strong>um</strong> doc<strong>um</strong>ento que reúne<br />
alg<strong>um</strong>as boas práticas desenvolvi<strong>das</strong> em <strong>tribunais</strong> e recomenda<strong>das</strong> pelo<br />
Conselho da Europa, bem como decisões, neste âmbito, do Tribunal Europeu<br />
<strong>dos</strong> Direitos H<strong>um</strong>anos 26 . Naquele doc<strong>um</strong>ento, as questões da administração e<br />
<strong>gestão</strong>, designadamente <strong>sobre</strong> o papel a desempenhar pelos agentes judiciais,<br />
e o uso <strong>das</strong> novas tecnologias de informação e de comunicação ass<strong>um</strong>em<br />
especial relevância. Defende-se a adopção, pelos Esta<strong>dos</strong>, de princípios<br />
orientadores, para todo o sistema judicial, embora se considere que deverão<br />
ser, caso a caso, os próprios <strong>tribunais</strong> a desenvolverem as suas estratégias de<br />
<strong>gestão</strong> atendendo às respectivas especificidades, às dinâmicas contextuais e,<br />
ainda, aos usos e cost<strong>um</strong>es do foro.<br />
58<br />
Defende-se, naquele relatório da CEPEJ, a adopção de políticas e boas<br />
práticas de <strong>gestão</strong> processual, apontando-se a necessidade de adaptação da<br />
tramitação processual à complexidade <strong>dos</strong> casos considerando, entre outros, o<br />
valor da acção, o número de interessa<strong>dos</strong> ou as questões jurídicas que o caso<br />
concreto suscita. Avança-se, ainda, com a recomendação de várias outras<br />
medi<strong>das</strong>, tendo em vista, por exemplo, a redução <strong>dos</strong> adiamentos de<br />
audiências, a realização de <strong>um</strong>a conferência prévia entre as partes com vista à<br />
calendarização <strong>dos</strong> actos processuais, evitando, assim, o desperdício de tempo<br />
e de recursos 27 e a adopção de formatos concisos e padroniza<strong>dos</strong> nas<br />
decisões judiciais 28 , de modo a que os juízes se foquem nas questões<br />
jurisdicionais.<br />
26 As questões são agrupa<strong>das</strong> em cinco linhas temáticas: estabelecimento de calendarizações<br />
realistas e mesuráveis para a realização <strong>dos</strong> actos processuais; assegurar o c<strong>um</strong>primento <strong>dos</strong><br />
prazos fixa<strong>dos</strong>; monitorização e disseminação de da<strong>dos</strong>; desenvolvimento de medi<strong>das</strong><br />
referentes à avaliação e de resposta ao vol<strong>um</strong>e processual; promoção de políticas e práticas<br />
de <strong>gestão</strong> processual.<br />
27 Além daquelas vantagens são ainda aponta<strong>das</strong> outras como, por exemplo, o a<strong>um</strong>ento de<br />
acor<strong>dos</strong> extrajudiciais.<br />
28 Pretende-se fazer diminuir o peso arg<strong>um</strong>entativo da decisão que, em parte, podia ser feito<br />
por remissão.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Destaca-se, ainda, a preocupação com a criação de medi<strong>das</strong> que<br />
permitam <strong>um</strong> rápido ajustamento do sistema judicial à variação do vol<strong>um</strong>e da<br />
procura. A CEPEJ alerta para a importância <strong>das</strong> variações no vol<strong>um</strong>e<br />
processual e na carga de trabalho. Os <strong>tribunais</strong> devem, por isso, ter em linha<br />
de conta os fluxos da procura e a flexibilização da capacidade de resposta na<br />
definição estratégica de medi<strong>das</strong> de <strong>gestão</strong> e na monitorização do seu<br />
desempenho 29 . A adequada monitorização do vol<strong>um</strong>e processual e da carga de<br />
trabalho pressupõe a definição prévia da capacidade de trabalho <strong>dos</strong> recursos<br />
h<strong>um</strong>anos do tribunal e <strong>um</strong>a distribuição adequada <strong>dos</strong> recursos materiais 30 .<br />
Neste contexto é, por isso, dada especial ênfase à flexibilidade enquanto factor<br />
fundamental <strong>das</strong> respostas a desenvolver. A importância deste factor prende-<br />
se, essencialmente, com a emergência de alterações significativas, não<br />
previstas ou imprevisíveis, que exigem o recurso a medi<strong>das</strong> correctivas 31 .<br />
Mais recentemente, e com vista a ultrapassar dificuldades na obtenção<br />
de da<strong>dos</strong> quantitativos comparativos relativamente à duração <strong>dos</strong> processos,<br />
foi criado, no âmbito da CEPEJ, <strong>um</strong> centro denominado SATURN 32 , que tem<br />
como objectivo a identificação de categorias e definições comuns. O objectivo é<br />
que estas categorias e definições venham a ser utiliza<strong>das</strong> em to<strong>dos</strong> os<br />
Esta<strong>dos</strong>-membros aquando da recolha de da<strong>dos</strong> relativamente à duração <strong>dos</strong><br />
processos. Também em 2007, a CEPEJ lançou o desafio aos Esta<strong>dos</strong>-<br />
membros de promoverem estu<strong>dos</strong> em torno de temas como o acesso à justiça,<br />
a duração <strong>dos</strong> processos, a monitorização e avaliação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, o uso às<br />
tecnologias de informação e comunicação nos <strong>tribunais</strong> e a administração e<br />
29 Para tal é necessário <strong>um</strong> acompanhamento sistemático da evolução <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> que<br />
permitem traçar os fluxos quer através da recolha de da<strong>dos</strong> por meio automatiza<strong>dos</strong>, quer<br />
através de sistemas mais simples e tradicionais.<br />
30 Para mais desenvolvimentos no que respeita ao caso português, ver o estudo do OPJ<br />
(2002).<br />
31 Recomenda-se, por exemplo, o recurso à criação de task-forces de juízes, <strong>um</strong>a maior<br />
flexibilidade <strong>das</strong> normas processuais de distribuição <strong>dos</strong> processos ou o alargamento <strong>das</strong><br />
competências <strong>dos</strong> funcionários judiciais.<br />
32 Cf. CEPEJ (2007).<br />
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />
medi<strong>das</strong> gestionárias 59
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />
3.1 A qualidade no judiciário: a discussão em torno de<br />
alg<strong>um</strong>as componentes<br />
60<br />
No último relatório da CEPEJ, publicado em 2008, ass<strong>um</strong>e-se <strong>um</strong>a<br />
evolução em relação ao desafio da qualidade no judiciário. As orientações da<br />
CEPEJ que, até então, se centravam, <strong>sobre</strong>tudo, na defesa de modelos de<br />
<strong>gestão</strong> para melhorar a eficiência do sistema de justiça, passam a dar relevo e<br />
especial atenção aos aspectos relaciona<strong>dos</strong> com a qualidade. Neste contexto,<br />
foi criado <strong>um</strong> grupo de trabalho (CEPEF-GT-QUAL), responsável pela recolha<br />
de informação, pela avaliação <strong>das</strong> iniciativas e pelo desenvolvimento de<br />
ferramentas que permitam promover a qualidade do judiciário nos diferentes<br />
Esta<strong>dos</strong>-membros.<br />
Como já se referiu, no contexto europeu, só no final da década de 90 do<br />
século passado é que se começa a juntar à preocupação com a eficiência o<br />
conceito de qualidade 33 , iniciando-se então o debate acerca do<br />
desenvolvimento e consolidação da administração da justiça orientada para a<br />
eficiência e qualidade, isto é, para garantir, partindo de valores comuns, que<br />
determina<strong>dos</strong> padrões e níveis de qualidade possam ser desenvolvi<strong>dos</strong>,<br />
implementa<strong>dos</strong> e garanti<strong>dos</strong> pelas organizações do judiciário e pelos seus<br />
membros.<br />
Para alguns autores, como P. Langbroek (2005), o funcionamento<br />
adequado de <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> orientada para a qualidade, principalmente em<br />
organizações com as características <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, depende muito da forma<br />
como se alcança <strong>um</strong> acordo na definição de padrões de qualidade,<br />
considerando os princípios com<strong>um</strong>mente aceites nas organizações judiciárias<br />
33 Para mais desenvolvimentos <strong>sobre</strong> a questão da qualidade no judiciário, cf. Rivero-Cabouat<br />
(2005).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
europeias, como a independência e imparcialidade judicial. Outros princípios ou<br />
linhas orientadoras, como a duração adequada <strong>dos</strong> processos, a eficiência, a<br />
certeza e segurança jurídica, o acesso à justiça, a eficácia de desempenho e a<br />
prestação de contas, são essenciais nesse consenso. Nem sempre é fácil<br />
compatibilizar to<strong>dos</strong> aqueles princípios com determina<strong>das</strong> vertentes e<br />
características <strong>das</strong> organizações judiciárias, designadamente, o seu desenho<br />
institucional de governação e funcionamento organizacional ou a tensão entre<br />
os domínios de acção política e judiciária. Defende-se, por isso, que <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />
principais vectores a considerar n<strong>um</strong> modelo de justiça orientado para a<br />
qualidade é o seu desenho institucional de governação e a relação que, através<br />
dele, se estabelece entre os vários poderes do Estado e, em particular, entre o<br />
poder judicial e o poder executivo.<br />
M. Fabri (2005) sintetiza em quatro grupos as medi<strong>das</strong> ou políticas que<br />
têm vindo a ser estabeleci<strong>das</strong> em diferentes países, tendo em vista melhorar a<br />
qualidade da justiça. São elas: políticas de governação direcciona<strong>das</strong> para a<br />
mudança <strong>das</strong> instituições que governam o judiciário; políticas estruturais<br />
relaciona<strong>das</strong> com a alteração do número ou <strong>das</strong> funções <strong>das</strong> organizações do<br />
sistema; políticas processuais que visam alterarem as regras tradicionais de<br />
responder a problemas do judiciário; e políticas de <strong>gestão</strong> direcciona<strong>das</strong> para a<br />
qualidade e eficiência de resposta ao vol<strong>um</strong>e e natureza da litigação, para a<br />
avaliação do desempenho funcional e para o investimento em tecnologias.<br />
Nesta nova orientação para a qualidade, ass<strong>um</strong>e especial relevância a<br />
reflexão <strong>sobre</strong> os mecanismos de avaliação externa e de prestação de contas.<br />
São vertentes em debate em diferentes países, reconhecendo-se a sua<br />
complexidade, desde logo, porque não podem colocar em causa os princípios<br />
da independência e da autonomia do poder judicial. Malleson 34 é <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />
autores que mais se tem destacado na reflexão acerca desta temática. Começa<br />
por distinguir duas formas de prestação de contas: a prestação de contas<br />
34 Cf. Malleson (1990).<br />
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />
medi<strong>das</strong> gestionárias 61
política e a prestação de contas limitada. A primeira, que pode incluir medi<strong>das</strong><br />
como a demissão, a responsabilidade civil ou criminal, não será aplicável ao<br />
poder judicial em respeito pelo princípio da independência judicial. O segundo<br />
tipo centra-se na transparência procedimental e na mudança da relação,<br />
considerando o novo contexto social, com os diferentes intervenientes<br />
processuais e com a sociedade em geral, este sim aplicável às instituições do<br />
judiciário 35 .<br />
62<br />
A adopção de <strong>um</strong>a perspectiva gestionária, orientada para a eficiência e<br />
qualidade, impõe que se tenha em consideração aspectos relaciona<strong>dos</strong> com a<br />
organização e funcionamento interno <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, incluindo os méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho 36 . Para H. Fix-Fierro (2003), intervir na organização e funcionamento<br />
interno, adoptando objectivos e orientações comuns e claros é, n<strong>um</strong>a<br />
perspectiva gestionária, essencial. Aquelas orientações devem, por <strong>um</strong> lado,<br />
constituir <strong>um</strong> pressuposto de avaliação do desempenho funcional e, por outro<br />
lado, criar <strong>um</strong> ambiente de envolvimento para que to<strong>dos</strong> os intervenientes<br />
sintam que trabalham para <strong>um</strong> fim com<strong>um</strong>. Neste contexto, o desenvolvimento<br />
de medi<strong>das</strong> que assegurem <strong>um</strong>a adequada divisão do trabalho e de funções<br />
dentro da organização tribunal permite garantir, quer <strong>um</strong> nível mais elevado de<br />
eficiência, quer a criação de condições de trabalho mais favoráveis, reduzindo<br />
custos de coordenação e a<strong>um</strong>entando a capacidade de motivação ou de<br />
reacção a situações de crise.<br />
Santos Pastor (2003) alerta para a importância <strong>das</strong> orientações e<br />
princípios comuns mas, também, para a necessidade <strong>das</strong> políticas de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos assegurarem a flexibilidade <strong>dos</strong> conteú<strong>dos</strong> funcionais de modo a<br />
permitirem <strong>um</strong>a maior mobilidade. Reflecte, ainda, acerca da importância da<br />
definição <strong>dos</strong> pressupostos e critérios de progressão na carreira profissional,<br />
que devem incluir critérios vincula<strong>dos</strong> ao desempenho; do adequado<br />
35 Cf. Ng (2007).<br />
36 Esta é <strong>um</strong>a questão que se discute há longos anos nos países da Common Law. Nos países<br />
de tradição jurídica continental apenas recentemente começou a ser alvo de reflexão.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
planeamento que impeça a permanente rotatividade <strong>dos</strong> funcionários; da<br />
garantia de formação; e, ainda, da adequada divisão de trabalho que permita<br />
atribuir tarefas mais qualifica<strong>das</strong> a pessoal mais qualificado.<br />
A importância da intervenção a este nível, leva autores como Gar Yein<br />
Ng (2007) a concluir que, para a implementação de mecanismos de qualidade<br />
nos <strong>tribunais</strong>, é necessário reformular a organização interna e funcionamento<br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> de forma a eliminar, ou pelo menos a esbater, o seu carácter<br />
atomístico.<br />
N<strong>um</strong>a perspectiva gestionária, orientada, para a eficiência e qualidade<br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> mostra-se, ainda, fundamental definir medi<strong>das</strong> susceptíveis de<br />
actuar <strong>sobre</strong> os mecanismos de distribuição <strong>dos</strong> processos, quer entre<br />
diferentes <strong>tribunais</strong> (organização judiciária), quer dentro de cada tribunal pelos<br />
diferentes magistra<strong>dos</strong> judiciais. Como já referimos em anterior estudo 37 , estas<br />
medi<strong>das</strong> confrontam-se com dois princípios inerentes ao poder judicial: o<br />
princípio da inamovibilidade e o princípio do juiz natural. A flexibilização na<br />
distribuição de processos (movimentando os processos ou o juiz), quer por<br />
razões de vol<strong>um</strong>e processual, quer por razões de natureza do conflito é <strong>um</strong>a<br />
questão complexa. Enfatizando o princípio da inamovibilidade ou, para alguns,<br />
<strong>um</strong>a interpretação restrita daquele princípio, são vários os sistemas judiciais,<br />
incluindo o nosso, que não permitem a movimentação, fora de concurso próprio<br />
ou de regras de afectação de <strong>um</strong> juiz, por razões conjunturais de vol<strong>um</strong>e ou de<br />
natureza da litigação, quer de <strong>um</strong> tribunal para o outro, quer mesmo entre<br />
secções do mesmo tribunal. Há, contudo, países em que sendo os juízes<br />
coloca<strong>dos</strong> n<strong>um</strong> espaço territorial mais alargado (por exemplo, na comarca em<br />
vez de em determinado juízo) é possível <strong>um</strong>a maior flexibilidade na colocação<br />
<strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos, desde que com respeito por critérios pré-defini<strong>dos</strong> 38 .<br />
O papel do presidente do tribunal na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos,<br />
37 Cf. OPJ (2008).<br />
38 Para mais desenvolvimentos <strong>sobre</strong> esta temática, cf. OPJ (2006).<br />
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />
medi<strong>das</strong> gestionárias 63
incluindo os magistra<strong>dos</strong>, e na distribuição <strong>dos</strong> processos é diferente nos vários<br />
sistemas judiciais, suscitando, assim, diferentes interpretações daqueles<br />
princípios 39 . Os sistemas judiciais em que o presidente do tribunal desempenha<br />
<strong>um</strong> papel mais activo, quer no que respeita à distribuição processual, quer à<br />
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos são, em regra, dota<strong>dos</strong> de maior flexibilidade.<br />
64<br />
É certo que as regras de distribuição processual têm, genericamente, <strong>um</strong><br />
duplo objectivo: garantir a imparcialidade do tribunal e assegurar <strong>um</strong>a<br />
distribuição tendencialmente igualitária de carga processual. Mas, para os<br />
defensores de <strong>um</strong>a maior flexibilidade, o respeito pelo princípio da<br />
independência é assegurado através de regras gerais e abstractas que<br />
previamente definem os critérios da distribuição. Daí que, para alguns<br />
autores 40 , a rigidez <strong>das</strong> regras relativas à distribuição processual dificulta a<br />
distribuição de determina<strong>dos</strong> processos mais complexos que deveriam poder<br />
ser tramita<strong>dos</strong> por juízes tecnicamente mais prepara<strong>dos</strong> para o tipo de questão<br />
que aí se discute 41 .<br />
No contexto europeu, encontramos diferenças significativas em sistemas<br />
de justiça como os da Alemanha e de Itália, por <strong>um</strong> lado, e os sistemas de<br />
justiça da Dinamarca, Inglaterra e País de Gales, por outro. Essas diferenças<br />
acentuam-se, essencialmente, no que respeita ao nível de formalismo da<br />
distribuição de processos. Existe, contudo, <strong>um</strong> terceiro grupo de países,<br />
<strong>sobre</strong>tudo a França e a Holanda, situa<strong>dos</strong> a meio termo entre aqueles dois<br />
outros grupos que têm vindo a desenvolver regras internas que permitem <strong>um</strong>a<br />
maior flexibilidade da distribuição de processos (OPJ, 2008).<br />
A análise da <strong>experiência</strong> comparada mostra que as preocupações de<br />
39 Em França, por exemplo, compete ao presidente do tribunal distribuir os juízes do tribunal<br />
pelas várias secções. Na Noruega, por sua vez, é o presidente do tribunal que decide a<br />
distribuição <strong>dos</strong> processos pelos vários juízes.<br />
40 Cf. Langbroek e Fabri (2007).<br />
41 Por oposição, na Dinamarca, em Inglaterra e no País de Gales, a troca informal de<br />
processos entre juízes é relativamente frequente.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
<strong>gestão</strong> processual surgiram associa<strong>das</strong> aos países de tradição da common<br />
law, caracteriza<strong>dos</strong> por <strong>um</strong> processo de tipo adversarial, mas com <strong>um</strong> forte<br />
poder de conformação do juiz e onde, por regra, este é assessorado por <strong>um</strong><br />
conjunto de funcionários com competências específicas, não só no que<br />
respeita à administração do tribunal, mas também em matéria de direito. Por<br />
contraposição, no sistema continental de tradição histórica francesa e de cariz<br />
burocrático, a introdução de méto<strong>dos</strong> de <strong>gestão</strong> processual tem-se vindo a<br />
revelar muito mais resistente.<br />
Aliás, a perspectiva gestionária surge, <strong>sobre</strong>tudo, como <strong>um</strong>a<br />
necessidade de resposta ao crescimento da litigação, tendo por base a<br />
concepção segundo a qual a eficiência resulta menos <strong>das</strong> mudanças <strong>das</strong><br />
regras processuais do que da adequada monitorização do desempenho<br />
funcional <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e intervenientes no processo, tendo em conta o caso<br />
concreto 42 . Neste contexto, discute-se a adopção de medi<strong>das</strong> gestionárias com<br />
reflexos no caso concreto, como sejam a selecção adequada da<br />
calendarização <strong>das</strong> diligências; o encorajamento da solução do conflito por<br />
acordo; a estabilização da instância, decidindo-se, o mais cedo possível, to<strong>das</strong><br />
as questões formais; a adopção de critérios que possibilitem a definição de<br />
<strong>um</strong>a estimativa de duração provável <strong>dos</strong> processos de acordo com a natureza<br />
do litígio; a adopção de medi<strong>das</strong> que permitam prevenir a duplicação de prova<br />
e a obtenção da mesma a custos mais reduzi<strong>dos</strong>; que garantam <strong>um</strong>a produção<br />
de prova reduzida ao essencial; o recurso a funcionários judiciais com<br />
competência e formação especializada para o tratamento de determina<strong>das</strong><br />
matérias e ou litígios; a utilização eficiente <strong>das</strong> novas tecnologias de<br />
comunicação; e, ainda, sempre que possível, a utilização de formas<br />
processuais mais céleres.<br />
Como acima se referiu, as orientações de políticas gestionárias estão<br />
42 Assim sendo, <strong>um</strong>a <strong>das</strong> consequências desta nova concepção foi a mutação do tradicional<br />
papel do juiz, enquanto terceiro imparcial e distante, n<strong>um</strong> interveniente activo na <strong>gestão</strong> do<br />
processo, cf. Fix-Fierro (2003).<br />
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />
medi<strong>das</strong> gestionárias 65
intimamente liga<strong>das</strong> ao desenvolvimento <strong>das</strong> novas tecnologias de informação<br />
e de comunicação, considera<strong>das</strong> <strong>um</strong>a <strong>das</strong> componentes fundamentais de <strong>um</strong>a<br />
orientação estratégica para a qualidade e eficácia <strong>dos</strong> sistemas judiciais.<br />
Contudo, e como também já se deixou dito, a disponibilização de tecnologias<br />
de informação no sistema judiciário não constitui, por si, garantia de <strong>um</strong>a<br />
utilização optimizada <strong>das</strong> mesmas, acontecendo, com frequência, o seu uso<br />
ficar bastante aquém <strong>das</strong> suas potencialidades.<br />
66<br />
A diversidade europeia no que toca ao grau de implementação e à<br />
eficácia e finalidades <strong>das</strong> tecnologias de informação nos diversos sistemas<br />
judiciais é significativa. Neste sentido, M. Fabri e F. Contini (2001) concluem<br />
que, ao nível europeu e de <strong>um</strong> modo geral, a introdução <strong>das</strong> tecnologias de<br />
informação nos sistemas judiciários é conduzida tendo em vista a resolução de<br />
problemas específicos, e não a sua eficaz integração no sistema judicial e<br />
(mesmo na organização onde vão ser utiliza<strong>das</strong>) não prevendo nem <strong>um</strong>a visão<br />
integrada <strong>dos</strong> sistemas de informação, nem <strong>um</strong>a eficaz articulação entre as<br />
diferentes instituições do judiciário, como, por exemplo, entre os <strong>tribunais</strong>, as<br />
prisões ou as polícias. Chamam, igualmente, atenção para a circunstância de<br />
não existir troca de conhecimentos entre os diferentes Esta<strong>dos</strong>-membros <strong>sobre</strong><br />
as aplicações utiliza<strong>das</strong> e testa<strong>das</strong>. Entendem também que não são<br />
desenvolvi<strong>dos</strong>, em regra, programas de formação adequa<strong>dos</strong> para to<strong>dos</strong> os<br />
intervenientes do sistema judicial, desde juízes a funcionários, passando pelos<br />
advoga<strong>dos</strong>, que permitam <strong>um</strong>a eficaz utilização <strong>das</strong> tecnologias de informação<br />
e o reconhecimento do seu potencial para o desempenho funcional 43 . Tal<br />
formação ajudaria a ultrapassar resistências às reformas, embora para os<br />
autores a eliminação <strong>das</strong> resistências só seja possível através de mudanças<br />
significativas na cultura jurídica 44 .<br />
43 Cf. Oskamp, Lodder e Apisola (2004).<br />
44 Muitos autores têm apontado, no que se refere ao estudo do êxito <strong>das</strong> reformas, a<br />
importância da cultura jurídica. Não obstante a influência de outros factores, ressalta-se, em<br />
especial, o papel da cultura jurídica interna, isto é, os obstáculos que podem ser interpostos ao<br />
sucesso <strong>das</strong> reformas por parte de quem integra o sistema judicial (juízes, profissões jurídicas,<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
3.2 Da qualidade à excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 45<br />
A discussão em torno da evolução de <strong>um</strong> modelo sistémico de <strong>gestão</strong>,<br />
baseado em princípios de qualidade, para <strong>um</strong> outro baseado em princípios de<br />
excelência nos <strong>tribunais</strong> começa hodiernamente a ganhar relevo. O<br />
desenvolvimento deste modelo pressupõe <strong>um</strong>a prévia definição conceptual do<br />
modelo, com a assunção partilhada <strong>dos</strong> valores fundamentais a ter em conta<br />
pelos <strong>tribunais</strong> no desenvolvimento da sua missão, bem como <strong>um</strong>a clara<br />
definição <strong>das</strong> funções e responsabilidades <strong>dos</strong> agentes. Os valores nucleares<br />
do exercício da função judicial estão expressos nos enquadramentos<br />
legislativos respectivos e assentam em princípios, de <strong>um</strong> modo geral,<br />
consensualmente aceites. Apesar deste consenso, a sua explicitação não é<br />
neutra nem indiferente 46 .<br />
A definição da matriz de funções e responsabilidades, necessária em<br />
qualquer situação, ass<strong>um</strong>e no caso particular da justiça importância redobrada<br />
considerando que na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e <strong>dos</strong> seus recursos h<strong>um</strong>anos, co-<br />
existem duas funções distintas – a função jurisdicional e a função<br />
administrativa – que podem ter tutelas distintas e, na maioria <strong>dos</strong> países,<br />
efectivamente têm-na. A primeira é independente e essencial naquela que é a<br />
missão <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. A segunda é <strong>um</strong>a função de suporte à sua actividade,<br />
inerente ao funcionamento de qualquer entidade pública ou privada, tendo o<br />
seu funcionamento <strong>um</strong> impacto crucial na eficiência e na qualidade da primeira.<br />
Os modelos de excelência podem revelar-se, neste contexto, adequa<strong>dos</strong><br />
governo e funcionários judiciais) (OPJ, 2008).<br />
45 O texto que integra este ponto beneficiou de anteriores trabalhos do OPJ e corresponde, na<br />
sua essência, aos contributos da consultora deste projecto Margarida Mano.<br />
46 Os valores internacionalmente ass<strong>um</strong>i<strong>dos</strong> no âmbito do IFCE (International Framework for<br />
Court Excellence) são: a igualdade (perante a lei); equidade; imparcialidade; independência na<br />
tomada de decisão; competência; honestidade; transparência; acessibilidade; actualidade;<br />
segurança.<br />
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />
medi<strong>das</strong> gestionárias 67
enquanto instr<strong>um</strong>entos de referência ao modelo de <strong>gestão</strong> do tribunal. Se, por<br />
<strong>um</strong> lado, são conceptualmente integradores de vários critérios, suporta<strong>dos</strong> em<br />
diferentes dimensões organizativas, o que potencia a coexistência matricial de<br />
diferentes tutelas (desde que obrigatoriamente harmoniza<strong>das</strong> nas dimensões<br />
da liderança, da política e da estratégia) têm, por outro, a virtude de poderem<br />
ser utiliza<strong>dos</strong> em estádios muito diferentes <strong>das</strong> organizações e <strong>dos</strong> sistemas<br />
(estáticas, como pode ser a auto-avaliação, de planeamento ou de dinâmica de<br />
mudança).<br />
68<br />
A experimentação de modelos de <strong>gestão</strong> na justiça, inspira<strong>dos</strong> na TQM,<br />
tem já <strong>um</strong>a <strong>experiência</strong> de déca<strong>das</strong>. Nos EUA a discussão da aplicação <strong>dos</strong><br />
princípios e metodologias da TQM aos <strong>tribunais</strong> remonta aos anos oitenta, com<br />
a criação de <strong>um</strong> modelo de referência da qualidade através do Trial Court<br />
Performance Standards em 1987, acompanhando o Malcolm Baldrige National<br />
Quality Award 47 iniciado na mesma altura 48 . Na década de noventa, era<br />
possível encontrar, embora em número limitado, <strong>experiência</strong>s de aplicação<br />
destes modelos de <strong>gestão</strong> em diferentes Esta<strong>dos</strong>, em diferentes tipos de<br />
<strong>tribunais</strong> (municipais, estaduais; de família, criminais, etc.) e n<strong>um</strong>a ampla<br />
abrangência de processos ou áreas. Aikman (1994: 23-25) apresenta, n<strong>um</strong>a<br />
obra que pretendia ser, na altura, <strong>um</strong> manual para decisores políticos<br />
judiciários e administradores, <strong>experiência</strong>s de aplicação da TQM em áreas que<br />
vão desde a doc<strong>um</strong>entação e arquivo, à <strong>gestão</strong> de júris, organização de<br />
espaços, avaliação da <strong>gestão</strong>, formação de juízes e staff, etc. As preocupações<br />
<strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> e relatórios de então parecem estar centra<strong>das</strong> na importância da<br />
experimentação de práticas, eventualmente avulsas, que conduzam a<br />
melhorias efectivas do serviço prestado nos <strong>tribunais</strong> 49 .<br />
47 Cf. www.baldrige.nist.gov.<br />
48 Sobre esta matéria, cf. OPJ (2001) e OPJ (2008)<br />
49 Perhaps the center piece of the Judicial Branch TQM effort will be the utilization of Quality<br />
Improvement Teams assigned to specific designated projects or organizational units and<br />
supported with the necessary training and resources over a period of time. A Plan for the Use of<br />
Total Quality Management in the Maine Judicial Branch, September 1, 1992, page 12.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Hoje, a abordagem que se encontra nas <strong>experiência</strong>s de aplicação de<br />
modelos de <strong>gestão</strong> da TQM nos <strong>tribunais</strong> <strong>dos</strong> EUA é claramente distinta: trata-<br />
se de <strong>um</strong>a abordagem sistémica, focalizada na qualidade do serviço prestado<br />
pelos <strong>tribunais</strong> 50 . A análise de procedimentos surge apenas de modo<br />
instr<strong>um</strong>ental, englobando não apenas os tradicionais fluxos organizacionais,<br />
mas competências técnicas e comportamentais, formação, trabalho em equipa,<br />
etc.<br />
Como já referimos, na Europa, as primeiras <strong>experiência</strong>s no sentido de<br />
reflectir <strong>sobre</strong> <strong>um</strong> sistema integrado de qualidade nos <strong>tribunais</strong> datam do final<br />
da década de noventa, sendo destacado por Albers (2009: 6-9) o caso<br />
holandês e o caso finlandês. Uma abordagem mais concertada entre membros<br />
da União Europeia, ou estruturas europeias, começa a ganhar visibilidade nos<br />
últimos anos, embora apenas a <strong>um</strong> nível de discussão conceptual, com vários<br />
estu<strong>dos</strong> e relatórios da iniciativa do Parlamento Europeu; da CEPEJ 51 e da<br />
European Network of Councils for the Judiciary 52 , entre outros.<br />
Mais, recentemente, esta abordagem ganhou <strong>um</strong> novo fôlego com o<br />
International Consorti<strong>um</strong> for Court Excellence 53 que, a partir de 2007,<br />
desenvolveu <strong>um</strong> enquadramento para a excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> (International<br />
Framework for Court Excellence), instr<strong>um</strong>ento que consideram poder ser usado<br />
50 A título de exemplo, vejam-se as recomendações propostas por Patterson (2009: 58-64), na<br />
sequência do estudo efectuado neste âmbito nos Tribunais da Georgia: “(…) this report<br />
recommends the following actions to address existing service quality gaps as perceived by<br />
Georgia trial court managers: (1) To promote the use of service quality evaluations and other<br />
data-driven approaches to measuring and enhancing customer service; (2) To develop<br />
resources regarding no/low cost approaches to reward and recognize court employees; (3) To<br />
work in consultation with the various judges‟ councils, clerk‟s associations, and local court<br />
personnel to develop a broad array of plain language court brochures, materials and website<br />
content; (4) To develop and facilitate customer service training modules; (5) To should work with<br />
the various court groups to develop court-specific guidebooks for assisting pro se litigants”.<br />
51 CEPEJ (2007); CEPEJ (2008).<br />
52 ENCJ (2008).<br />
53 Os signatários do Consórcio são: The Australian Institute of Judicial Administration (AIJA);<br />
The Federal Judicial Center; The National Center for State Courts (NCSC); The Subordinate<br />
Courts of Singapore com a associação da European Comission for the Efficiency of Justice<br />
(CEPEJ); Spring Singapore and The World Bank.<br />
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />
medi<strong>das</strong> gestionárias 69
em to<strong>das</strong> as regiões do mundo para avaliar o nível de qualidade <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>,<br />
identificar áreas de melhoria e promover a excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. O modelo<br />
assenta em sete áreas de excelência, integra<strong>das</strong> com os valores nucleares de<br />
<strong>um</strong> tribunal, que acompanham de perto os nove critérios da EFQM, conforme<br />
se pode compreender a partir da figura seguinte.<br />
70<br />
Critérios do Modelo de Excelência da<br />
EFQM<br />
MEIOS<br />
RESULTADOS<br />
Figura 4. EFQM e IFCE<br />
Sete Áreas de Excelência nos Tribunais do IFCM<br />
1.Liderança 1.Gestão e liderança <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> LÍDER<br />
2.Estratégia 2.Políticas <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
3.Pessoas<br />
4.Parcerias e Recursos<br />
5. Processos, Produtos e<br />
Serviços<br />
6.Resulta<strong>dos</strong> Clientes<br />
7.Resulta<strong>dos</strong> Sociedade<br />
3.Recursos h<strong>um</strong>anos, materiais e<br />
financeiros<br />
4. Processos nos <strong>tribunais</strong><br />
5.Necessidade e satisfação<br />
6. Serviços disponíveis e acessíveis<br />
nos <strong>tribunais</strong><br />
8.Resulta<strong>dos</strong> Chave 7. Confiança social<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO<br />
SISTEMAS E<br />
CAPACITAÇÃO<br />
RESULTADOS<br />
Do ponto de vista instr<strong>um</strong>ental, o IFCE criou <strong>um</strong>a proposta de<br />
questionário de auto-avaliação da excelência <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e tem promovido o<br />
benchmarking com base na análise de estu<strong>dos</strong> de caso à luz do modelo.<br />
Em Portugal, a utilização do termo qualidade no âmbito da justiça,<br />
apesar <strong>das</strong> reformas mais recentes do judiciário e do forte contexto de
mudança a que vem estando sujeita o sistema judicial 54 , parece ainda distante<br />
do enquadramento conceptual da excelência. O contexto de mudança,<br />
incentivado pela reforma do mapa e da organização judiciária, contribuiu para a<br />
promoção de modelos alternativos ao modelo formal, como é o caso <strong>dos</strong><br />
centros de arbitragem, da mediação e da atribuição de competências outrora<br />
exclusivas do juiz, a conservadores e a solicitadores, como também <strong>um</strong>a<br />
reflexão mais alargada <strong>sobre</strong> a organização do sistema de justiça. Contudo,<br />
como resulta <strong>das</strong> conclusões do estudo do OPJ Para <strong>um</strong> novo judiciário:<br />
qualidade e eficiência na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> processos cíveis (2008), as reformas do<br />
judiciário nesta matéria são, não só em Portugal, mas também na Europa,<br />
reformas centra<strong>das</strong> na discussão do modelo organizacional mais do que no<br />
modelo de <strong>gestão</strong>. A discussão continua a situar-se na resposta ao vol<strong>um</strong>e<br />
processual (número de processos entra<strong>dos</strong>, pendentes, fin<strong>dos</strong>, etc.), o que<br />
revela que as preocupações da qualidade se centram fundamentalmente na<br />
melhoria da eficiência e, portanto, n<strong>um</strong>a <strong>das</strong> fases iniciais do seu percurso: o<br />
controlo da qualidade.<br />
Contudo, nos estu<strong>dos</strong> mais recentes, em particular relativamente à<br />
discussão do novo mapa judiciário em Portugal, as oportunidades de melhoria<br />
são claras ao nível <strong>das</strong> sete áreas de excelência do IFCE:<br />
Gestão <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e liderança – (…) <strong>um</strong> <strong>dos</strong> grandes problemas com que<br />
se confrontam os <strong>tribunais</strong> portugueses decorre de deficiências<br />
organizativas e de <strong>gestão</strong> (OPJ, 2008: 43). A <strong>experiência</strong> <strong>das</strong> novas<br />
<strong>comarcas</strong>, com a figura do juiz presidente, tem evidenciado a necessidade<br />
de reforçar as suas competências, de forma a permitir <strong>um</strong>a liderança mais<br />
eficaz.<br />
Política da justiça – (…) é consensual que a definição de <strong>um</strong> novo<br />
paradigma de política pública da justiça deve estar no lastro da<br />
reorganização territorial do sistema de justiça (OPJ, 2008: 26).<br />
Recursos h<strong>um</strong>anos, materiais e serviços – a pouca flexibilidade da<br />
legislação no que respeita aos recursos h<strong>um</strong>anos, a <strong>gestão</strong> matricial e a<br />
dupla tutela de muitos <strong>dos</strong> recursos, além de alg<strong>um</strong>a indefinição e<br />
54 Cf. OPJ (2008).<br />
Os novos caminhos da reforma da justiça e a centralidade <strong>das</strong><br />
medi<strong>das</strong> gestionárias 71
72<br />
desadequação relativamente ao binómio centralizar/desconcentrar exige<br />
definição de princípios coerentes e integra<strong>dos</strong> no sentido de <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong><br />
adequada <strong>dos</strong> recursos e seus resulta<strong>dos</strong>. A criação de <strong>um</strong> novo modelo de<br />
recrutamento, formação, colocação e progressão na carreira <strong>dos</strong><br />
magistra<strong>dos</strong> e <strong>dos</strong> funcionários judiciais é <strong>um</strong>a proposta (OPJ, 2008: 49)<br />
que se insere nesta área de excelência.<br />
Procedimentos – (…) nos últimos anos (…) não assistimos a melhorias de<br />
eficiência, eficácia e qualidade significativas e houve mesmo alg<strong>um</strong>a<br />
degradação no domínio da duração processual (OPJ, 2008: 42). Neste<br />
contexto, <strong>um</strong>a <strong>das</strong> propostas do OPJ (2008: 51) é a informatização plena e<br />
eficaz do sistema de justiça, o seu funcionamento em rede e a criação de<br />
novos paradigmas processuais.<br />
Necessidades e satisfação <strong>dos</strong> clientes – não existem no sistema práticas<br />
regulares de auscultação <strong>das</strong> necessidades e do grau de satisfação <strong>dos</strong><br />
clientes.<br />
Serviços acessíveis e financeiramente praticáveis – existem áreas que, até<br />
agora, revelam graves constrangimentos de acessibilidade, de que são<br />
exemplos paradigmáticos os conflitos de família e menores (OPJ, 2008:<br />
49). Deste modo, a endogeneização de <strong>um</strong>a justiça itinerante e a criação de<br />
<strong>um</strong>a rede de serviços de justiça multifacetada representam alg<strong>um</strong>as <strong>das</strong><br />
propostas inovadoras em cima da mesa.<br />
Confiança social – finalmente, a actual crise da justiça, que o cidadão<br />
absorve diariamente no discurso público, é reveladora do desfasamento<br />
existente ao nível desta área de excelência.<br />
De acordo com o debate em curso e olhando para o futuro, há dinâmicas<br />
de mudança para sistemas de <strong>gestão</strong> e avaliação substancialmente diferentes<br />
daqueles que têm sido correntemente usa<strong>dos</strong>. Existe <strong>um</strong>a percepção<br />
generalizada, por parte <strong>dos</strong> diferentes agentes presentes neste debate, de <strong>um</strong>a<br />
necessidade de mudança em que a excelência pode ser <strong>um</strong> padrão de<br />
referência instr<strong>um</strong>ental na <strong>gestão</strong>.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
A NOVA SECRETARIA JUDICIAL EM ESPANHA<br />
4
4 A NOVA SECRETARIA JUDICIAL EM ESPANHA<br />
74<br />
A pertinência de conhecer e trazer para o debate interno os principais<br />
vectores em que assenta a reforma da secretaria judicial em Espanha, para<br />
além da proximidade cultural, consubstanciada na similitude da matriz jurídica,<br />
justifica-se pelo facto da reforma da secretaria judicial em Espanha partir de<br />
<strong>um</strong>a constatação <strong>sobre</strong> problemas e ineficiências estruturais idênticas às<br />
identifica<strong>das</strong> entre nós.<br />
O legislador reformista considerava que as secretarias judiciais<br />
funcionavam de forma atomizada e auto-suficiente, como compartimentos<br />
estanques, onde se realizavam múltiplas e diversas funções. Partindo da<br />
consideração de que o modelo de organização e funcionamento interno <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong> não era, pela sua ineficiência, adequado ao actual contexto social e<br />
processual, a reforma avançou para mudanças profun<strong>das</strong> no paradigma<br />
estrutural e funcional <strong>das</strong> secretarias judiciais.<br />
Com o objectivo de conferir mais qualidade e eficiência ao sistema de<br />
justiça, a intervenção no âmbito da secretaria judicial traduziu-se n<strong>um</strong>a reforma<br />
verdadeiramente pluriforme. A sua concretização convoca a intervenção em<br />
outras áreas do sistema de justiça, como seja no âmbito processual (de modo a<br />
transferir para o secretário judicial a competência pela prática de alguns actos),<br />
na remodelação <strong>das</strong> infraestruturas de modo a adaptar os espaços, na criação<br />
de novas unidades orgânicas, na informatização e no uso mais intensivo de<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
meios telemáticos.<br />
No que respeita a esta última vertente, o programa de reforma incluiu a<br />
implementação de vários programas informáticos 55 no sentido de avançar para<br />
<strong>um</strong>a justiça sem papel em todo o território nacional 56 . Neste âmbito, é de<br />
referir, a título exemplificativo, várias medi<strong>das</strong> inovadoras. Por <strong>um</strong> lado, a<br />
criação de <strong>um</strong> sistema de agendamento electrónico de diligências, gerido por<br />
<strong>um</strong> serviço centralizado (agenda programada), o qual vai marcando as<br />
diligências de cada processo de acordo com o seu iter processual e as<br />
prioridades estabeleci<strong>das</strong> na lei 57 . Por outro, encontra-se em curso <strong>um</strong><br />
projecto-piloto de implementação do processo digital na Audiência Nacional.<br />
Também as penhoras e as ven<strong>das</strong> judiciais passarão a ser realiza<strong>das</strong> por via<br />
electrónica (sob a direcção do secretário judicial).<br />
55 Os principais sistemas informáticos utiliza<strong>dos</strong> são os seguintes: a) MIG – Módulo de<br />
Intercâmbio Genérico (1. comunicação por via telemática entre as unidades orgânicas de <strong>um</strong>a<br />
mesma secretaria judicial e entre secretarias judiciais diferentes; 2. assinatura digital <strong>das</strong><br />
decisões judiciais); b) Lextnet (envio para os <strong>tribunais</strong> de peças processuais e doc<strong>um</strong>entos por<br />
meios telemáticos); e c) Minerva NOJ (1. assinatura electrónica; 2. módulo de relacionamento<br />
entre diferentes unidades da secretaria; 3. modificação de esquemas de tramitação processual;<br />
4. modificação <strong>dos</strong> modelos anexos aos esquemas de tramitação processual). Foram, ainda,<br />
desenvolvi<strong>das</strong> medi<strong>das</strong> para a implementação destes programas em todo o território nacional,<br />
como o “Esquema Judicial de Interoperabilidade e Segurança” e o “Esquema Judicial de<br />
Interoperabilidade de Sistemas”, cria<strong>dos</strong> com o propósito de permitir a conexão entre os<br />
diferentes sistemas informáticos <strong>das</strong> comunidades autónomas. Foram igualmente celebra<strong>dos</strong>,<br />
para o efeito, varia<strong>dos</strong> convénios de colaboração entre o Ministério da Justiça, entidades<br />
congéneres de várias comunidades autónomas, o CGPJ e a Fiscalía General. De entre esses<br />
convénios, destacam-se os relativos à cessão de uso do Lexnet e à interoperabilidade de<br />
sistemas informáticos e segurança (Alías Garoz e Casado Navarro, 2009: 32-33).<br />
56 Um <strong>dos</strong> objectivos do sistema de informatização é ultrapassar a descoordenação criada pelo<br />
desenvolvimento de diferentes programas em várias comunidades autónomas, muitos deles<br />
incompatíveis entre si, de modo a que seja possível o trabalho em rede, independentemente da<br />
comunidade autónoma em que estejam localiza<strong>dos</strong>. A informação estatística e o arquivo já<br />
estão centraliza<strong>dos</strong>. As decisões judiciais são envia<strong>das</strong>, por to<strong>dos</strong> os órgãos judiciais, ao<br />
CGPJ, e a recolha estatística estão sedea<strong>das</strong> n<strong>um</strong> centro de doc<strong>um</strong>entação ligado ao CGPJ.<br />
57 São também considera<strong>das</strong> as necessidades e disponibilidades logísticas e de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos, bem como o tempo necessário para a citação/notificação de to<strong>dos</strong> os intervenientes.<br />
A responsabilidade central por to<strong>dos</strong> os agendamentos cabe ao secretário judicial.<br />
A nova secretaria judicial em Espanha 75
4.1 Breve contextualização da reforma<br />
76<br />
O Livro Branco da Justiça, elaborado pelo Conselho Geral do Poder<br />
Judicial, em 1997, ao caracterizar e avaliar o sistema judicial, constitui <strong>um</strong><br />
marco no processo de reforma da administração da justiça 58 . No que toca à<br />
organização interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, em especial da secretaria judicial, salientava-<br />
se a heterogeneidade organizativa e a compartimentação do seu<br />
funcionamento. Chamava-se a atenção para o facto de, na prática diária, se<br />
misturarem actividades de carácter administrativo e actividades de carácter<br />
jurisdicional, sem que existisse <strong>um</strong> modelo com<strong>um</strong> de trabalho ou incentivos ao<br />
trabalho diferenciado e especializado. Era, ainda, entre outros, salientado como<br />
ponto negativo o facto de nas secretarias se cruzarem funcionários,<br />
profissionais liberais e público em geral, o que provocava contínuas<br />
interrupções no trabalho <strong>dos</strong> primeiros.<br />
Em face deste diagnóstico, o Livro Branco da Justiça avançava com<br />
alg<strong>um</strong>as linhas de orientação relativamente às secretarias judiciais, avançando<br />
já para a densificação <strong>dos</strong> serviços comuns, para <strong>um</strong>a diferente interacção<br />
entre o juiz e a secretaria e para a possibilidade de transferência de alg<strong>um</strong>as<br />
funções da exclusiva competência do juiz para o secretário judicial.<br />
A proposta de criação de serviços comuns foi considerada como <strong>um</strong><br />
elemento-chave na reforma <strong>das</strong> secretarias judiciais no sentido da sua maior<br />
eficiência. Através da criação daqueles serviços, procurava-se evitar a<br />
repetição de tarefas, uniformizando-as, libertando as diferentes secções de<br />
praticar actos e tarefas semelhantes e criando <strong>um</strong>a estrutura especializada no<br />
atendimento ao público.<br />
Uma outra proposta veio, igualmente, abrir caminho à actual reforma.<br />
Propunha-se que o perfil profissional do secretário judicial avançasse para a<br />
58 Neste ponto, seguimos de perto o relatório do OPJ A Administração e Gestão da Justiça –<br />
Análise comparada <strong>das</strong> tendências de reforma. Cf. OPJ (2001).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
especialização de funções, o que incluía, para além de conhecimentos jurídicos<br />
avança<strong>dos</strong>, conhecimentos de <strong>gestão</strong>, de forma a permitir o exercício de<br />
tarefas de apoio técnico, informação, assessoria e <strong>gestão</strong> de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos e materiais. O Livro Branco enfatizava, ainda, a necessidade de<br />
definição de programas de formação permanente dirigi<strong>dos</strong> a to<strong>dos</strong> os agentes<br />
judiciais.<br />
Com este pano de fundo, a Proposta de Modernização da Administração<br />
da Justiça, de 1991, após fazer o elenco <strong>dos</strong> problemas identifica<strong>dos</strong> no<br />
funcionamento e organização da secretaria judicial, apontava para <strong>um</strong> modelo<br />
que distinguia as três actividades principais da administração da justiça: a<br />
actividade jurisdicional, a actividade processual e a actividade estritamente<br />
administrativa. O modelo apontava para a agregação de tarefas homogéneas<br />
com a criação de unidades especializa<strong>das</strong>.<br />
Esta nova perspectiva organizacional veio a ter acolhimento na Lei<br />
Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro, que introduziu o novo modelo de<br />
secretaria judicial, vindo dar forma a alguns objectivos do Pacto de Estado para<br />
a Justiça 59 . Como principais alterações com impacto no funcionamento <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong>, destacam-se: (1) a libertação do juiz de actos não jurisdicionais<br />
(liberta-se o juiz do trabalho burocrático, podendo deste modo dedicar a<br />
totalidade do seu tempo ao exercício da função exclusivamente jurisdicional);<br />
(2) a criação da nova figura do director da secretaria judicial (secretário judicial,<br />
considerado <strong>um</strong> especialista com alto nível de competência e eleva<strong>dos</strong><br />
conhecimentos jurídicos, com especiais competências no que se refere ao<br />
funcionamento da secretaria e à tramitação processual); (3) a agregação de<br />
tarefas repetitivas em serviços comuns, tanto ao nível da tramitação processual<br />
propriamente dita, como de actividades de suporte; (4) a especialização <strong>dos</strong><br />
funcionários judiciais; (5) a informatização da justiça; e (6) a nova configuração<br />
<strong>dos</strong> espaços físicos (remodelação <strong>das</strong> infra-estruturas).<br />
59 Especificamente, no que diz respeito às diferentes fases do processo de implementação da<br />
nova secretaria judicial, cf. OPJ (2008).<br />
A nova secretaria judicial em Espanha 77
78<br />
Apesar da discussão <strong>sobre</strong> esta matéria em Espanha ter mais de <strong>um</strong>a<br />
década e acolhimento de há alguns anos na legislação, a sua implementação<br />
tem revelado dificuldades, n<strong>um</strong> ambiente de dissensos e com <strong>um</strong> atraso<br />
significativo relativamente ao calendário previsto. Após <strong>um</strong>a quebra acentuada<br />
no ritmo da implementação do novo modelo de secretaria judicial, verificada<br />
nos três últimos anos, assiste-se actualmente a <strong>um</strong> novo empenho, por parte<br />
do Ministério da Justiça, na sua efectivação em todo o território nacional, em<br />
conexão com <strong>um</strong> novo plano de modernização: o Plano Estratégico de<br />
Modernização da Justiça 2009-2012. Este Plano veio, efectivamente, dar <strong>um</strong><br />
novo impulso à reforma que prevê, não só <strong>um</strong> enfoque redobrado no projecto<br />
da nova secretaria judicial, mas também obviar vários <strong>dos</strong> problemas que se<br />
foram tornando visíveis ao longo do seu processo de implementação (Alías<br />
Garoz e Casado Navarro, 2009: 31-33).<br />
O Plano assenta, especificamente, em quatro pontos estratégicos: (1)<br />
obtenção de <strong>um</strong> serviço público de qualidade na justiça, o que passa,<br />
primordialmente, pela implementação definitiva do novo modelo de secretaria<br />
judicial e pela reforma do mapa judiciário; (2) incorporação de novas<br />
tecnologias para a efectiva informatização <strong>dos</strong> serviços (devendo estes<br />
trabalhar em rede, independentemente da comunidade autónoma em que<br />
estejam localiza<strong>dos</strong>); (3) alterações aos estatutos de to<strong>dos</strong> os funcionários ao<br />
serviço da administração da justiça; (4) criação de <strong>um</strong> registo civil único para<br />
todo o território nacional. 60<br />
60 Para responder a estes objectivos, o orçamento de Estado para o ano de 2010 prevê o<br />
investimento de 1.804,82 milhões de euros, dirigi<strong>dos</strong> especificamente a: (1) modernização<br />
tecnológica e aos registos civis; (2) implementação da nova secretaria judicial; (3) novo mapa<br />
judiciário; (4) organismos como o CEJ; (5) outras actividades relaciona<strong>das</strong> com violência de<br />
género e com as fiscalías.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
4.2 O novo modelo de secretaria judicial: principais<br />
características<br />
Vejamos, mais em detalhe, os traços fundamentais deste novo modelo<br />
de secretaria judicial, que o legislador espanhol define como a organização de<br />
carácter instr<strong>um</strong>ental que serve de suporte e apoio à actividade jurisdicional de<br />
juízes, juízes leigos e <strong>tribunais</strong>, configurando-se, assim, como o meio que deve<br />
proporcionar à actividade jurisdicional a infraestrutura técnica e h<strong>um</strong>ana que<br />
esta requer 61 .<br />
São objectivos centrais deste novo modelo, o reforço da independência<br />
do poder jurisdicional, a racionalização da utilização <strong>dos</strong> meios ao dispor do<br />
sistema judicial e o aprofundamento da qualidade <strong>dos</strong> serviços presta<strong>dos</strong> aos<br />
cidadãos em consonância com a Carta <strong>dos</strong> Direitos <strong>dos</strong> Cidadãos face à<br />
Justiça. A actual Lei Orgânica do Poder Judicial estabelece expressamente que<br />
a secretaria judicial deve funcionar de acordo com critérios de agilidade,<br />
eficácia, eficiência, racionalização do trabalho, responsabilidade pela <strong>gestão</strong>,<br />
coordenação e cooperação entre os vários serviços.<br />
Para tal, como se verá de seguida, pretende-se acabar com a<br />
atomização <strong>dos</strong> serviços, concentrando recursos em serviços comuns<br />
especializa<strong>dos</strong>, criando-se equipas ou unidades especializa<strong>das</strong> dedica<strong>das</strong> a<br />
tarefas específicas, de forma a evitar dispersões ou repetições inúteis de<br />
tarefas idênticas em diferentes serviços. Pretende-se, ainda, separar, por<br />
unidades e categorias de funcionários distintos, actividades de tramitação mais<br />
complexas de actividades mais repetitivas (como recepção de doc<strong>um</strong>entos,<br />
citações e notificações, etc.) e de actividades de suporte. O novo modelo vem,<br />
ainda, reconfigurar o papel <strong>dos</strong> secretários judiciais, prevendo que estes<br />
ass<strong>um</strong>am o duplo papel de técnicos processuais e de gestores da sua unidade.<br />
61 Cf. Exposição de Motivos da Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro, que introduziu a<br />
nova secretaria judicial.<br />
A nova secretaria judicial em Espanha 79
80<br />
4.2.1 Estrutura da nova secretaria judicial<br />
O novo desenho da secretaria judicial incorpora <strong>um</strong>a estrutura básica,<br />
mas suficientemente flexível, permitindo a sua aplicação e adaptação a órgãos<br />
de âmbito nacional, autonómico, provincial, distrital ou municipal. A lei prevê<br />
que a sua dimensão e organização concretas sejam determina<strong>das</strong> em função<br />
do vol<strong>um</strong>e e da natureza do trabalho a desenvolver, para permitir qualquer<br />
forma de organização necessária n<strong>um</strong> determinado momento, até porque se<br />
considera que a reforma nunca poderá estar terminada em menos de sete ou<br />
oito anos, pelo que <strong>um</strong> tal suporte normativo era fundamental para a<br />
concretização <strong>dos</strong> objectivos propostos (Dorado Picón, 2003: 5368).<br />
Mostramos, de seguida, como se estrutura a nova secretaria judicial. O<br />
seu elemento organizativo básico é a Unidade, que pode ser de dois tipos:<br />
Unidade Processual de Apoio Directo e de Serviços Comuns Processuais.<br />
Prevê-se, ainda, a criação de Unidades Administrativas. A figura 5 mostra a<br />
estrutura orgânica da secretaria judicial.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Figura 5 – Estrutura Orgânica da Secretaria Judicial<br />
Fonte: Ministério da Justiça Espanhol<br />
As Unidades da secretaria judicial: UPAD e SCP<br />
Nesta reorganização estabelece-se <strong>um</strong>a diferença clara entre o apoio<br />
directo à função jurisdicional, tarefa cometida às unidades processuais de<br />
apoio directo, e a tramitação processual, função, <strong>sobre</strong>tudo, a cargo <strong>dos</strong><br />
serviços comuns processuais, que podem executar tarefas de tramitação<br />
processual de <strong>um</strong> ou mais juízes, juízos, secções ou <strong>tribunais</strong>.<br />
Entre nós, as tarefas de tramitação processual e de apoio à função<br />
jurisdicional são assegura<strong>das</strong> pela mesma unidade: a secção de processos.<br />
Uma diferença fundamental é o facto de, em Espanha, se ter logrado conseguir<br />
<strong>um</strong>a distinção entre actividade exclusivamente jurisdicional (atribuída aos<br />
juízes) e actividade processual ou de ordenação do processo (que<br />
relativamente a certos actos pode ser da responsabilidade <strong>dos</strong> secretários).<br />
Alg<strong>um</strong> paralelismo nesta solução organizacional, para Portugal, pode ser<br />
encontrado na proposta, nunca concretizada, de criação do gabinete do juiz.<br />
A nova secretaria judicial em Espanha 81
Unidades Processuais de Apoio Directo<br />
82<br />
As UPAD constituem, conjuntamente com o juiz titular, o órgão judicial.<br />
Ocupam-se do apoio directo aos juízes no exercício <strong>das</strong> suas funções<br />
jurisdicionais, pelo que existem tantas unidades deste tipo quantos os juízes,<br />
juízos ou secções, dependendo da carga de trabalho.<br />
Estas unidades são competentes para a realização de to<strong>dos</strong> os actos<br />
que requerem, por lei, a intervenção do juiz. A sua dotação, definida em<br />
diploma próprio, é condicionada pelo vol<strong>um</strong>e e tipo de trabalho adstrito ao juiz.<br />
Apesar de a lei determinar <strong>um</strong>a dotação-base 62 prevê-se flexibilidade de modo<br />
a que a sua composição seja adaptável ao vol<strong>um</strong>e de trabalho.<br />
As UPAD são dirigi<strong>das</strong> por <strong>um</strong> secretário judicial, podendo o mesmo<br />
secretário exercer funções em mais de <strong>um</strong>a destas unidades, e são compostas<br />
pelo número de funcionários necessário ao apoio ao respectivo juiz. A redução<br />
<strong>das</strong> funções jurisdicionais, com a transferência de competências para os<br />
secretários, determinará que, de acordo com Picón (2003: 5370), cada UPAD<br />
não possua, em regra, mais do que três a quatro funcionários, que pertencem a<br />
dois corpos profissionais: funcionários gestores e funcionários tramitadores. 63<br />
Aos primeiros são cometi<strong>das</strong>, entre outras, as seguintes funções: (1) gerir a<br />
tramitação processual própria da UPAD, que não é atribuída ao SCOP (serviço<br />
com<strong>um</strong> de ordenação do processo); (2) elaborar notas de referência, res<strong>um</strong>os<br />
<strong>dos</strong> autos, etc., como principais colaboradores do juiz; (3) elaborar e assinar,<br />
com capacidade de certificação, doc<strong>um</strong>entos comprovativos da comparência<br />
<strong>das</strong> partes e demais intervenientes processuais perante a UPAD; (4) expedir<br />
62 A dotação-base <strong>das</strong> UPAD é actualmente determinada pela Ordem JUS/3244/2005, de 18 de<br />
Outubro, do Ministério da Justiça. Contudo, esta Ordem, embora ainda em vigor, encontra-se já<br />
desactualizada, porque desadequada às profun<strong>das</strong> alterações em sede processual decorrentes<br />
da Lei Orgânica 13/2009 e da sua lei complementar 1/2009, pelas quais muitas <strong>das</strong><br />
competências até agora privativas do juiz são transferi<strong>das</strong> para o secretário judicial. Aguar<strong>das</strong>e,<br />
portanto, a promulgação de <strong>um</strong> novo diploma que revogue este.<br />
63 De acordo com a Ordem JUS/3244/2005, a dotação de pessoal para as UPAD variam<br />
segundo o tipo de tribunal a que estejam adstritas. Por exemplo, n<strong>um</strong> tribunal de competência<br />
exclusivamente cívil de primeira instância, prevê-se <strong>um</strong> secretário judicial por cada duas UPAD,<br />
<strong>um</strong> funcionário gestor e <strong>um</strong> funcionário tramitador por cada <strong>um</strong>a UPAD.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
cópias simples de doc<strong>um</strong>entos solicita<strong>dos</strong> pelas partes processuais e por<br />
interessa<strong>dos</strong> legítimos. Aos segun<strong>dos</strong> cabe: (1) receber, registar e classificar<br />
toda a correspondência recebida na UPAD; (2) realizar os actos de tramitação<br />
que não sejam atribuí<strong>dos</strong> ao SCOP; (3) redigir e emitir notificações e citações;<br />
(4) introduzir no sistema informático os despachos e as decisões do juiz.<br />
Serviços Comuns Processuais<br />
Os SCP são unidades da secretaria judicial que, não estando afectas ou<br />
integra<strong>das</strong> n<strong>um</strong> órgão judicial concreto, ass<strong>um</strong>em funções centraliza<strong>das</strong> de<br />
<strong>gestão</strong> e apoio à tramitação processual. Ao transferir para serviços comuns <strong>um</strong><br />
conjunto de funções, até então adstritas a <strong>um</strong> órgão judicial concreto, o<br />
legislador pretendeu, por esta via, diminuir custos, especializar os serviços<br />
comuns e evitar colapsos na tramitação processual. Os SCP podem apoiar <strong>um</strong><br />
ou mais órgãos judiciais de <strong>um</strong>a determinada área territorial,<br />
independentemente da ordem jurisdicional a que pertençam e da extensão da<br />
sua jurisdição. Podemos, assim, ver nestes SCP como que macro-secretarias a<br />
exercer funções para diferentes órgãos judiciais (Martín Morato, 2005).<br />
Diferentemente <strong>das</strong> UPAD, cujas funções aí desenvolvi<strong>das</strong> têm como fim<br />
o suporte directo à função jurisdicional, os SCP são dirigi<strong>dos</strong> por <strong>um</strong> secretário<br />
judicial, ao qual são atribuí<strong>das</strong> competências próprias, dele dependendo<br />
funcionalmente os demais secretários aí a exercer funções, bem como os<br />
restantes funcionários judiciais. O secretário no topo da hierarquia ass<strong>um</strong>e,<br />
assim, <strong>um</strong>a dupla função, como técnico processual especializado, com<br />
competências próprias e exclusivas, e como gestor da unidade. De acordo com<br />
Dorado Picón (2003: 5371-5372), esta disposição veio criar <strong>um</strong> aceso debate<br />
durante o processo de elaboração da lei, dado que estava em causa a<br />
possibilidade de tramitar o processo na esfera de unidades (os SCP) nas quais<br />
não intervêm juízes e cuja direcção cabe ao secretário judicial. Discordando<br />
daqueles que se opunham a esta opção do legislador, Picón veio reiterar que a<br />
actuação <strong>dos</strong> SCP é instr<strong>um</strong>ental face à actividade jurisdicional, pelo que, na<br />
prática, tais actos servem para, no âmbito de determinado processo, dar<br />
A nova secretaria judicial em Espanha 83
c<strong>um</strong>primento a ordens do juiz.<br />
84<br />
São funções essenciais <strong>dos</strong> SCP: (1) registo e distribuição de<br />
doc<strong>um</strong>entos; (2) actos de comunicação (notificações, citações, editais, etc.); (3)<br />
apoio ao juiz; (4) execução de decisões judiciais; (5) actos de jurisdição<br />
voluntária.<br />
Os SCP podem estruturar-se em secções que, por sua vez, se podem<br />
dividir em subunidades. A criação destas subunidades, sempre precedida de<br />
parecer favorável do CGPJ, tem, em regra, como objectivo a realização de<br />
determina<strong>das</strong> tarefas específicas (estatística judicial, execução de sentenças).<br />
Na primeira fase de implantação da nova secretaria judicial foram cria<strong>das</strong> as<br />
seguintes subunidades no âmbito <strong>dos</strong> SCP: (1) serviço com<strong>um</strong> geral (SCG); (2)<br />
serviço com<strong>um</strong> de ordenação do processo (SCOP); e (3) serviço com<strong>um</strong> de<br />
execuções (SCE).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Serviço Com<strong>um</strong> Geral<br />
Tal como outros serviços, o SCG pode organizar-se em secções e/ou<br />
equipas de acordo com as necessidades do trabalho a desenvolver. Atendendo<br />
às funções que leva a cabo, o desenho institucional prevê que dentro do SCG<br />
exista <strong>um</strong>a secção inc<strong>um</strong>bida da prática de actos de comunicação em geral,<br />
como, por exemplo, notificações às partes, peritos e testemunhas; <strong>um</strong>a secção<br />
para a realização de actos de execução, nomeadamente, embargos, editais,<br />
apreensões, remoções e depósitos; e <strong>um</strong>a secção de depósito e arquivo.<br />
Serviço Com<strong>um</strong> de Ordenação do Processo<br />
A este serviço é cometida competência para a prática de actos de<br />
processo para os quais não seja necessário a intervenção directa de <strong>um</strong><br />
magistrado. Considerando as funções que lhe poderão ser distribuí<strong>das</strong>, <strong>um</strong><br />
SCOP poderá possuir <strong>um</strong>a ou mais <strong>das</strong> seguintes secções: (1) tramitação<br />
cível; (2) tramitação contencioso-administrativa; (3) tramitação social; (4)<br />
tramitação penal; (5) agendamento de diligências; (6) apoio às partes,<br />
profissionais forenses e demais intervenientes.<br />
Serviço Com<strong>um</strong> de Execuções<br />
O SCE pode ser integrado pelas seguintes secções: (1) execução cível;<br />
(2) execução contenciosa-administrativa; (3) execução social; (4) execução<br />
penal; (5) contabilidade e caixa judicial; (6) apoio ao cidadão, às partes e<br />
demais intervenientes e a profissionais forenses.<br />
Unidades Administrativas<br />
Embora não estando integra<strong>das</strong> nas secretarias judiciais, as Unidades<br />
Administrativas ass<strong>um</strong>em, no âmbito da organização da administração de<br />
justiça, funções de coordenação e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos da secretaria<br />
judicial, bem como <strong>dos</strong> meios informáticos, novas tecnologias e restantes<br />
meios materiais. Diferentemente do estabelecido para a secretaria judicial, a<br />
criação, organização e desenho <strong>das</strong> UA (bem como a sua subdivisão em<br />
A nova secretaria judicial em Espanha 85
unidades de apoio a <strong>um</strong>a ou várias secretarias judiciais) são deixa<strong>dos</strong> ao<br />
critério da administração da comunidade autónoma onde esteja implantado o<br />
respectivo tribunal.<br />
86<br />
Estas unidades englobam tarefas no âmbito: (1) recursos h<strong>um</strong>anos; (2)<br />
abastecimento e património; (3) informática e reprografia; (4) manutenção e<br />
obras; (5) assistência jurídica gratuita; (6) assistência a peritos e intérpretes; (7)<br />
gabinetes de assistência a vítimas; (8) atendimento ao cidadão; (9) prevenção<br />
de acidentes laborais; (10) assistência ao juiz decano e ao presidente da<br />
audiência provincial.<br />
São referi<strong>dos</strong> os seguintes tipos de UA: (1) unidade de <strong>gestão</strong> da<br />
secretaria; (2) unidade de orientação jurídica; (3) unidade de <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> salas<br />
de audiência; (4) unidade de meios audiovisuais; (5) unidade de apoio às<br />
vítimas de crimes violentos e de crimes sexuais.<br />
4.3 Recursos h<strong>um</strong>anos<br />
O novo modelo de secretaria judicial, para além de trazer profun<strong>das</strong><br />
alterações na sua estrutura organizacional, também implicou a redefinição de<br />
competências e funções profissionais. Como já se referiu, os secretários<br />
judiciais ass<strong>um</strong>em, neste modelo, <strong>um</strong>a forte centralidade funcional, constituindo<br />
para alguns autores o elemento-chave desta reforma. Constituem <strong>um</strong> corpo<br />
próprio, conferindo-lhes a lei carácter de autoridade 64 . Dependendo<br />
directamente do ministro da justiça estão hierarquiza<strong>dos</strong> de acordo com a<br />
seguinte estrutura: secretário-geral da administração da justiça 65 , secretários<br />
64 São defini<strong>dos</strong> por lei como “funcionários públicos que constituem <strong>um</strong> corpo superior jurídico,<br />
único de carácter nacional, ao serviço da administração da justiça, dependendo do Ministério<br />
da Justiça, e que exercem as suas funções com carácter de autoridade” (cf. artigo 440.º, da<br />
LOPJ).<br />
65 A nova figura do secretário-geral da administração da justiça encontra-se na dependência<br />
hierárquica directa do ministro da justiça. Trata-se de <strong>um</strong> novo órgão inserido na estrutura do<br />
Ministério da Justiça, no qual se centralizam to<strong>das</strong> as competências <strong>sobre</strong> to<strong>dos</strong> os secretários<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
gestores de tribunal superior 66 ; secretário coordenador provincial 67 e<br />
secretários judiciais 68 . Têm competência para dirigirem tecnicamente os<br />
recursos h<strong>um</strong>anos <strong>das</strong> secretarias, coordenando a sua acção e dando ordens e<br />
instruções necessárias ao seu desempenho funcional.<br />
Também como já referimos, a Lei de 13/2009, de 3 de Novembro, veio<br />
transferir para este corpo profissional <strong>um</strong> conjunto de funções até então da<br />
judiciais e, em última análise, <strong>sobre</strong> a organização <strong>dos</strong> serviços da justiça. Mais<br />
concretamente, esta figura possui competências centraliza<strong>das</strong> de direcção e coordenação de<br />
to<strong>dos</strong> os secretários judiciais que exercem funções no território nacional. Note-se, contudo, que<br />
embora expressamente previsto na LOPJ, até à data ainda não foi nomeado o secretário-geral<br />
da administração da justiça.<br />
66 Existe <strong>um</strong> secretário gestor no Supremo Tribunal e na Audiência Nacional, bem como em<br />
cada Tribunal Superior de Justiça <strong>das</strong> Comunidades Autónomas e nas cidades de Ceuta e<br />
Melilla. Como superior hierárquico deste corpo profissional, este ass<strong>um</strong>e a direcção de to<strong>dos</strong><br />
os secretários judiciais que exerçam funções em to<strong>das</strong> as secretarias judiciais do respectivo<br />
tribunal superior, bem como nas cidades de Ceuta e Melilla. De entre as suas funções,<br />
destacam-se as disciplinares, de inspecção, de estatística, de direcção e organização <strong>dos</strong><br />
secretários judiciais, velando pela sua independência no exercício <strong>das</strong> funções que lhes são<br />
adstritas, as de propor a nomeação e desoneração de secretários judiciais e de concessão de<br />
autorizações e licenças a secretários judiciais, entre outras.<br />
67 Em cada província existe <strong>um</strong> secretário coordenador. Se se tratar de <strong>um</strong>a comunidade<br />
autónoma uniprovincial, as funções de secretário coordenador serão ass<strong>um</strong>i<strong>das</strong> pelo respectivo<br />
secretário gestor de tribunal superior, excepto se tal não for possível por razões de serviço.<br />
Este encontra-se na dependência directa do secretário gestor, exercendo, entre outras, as<br />
funções de dar instruções directas aos funcionários; controlar a correcta execução de circulares<br />
e instruções do secretário gestor; colaborar com a administração autonómica em questões<br />
relativas a meios h<strong>um</strong>anos e materiais, coordenar o funcionamento <strong>dos</strong> SCP; propor ao<br />
ministério da justiça comissões de serviço; diligenciar para a substituição <strong>dos</strong> secretários<br />
judiciais; dar conta ao secretário gestor <strong>dos</strong> temas relevantes para o serviço; bem como de<br />
outras funções que sejam determina<strong>das</strong> por regulamentação avulsa.<br />
68 As suas competências incluem: o exercício da fé pública judicial; a organização, <strong>gestão</strong>,<br />
inspecção e direcção do pessoal em aspectos técnico-processuais, assegurando a<br />
coordenação com os órgãos de <strong>gestão</strong> do poder judicial e com as comunidades autónomas<br />
com competência na administração da justiça; dirigir, no aspecto técnico-processual, o pessoal<br />
integrante da secretaria judicial; a responsabilidade central por to<strong>dos</strong> os agendamentos de<br />
diligências; garantir que a distribuição de assuntos se realiza em conformidade com as regras<br />
aprova<strong>das</strong>, sendo responsáveis pelo bom funcionamento do registo e recepção de<br />
doc<strong>um</strong>entos, expedindo as certificações solicita<strong>das</strong> pelas partes e demais interessa<strong>dos</strong><br />
legítimos; facultar às partes e a to<strong>dos</strong> aqueles que manifestem interesse legítimo a informação<br />
<strong>sobre</strong> o andamento do processo; promover a boa utilização <strong>dos</strong> meios técnicos, audiovisuais e<br />
informáticos de doc<strong>um</strong>entação de que a unidade onde exerce funções disponha; competências<br />
de ìndole “jurisdicional em sede de processo civil declarativo; competências de índole<br />
“jurisdicional em sede de processo civil executivo; competências concorrentes com o juiz de<br />
paz em sede de conciliação; e responsável pelo depósito de bens e objectos, pelo arquivo<br />
judicial de <strong>gestão</strong> e pela estatística judicial <strong>dos</strong> seus serviços.<br />
A nova secretaria judicial em Espanha 87
estrita competência do juiz. O objectivo central é o de libertar o juiz de funções<br />
de natureza mais burocrática, permitindo maior disponibilidade para o exercício<br />
da função jurisdicional. Por exemplo, no âmbito do processo declarativo, foram<br />
alarga<strong>das</strong> as competências do secretário judicial, não apenas para dar início ao<br />
processo judicial, admitindo a petição inicial, mas também, nalguns casos, para<br />
lhe pôr termo 69 . Em sede de processo executivo os secretários judiciais<br />
adquiriram competências alarga<strong>das</strong> para a tramitação processual: competência<br />
para autorizar to<strong>dos</strong> actos executórios necessários, como arrolamentos,<br />
arrestos, penhoras e ven<strong>das</strong> judiciais, assim como competência decisória no<br />
caso de ac<strong>um</strong>ulação de execuções (apensação de acções).<br />
88<br />
Nas secretarias judiciais, seguindo a estrutura de configuração piramidal,<br />
os secretários judiciais encontram-se organiza<strong>dos</strong> de acordo com a relação de<br />
postos de trabalho de cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> serviços em que estes prestam funções,<br />
sendo escalona<strong>dos</strong> em três categorias diferentes. Note-se que, no caso de se<br />
tratar de SCP de maiores dimensões, nos quais existam vários secretários<br />
judiciais, estes também serão escalona<strong>dos</strong> de acordo com a respectiva relação<br />
de postos de trabalho.<br />
Até à reforma de 2003, a responsabilidade disciplinar pelos actos <strong>dos</strong><br />
secretários judiciais no exercício <strong>das</strong> suas funções encontrava-se nas mãos de<br />
outros corpos profissionais, em particular <strong>dos</strong> juízes, através do Conselho<br />
Geral do Poder Judicial. Em consonância com o novo desenho institucional, a<br />
competência para o exercício da acção disciplinar relativamente aos<br />
secretários passou, em última instância, para o Ministério da Justiça, através<br />
do secretário-geral da administração da justiça, tendo sido delegada nos<br />
secretários gestores e aos secretários coordenadores provinciais dentro do<br />
respectivo âmbito territorial. A imposição <strong>das</strong> sanções mais gravosas<br />
69 São os casos de declaração do termo antecipado do processo por desistência do autor, por<br />
resolução por acordo do litígio, caducidade da instância por inactividade <strong>das</strong> partes, e ainda em<br />
casos de conciliação. Outra alteração legislativa recente passa pela atribuição de<br />
competências ao secretário judicial, concorrentes com o juiz de paz, em sede de conciliação,<br />
sendo tais acor<strong>dos</strong> dota<strong>dos</strong> de idêntica força executiva.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
(suspensão do exercício de funções, transferência forçada e afastamento) é da<br />
competência do órgão ministerial.<br />
A nova secretaria judicial em Espanha 89
90<br />
4.3.1 Os funcionários judiciais<br />
O corpo de funcionários, que desempenham funções de tramitação<br />
processual, é composto pelos chama<strong>dos</strong> funcionários gestores, que vieram<br />
substituir o anterior corpo de oficiais de justiça. Para aceder a esta categoria<br />
profissional é, actualmente, necessária a titularidade de <strong>um</strong>a licenciatura<br />
(anteriormente bastava o bacharelato), aproximando-se, assim, estes<br />
funcionários de categorias profissionais de maior relevo na administração<br />
pública. A lei confere-lhes as seguintes competências: (1) colaborar na<br />
actividade processual de nível superior e realizar as tarefas processuais que<br />
lhes são próprias; (2) gerir a tramitação <strong>dos</strong> processos, devendo dar conta ao<br />
secretário judicial <strong>dos</strong> casos que exijam <strong>um</strong>a interpretação da lei processual<br />
mais complexa; (3) executar, assinar e certificar doc<strong>um</strong>entos comprovativos da<br />
comparência <strong>das</strong> partes em actos realiza<strong>dos</strong> no órgão jurisdicional; (4) elaborar<br />
notas explicativas, de referência ou s<strong>um</strong>arizadoras <strong>sobre</strong> elementos do<br />
processo, dando delas conhecimento aos superiores; (5) realizar tarefas de<br />
registo, recepção e distribuição de doc<strong>um</strong>entos; (6) expedir cópias simples de<br />
doc<strong>um</strong>entos constantes de autos não secretos ou reserva<strong>dos</strong>, com<br />
conhecimento do secretário judicial; (7) ocupar os postos <strong>das</strong> UPAD e SCP que<br />
correspondam à sua categoria profissional, actuando de acordo com o<br />
estabelecido nos protocolos de serviço respectivos; (8) colaborar com os<br />
órgãos competentes em matéria de <strong>gestão</strong> administrativa, desempenhando<br />
funções relativas à <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos e materiais da unidade da<br />
secretaria judicial em que exerçam funções, sempre que tal esteja<br />
expressamente no protocolo de serviço respectivos; (9) exercer funções em<br />
secretarias de julga<strong>dos</strong> de paz ou agrupamentos destas, sempre que a carga<br />
de trabalho justifique a sua presença, bem como em unidades administrativas,<br />
nas mesmas condições e possuindo preparação para tanto; (10) podem, ainda,<br />
ser nomea<strong>dos</strong> secretários substitutos.<br />
O antigo corpo de funcionários auxiliares foi substituído pelos actuais<br />
funcionários tramitadores. Para aceder a esta categoria profissional é<br />
necessária a titularidade de bacharelato ou curso equivalente (anteriormente,<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
astava o ensino secundário). A lei confere-lhes competência para: (1) realizar<br />
to<strong>dos</strong> actos de apoio à tramitação processual; (2) proceder à tramitação geral<br />
<strong>dos</strong> processos, implicando a execução de actas, diligências e notificações, bem<br />
como de cópias e a sua junção ao processo; (3) proceder ao registo e<br />
classificação da correspondência; realizar e autos e expedientes, sob<br />
supervisão do superior hierárquico; (4) realizar as tarefas auxiliares<br />
necessárias para proceder aos actos de comunicação; (5) realizar outras<br />
tarefas que sejam inerentes ao posto de trabalho que ocupem e estejam<br />
previstas no protocolo do respectivo serviço ou requeri<strong>das</strong> pelos superiores<br />
hierárquicos, inclusivamente em unidades administrativas, conquanto se<br />
insiram no âmbito <strong>das</strong> suas funções como tramitadores.<br />
Além daqueles corpos profissionais, existe, ainda, o corpo de auxiliares<br />
que vieram substituir o antigo corpo de agentes judiciais. A exigência<br />
académica para o ingresso nesta categoria profissional é ao nível do 12.º ano<br />
ou diploma equivalente. Têm competência para a realização de to<strong>das</strong> as<br />
tarefas que apoiem a actividade <strong>dos</strong> órgãos judiciais. De entre estas, a lei<br />
precisa as seguintes: (1) executar to<strong>dos</strong> os actos de comunicação que<br />
consistam em notificações, citações, agendamentos e requerimentos; (2)<br />
proceder à execução de embargos e actos similares, como agentes de<br />
autoridade; (3) actuar como polícia judicial, nas vestes de agente de autoridade<br />
na investigação de crimes e na identificação de criminosos, sem prejuízo <strong>das</strong><br />
competências <strong>dos</strong> membros <strong>das</strong> forças de segurança e órgãos de polícia<br />
criminal; (4) arquivar autos e expedientes, sob a supervisão do secretário<br />
judicial; (5) velar pelas condições de utilização <strong>das</strong> salas onde se realizem<br />
audiências de julgamento e outras diligências e manter a ordem nas mesmas;<br />
(6) verificar que os meios técnicos e tecnológicos necessários para a realização<br />
<strong>dos</strong> actos processuais se encontram em boas condições de utilização e, em<br />
caso de necessidade, requerer a presença do pessoal técnico necessário,<br />
dando de tal conhecimento ao secretário judicial; (7) realizar outras tarefas que<br />
sejam inerentes ao posto de trabalho e ocupem e estejam previstas no<br />
protocolo do respectivo serviço ou sejam requeri<strong>das</strong> pelos superiores<br />
hierárquicos.<br />
A nova secretaria judicial em Espanha 91
4.4 Alguns problemas<br />
92<br />
Não obstante o optimismo de muitos autores/operadores, como Dorado<br />
Picón (2003: 5379), a reforma da secretaria judicial ou, quando muito, alg<strong>um</strong>as<br />
<strong>das</strong> suas vertentes, não é consensual, quer como política em si, quer no que<br />
respeita à eficiência da sua execução. Vejamos, de forma breve, alg<strong>um</strong>as <strong>das</strong><br />
questões que se têm levantado.<br />
Em primeiro lugar, os sucessivos atrasos e <strong>um</strong>a certa falta de<br />
coordenação na execução de alg<strong>um</strong>as <strong>das</strong> mais importantes vertentes da<br />
reforma mais ampla (como sejam a reforma <strong>das</strong> leis processuais, a formação<br />
<strong>dos</strong> operadores para a utilização <strong>dos</strong> sistemas informáticos e a construção de<br />
novas instalações) está, na perspectiva de vários operadores, a comprometer<br />
<strong>um</strong>a efectiva e atempada entrada em vigor do novo modelo de secretaria<br />
judicial e, em sentido mais amplo, do novo modelo de administração da justiça.<br />
A falta de recursos financeiros para a administração da justiça (a nível nacional,<br />
autonómico e/ou local) é apontada como <strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais sérios condicionadores.<br />
Em segundo lugar, a transferência de competências, em sede da<br />
administração da justiça, para alg<strong>um</strong>as comunidades autónomas, em datas e<br />
em grau variado, tem como consequência actuações parcelares,<br />
descoordena<strong>das</strong> e até mesmo antagónicas em diferentes circunscrições<br />
territoriais, o que torna <strong>um</strong>a reforma que se pretende homogeneizadora e<br />
agregadora difícil de executar em simultaneidade. Daí que vários autores<br />
tenham salientado a urgência de levar a acabo a reorganização do(s)<br />
território(s) da justiça, reforma incluída no Plano Estratégico de Modernização<br />
da Justiça 2009-2012. Esta circunstância leva a que a implementação da<br />
reforma da nova secretaria judicial, bem como a modernização/adaptação <strong>dos</strong><br />
espaços esteja a ocorrer a velocidades muito distintas, podendo encontrar-se<br />
em território espanhol diferentes modelos de secretaria judiciais.<br />
Também o processo de informatização, a implementar de forma<br />
descentralizada pelas comunidades autónomas com competência em sede de<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
administração da justiça (note-se que o País Basco foi a comunidade<br />
precursora da desmaterialização, no início <strong>dos</strong> anos 90, exportando<br />
posteriormente a sua tecnologia para a administração central), está longe da<br />
uniformização e compatibilização necessárias entre programas informáticos<br />
distintos. A implementação do programa que prevê estabelecer a conexão e<br />
coordenação entre os diferentes sistemas informáticos, a realizar pelo<br />
Conselho Geral do Poder Judicial, ainda não foi levada a cabo.<br />
Em quarto lugar, o processo de redimensionamento <strong>dos</strong> recursos<br />
h<strong>um</strong>anos, que a nova secretaria judicial veio exigir, está também muito<br />
atrasado. Acresce que, se é certo que no processo de reestruturação <strong>dos</strong><br />
serviços, o legislador definiu com rigor as alterações necessárias, não o fez<br />
considerando os processos pendentes, o que veio criar dificuldades nesta<br />
matéria.<br />
Ainda no contexto <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos, é salientada a falta de<br />
definição prévia de linhas orientadoras e de protocolos de actuação <strong>dos</strong><br />
funcionários judiciais, nos quais se concretizassem e delimitassem as<br />
competências e tarefas específicas <strong>das</strong> diferentes categorias de funcionários<br />
em cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> serviços. Contudo, é de sublinhar que este problema tem sido<br />
minimizado pela acção de associações profissionais, como a União<br />
Progressista de Secretários Judiciais, as quais têm desempenhado <strong>um</strong> papel<br />
relevante de interface de <strong>experiência</strong>s entre secretarias judiciais de diferentes<br />
<strong>tribunais</strong> e de diferentes comunidades autónomas.<br />
Um sexto problema decorre da alteração, pela reforma da nova<br />
secretaria judicial, do padrão de relacionamento funcional entre juízes,<br />
secretários judiciais e restantes funcionários judiciais. À cabeça, como principal<br />
factor de tensão, está a nova distribuição de competências entre juízes e<br />
secretários judiciais. O caso Mari Luz fez emergir muita dessa tensão, neste<br />
caso, protagonizada publicamente pelas posições da Associação Profissional<br />
da Magistratura e da UPSJ. Estando em causa eventuais responsabilidades<br />
disciplinares por falhas na execução da sentença do arguido (o qual foi mantido<br />
alg<strong>um</strong> tempo, sem qualquer razão que o justificasse, em liberdade após ter<br />
A nova secretaria judicial em Espanha 93
sido proferida a decisão condenatória final), discutiu-se se a responsabilidade<br />
pela falha pertenceria (ou deveria pertencer) ao juiz ou à secretaria judicial,<br />
maxime, ao secretário judicial como director da secretaria e titular de funções<br />
alarga<strong>das</strong> em sede de execução penal. Decidindo em sede do processo<br />
disciplinar instaurado contra o juiz, a Comissão Disciplinar do CGPJ entendeu<br />
que a total responsabilidade pelas falhas na execução <strong>das</strong> sentenças era do<br />
secretário judicial e <strong>dos</strong> demais funcionários do SCP em causa, e não do juiz,<br />
entendendo que, na reforma da LOPJ, aquelas competências passaram para o<br />
secretário judicial. Contra a posição do CGPJ, a UPSJ considerava que, no<br />
caso, se tratava de competências reserva<strong>das</strong> ao juiz. As diferentes posições<br />
mostram as dificuldades de compreensão e de execução <strong>dos</strong> novos papéis.<br />
94<br />
A reforma criou <strong>um</strong> outro foco de tensão entre juízes e secretários<br />
judiciais ao conferir a estes últimos o agendamento <strong>das</strong> diligências. Para<br />
muitos juízes, os secretários, não só carecem de preparação/ <strong>experiência</strong> para<br />
levar a cabo esta tarefa, como ela cerceia a actividade jurisdicional do juiz, em<br />
especial, quando estejam em causa processos urgentes.<br />
Por último, o facto de a nomeação de secretários judiciais para certos<br />
cargos de especial responsabilidade ou conhecimentos técnicos ser de<br />
nomeação livre, sem prévio concurso público, é visto como <strong>um</strong> aspecto<br />
negativo da reforma e da reestruturação deste corpo profissional.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
A REFORMA DO MAPA E DA<br />
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E OS DESAFIOS<br />
À GESTÃO DOS TRIBUNAIS<br />
5
5 A REFORMA DO MAPA E DA ORGANIZAÇÃO<br />
JUDICIÁRIA E OS DESAFIOS À GESTÃO DOS<br />
TRIBUNAIS<br />
96<br />
Como já referimos na introdução geral, o trabalho que se apresenta<br />
neste relatório não tem qualquer pretensão de fazer a monitorização e<br />
avaliação da reforma experimental <strong>das</strong> novas <strong>comarcas</strong> piloto. Contudo, ao<br />
contribuir para a produção de conhecimento acerca do modelo de <strong>gestão</strong><br />
introduzido com a nova organização judiciária – dimensão fulcral desta reforma<br />
– este trabalho apresenta <strong>um</strong>a análise pioneira.<br />
O novo modelo de <strong>gestão</strong> é <strong>um</strong>a realidade muito recente em que, para<br />
além <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> já produzi<strong>dos</strong> pelo OPJ, o acervo de informação disponível é<br />
escasso. Acresce que o reduzido tempo de vigência do período experimental<br />
da reforma não permite <strong>um</strong>a averiguação cabal de to<strong>das</strong> as suas implicações.<br />
Impossibilita, por exemplo, <strong>um</strong>a avaliação quantitativa, mesmo através de<br />
da<strong>dos</strong> provisórios, do impacto <strong>das</strong> alterações gestionárias na produtividade <strong>dos</strong><br />
agentes judiciais e no tempo <strong>dos</strong> processos, até porque, dado o carácter<br />
original da reforma, se tornam difíceis as comparações de desempenho com o<br />
modelo anterior. Alguns impactos, designadamente de duração <strong>dos</strong> processos,<br />
podem ser induzi<strong>dos</strong> pelas alterações no âmbito da organização judiciária.<br />
Assim, privilegiou-se a análise qualitativa através da recolha <strong>das</strong><br />
percepções <strong>dos</strong> agentes envolvi<strong>dos</strong> no processo, bem como da observação<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
empírica <strong>das</strong> práticas e rotinas <strong>das</strong> unidades orgânicas.<br />
Partindo <strong>das</strong> virtualidades do novo modelo de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, cuja<br />
concretização máxima se sente ao nível local, o trabalho de campo foi<br />
direccionado no sentido de avaliar as potencialidades e os desafios deste<br />
processo de localização da <strong>gestão</strong>, analisando tanto a articulação entre as<br />
entidades que têm responsabilidades na administração e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos,<br />
como na direcção e supervisão <strong>das</strong> actividades no interior do tribunal, com<br />
ênfase no conjunto <strong>das</strong> tarefas a serem desempenha<strong>das</strong>, de forma articulada,<br />
pelos agentes judiciais <strong>das</strong> diferentes unidades orgânicas.<br />
Atendendo aos objectivos deste estudo, revelou-se adequada a adopção<br />
de <strong>um</strong>a estratégia de investigação que permitisse recolher informação de<br />
acordo com duas perspectivas – top down e bottom up. Na perspectiva top<br />
down, observou-se a concretização do modelo de <strong>gestão</strong> entre as diferentes<br />
figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. De acordo com a<br />
perspectiva bottom up, foi dada ênfase à análise do impacto destas alterações<br />
nas rotinas e tarefas <strong>dos</strong> diferentes agentes judiciais. Neste caso, foi dada<br />
especial atenção ao funcionamento da secção de processos, dada a relevância<br />
desta unidade orgânica no quotidiano da tramitação processual.<br />
Os resulta<strong>dos</strong> do trabalho de campo são trata<strong>dos</strong> nesta secção do<br />
relatório em duas vertentes: em primeiro lugar, de acordo com <strong>um</strong> eixo de<br />
análise de ordem macro, apresentam-se as dinâmicas de governação<br />
central/local <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>; e, em segundo lugar, recorre-se a <strong>um</strong>a análise micro<br />
<strong>dos</strong> desafios que se colocam à <strong>gestão</strong> local, designadamente, no âmbito da<br />
organização interna e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho.<br />
Como acima salientámos, o sucesso <strong>das</strong> reformas depende, em grande<br />
medida, da sua preparação. O trabalho de campo fez emergir, no que respeita<br />
à vertente gestionária da reforma, alg<strong>um</strong>as fragilidades de que damos conta a<br />
seguir.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 97
5.1 A preparação da reforma<br />
98<br />
Uma questão prévia com impacto decisivo no sucesso da reforma e <strong>das</strong><br />
inovações introduzi<strong>das</strong> pelo novo modelo de <strong>gestão</strong> está relacionada com a<br />
preparação da sua execução. Este é <strong>um</strong> vector fulcral para o sucesso <strong>das</strong><br />
reformas estruturais de qualquer sector. O carácter inovador do modelo e <strong>das</strong><br />
medi<strong>das</strong> propostas exigia <strong>um</strong>a discussão especificamente a ele dirigida. Se é<br />
certo que a <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, em especial a <strong>gestão</strong> local, teve alg<strong>um</strong><br />
destaque no debate público da discussão da reforma do mapa e organização<br />
judiciária, esta discussão não foi acompanhada de estu<strong>dos</strong> e de <strong>um</strong> debate<br />
específico que contribuísse, com linhas orientadoras, para a concretização da<br />
reforma 70 .<br />
O trabalho de campo levado a cabo para a execução deste estudo<br />
mostrou que o projecto experimental da nova organização judiciária não<br />
contou, pelo menos no que diz respeito ao modelo de <strong>gestão</strong>, com o cuidado e<br />
o apoio necessário para <strong>um</strong>a transição bem sucedida, que é exigido n<strong>um</strong>a<br />
reforma estrutural desta natureza. Daí que as dificuldades deste ensaio<br />
experimental devam ser devidamente considera<strong>das</strong> no processo de<br />
alargamento a outras <strong>comarcas</strong>.<br />
Em primeiro lugar, como adiante melhor se verá, alguns <strong>dos</strong> problemas<br />
verifica<strong>dos</strong> no plano da execução desta componente gestionária da reforma<br />
decorrem da insuficiência ou dificuldade de precisão conceptual do texto da<br />
própria lei. Destaca-se a heterogeneidade interpretativa relativamente às<br />
competências funcionais <strong>das</strong> figuras de <strong>gestão</strong> ao nível local (juiz presidente,<br />
70 Da parte do OPJ (2008), salientámos a importância de se ter em atenção <strong>um</strong> conjunto de<br />
factores fundamentais para o sucesso de reforma nesta vertente, mostrando alg<strong>um</strong>as<br />
características e debilidades que deveriam merecer particular atenção. Ao longo desta secção<br />
voltaremos a esse trabalho, mas salientamos, desde já, a reflexão <strong>sobre</strong> o modelo técnicoburocrático<br />
de tramitação processual e <strong>sobre</strong> as ineficiências do sistema de informatização,<br />
incluindo a ausência de formação consistente.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
administrador judiciário, magistrado do MP coordenador) quando confronta<strong>das</strong><br />
com outras competências, igualmente previstas na lei, no âmbito da actuação<br />
<strong>dos</strong> secretários judiciais e de entidades centrais da administração da justiça.<br />
Em segundo lugar, esta vertente da reforma exigia e exige a definição de<br />
<strong>um</strong> planeamento estratégico e a criação de <strong>um</strong> conjunto de instr<strong>um</strong>entos de<br />
suporte que potenciem <strong>um</strong>a adequada e eficiente <strong>gestão</strong> da mudança. Estão<br />
neste âmbito, por exemplo, a definição de <strong>um</strong> conjunto de acções de <strong>gestão</strong><br />
prática da mudança que previssem e envolvessem, designadamente, os<br />
principais canais de comunicação e de informação no interior e exterior do<br />
sistema, bem como as pessoas mais directamente afecta<strong>das</strong> pelo processo de<br />
mudança.<br />
Uma circunstância verdadeiramente demonstrativa da forma algo<br />
errática da entrada em vigor da reforma é o facto <strong>das</strong> figuras chave deste novo<br />
modelo, os juízes presidentes, apenas terem sido nomea<strong>dos</strong> e ass<strong>um</strong>ido<br />
funções depois de já estarem constituí<strong>das</strong> as equipas de trabalho, isto é, os<br />
funcionários já tinham sido distribuí<strong>dos</strong> pelo secretário e pelas diferentes<br />
secções. To<strong>das</strong> as medi<strong>das</strong> posteriores relativamente a esta matéria, da<br />
iniciativa <strong>dos</strong> juízes presidentes, foram apenas pontuais e correctivas. Também<br />
no que se refere à proposta do orçamento o juiz presidente não teve qualquer<br />
possibilidade de intervir, dado que já se encontrava concluída.<br />
Ainda no âmbito do planeamento e da transição para a mudança,<br />
chama-se à atenção (devendo prevenir-se situações futuras) para <strong>um</strong> outro<br />
problema relativo às obras e às tarefas logísticas que tal transição exigia. Deve<br />
ter-se em conta que <strong>um</strong>a <strong>das</strong> componentes importantes da <strong>gestão</strong> da mudança<br />
é a prevenção <strong>das</strong> resistências, que serão sempre mais atenua<strong>das</strong> quanto<br />
mais claro e participado for o processo de transição.<br />
São vários os relatos que mostram alg<strong>um</strong>as deficiências de planeamento<br />
e as dificuldades decorrentes da execução simultânea de obras, de mudança<br />
de processos (a nova reorganização judiciária, alterando a competência<br />
territorial, implicou a redistribuição entre <strong>tribunais</strong> de largos milhares de<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 99
processos), de funcionários e de juízes e da marcação e desmarcação de<br />
diligências. São, <strong>sobre</strong>tudo, ressalta<strong>das</strong> as deficiências de planeamento na<br />
transferência de processos, quer em suporte físico, quer telemático, o que<br />
levou a erros, ao cancelamento de diligências em cima da hora, a dificuldades<br />
de dar informação ao público e advoga<strong>dos</strong>, designadamente, <strong>sobre</strong> a<br />
localização do processo. E, no que respeita ao arquivo de processos – questão<br />
importante dado que muitos processos poderão continuar a serem necessários<br />
durante vários anos – há, em alguns juízos, ainda alguns problemas que<br />
exigem <strong>um</strong>a solução que deve ser globalmente definida ao nível da nova<br />
comarca.<br />
100<br />
(…) No dia 14 nós recebemos perto de 2000 processos. E no dia 1 caìram aqui os<br />
advoga<strong>dos</strong> e telefonemas, havia advoga<strong>dos</strong> a querer saber do julgamento, havia<br />
processos marca<strong>dos</strong> de outros <strong>tribunais</strong>. Gerou-se a confusão total. Se nas próximas<br />
vezes fizerem assim, é a confusão total. Diariamente, nós tínhamos <strong>um</strong>a agenda de 3 a<br />
4 julgamentos por juiz de manhã e 3 a 4 julgamentos por juiz à tarde. (Ent. 21F)<br />
Quiseram implantar a NUT e ao mesmo tempo fazer obras. As NUT, como estão a ser<br />
implanta<strong>das</strong>, dão sempre muita confusão. Isto porque quem decide não tem a mínima<br />
noção do trabalho que dá. Em vez de implantarem as NUT por fases, por exemplo,<br />
primeiro o tribunal do comércio nas várias NUT, depois os juízos de execução nas<br />
várias NUT onde são coloca<strong>das</strong> pessoas logo de raiz sem prejudicar as secções. (Ent.<br />
20F).<br />
Em terceiro lugar, a falta de suporte organizacional às inovações<br />
gestionárias revela-se em alg<strong>um</strong>as deficiências, destacando-se a falta de<br />
previsão de <strong>um</strong> gabinete de apoio ao juiz presidente. A lei veio conferir<br />
importantes competências em matéria gestionária ao juiz presidente e, a <strong>um</strong><br />
nível menor, ao administrador do tribunal. Ora, dificilmente as poderão exercer<br />
cabalmente sem suporte organizacional. É certo que, na prática, os actuais<br />
juízes presidentes tentaram minimizar esse efeito criando <strong>um</strong> apoio de<br />
secretariado mínimo, mas a solução é pontual, ad hoc, e não resolve<br />
adequadamente aquela ausência.<br />
Em quarto lugar, com a publicação da Portaria n.º 114/2008, de 6 de<br />
Fevereiro, o Governo pretendia dar <strong>um</strong> passo decisivo na informatização do<br />
sistema de justiça, cujo objectivo final é a tramitação telemática <strong>dos</strong> processos.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Acontece que alguns <strong>dos</strong> problemas já identifica<strong>dos</strong> em anteriores estu<strong>dos</strong>,<br />
incluindo o estudo do OPJ (2008) 71 , que mostravam ineficiências e<br />
insuficiências várias do sistema de informatização, não só não foram corrigi<strong>dos</strong><br />
antes da entrada em funcionamento <strong>das</strong> novas <strong>comarcas</strong> piloto, como ainda se<br />
mantêm. Por ora, saliente-se que, no que diz respeito à vertente gestionária,<br />
mostra-se importante assegurar, de forma expedita, o acesso a indicadores por<br />
parte <strong>das</strong> entidades coordenadoras, de forma a permitir <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> efectiva<br />
<strong>dos</strong> recursos e <strong>dos</strong> processos.<br />
Não está previsto que alguém trabalhe directamente comigo, assim como não está<br />
previsto que eu tenha <strong>um</strong>a aplicação informática com a qual possa trabalhar.<br />
Relativamente à <strong>gestão</strong> interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, penso que precisávamos de ter outros<br />
instr<strong>um</strong>entos, designadamente, no âmbito da informática, que permitam <strong>um</strong><br />
conhecimento, em tempo real, obtido de forma rápida, da situação do tribunal, quer no<br />
que respeita ao movimento processual, incluindo o vol<strong>um</strong>e e a natureza da litigação,<br />
quer à situação <strong>dos</strong> recursos. (Ent. 3J)<br />
Em quinto lugar, emerge <strong>um</strong> problema que poderíamos caracterizar<br />
como endémico ao sistema de justiça, transversal a vários sectores, ao qual<br />
urge dar solução: a formação. A formação é fundamental, não só para o<br />
exercício <strong>das</strong> funções específicas, mas também como instr<strong>um</strong>ento de<br />
sistematização e de uniformização de princípios e linhas orientadoras. A<br />
questão da formação coloca-se em vários domínios com reflexo na <strong>gestão</strong> e<br />
nos méto<strong>dos</strong> de trabalho. Será reduzido o impacto positivo resultante da<br />
introdução de inovações se os agentes que as deverão executar, em especial<br />
aqueles que desempenham <strong>um</strong> papel central de coordenação ou de direcção,<br />
não forem devidamente prepara<strong>dos</strong> para tal.<br />
Salienta-se, desde logo, a falta de formação adequada para o<br />
desempenho <strong>das</strong> novas funções de <strong>gestão</strong> e coordenação previstas na lei, até<br />
porque o seu pioneirismo determina novas práticas e rotinas que tenderão a<br />
influenciar, por largo tempo, novos padrões de desempenho. Esta situação<br />
ass<strong>um</strong>e contornos especiais no caso da figura do juiz presidente, dada a<br />
71 Ver, em especial, o ponto 6, relativo à prática <strong>dos</strong> actos na tramitação processual.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 101
amplitude <strong>das</strong> competências e funções que a lei lhe atribui, e do administrador<br />
do tribunal, mas também no que se refere às demais funções de coordenação.<br />
Aliás, é a própria lei a prever <strong>um</strong>a formação prévia ao início <strong>das</strong> competências<br />
de <strong>gestão</strong>.<br />
102<br />
A formação é, ainda, fundamental ao nível da chefia da secção, isto é,<br />
<strong>das</strong> funções desempenha<strong>das</strong> pelo escrivão de direito 72 . A eficácia <strong>das</strong> políticas<br />
gestionárias da justiça, ao nível local, depende muito da capacidade de<br />
coordenação e dinamização do escrivão da secção de processos.<br />
A carência de formação em geral, com reflexos na eficiência <strong>das</strong><br />
actividades desenvolvi<strong>das</strong> no tribunal é, ainda, particularmente sentida no<br />
domínio da utilização <strong>das</strong> novas aplicações e ferramentas informáticas, em<br />
particular, aquando da sua introdução em simultâneo com alterações legais<br />
com reflexos nos programas informáticos. Um exemplo recente consiste na<br />
alteração do Código de Custas Judiciais cuja mudança do sistema informático<br />
trouxe graves problemas de adaptação para os funcionários, acabando por se<br />
traduzir em atrasos na conta do processo.<br />
72 Em OPJ (2008) <strong>um</strong>a <strong>das</strong> principais conclusões e recomendações ia no sentido do<br />
investimento na formação <strong>dos</strong> cargos de chefia <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
5.2 A governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>: entre a centralização e a<br />
proximidade<br />
Pretendemos aqui reflectir <strong>sobre</strong> a dinâmica de governação <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong>, concretizando-se em três níveis de abordagem: (1) as<br />
potencialidades da reforma em curso em termos de <strong>gestão</strong> integrada e de<br />
proximidade; (2) os desafios coloca<strong>dos</strong> pela diversidade organizacional ao<br />
novo modelo de <strong>gestão</strong> e as dinâmicas de governação, ao nível central e local;<br />
(3) a articulação entre as diversas entidades com competência de organização,<br />
direcção e supervisão <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />
Ao analisarmos a <strong>experiência</strong> comparada, podemos encontrar modelos<br />
de administração e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> muito diferencia<strong>dos</strong>, dependendo,<br />
designadamente, do nível de concentração/desconcentração da administração<br />
da justiça, da distribuição de competências, nesta matéria, entre poder judicial<br />
e poder executivo, mas também da interpretação culturalmente dominante do<br />
princípio da independência do poder judicial e do juiz natural. Facilmente se<br />
compreende que n<strong>um</strong> sistema em que prevaleça <strong>um</strong>a concepção mais restrita,<br />
em especial daquele último princípio, que não permita, por exemplo, a<br />
imposição de medi<strong>das</strong> de <strong>gestão</strong> processual ou a impossibilidade de<br />
mobilidade <strong>dos</strong> juízes dentro de <strong>um</strong>a comarca mais alargada, a sua<br />
governação terá características diferentes de <strong>um</strong> sistema em que tal<br />
concepção esteja mais próxima e mais circunscrita ao exercício estrito da<br />
função jurisdicional 73 .<br />
A governação <strong>dos</strong> sistemas de justiça em muitos países tem sido<br />
tributária de <strong>um</strong> modelo organizativo designado, por alguns autores, de<br />
bonapartiano (Andres Ibañez, 2003). Este modelo, desenvolvido dentro de <strong>um</strong>a<br />
matriz política liberal de neutralização do poder judicial, resulta n<strong>um</strong>a<br />
administração e <strong>gestão</strong> que integra o governo da justiça a partir de <strong>um</strong><br />
73 Sobre os modelos de administração e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, cf. OPJ (2008).<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 103
Ministério no âmbito do poder executivo. Na sua concepção pura, aquele<br />
modelo levanta questões relevantes quanto à independência e autonomia do<br />
poder judicial, designadamente, quanto à possibilidade de cooptação política<br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e quanto à interferência hierárquica do executivo no judicial.<br />
104<br />
Em vários países, em especial da Europa Ocidental, como é o caso de<br />
Portugal, a superação deste modelo foi idealizada com a criação de conselhos<br />
judiciários, cujo objectivo era enfraquecer o tradicional papel de proeminência<br />
do poder executivo na governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> (Guarnieri, 2001).<br />
A composição destes conselhos é variada, dividindo-se entre <strong>um</strong>a<br />
composição mais endógena (exclusivamente magistra<strong>dos</strong>) ou mais exógena ao<br />
sistema judicial (juristas, cidadãos, entre outros), com sistemas de nomeação e<br />
eleição igualmente diferentes. Os conselhos são geralmente responsáveis pela<br />
admissão, colocação, transferência, promoção e disciplina <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>,<br />
além de exercerem competências administrativas (organização do próprio<br />
conselho e da carreira da magistratura), competências paranormativas<br />
(propostas de projectos e alterações de leis que regem a função judiciária) e<br />
competências jurisdicionais (decisões disciplinares). Diga-se que o<br />
recrutamento, selecção e formação <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> é <strong>um</strong>a <strong>das</strong> matérias em<br />
que é possível identificar soluções muito diferencia<strong>das</strong>.<br />
A criação <strong>dos</strong> conselhos veio permitir a transferência de competências<br />
no âmbito da governação do judiciário, até então na alçada do poder executivo,<br />
para estruturas próprias do poder judicial. O aprofundamento desta nova<br />
dinâmica de governação tem sido fomentado, não só pelos problemas de<br />
ineficiência do sistema, mas também como resposta à tensão entre os poder<br />
judicial e político. É interessante verificar que, entre nós, face a alguns<br />
problemas que a execução prática da reforma da organização judiciária está a<br />
enfrentar, a solução defendida por alguns vai no sentido de <strong>um</strong> maior<br />
alargamento <strong>das</strong> competências <strong>dos</strong> conselhos.<br />
Em Portugal, a governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> está configurada, a nível<br />
central, n<strong>um</strong> modelo de competências bicéfalo, repartido entre o Ministério da<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Justiça e os conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público. Por<br />
<strong>um</strong> lado, a previsão na estrutura orgânica do Ministério da Justiça de órgãos de<br />
administração indirecta responsáveis pela centralização da <strong>gestão</strong> financeira,<br />
do património, <strong>das</strong> tecnologias e da informação da justiça (ITIJ e IGFIJ)<br />
articula-se com órgãos de administração directa que centralizam competências<br />
de planeamento e <strong>gestão</strong> estratégica da política de justiça (DGAJ e DGPJ). Por<br />
outro, a <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> carreiras, controlo e disciplina <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>, é exercida<br />
pelos conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público.<br />
central.<br />
O organograma 1 ilustra a governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> em Portugal nível<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 105
Organograma 1 – A governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> ao nível central<br />
Fonte: OPJ
A transferência para os conselhos de importantes competências<br />
gestionárias veio densificar os princípios da independência e autonomia do<br />
poder judicial, mantendo, contudo, a característica de centralização do modelo<br />
de governação. Fora <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto, a transposição de competências de<br />
organização e <strong>gestão</strong> para o nível <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> é pouco relevante, não<br />
colocando em causa o modelo de centralização. O que significa que to<strong>das</strong> as<br />
reformas até à entrada em vigor da nova Lei de Organização e Funcionamento<br />
<strong>dos</strong> Tribunais Judiciais não potenciaram <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> local, integrada e de<br />
proximidade. A mudança dá-se com a reforma experimental e diplomas<br />
subsequentes ao prever competências de representação, direcção, <strong>gestão</strong><br />
processual e administrativas para o juiz presidente do tribunal de comarca<br />
(competências em toda a comarca), favorecendo igualmente outra figura de<br />
<strong>gestão</strong> local com competências próprias e <strong>um</strong> importante papel de coadjuvação<br />
<strong>das</strong> competências do juiz presidente – o administrador judiciário 74 .<br />
Para além <strong>das</strong> competências atribuí<strong>das</strong> ao juiz presidente e ao<br />
administrador, outra novidade trazida pela nova lei de organização judiciária no<br />
âmbito da <strong>gestão</strong> local é a criação do conselho de comarca, órgão com funções<br />
consultivas e de acompanhamento <strong>das</strong> actividades administrativas, de<br />
organização e funcionamento do tribunal. O conselho é constituído por <strong>um</strong><br />
conselho geral e <strong>um</strong>a comissão permanente, com <strong>um</strong>a composição mista <strong>dos</strong><br />
seus elementos que integra, de forma alargada, actores do sistema judicial<br />
(presidente do tribunal, magistrado do MP coordenador, administrador<br />
judiciário, representante <strong>dos</strong> funcionários de justiça, da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong><br />
e representante da Câmara <strong>dos</strong> Solicitadores) e, de fora do sistema judiciário,<br />
representantes <strong>dos</strong> municípios integra<strong>dos</strong> na comarca e <strong>dos</strong> utentes <strong>dos</strong><br />
serviços de justiça) 75 .<br />
74 No âmbito <strong>dos</strong> serviços do MP, a lei ainda cria a figura do Magistrado do MP coordenador.<br />
Neste relatório, como já se deixou dito na nota metodológica, dada a ênfase do trabalho de<br />
campo no funcionamento <strong>dos</strong> serviços judiciais, os resulta<strong>dos</strong> apresenta<strong>dos</strong> referem-se<br />
<strong>sobre</strong>tudo àqueles serviços.<br />
75 Cabe ao conselho geral dar parecer <strong>sobre</strong>: a) Os planos anuais e plurianuais de actividades<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 109
110<br />
O organograma 2 ilustra a nova divisão de competências central-local<br />
possibilitada pela nova Lei de Organização Judiciária, destacando as<br />
competências ao nível da comarca.<br />
e relatórios de actividades; b) Os regulamentos internos do tribunal de comarca e <strong>dos</strong><br />
respectivos juízos; c) Evolução da resposta do tribunal às solicitações e expectativas da<br />
comunidade; d) Existência e manutenção de condições de acessibilidade e qualidade <strong>dos</strong><br />
espaços e serviços do tribunal; e) Utilização, manutenção e conservação <strong>dos</strong> equipamentos<br />
afectos aos respectivos serviços; f) Outras questões que lhe sejam submeti<strong>das</strong> pelo presidente<br />
do tribunal.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Organograma 2 – A governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> ao nível da comarca<br />
Fonte: OPJ
A nova Lei de Organização Judiciária, ao reconfigurar o perfil funcional<br />
do presidente do tribunal e ao criar <strong>um</strong>a nova figura (administrador judiciário 76 ),<br />
constrói o que se poderá designar de estrutura nuclear de <strong>gestão</strong> local do<br />
tribunal. Outro elemento chave na estrutura de <strong>gestão</strong> do tribunal é o<br />
Magistrado do MP Coordenador que ass<strong>um</strong>e na comarca competências<br />
anteriormente concentra<strong>das</strong> na procuradoria-geral distrital. 77<br />
N<strong>um</strong>a dada vertente, o juiz presidente passa a ass<strong>um</strong>ir competências de<br />
representação e direcção do tribunal 78 . N<strong>um</strong>a outra dimensão, mais densa do<br />
76 A Lei n.º 3/1999, de 13 de Janeiro, previa a figura do administrador do tribunal nos <strong>tribunais</strong><br />
cuja dimensão justificasse. As competências do administrador circunscreviam-se à preparação<br />
e elaboração do projecto de orçamento, aquisição de bens e serviços, conservação e<br />
segurança <strong>das</strong> instalações, entre outras (artigo 76.º). Muito embora tivesse sido prevista na lei,<br />
esta figura nunca foi colocada em prática.<br />
77 De acordo com a lei, cabe ao magistrado do MP coordenador dirigir e coordenar a actividade<br />
do MP na comarca, exercendo as seguintes competências: a) Acompanhar o movimento<br />
processual <strong>dos</strong> serviços, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes<br />
por tempo considerado excessivo ou que não são resolvi<strong>dos</strong> em prazo considerado razoável,<br />
informando a procuradoria-geral distrital; b) Acompanhar o desenvolvimento <strong>dos</strong> objectivos<br />
fixa<strong>dos</strong> para os serviços do Ministério Público por parte <strong>dos</strong> procuradores e <strong>dos</strong> funcionários; c)<br />
Proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República da mesma comarca e<br />
entre procuradores-adjuntos, sem prejuízo do disposto na lei; d) Promover a realização de<br />
reuniões de planeamento e de avaliação <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> do tribunal, com a participação <strong>dos</strong><br />
procuradores e funcionários; e) Adoptar ou propor às entidades competentes medi<strong>das</strong>,<br />
nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização <strong>das</strong><br />
tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça; f) Ser ouvido pelo Conselho<br />
Superior do Ministério Público, sempre que seja ponderada a realização de inspecções<br />
extraordinárias ou sindicâncias à comarca; g) Elaborar os mapas e turnos de férias <strong>dos</strong><br />
procuradores e autorizar e aprovar os mapas de férias <strong>dos</strong> funcionários; h) Exercer a acção<br />
disciplinar <strong>sobre</strong> os funcionários em funções nos serviços do Ministério Público, relativamente a<br />
pena de gravidade inferior à de multa, e, nos restantes casos, instaurar processo disciplinar, se<br />
a infracção ocorrer no respectivo tribunal; i) Definir méto<strong>dos</strong> de trabalho e objectivos<br />
mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo <strong>das</strong> competências e atribuições nessa<br />
matéria por parte do Conselho Superior do Ministério Público; j) Determinar a aplicação de<br />
medi<strong>das</strong> de simplificação e agilização processuais; l) Proceder à reafectação de funcionários<br />
dentro da respectiva comarca e nos limites legalmente defini<strong>dos</strong>.<br />
78 De entre as competências de representação e direcção, destacam-se: a) Representar e<br />
dirigir o tribunal; b) Acompanhar a realização <strong>dos</strong> objectivos fixa<strong>dos</strong> para os serviços do tribunal<br />
por parte <strong>dos</strong> funcionários; c) Promover a realização de reuniões de planeamento e de<br />
avaliação <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> do tribunal, com a participação <strong>dos</strong> juízes e funcionários; d) Adoptar<br />
ou propor às entidades competentes medi<strong>das</strong>, nomeadamente, de desburocratização,<br />
simplificação de procedimentos, utilização <strong>das</strong> tecnologias de informação e transparência do<br />
sistema de justiça; e) Ser ouvido pelo Conselho Superior da Magistratura, sempre que seja<br />
ponderada a realização de sindicâncias relativamente aos juízos da comarca; f) Ser ouvido<br />
pelo Conselho <strong>dos</strong> Oficiais de Justiça, sempre que seja ponderada a realização de inspecções<br />
extraordinárias quanto aos oficiais de justiça da comarca ou de sindicâncias relativamente às<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 113
ponto de vista da administração e <strong>gestão</strong>, agrega àquelas competências<br />
responsabilidades ao nível da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> funcionários judiciais e exerce<br />
competências importantes de <strong>gestão</strong> processual, fixação de objectivos,<br />
acompanhamento de resulta<strong>dos</strong> e planeamento de necessidades e actividades,<br />
planeamento de recursos h<strong>um</strong>anos e organização interna, que passam a exigir<br />
<strong>um</strong> constante interface e articulação com os órgãos de governação central:<br />
Ministério da Justiça e conselhos superiores 79 .<br />
114<br />
No que diz respeito às competências administrativas, o juiz presidente<br />
passa a concentrar a preparação e elaboração do projecto de orçamento,<br />
anteriormente atribuí<strong>das</strong> ao secretário de justiça, bem como a agregação de<br />
competências ao nível <strong>dos</strong> planos anuais e plurianuais e relatórios de<br />
actividades, regulamentos internos, alterações orçamentais, entre outros 80 . A<br />
lei confere-lhe, assim, competências próprias susceptíveis criar <strong>um</strong>a outra<br />
dinâmica de <strong>gestão</strong> ao nível local.<br />
secretarias da comarca; g) Elaborar, para apresentação ao Conselho Superior da Magistratura,<br />
<strong>um</strong> relatório semestral <strong>sobre</strong> o estado <strong>dos</strong> serviços e a qualidade da resposta, dando<br />
conhecimento do mesmo à Procuradoria-Geral da República e à Direcção-Geral da<br />
Administração da Justiça.<br />
79 O presidente do tribunal possui, ainda, as seguintes competências de <strong>gestão</strong> processual: a)<br />
Implementar méto<strong>dos</strong> de trabalho e objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem<br />
prejuízo <strong>das</strong> competências e atribuições nessa matéria por parte do Conselho Superior da<br />
Magistratura, designadamente na fixação <strong>dos</strong> indicadores do vol<strong>um</strong>e processual adequado; b)<br />
Acompanhar e avaliar a actividade do tribunal, nomeadamente a qualidade do serviço de<br />
justiça prestado aos cidadãos; c) Acompanhar o movimento processual do tribunal,<br />
identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado<br />
excessivo ou que não são resolvi<strong>dos</strong> em prazo considerado razoável, informando o Conselho<br />
Superior da Magistratura e propondo as medi<strong>das</strong> que se justifiquem; d) Promover a aplicação<br />
de medi<strong>das</strong> de simplificação e agilização processuais; e) Propor ao Conselho Superior da<br />
Magistratura a especialização de secções nos juízos; f) Propor ao Conselho Superior da<br />
Magistratura a reafectação <strong>dos</strong> juízes no âmbito da comarca, tendo em vista <strong>um</strong>a distribuição<br />
racional e eficiente do serviço; g) Proceder à reafectação de funcionários dentro da respectiva<br />
comarca e nos limites legalmente defini<strong>dos</strong>; h) Solicitar o suprimento de necessidades de<br />
resposta adicional, nomeadamente através do recurso ao quadro complementar de juízes.<br />
80 O presidente do tribunal possui também as seguintes competências administrativas: a)<br />
Elaborar o projecto de orçamento, ouvido o magistrado do Ministério Público coordenador, que<br />
fará sugestões sempre que entender necessário; b) Elaborar os planos anuais e plurianuais de<br />
actividades e relatórios de actividades; c) Elaborar os regulamentos internos do tribunal de<br />
comarca e <strong>dos</strong> respectivos juízos; d) Propor as alterações orçamentais considera<strong>das</strong><br />
adequa<strong>das</strong>; e) Participar na concepção e execução <strong>das</strong> medi<strong>das</strong> de organização e<br />
modernização <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>; f) Planear as necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
O perfil funcional do administrador judiciário concentra-se na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />
espaços, segurança, condições de acessibilidade <strong>das</strong> instalações,<br />
manutenção, conservação e racionalização da utilização <strong>dos</strong> equipamentos, o<br />
que leva a que seja por muitos percepcionado como <strong>um</strong> perfil exíguo,<br />
defendendo-se a densificação <strong>das</strong> suas competências próprias. Extravasando<br />
a previsão de competências próprias, destaca-se a possibilidade de<br />
coadjuvação pelo administrador do exercício <strong>das</strong> competências do<br />
presidente 81 .<br />
Sob a orientação do presidente do tribunal, nos casos em que existam<br />
juízos com mais de três juízes, <strong>um</strong> magistrado coordenador pode exercer<br />
competências de direcção e <strong>gestão</strong> processual específicas (acompanhar a<br />
realização <strong>dos</strong> objectivos fixa<strong>dos</strong>; implementar méto<strong>dos</strong> de trabalho e<br />
objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica; e acompanhar o<br />
movimento processual do tribunal identificando os processos pendentes.<br />
O organograma 3 condensa as principais alterações trazi<strong>das</strong> pela lei no<br />
âmbito da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> ao nível local, salientando-se a densificação <strong>dos</strong><br />
instr<strong>um</strong>entos de <strong>gestão</strong> ao nível local.<br />
81 O administrador do tribunal, em articulação com o presidente do tribunal e o magistrado do<br />
MP coordenador, tem as seguintes competências relativas aos espaços: a) Gerir a utilização<br />
<strong>dos</strong> espaços do tribunal, designadamente <strong>dos</strong> espaços de utilização com<strong>um</strong>, incluindo as salas<br />
de audiência; b) Assegurar a existência de condições de acessibilidade aos serviços do tribunal<br />
e a manutenção da qualidade e segurança <strong>dos</strong> espaços existentes; c) Regular a utilização de<br />
parques ou lugares privativos de estacionamento de veículos; d) Providenciar, em colaboração<br />
com os serviços competentes do Ministério da Justiça, pela correcta utilização, manutenção e<br />
conservação <strong>dos</strong> equipamentos afectos aos respectivos serviços; e) Providenciar, em<br />
colaboração com os serviços competentes do Ministério da Justiça, pela conservação <strong>das</strong><br />
instalações, <strong>dos</strong> bens e equipamentos comuns, bem como tomar ou propor medi<strong>das</strong> para a sua<br />
racional utilização.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 115
Organograma 3 – A nova lei de organização judiciária e as mudanças nas competências de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
Fonte: OPJ
5.3 As potencialidades da nova lei de organização e<br />
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>: <strong>gestão</strong> integrada e de proximidade<br />
O desenho estratégico da reforma do mapa judiciário em curso assenta<br />
em três vectores principais: (1) <strong>um</strong>a nova matriz territorial, mais alargada; (2)<br />
<strong>um</strong>a acentuada especialização <strong>das</strong> jurisdições; (3) e <strong>um</strong> novo modelo de<br />
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 82 . No que se refere a este último, as mudanças trazi<strong>das</strong><br />
pela lei relativamente à administração local da justiça constituem <strong>um</strong>a grande<br />
inovação, concentrando-se neste vector <strong>um</strong> <strong>dos</strong> principais desafios à<br />
implementação da reforma. Como temos vindo a referir, no âmbito da direcção<br />
e representação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e da <strong>gestão</strong> processual, a reforma introduziu<br />
<strong>um</strong>a mais-valia no sentido de criar perfis profissionais com competências<br />
próprias e <strong>um</strong>a actuação local baseada no conhecimento <strong>das</strong> necessidades e<br />
do funcionamento quotidiano do serviço.<br />
Como foi reconhecido por vários <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong>, a introdução de<br />
vectores de proximidade no modelo de <strong>gestão</strong> incorpora, como vantagem<br />
fulcral, a possibilidade de flexibilização. Dito de outro modo, é possível, em<br />
diferentes aspectos, a tomada de decisão local, de forma rápida e mais<br />
eficiente, no que se refere ao funcionamento <strong>dos</strong> serviços, tendo em atenção<br />
as suas carências e dificuldades. No novo quadro normativo, esta flexibilidade<br />
estende-se desde a distribuição <strong>dos</strong> funcionários (à excepção <strong>dos</strong> escrivães de<br />
direito 83 ) até à proposição de mudanças organizacionais e às rotinas de<br />
trabalho (implementação de méto<strong>dos</strong> de trabalho, reafectação de funcionários,<br />
criação de secções especializa<strong>das</strong>), passando pelo planeamento <strong>das</strong><br />
82 O OPJ, na proposta de reforma do mapa judiciário, apresentada no Relatório “A Geografia da<br />
Justiça - Para <strong>um</strong> novo mapa Judiciário” (2006) enfatizava esta vertente. Cf., ainda, entre<br />
outros http://www.mj.gov.pt/sections/justica-e-<strong>tribunais</strong>/injuncoes-teste/reforma-domapa/downloadFile/attachedFile_1_f0/Mais_Informacao_-<br />
_Mapa_Judiciario.pdf?nocache=1206543542.6<br />
83 De acordo com o art.º 34, do DL n.º 28/2008, os escrivães de direito são titulares da secção<br />
ou do serviço para o qual foram nomea<strong>dos</strong>, os restantes funcionários de justiça são<br />
distribuí<strong>dos</strong>, conforme os casos, pelo presidente do tribunal ou pelo magistrado do MP<br />
coordenador, ouvi<strong>dos</strong> os funcionários interessa<strong>dos</strong>.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 119
actividades, <strong>das</strong> necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos e elaboração da proposta<br />
de orçamento.<br />
120<br />
Noutra vertente, a criação de <strong>um</strong> órgão com poderes consultivos e de<br />
acompanhamento (conselho de comarca) beneficia o modelo de <strong>gestão</strong> por<br />
permitir <strong>um</strong>a participação alargada <strong>dos</strong> actores do sistema e da sociedade civil,<br />
o que pode trazer, não só benefícios de natureza gestionária, mas também<br />
aprofundar a proximidade e legitimidade social <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />
(…) tem sido muito interessante verificar, na prática, o modo de funcionamento destas<br />
duas estruturas [conselho geral e conselho de comarca]. (...) Na <strong>gestão</strong> de <strong>um</strong> tribunal,<br />
quer os magistra<strong>dos</strong>, quer os funcionários, quer outros operadores judiciários<br />
representa<strong>dos</strong> no conselho geral, precisamos de ter, cada vez mais, <strong>um</strong>a visão global<br />
do funcionamento do tribunal e <strong>das</strong> respectivas unidades orgânicas (...). Por outro lado,<br />
permite também <strong>um</strong>a certa abertura ao exterior. O tribunal deixa, tendencialmente, de<br />
ser <strong>um</strong>a entidade fechada, <strong>um</strong>a entidade vista como <strong>um</strong> lugar onde só se vai de vez<br />
em quando e de preferência que não se vá, para ser <strong>um</strong>a estrutura minimamente<br />
organizada e <strong>um</strong>a estrutura que, tendencialmente, poderá até estar aberta a novas<br />
iniciativas. (Ent. S7)<br />
As vantagens acima descritas, resultantes da interpretação <strong>das</strong><br />
potencialidades admiti<strong>das</strong> pela nova legislação, têm <strong>um</strong> carácter experimental,<br />
cuja concretização eficaz depende de se proceder a alguns ajustamentos<br />
importantes. O seu carácter experimental, a falta de preparação da reforma, a<br />
ausência de discussão e de directrizes de execução, são factores que, entre<br />
outros, leva a que aquelas potencialidades estejam a ser desenvolvi<strong>das</strong> de<br />
forma distinta em cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto de acordo com a <strong>experiência</strong>,<br />
o nível de iniciativa, o conhecimento da realidade do tribunal por parte <strong>dos</strong><br />
juízes presidentes.<br />
Apesar <strong>das</strong> lacunas de preparação e acompanhamento da reforma, o<br />
trabalho de campo realizado permitiu identificar alg<strong>um</strong>as dinâmicas locais<br />
consentâneas com os objectivos da reforma. Foi possível identificar<br />
<strong>experiência</strong>s positivas de optimização do funcionamento <strong>dos</strong> serviços, n<strong>um</strong>a<br />
postura activa de supervisão e controlo <strong>das</strong> actividades por parte do juiz<br />
presidente, com coadjuvação do administrador judiciário. Desde logo, o<br />
estabelecimento de metas e objectivos de produtividade, realização de<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
euniões de planeamento <strong>das</strong> actividades com as chefias <strong>das</strong> secções e com<br />
os magistra<strong>dos</strong> coordenadores ou, ainda, a experimentação de outros méto<strong>dos</strong><br />
de trabalho nas secções de processos de alguns juízos do tribunal. Registou-<br />
se, ainda, <strong>um</strong> acréscimo de racionalização no que se refere ao pedido de<br />
material, requisição de objectos e critérios de ocupação <strong>das</strong> salas de<br />
audiências por parte <strong>dos</strong> juízos.<br />
(…) Verifica-se, com esta nova <strong>gestão</strong>, muita diferença. Agora, o juiz presidente define<br />
objectivos, o que não se fazia antes. Nos primeiros tempos houve muitas reuniões para<br />
definir objectivos e toda a gente se empenhou em tentar c<strong>um</strong>prir esses objectivos. E<br />
não foi só a nível de funcionários, foi também a nìvel de magistra<strong>dos</strong> (…). (Ent. 16F)<br />
O maior ou menor êxito da aplicação <strong>das</strong> potencialidades da lei<br />
dependerá, também, da concretização de alguns factores objectivos, como a<br />
formação adequada <strong>dos</strong> administradores judiciários, <strong>dos</strong> juízes presidentes e<br />
de outras figuras com poderes de direcção em áreas relaciona<strong>das</strong> com a<br />
<strong>gestão</strong> judiciária; a existência de <strong>um</strong> gabinete de apoio administrativo e de<br />
<strong>gestão</strong> altamente qualificado associado à presidência do tribunal; e a<br />
possibilidade de acesso a da<strong>dos</strong> <strong>sobre</strong> as actividades e o funcionamento <strong>dos</strong><br />
serviços que permitam aferir, não só as características da procura e os<br />
resulta<strong>dos</strong> quantitativos da produtividade <strong>dos</strong> funcionários, mas, também,<br />
compreender as cadeias de decisão e processos de trabalho adopta<strong>dos</strong> em<br />
cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> unidades orgânicas. Esta última componente ass<strong>um</strong>e particular<br />
relevância se se tiver em atenção que a realidade de funcionamento <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong> é de diversidade organizacional e de méto<strong>dos</strong> de trabalho em<br />
diferentes níveis: entre <strong>tribunais</strong>, entre secretarias <strong>dos</strong> juízos e entre secções.<br />
A diversidade organizacional e de desempenho funcional existente<br />
entre/nos <strong>tribunais</strong> e a articulação de competências entre as diferentes figuras<br />
com poderes de organização, direcção e supervisão são duas condições com<br />
impacto estruturante na realização <strong>das</strong> potencialidades gestionárias da nova<br />
LOFTJ.<br />
As novas competências do juiz presidente e do administrador judiciário,<br />
com a criação de <strong>um</strong>a estrutura de <strong>gestão</strong> local tem a vantagem de permitir<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 121
<strong>um</strong>a maior desconcentração <strong>dos</strong> poderes de organização, supervisão e<br />
direcção <strong>das</strong> actividades <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, dando-se, assim, passos decisivos na<br />
direcção de <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> integrada e de maior proximidade. Contudo, a<br />
concretização deste vector revela <strong>um</strong>a complexa rede de divisão de<br />
competências entre os órgãos centrais executivos (DGAJ, IGFIJ, ITIJ), os<br />
órgãos de <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> profissões judiciais (CSM, CSMP, COJ) e os poderes<br />
locais de <strong>gestão</strong> do tribunal de comarca (juiz presidente, magistrado do MP<br />
coordenador, administrador judiciário, magistra<strong>dos</strong> e procuradores<br />
coordenadores), que para o seu funcionamento eficiente exige <strong>um</strong>a forte<br />
articulação.<br />
122<br />
Em diversos momentos, a lei prevê a combinação e articulação de<br />
competências centrais e locais de modo a permitir <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> integrada que<br />
tenha como referência o tribunal de comarca. Por exemplo:<br />
A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong>, avaliação e disciplina <strong>dos</strong><br />
funcionários judiciais da DGAJ e do COJ, com os poderes atribuí<strong>dos</strong> ao juiz<br />
presidente no que se refere à distribuição de escrivães adjuntos e auxiliares,<br />
implementação de méto<strong>dos</strong> de trabalho e fixação de objectivos para as<br />
unidades orgânicas, planeamento <strong>das</strong> necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos,<br />
reafectação <strong>dos</strong> funcionários dentro da comarca;<br />
A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> juízes e acompanhamento da<br />
actividade <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e sua organização exerci<strong>das</strong> pelo Conselho<br />
Superior da Magistratura e a possibilidade de apresentação, junto do<br />
Conselho, pelo juiz presidente, de propostas de mudanças organizacionais<br />
(criação de secções especializa<strong>das</strong>), reafectação de juízes e necessidades<br />
de resposta adicional no quadro de juízes;<br />
A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong> financeira, do património, <strong>das</strong><br />
instalações e <strong>dos</strong> equipamentos <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> partilha<strong>das</strong> entre o ITIJ, o<br />
IGFIJ e a DGAJ com as competências de elaboração e proposição de<br />
alterações orçamentais exerci<strong>das</strong> pelo juiz presidente e as competências do<br />
administrador judiciário no que se refere aos espaços, equipamentos e<br />
segurança <strong>das</strong> instalações do tribunal.<br />
O êxito deste modelo de <strong>gestão</strong> depende, assim, da realização plena e<br />
eficiente do princípio de cooperação (Decreto-lei n.º 28/2009), não só entre o<br />
presidente do tribunal de comarca, o magistrado do MP coordenador, os<br />
magistra<strong>dos</strong> coordenadores e o administrador do tribunal, entre estes e os<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
outros membros do conselho de comarca, mas, também, entre esta estrutura<br />
local de <strong>gestão</strong> do tribunal com os órgãos centrais de administração da justiça<br />
(DGAJ, CSM, CSMP, COJ, CEJ, CFFJ, ITIJ, IGFIJ).<br />
A necessidade de articulação entre as diferentes figuras com poderes<br />
directivos na administração <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> exigirá <strong>um</strong> aprofundamento da sua<br />
concretização na definição <strong>dos</strong> perfis profissionais com poderes de <strong>gestão</strong><br />
local, esclarecendo as suas tarefas e responsabilidades e aprofundando as<br />
interfaces e canais de comunicação com os organismos centrais.<br />
A articulação de tudo isto é <strong>um</strong> pouco complicada. São atribuí<strong>das</strong> competências<br />
próprias ao presidente, ao administrador, que não se percebe, depois, se são com a<br />
orientação do presidente. O administrador tem <strong>um</strong> papel de coadjuvação do presidente<br />
e, depois, outras competências devem ser delega<strong>das</strong> pela DGAJ e pelo IGFIJ. O que<br />
não vejo como é que pode haver integração, <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> integrada neste caso. Pareceme<br />
que é <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> que acaba por ser bicéfala. Relativamente às competências da<br />
DGAJ houve delegação, o IGFIJ penso que não delegou. Como é que é? Mas, é sob<br />
orientação do Presidente, não é sob orientação do Presidente? (Ent. 3J).<br />
O modelo parecia avançar no sentido do administrador ser, no tribunal, alguém que<br />
poderia actuar com competências delega<strong>das</strong> do juiz presidente, da Direcção-Geral da<br />
Administração da Justiça ou do Instituto de Gestão Financeira. O juiz presidente<br />
delegou competências, a Direcção-Geral delegou competências, o Instituto de Gestão<br />
Financeira nunca o fez. E não o fez porque, talvez não tenha lido a lei, ou se a leu<br />
nunca quis passar nenh<strong>um</strong>a <strong>das</strong> competências para o tribunal. A questão é a de saber<br />
o que é que os serviços centrais, face a esta nova lei, querem efectivamente passar<br />
para a responsabilidade do administrador. O administrador actua no tribunal sob a<br />
direcção e a dependência funcional do juiz presidente. E o juiz presidente há coisas de<br />
que fica dependente, se o administrador puder ou não puder executá-las. A pergunta<br />
fundamental é o que os serviços centrais querem descentralizar? (Ent. P11)<br />
No ponto 4.5 desenvolveu-se, em detalhe, importantes vertentes de<br />
articulação de competências em diferentes âmbitos: <strong>gestão</strong> de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos, <strong>gestão</strong> de recursos financeiros, <strong>gestão</strong> do património e <strong>das</strong> infra-<br />
estruturas e <strong>gestão</strong> da informação.<br />
Seguidamente, analisa-se o modo como as desigualdades <strong>dos</strong><br />
diferentes <strong>tribunais</strong> a nível organizacional condicionam as respostas do modelo<br />
de <strong>gestão</strong>, em especial na racionalização e operacionalização da unidade<br />
administrativa do tribunal de comarca.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 123
5.4 O novo modelo de <strong>gestão</strong> e os desafios da<br />
diversidade organizacional<br />
124<br />
As mudanças trazi<strong>das</strong> pela nova lei no que respeita à nova matriz<br />
territorial e à especialização <strong>das</strong> jurisdições não constituem o objecto central<br />
deste estudo. São, contudo, dimensões que podem ass<strong>um</strong>ir relevância<br />
analítica enquanto variáveis com impacto significativo no novo modelo de<br />
<strong>gestão</strong> e, nessa medida, não podem deixar de ser ti<strong>das</strong> em conta.<br />
O Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro, que regula a organização<br />
<strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto, determinou os diferentes juízos em que se desdobra cada<br />
<strong>um</strong> <strong>dos</strong> novos <strong>tribunais</strong> de comarca (o tribunal de comarca abrange toda a<br />
extensão territorial da comarca) e definiu as conversões <strong>dos</strong> anteriores<br />
<strong>tribunais</strong> de comarca e <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> de competência especializada nos<br />
diferentes juízos.<br />
Por sua vez, a Portaria n.º 170/2009, de 17 de Fevereiro, determinou a<br />
conversão <strong>das</strong> secretarias <strong>dos</strong> anteriores <strong>tribunais</strong> de comarca e de<br />
competência especializada nas secretarias <strong>dos</strong> actuais juízos e definiu os<br />
quadros de pessoal e a organização <strong>dos</strong> serviços judiciais (secção de<br />
processos), tendo como unidade de referência a secretaria.<br />
Da análise destes dois diplomas, no que se refere à organização e<br />
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, resulta que, para este efeito, à anterior unidade tribunal<br />
passou a corresponder a actual unidade secretaria, o que tem consequências,<br />
como melhor se verá, em vários domínios, desde os recursos h<strong>um</strong>anos à<br />
informatização e tramitação telemática <strong>dos</strong> fluxos, levando a que, na prática,<br />
pouco se tenha alterado ao criarem-se novas unidades orgânicas e novas<br />
perspectivas gestionárias, mas mantendo-se o modelo de organização interna<br />
e de colocação de juízes e funcionários <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> anteriores.<br />
Esta dinâmica acaba por se traduzir, de comarca para comarca, em<br />
diferentes estruturas locais, quer considerando a organização <strong>dos</strong> serviços<br />
judiciais, quer a unidade administrativa de referência, com assinalável<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
heterogeneidade para a actuação do juiz presidente e <strong>das</strong> outras figuras<br />
directivas do tribunal. As <strong>comarcas</strong> piloto são ilustrativas desta situação, pois<br />
variam de <strong>um</strong> modelo com alto grau de dispersão daquelas unidades<br />
administrativas (Comarca Baixo Vouga), ainda que territorialmente próximas,<br />
para <strong>um</strong> modelo altamente concentrado de organização <strong>dos</strong> serviços (Comarca<br />
Grande Lisboa-Noroeste), conforme ilustrado nos organogramas 4, 5 e 6 84 .<br />
84 Os organogramas foram realiza<strong>dos</strong> tendo por base a previsão <strong>dos</strong> quadros de pessoal <strong>das</strong><br />
<strong>comarcas</strong> piloto na Portaria n.º 170/2009, bem como no quadro de juízes previstos no Decreto-<br />
Lei n.º 25/2009. Por esta razão, não estão representa<strong>das</strong> as colocações adicionais de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos não previstas no quadro, tal como a criação de secções para além <strong>das</strong> estabeleci<strong>das</strong><br />
na portaria, como é o caso da criação de equipas de recuperação de pendências.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 125
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
Organograma 4 – Comarca Alentejo Litoral (orgânica e distribuição <strong>dos</strong> serviços judiciais)<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ALCÁCER<br />
DO SAL<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Instância<br />
Criminal<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
Juízo de Instância<br />
Criminal<br />
J1 J1 J1 J1<br />
Secção de processos<br />
Secção de processos<br />
Secção Central<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ODEMIRA<br />
J1<br />
Secção de processos<br />
Secção Central<br />
* sedeado em Santiago do Cacém<br />
JUIZ PRESIDENTE*<br />
ADMINISTRADOR JUDICIAL*<br />
ED ED<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE SANTIAGO DO CACÉM (sede)<br />
Juízo de Grande<br />
Instância Cível<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
J1 J2 J1<br />
Juízo de Instância<br />
Criminal<br />
J1 J2<br />
Secção de processos Secção de processos<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE GRÂNDOLA<br />
Secção Central<br />
J1<br />
Secção de processos<br />
ED ED ED ED<br />
Secção Central<br />
Secretário de Justiça<br />
2 EADJ 3 EAUX 2 EADJ 3 EAUX<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Competência Genérica<br />
3 EADJ 3 EAUX<br />
7 EADJ 8 EAUX<br />
2 T.<br />
Informática<br />
Fonte: OPJ<br />
4 Assist.<br />
Técnico<br />
3 Assist.<br />
Operacional<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE SINES<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo Misto do Trabalho e de Família e<br />
Menores<br />
Secção Central<br />
2 EADJ 3 EAUX
Juízo do Trabalho<br />
* sedeado em Sintra<br />
Organograma 5 - Comarca Grande Lisboa-Noroeste (orgânica e distribuição <strong>dos</strong> serviços judiciais)<br />
J1 J2 J3 J1 J2 J3 J4 J5 J1 J2<br />
Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />
Juízo de Pequena<br />
Instância Cível<br />
Juízo de Grande Instância Cível Juízo de Média Instância Cível<br />
ED ED ED ED ED ED ED<br />
J1 J1 J2 J3 J4 J5 J6<br />
Secção de processos<br />
Juízo de Pequena<br />
Instância Criminal<br />
J1 J2<br />
Secção de processos<br />
Juízo de Grande Instância Criminal<br />
Secção de processos Secção de processos<br />
Secção de processos Secção de processos<br />
Juízo de Média Instância Criminal<br />
Secção de processos Secção de processos<br />
ED ED ED ED ED<br />
Juízo de Execução<br />
J1 J2 J1<br />
Secção de processos<br />
Juízo de Comércio<br />
Secção de processos<br />
ED ED ED ED ED<br />
ED ED ED<br />
Juízo de Família e Menores<br />
MC<br />
Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />
J1 J2 J3 J4<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
Secretário de Justiça<br />
Secção Central<br />
Juízo de Pequena<br />
Instância Criminal<br />
ED ED ED ED ED<br />
ED ED<br />
54 EADJ 66 EAUX<br />
J1 J2 J3 J4<br />
Secção de processos<br />
Secção de processos<br />
JUIZ PRESIDENTE*<br />
SECRETARIA GERAL DOS JUÍZOS DE SINTRA (sede) SECRETARIA DOS JUÍZOS DE MAFRA<br />
MC<br />
2 T.<br />
Informática<br />
Secretário de Justiça<br />
MC MC<br />
6 Assist.<br />
Técnico<br />
Juízo de Instrução<br />
Criminal<br />
J1<br />
6 Assist.<br />
Operacional<br />
ADMINISTRADOR JUDICIAL*<br />
Secção de Serviço Externo<br />
Secção Central<br />
Fonte: OPJ<br />
J1<br />
Secção de processos<br />
5 EADJ 7 EAUX<br />
Juízo de Instrução<br />
Criminal<br />
J1<br />
Juízo de Média<br />
Instância Cível<br />
J1<br />
Secção de processos<br />
Secretário de Justiça<br />
Secção de processos Secção de processos<br />
Juízo de Pequena<br />
Instância Criminal<br />
J1 J1<br />
Secção de processos<br />
10 EADJ 15 EAUX<br />
1 Assist. Técnico<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE AMADORA<br />
Juízo de Família e Menores<br />
Secção de processos<br />
2 T.<br />
Informática<br />
J1 J2<br />
2 Assist.<br />
Técnico<br />
Secção de processos<br />
Secção Central<br />
1 Assist.<br />
Operacional
Juízo de Média<br />
Instância Criminal<br />
J1 J2 J3<br />
Secção de processos<br />
Juízo de Instrução<br />
Criminal<br />
J1 J2<br />
Secção de processos<br />
2 T.<br />
Informática<br />
2 EADJ<br />
3 EAUX<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
* sedeado em Aveiro<br />
Secção Central<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Grande<br />
Instância Cível<br />
J1 J2 J3<br />
Secção de processos<br />
Organograma 6 - Comarca Baixo Vouga (orgânica e distribuição <strong>dos</strong> serviços judiciais)<br />
5 EADJ<br />
ED ED ED ED ED ED ED ED ED ED<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
J1 J2<br />
Secção de processos<br />
ED ED<br />
Secção Central<br />
5 Assist.<br />
Técnico<br />
SECRETARIA DO JUÍZO DE SEVER DO VOUGA<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
J1<br />
ED ED ED<br />
Secção Central<br />
Juízo de Comércio<br />
J1<br />
Secção de processos<br />
Secção de Serviço Externo<br />
ED<br />
Juízo de Instância<br />
Criminal<br />
J1<br />
AVEIRO (sede)<br />
Secção Central<br />
SECRETARIA DO JUÍZO DO TRABALHO<br />
Juízo do Trabalho<br />
Secretário de Justiça<br />
J1 J2<br />
Secção de processos Secção de processos<br />
SECRETARIA DO JUÍZO DE FAMÍLIA E<br />
MENORES<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Família e<br />
Menores<br />
J1<br />
Secção de processos<br />
ED<br />
SECRETARIA DO JUÍZO DE ALBERGARIA-A-VELHA<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
Secção de processos Secção de processos<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ANADIA<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Grande<br />
Instância Cível<br />
ED<br />
Juízo de Instância<br />
Criminal<br />
J1 J2 J3 J1 J2 J3 J1<br />
Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />
1 Assist.<br />
Técnico<br />
8 Assist.<br />
Operacional<br />
2 Assist.<br />
Operacional<br />
13 EADJ<br />
19<br />
EAUX<br />
7 EADJ<br />
12<br />
EAUX<br />
4 EADJ<br />
4 EAUX<br />
4 EADJ<br />
5 EAUX<br />
3 EADJ<br />
3 EAUX<br />
Secção Central<br />
Secção Central<br />
J1<br />
SECRETARIA DO JUÍZO DE VAGOS<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
Secção Central<br />
Juízo de Instância<br />
Criminal<br />
J1<br />
ED<br />
Juízo de Média<br />
Instância Criminal<br />
J1 J1<br />
Secção de processos<br />
7 EAUX<br />
ED<br />
JUIZ PRESIDENTE*<br />
ADMINISTRADOR JUDICIAL*<br />
Juízo de Família e<br />
Menores<br />
ED ED ED ED ED ED<br />
ED<br />
ED<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ESTARREJA<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
Juízo de Instância<br />
Criminal<br />
J1<br />
J1 J1<br />
Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />
1 Assist.<br />
Técnico<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE ÍLHAVO<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Média<br />
Instância Criminal<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
Juízo de Pequena<br />
Instância Criminal<br />
J1 J1<br />
J1<br />
Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />
1 Assist.<br />
Operacional<br />
Fonte: OPJ<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
Juízo de Execução<br />
J1<br />
Secção de processos<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Instância<br />
Criminal<br />
J1 J1 J2 J1<br />
Secção de processos<br />
Secção de processos<br />
Secção Central<br />
ÁGUEDA<br />
Juízo de Instrução<br />
Criminal<br />
ED<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE OLIVEIRA DO BAIRRO<br />
Juízo de Família e<br />
Menores<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
J1 J1<br />
Secção de processos Secção de processos<br />
Secção Central 7 EADJ<br />
Secção Central<br />
1 Assist.<br />
10<br />
Operacional<br />
EAUX<br />
8 EADJ<br />
10<br />
EAUX<br />
SECRETARIA DOS JUÍZOS DE OVAR<br />
Secretário de Justiça<br />
Juízo de Execução<br />
Juízo de Média e<br />
Pequena Instância<br />
Cível<br />
Juízo de Instância<br />
Criminal<br />
J1 J1 J2 J1 J2<br />
Secção de processos Secção de processos Secção de processos<br />
1 Assist.<br />
Técnico<br />
7 EADJ<br />
Secção Central 2 Assist.<br />
Secção Central<br />
8 EAUX<br />
Operacional<br />
2 Assist.<br />
Técnico<br />
3 Assist.<br />
Operacional<br />
1 EADJ<br />
2 EAUX<br />
SECRETARIA DO JUÍZO DO TRABALHO<br />
Secretário de Justiça<br />
Secção Central<br />
5 EADJ<br />
9 EAUX<br />
Juízo do Trabalho<br />
J1<br />
Secção de processos<br />
ED<br />
9 EADJ<br />
13<br />
EAUX
O privilégio da dimensão local no que diz respeito à estrutura de<br />
organização e <strong>gestão</strong> é, conforme ficou dito, <strong>um</strong>a potencialidade da nova lei, na<br />
medida em que introduz critérios de flexibilização e de proximidade na<br />
administração do tribunal. Importa, pois, reflectir acerca do nível de localização<br />
<strong>dos</strong> poderes directivos e de organização versus a necessidade de garantir<br />
alg<strong>um</strong>a centralização e unidade administrativa no novo tribunal de comarca que<br />
assegure a operacionalidade efectiva <strong>dos</strong> novos princípios e regras<br />
gestionários.<br />
Este aspecto adquire contornos especiais nas <strong>comarcas</strong> experimentais,<br />
<strong>um</strong>a vez que, como resulta da lei e se verifica nos organogramas<br />
apresenta<strong>dos</strong>, a criação <strong>das</strong> novas unidades orgânicas (juízos, secretarias)<br />
teve por base as estruturas físicas pré-existentes (anteriores <strong>tribunais</strong> de<br />
comarca ou anteriores <strong>tribunais</strong> especializa<strong>dos</strong>) e a distribuição territorial do<br />
modelo antigo, o que implicou a criação de <strong>um</strong> tribunal de comarca multipartido<br />
(secretarias de juízos, juízos, secções). Mesmo no caso da Comarca Grande<br />
Lisboa-Noroeste, este princípio de correspondência <strong>das</strong> anteriores estruturas<br />
às novas estruturas não se afastou muito, dado que, aí já existia <strong>um</strong> certo grau<br />
de concentração com a anterior secretaria-geral do Tribunal de Comarca e do<br />
Tribunal de Família e Menores de Sintra 85 . Onde havia dispersão, manteve-se.<br />
A questão que se coloca é, pois, a de saber quais deverão ser as<br />
unidades administrativas e organizacionais do tribunal de comarca: se o próprio<br />
tribunal de comarca, as secções de processos ou as secretarias <strong>dos</strong> diferentes<br />
juízos. A decisão <strong>sobre</strong> esta matéria que, como se disse, continuou a seguir o<br />
modelo atomizado anterior, tem, como melhor se verá, <strong>um</strong>a influência<br />
determinante na colocação e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos (magistra<strong>dos</strong> e<br />
funcionários), na elaboração e execução do orçamento, no planeamento e<br />
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos materiais, no próprio modelo de informatização e,<br />
consequentemente, na execução <strong>das</strong> funções de direcção e coordenação<br />
85 Foram agrega<strong>das</strong> as secretarias <strong>das</strong> Varas de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra<br />
e a secretaria do Tribunal de Trabalho de Sintra, secretarias a funcionarem no mesmo edifício.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 133
exerci<strong>das</strong> no tribunal de comarca, nomeadamente a interface entre o juiz<br />
presidente, administrador e secretário de justiça.<br />
134<br />
Antigamente falava-se em <strong>tribunais</strong>, agora fala-se em juízos dentro do mesmo tribunal.<br />
Coloco a questão, deve ser o tribunal enquanto unidade detentora de <strong>um</strong> conjunto de<br />
juízos a ter o número de contribuinte ou deve ser cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> secretarias dentro do<br />
tribunal a ter o seu número de contribuinte? (Ent. P11)<br />
Um outro problema que eu sinalizo na organização da comarca, tendo em atenção o<br />
novo mapa judiciário, é que o mapa judiciário engloba <strong>um</strong> determinado número de<br />
unidades orgânicas, mas essas unidades orgânicas, estão organiza<strong>das</strong> sob o modelo<br />
<strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> anteriores. Ou seja, os juízes estão coloca<strong>dos</strong> naqueles juízos, os<br />
funcionários estão coloca<strong>dos</strong> naquelas secretarias e não consigo fazer <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong>,<br />
tanto de magistra<strong>dos</strong> como funcionários, a não ser que tenha a anuência dessas<br />
pessoas. (Ent. S8)<br />
A atomização do modelo entra em tensão com os objectivos de direcção<br />
e coordenação a <strong>um</strong>a escala maior (ao nível da comarca) centraliza<strong>dos</strong> no juiz<br />
presidente e no administrador, impedindo o seu cabal exercício. Note-se que a<br />
única comarca onde este efeito escala se poderá fazer sentir é na Comarca<br />
Grande Lisboa-Noroeste, mas apenas para os juízos de Sintra, porque, como<br />
acima se explicou, estando sedea<strong>dos</strong> to<strong>dos</strong> os juízos no mesmo edifício, na<br />
conversão <strong>das</strong> secretarias, apenas foi criada <strong>um</strong>a secretaria.<br />
Para melhor se compreender esta questão, vejamos, desde já, alg<strong>um</strong>as<br />
consequências na <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos relativamente aos funcionários,<br />
onde o problema está a ass<strong>um</strong>ir maior acuidade. Ao ass<strong>um</strong>ir-se que o<br />
provimento de funcionários judiciais tem como unidade as secções de processo<br />
(para os escrivães de direito) e a secretaria <strong>dos</strong> juízos para os restantes<br />
funcionários, tal condiciona fortemente as competências do juiz presidente na<br />
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos, <strong>um</strong>a vez que o exercício desta competência é nula no<br />
caso <strong>dos</strong> escrivães de direito e tem como limite a secretaria <strong>dos</strong> juízos.<br />
A questão central é, pois, a de saber se para este efeito a unidade não<br />
deve ser o tribunal de comarca. Além deste enquadramento organizacional, a<br />
flexibilidade na <strong>gestão</strong> de recursos está igualmente condicionada pelas<br />
dificuldades relativas à mobilidade geográfica <strong>dos</strong> funcionários de justiça<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
esultante da interpretação sistemática do quadro normativo da nova LOFTJ<br />
com o Estatuto <strong>dos</strong> Funcionários de Justiça, a questão será tratada em detalhe<br />
mais adiante.<br />
Uma outra questão relacionada com esta prende-se com a manutenção<br />
do anterior modelo de fixação <strong>dos</strong> quadros de pessoal, agora com referência à<br />
secretaria. Para os agentes judiciais entrevista<strong>dos</strong>, há a percepção de alg<strong>um</strong>a<br />
irracionalidade na definição desses quadros de funcionários, constituída, por<br />
<strong>um</strong> lado, pela insuficiência do quadro de funcionários em alguns juízos e, por<br />
outro, por <strong>um</strong>a má distribuição <strong>dos</strong> funcionários entre juízos. Defendem, por<br />
isso, <strong>um</strong>a intervenção mais racionalizadora na definição <strong>dos</strong> quadros de<br />
pessoal <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong>, tendo em conta as suas necessidades e as<br />
especificidades da procura. É claro que esta questão coloca-se de modo<br />
diferente n<strong>um</strong> modelo que não esteja assente em quadros de pessoal tão<br />
atomizado.<br />
A percepção de irracionalidade de colocação e distribuição <strong>dos</strong><br />
funcionários estende-se aos assessores técnicos e, em especial, no que se<br />
refere aos técnicos de informática.<br />
Outra questão conexa com esta é a do quadro <strong>dos</strong> funcionários (...) tem a ver com o<br />
dimensionamento do quadro, ou seja, de saber, em primeiro lugar, se os quadros legais<br />
de funcionários para cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> NUT, <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto, se elas estão ou não<br />
correctamente dimensiona<strong>das</strong>. (Ent. P9)<br />
Se, em alguns casos, triplicaram os processos e o quadro de pessoal é o mesmo,<br />
alg<strong>um</strong>a coisa não pode funcionar. Se noutros casos, saíram de lá os processos e<br />
continuam com o mesmo número de pessoas (...) Como é que <strong>um</strong>a pessoa no tribunal<br />
X, por exemplo, pode ter mil processos a cargo e <strong>um</strong>a pessoa no tribunal Y tem cem?<br />
A pessoa não pode produzir o mesmo, ganha o mesmo mas a responsabilidade que<br />
tem é completamente diferente, isso tem que se traduzir no serviço. Eu acho que a<br />
Direcção-Geral devia racionalizar melhor os meios, torná-los mais uniformes, coisa que<br />
não são actualmente. (Ent. 17F)<br />
No tribunal devia estar sempre <strong>um</strong> funcionário de informática. Devia estar<br />
permanentemente cá. (Ent. 21F)<br />
Esta questão, embora com diferentes contornos, também diz respeito à<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 135
colocação <strong>dos</strong> juízes, isto é, à definição da unidade de colocação: os juízos do<br />
tribunal de comarca ou <strong>um</strong> determinado juízo. Facilmente se compreende que<br />
a flexibilidade gestionária é diferente se, por exemplo, os juízes forem<br />
coloca<strong>dos</strong> nos juízos de família do tribunal de comarca ou em determinado<br />
juízo de família. A definição <strong>sobre</strong> o lugar de provimento do juiz pode contribuir<br />
para <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> mais flexível ou mais rígida, de acordo com as necessidades<br />
do serviço.<br />
136<br />
No actual enquadramento legal, tendo em atenção as competências<br />
previstas, no que se refere à <strong>gestão</strong> de juízes, o juiz presidente pode propor ao<br />
CSM a ac<strong>um</strong>ulação, reafectação e o recurso ao quadro complementar de<br />
juízes, medi<strong>das</strong> que, na prática, têm funcionado, mas que poderão ter outro<br />
viés se pensarmos no alargamento da reforma a todo o país. Esta questão tem,<br />
contudo, <strong>um</strong>a perspectiva doutrinária de interpretação constitucional <strong>dos</strong><br />
princípios do juiz natural e da inamovibilidade <strong>dos</strong> juízes, que está longe de ser<br />
consensual. Qualquer intervenção legal neste âmbito tem que ser precedida de<br />
<strong>um</strong>a ampla discussão <strong>sobre</strong> os limites daqueles princípios.<br />
A questão tem, como acima já se referiu, repercussões na <strong>gestão</strong> de<br />
outras vertentes, designadamente, de natureza financeira. Relativamente a<br />
esta última, a opção pelo tribunal de comarca ou pela secretaria <strong>dos</strong> juízos,<br />
como unidade administrativa, coloca em confronto, designadamente, as actuais<br />
competências de elaboração do orçamento <strong>dos</strong> secretários de justiça e do<br />
presidente do tribunal. Conforme se detalha mais adiante, esta questão<br />
também se estende à centralização do controlo da execução orçamental e<br />
demais aspectos financeiros e ao planeamento <strong>das</strong> necessidades do tribunal<br />
como <strong>um</strong> todo.<br />
O orçamento também não é o orçamento do tribunal, é o orçamento de cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />
secretarias e aqui pode-se questionar qual a utilidade do administrador. Cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />
secretários manteve o seu orçamento. (Ent. P11)<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
5.5 Dinâmicas de governação no âmbito da articulação<br />
de competências entre as diversas entidades<br />
Se a partilha de competências de organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
entre o poder executivo e o poder judicial ganhou <strong>um</strong>a nova configuração com<br />
a introdução do <strong>um</strong> novo modelo de <strong>gestão</strong> preconizado pela reforma, o que se<br />
definiu como potencialidades da lei, nomeadamente a adopção de critérios de<br />
proximidade e flexibilidade na <strong>gestão</strong> local <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, depende, em muito,<br />
da integração e da articulação entre os diferentes órgãos com poderes<br />
directivos na administração <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. Como se salientou anteriormente,<br />
este modelo exige a realização plena e eficiente do princípio de cooperação<br />
entre as figuras da estrutura local de <strong>gestão</strong> e entre estas e os órgãos centrais.<br />
Resulta do trabalho de campo que, em diferentes níveis de <strong>gestão</strong>, <strong>um</strong>a<br />
articulação de competências mais eficiente entre os diferentes órgãos está<br />
comprometida, necessitando de diferentes respostas de carácter correctivo,<br />
que vão desde a clarificação do sentido e alcance <strong>das</strong> competências previstas<br />
em lei até à necessidade de aprofundamento <strong>dos</strong> canais de comunicação e<br />
interface entre os diferentes órgãos, passando pela definição de <strong>um</strong> plano de<br />
implementação <strong>das</strong> competências locais de <strong>gestão</strong> com orientações concretas<br />
<strong>das</strong> tarefas e responsabilidades a serem exerci<strong>das</strong> pelas chefias e pelas<br />
figuras de direcção do tribunal, bem como pela determinação da unidade<br />
administrativa de referência do tribunal de comarca.<br />
Desenvolve-se, de seguida, <strong>um</strong>a análise mais detalhada <strong>das</strong> dinâmicas<br />
de competências de administração e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> em quatro áreas:<br />
<strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos, <strong>gestão</strong> de recursos financeiros, <strong>gestão</strong> do<br />
património e <strong>das</strong> infra-estruturas e <strong>gestão</strong> da informação.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 137
A) Juízes<br />
138<br />
5.5.1. Gestão de recursos h<strong>um</strong>anos<br />
O protagonista da <strong>gestão</strong> da carreira judicial é o Conselho Superior da<br />
Magistratura em articulação, no que se refere ao recrutamento e formação <strong>dos</strong><br />
juízes, com o Centro de Estu<strong>dos</strong> Judiciários. Como já referimos, a lei de<br />
organização judiciária insere neste domínio a possibilidade de promoção pelo<br />
juiz presidente junto ao CSM de medi<strong>das</strong> de ac<strong>um</strong>ulação, reafectação,<br />
requisição de juízes do quadro complementar ou criação de secções<br />
especializa<strong>das</strong>.<br />
O organograma 7 ilustra a divisão de competências na <strong>gestão</strong> de juízes.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Formação<br />
Nomeação e<br />
posse<br />
Colocação e reafectação<br />
Férias<br />
AposenOrga- Avaliação e acção Provimentos, movimentos judiciais, dispensas de serviço e<br />
Remuneração Turnos<br />
taçãonização disciplinar<br />
autorizações estatutárias<br />
Organograma 7 – Divisão de competências na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> juízes<br />
DGAJ CEJ CSM Juiz Presidente Presidente do STJ<br />
Processar as remunerações <strong>dos</strong><br />
magistra<strong>dos</strong> que exercem funções nos<br />
<strong>tribunais</strong> sem autonomia assegurando o<br />
pagamento aos magistra<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> encargos<br />
relativos a ac<strong>um</strong>ulação de funções, subsídio<br />
de compensação (renda de casa), colectivos<br />
(aju<strong>das</strong> de custo, transportes e<br />
deslocações), subsídio de fixação (Açores e<br />
Madeira) e regime de substituição<br />
(licencia<strong>dos</strong> em direito, em substituição de<br />
magistra<strong>dos</strong> do Ministério Público)<br />
Realização <strong>dos</strong> concursos de acesso<br />
e cursos e estágios de formação<br />
inicial<br />
Elaboração de acções de formação contínua<br />
Organização de cursos na área da<br />
<strong>gestão</strong> para juiz presidente,<br />
administrador judiciário, procurador<br />
do MP coordenador e magistra<strong>dos</strong><br />
coordenadores (em colaboração<br />
com outras entidades)<br />
Nomeação, colocação e definição<br />
<strong>dos</strong> critérios de permuta entre juízes<br />
Decidir <strong>sobre</strong> a reafectação de juízes<br />
Decidir <strong>sobre</strong> a ac<strong>um</strong>ulação de juízes<br />
Criar, na sede de cada distrito, <strong>um</strong>a<br />
bolsa de juízes para destacamento<br />
em <strong>tribunais</strong> de comarca<br />
Efectuar a <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> bolsas e<br />
regular o seu destacamento<br />
Destacar os juízes auxiliares que se<br />
mostrem necessários , inclusive por<br />
urgente conveniência do serviço<br />
Definir e aprovar o modelo de mapa<br />
de férias<br />
Aprovação do mapa de férias<br />
Realização de movimento judicial<br />
ordinário no mês de Julho e<br />
extraordinários quando exijam<br />
razões de disciplina ou de<br />
necessidade de preenchimento de<br />
vagas<br />
Organização e execução do<br />
concurso de acesso ao provimento<br />
de vagas de juízes da Relação e<br />
juízes do STJ<br />
Autorização para os magistra<strong>dos</strong><br />
residirem em local diferente da sede<br />
do juízo<br />
Conceder dispensas de serviço para<br />
participação em congressos,<br />
simpósios, cursos, seminários<br />
Autorização para o exercício de<br />
funções docentes e de investigação<br />
Deliberação de redução na<br />
distribuição de serviço para<br />
magistra<strong>dos</strong> judiciais que executam<br />
funções no órgão executivo de<br />
associação sindical<br />
Autorização para comissões de<br />
serviço<br />
Elaborar o plano anual de<br />
inspecções, ordenar inspecções,<br />
sindicâncias e inquéritos aos<br />
serviços judiciais (a realizar-se pelos<br />
serviços de inspecção)<br />
Instauração do procedimento<br />
disciplinar<br />
Classificação <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> com<br />
apoio <strong>dos</strong> serviços de inspecção<br />
Decidir <strong>sobre</strong> a criação de secções<br />
especializa<strong>das</strong><br />
Recebimento <strong>dos</strong> requerimentos<br />
para aposentação voluntária<br />
Determinar a imediata suspensão do<br />
exercício de funções em caso de<br />
incapacidade<br />
O orçamento do Conselho Superior<br />
da Magistratura destina -se a<br />
suportar as despesas com com os<br />
magistra<strong>dos</strong> judiciais afectos aos<br />
<strong>tribunais</strong> judiciais de 1.ª instância e<br />
com os magistra<strong>dos</strong> judiciais afectos<br />
como auxiliares aos <strong>tribunais</strong> da<br />
Relação<br />
Fonte: OPJ<br />
Dar posse aos juízes de direito<br />
coloca<strong>dos</strong> na comarca<br />
Nomear <strong>um</strong> juiz substituto, em caso<br />
de impedimento do substituto legal<br />
Planear a necessidade de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos<br />
Popor ao CSM a reafectação de<br />
juízes<br />
Propor ao CSM que <strong>um</strong> juiz exerça<br />
funções em mais de <strong>um</strong> juízo da<br />
mesma comarca<br />
Requisitar a disponibilidade de juízes<br />
da bolsa em caso de necessidade do<br />
serviço<br />
Aprovar os mapas de turnos de<br />
férias e turnos aos sába<strong>dos</strong> e<br />
feria<strong>dos</strong>, ouvi<strong>dos</strong> os magistra<strong>dos</strong><br />
Designar o número de magistra<strong>dos</strong><br />
necessários para assegurar o serviço<br />
de turno e aprovar a lista de<br />
magistra<strong>dos</strong> designa<strong>dos</strong><br />
Propor ao CSM a especialização de<br />
secções nos juízos<br />
Dar posse aos juízes do STJ e<br />
presidentes <strong>das</strong> relações<br />
Presidente do<br />
Tribunal da Relação<br />
Dar posse aos juízes <strong>das</strong> relações<br />
Organização <strong>dos</strong> mapas anuais de férias e envio ao CSM acompanha<strong>dos</strong> de parecer
O organograma mostra <strong>um</strong> modelo altamente centralizado de <strong>gestão</strong> <strong>das</strong><br />
carreiras judiciais com concentração pelo CSM de competências nas<br />
componentes colocação e reafectação, férias, movimento judicial, avaliação,<br />
acção disciplinar, aposentação, formação e remuneração, estas últimas em<br />
articulação com o CEJ e a DGAJ 86 .<br />
A intervenção local é feita com autonomia no que se refere à posse <strong>dos</strong><br />
juízes e tem <strong>um</strong> carácter propositivo no que toca a medi<strong>das</strong> de reafectação,<br />
ac<strong>um</strong>ulação, requisição de juízes do quadro complementar e mudanças na<br />
organização interna, mas cabendo sempre a decisão final ao CSM.<br />
A concentração de competências no CSM, no que respeita às actuais<br />
<strong>comarcas</strong> experimentais, não parece ter-se traduzido, de acordo com o que foi<br />
observado no trabalho de campo, em grandes problemas de articulação entre<br />
aquele órgão e o juiz presidente, embora, como já foi salientado, a situação<br />
pode não ser a mesma n<strong>um</strong> cenário mais alargado ou com outras<br />
protagonistas.<br />
O que foi salientado é o condicionamento deste mecanismo, mas por<br />
outra via. A maior utilização <strong>dos</strong> mecanismos de <strong>gestão</strong> local de juízes, por<br />
parte do juiz presidente, está condicionada pela carência de funcionários e pela<br />
necessidade de aprofundar as competências no âmbito da <strong>gestão</strong> local do<br />
pessoal oficial de justiça.<br />
(…) O juiz presidente solicita ao Conselho Superior de Magistratura que coloque juízes<br />
da bolsa em ac<strong>um</strong>ulação, <strong>dos</strong> quais para fazer julgamentos precisam de escrivães<br />
auxiliares e, simultaneamente, a DGAJ requisita escrivães auxiliares para outro serviço.<br />
(…) Há aqui <strong>um</strong>a, necessária, articulação que tem que ser trabalhada <strong>um</strong> pouco mais<br />
(Ent. 3J).<br />
86 A Lei n.º 36/2007, de 14 de Agosto, garante ao CSM orçamento para suportar as despesas<br />
não só com os seus membros, mas também com o quadro de magistra<strong>dos</strong> e funcionários<br />
afectos aos <strong>tribunais</strong> judiciais de primeira instância, com os magistra<strong>dos</strong> judiciais afectos como<br />
auxiliares aos <strong>tribunais</strong> da Relação e demais despesas correntes e de capital necessárias ao<br />
exercício <strong>das</strong> suas competências. Apesar desta previsão de autonomia financeira, na prática,<br />
por questões logísticas, a DGAJ continua a processar as remunerações <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> que<br />
exercem funções nos <strong>tribunais</strong> sem autonomia administrativa.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 141
142<br />
Para a eficiência do serviço, ressalta-se a importância de fazer<br />
corresponder os recursos h<strong>um</strong>anos de juízes e funcionários. Um passo<br />
decisivo nesta matéria, defendido por muitos <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong>, é a realização<br />
simultânea <strong>dos</strong> movimentos judiciais e movimentos de funcionários, bem como<br />
a criação de <strong>um</strong> quadro complementar de funcionários a que o juiz presidente<br />
possa recorrer nos casos de licenças, baixas médicas, etc.<br />
Na <strong>gestão</strong> local, a experimentação de novas formas de organização está<br />
sujeita aos limites fixa<strong>dos</strong> pela lei para o exercício destas competências pelo<br />
juiz presidente. Uma <strong>das</strong> vias passa pela possibilidade do juiz presidente<br />
propor a criação de secções especializa<strong>das</strong> 87 . Deixa, contudo, dúvi<strong>das</strong><br />
interpretativas se a lei permite a possibilidade de se criar <strong>um</strong>a secção<br />
especializada para tramitar matéria com<strong>um</strong> de diferentes juízos, ou apenas<br />
poderão ser cria<strong>das</strong> para com o objectivo de permitir a afectação de <strong>um</strong><br />
conjunto de processos integra<strong>dos</strong> (de determinada matéria) no âmbito de<br />
competência normal de <strong>um</strong> determinado juízo.<br />
b) Funcionários<br />
O grande espectro de competências no que diz respeito à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />
funcionários está concentrado na DGAJ em articulação com órgãos que a<br />
integram (COJ e CFFJ). Como se tem vindo a referir, no esquema actual de<br />
distribuição de competências, é, contudo, possível visl<strong>um</strong>brar <strong>um</strong> papel<br />
relevante a ser exercido pelo juiz presidente com a coadjuvação do<br />
87 De acordo com o artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 28/2009, de 28 de Janeiro: nos juízos de<br />
competência especializada ou de competência genérica que possuam mais de <strong>um</strong> juiz e<br />
secção e quando o vol<strong>um</strong>e e a complexidade processual o aconselhem, podem ser cria<strong>das</strong><br />
secções especializa<strong>das</strong>, nos termos do disposto no artigo 80.º da LOFTJ. A criação de secções<br />
especializa<strong>das</strong> é feita por deliberação do Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do<br />
respectivo presidente do tribunal de comarca. A especialização da secção é feita através da<br />
afectação de <strong>um</strong> conjunto de processos integra<strong>dos</strong> no âmbito de competência normal do juízo<br />
em causa, por matéria, a <strong>um</strong>a secção pré -existente no respectivo juízo. Na deliberação que<br />
procede à criação da secção especializada são indica<strong>das</strong> as regras de distribuição, nos termos<br />
a definir pelo Conselho Superior da Magistratura. A definição <strong>das</strong> regras de distribuição<br />
previstas no número anterior deve ser previamente articula<strong>das</strong> com a Direcção-Geral da<br />
Administração da Justiça para efeitos de adaptação do respectivo sistema informático.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
administrador judiciário, conforme o organograma 8.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 143
Formação, admissão, nomeação e posse<br />
Reafectação, transferências,<br />
movimento, etc.<br />
Férias, dispensa de serviço, turnos etc.<br />
Avaliação, acção disciplinar e fixação de objectivos<br />
Remuneração<br />
COJ<br />
Elaborar o plano anual de<br />
inspecções, ordenar inspecções,<br />
sindicâncias e inquéritos aos<br />
serviços judiciais (a realizar-se pelos<br />
serviços de inspecção)<br />
Classificar os oficiais de justiça<br />
Competência para instaurar<br />
procedimento disciplinar<br />
Exercer a acção disciplinar<br />
Organograma 8 – Divisão de competências na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> funcionários judiciais<br />
Centro de Fomação<br />
<strong>dos</strong> Funcionários de<br />
Justiça<br />
Formação técnica e tecnológica do<br />
curso profissionalizante para o<br />
exercício <strong>das</strong> funções de oficiais de<br />
justiça<br />
Acções de formação <strong>dos</strong> candidatos a<br />
oficial de justiça admiti<strong>dos</strong> ao curso de<br />
habilitação<br />
Aperfeiçoamento da formação <strong>dos</strong><br />
funcionários de justiça<br />
Formação para a prova de acesso nas<br />
carreiras de oficial de justiça<br />
DGAJ CSM<br />
Juiz presidente<br />
Procedimento de admissão para<br />
ingresso <strong>dos</strong> funcionários de justiça<br />
Abertura do curso de habilitação<br />
para oficiais de justiça<br />
Procedimento de admissão para<br />
acesso <strong>dos</strong> funcionários de justiça<br />
Nomeação <strong>dos</strong> funcionários de<br />
justiça<br />
Procedimento de admissão para<br />
acesso <strong>dos</strong> funcionários de justiça a<br />
outras categorias<br />
Transferência, transição entre<br />
categorias e permuta <strong>dos</strong> oficiais de<br />
justiça<br />
Realização <strong>dos</strong> movimentos<br />
ordinários ou extraordinários <strong>dos</strong><br />
oficiais de justiça para<br />
preenchimento de lugares vagos ou<br />
a vagar<br />
Aprovação do modelo de mapa de<br />
férias<br />
Autorização para a residência do<br />
funcionário fora da comarca onde se<br />
encontra o tribunal<br />
Parecer <strong>sobre</strong> o número de<br />
funcionários a designar para a<br />
prestação de serviço de turno<br />
Homologação da classificação <strong>dos</strong><br />
oficiais de justiça<br />
Organização <strong>das</strong> listas de<br />
antiguidade<br />
Processar as remunerações <strong>dos</strong><br />
funcionários de justiça<br />
Instauração de procedimento disciplinar<br />
Poderes de avocação e revogação<br />
<strong>dos</strong> poderes de avaliação, disciplina<br />
e apreciação do mérito profissional<br />
exercido pelo COJ<br />
Fonte: OPJ<br />
Nomeação do administrador<br />
judiciário e poder para fazer cessar<br />
suas funções<br />
Posse <strong>dos</strong> funcionários de justiça<br />
Planear a necessidade de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos<br />
Reafectação <strong>dos</strong> funcionários dentro<br />
da comarca<br />
Autorização do gozo de férias e<br />
aprovação <strong>dos</strong> respectivos mapas<br />
Aprovar os mapas de turnos de<br />
férias e turnos aos sába<strong>dos</strong> e<br />
feria<strong>dos</strong>, ouvi<strong>dos</strong> os funcionários<br />
Definir o número de funcinário a<br />
designar para a prestação de serviço<br />
de turno<br />
Designar os oficiais de justiça para<br />
prestação de serviço de turno,<br />
ouvi<strong>dos</strong> os funcionários<br />
Parecer para a classificação <strong>dos</strong><br />
oficiais de justiça<br />
Exercer a acção disciplinar<br />
relativamente à pena de gravidade<br />
inferior à multa<br />
Acompanhar a realização <strong>dos</strong><br />
objectivos fixa<strong>dos</strong> para os serviços<br />
do tribunal por parte <strong>dos</strong><br />
funcionários<br />
Promover a realização de reuniões<br />
de planeamento e de avaliação <strong>dos</strong><br />
resulta<strong>dos</strong> do tribunal, com a<br />
participação <strong>dos</strong> juízes e<br />
funcionários<br />
Acompanhar e avaliar a actividade<br />
do tribunal, nomeadamente<br />
a qualidade do serviço de justiça<br />
prestado<br />
aos cidadãos<br />
Administrador<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
Secretário de<br />
justiça<br />
Comunicação da existência de vagas<br />
que ocorram nos quadros da<br />
secretaria e não sejam do<br />
conhecimento da DGAJ<br />
Concepção de dispensa de serviço<br />
até ao limite de 6 dias por ano para<br />
os funcionários de justiça<br />
Autorizar pedi<strong>dos</strong> apresenta<strong>dos</strong><br />
pelos funcionários de dispensa de<br />
serviço para acompanhamento de<br />
filhos menores de 12 anos<br />
Organização do mapa de férias<br />
anual <strong>dos</strong> funcionários<br />
Comunicar à DGAJ, até ao dia 5 de<br />
cada mês, faltas da<strong>das</strong> ao serviço no<br />
mês anterior pelos funcionários de<br />
justiça
Tal como está evidenciado no organograma, verifica-se <strong>um</strong>a destacada<br />
centralização de competências na DGAJ, COJ e CFFJ no que se refere à<br />
formação, admissão, nomeação, realização <strong>dos</strong> movimentos judiciais,<br />
avaliação e acção disciplinar. Contudo, o conjunto de competências ass<strong>um</strong>ido<br />
pelo juiz presidente relativamente à reafectação e distribuição <strong>dos</strong> funcionários<br />
de justiça (à excepção <strong>dos</strong> escrivães de direito), planeamento <strong>dos</strong> recursos<br />
h<strong>um</strong>anos, planeamento <strong>dos</strong> serviços do tribunal, fixação de objectivos e<br />
avaliação da qualidade do serviço prestado, mostra a necessidade de <strong>um</strong>a<br />
maior integração entre a <strong>gestão</strong> local e a <strong>gestão</strong> central no que respeita aos<br />
funcionários judiciais.<br />
O trabalho empírico permitiu identificar vários momentos em que a<br />
concentração de competências na administração central, agravada pela falta<br />
de previsão de interfaces eficientes, bloqueiam a <strong>gestão</strong> a ser implementada<br />
por parte do juiz presidente.<br />
Na verdade, e apesar de terem sido conferi<strong>das</strong> competências ao juiz<br />
presidente para o planeamento <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos, essas competências<br />
não se traduzem na autonomia de definição <strong>dos</strong> mapas de pessoal ou <strong>das</strong><br />
necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos da comarca. Ao juiz presidente cabe a<br />
distribuição <strong>dos</strong> funcionários de justiça, dentro <strong>dos</strong> limites da unidade orgânica<br />
de referência e do quadro de pessoal já estabelecido pelo Ministério da Justiça,<br />
e respeitando o provimento <strong>dos</strong> cargos de escrivães de direito nas respectivas<br />
secções <strong>dos</strong> juízos.<br />
Um exemplo concreto <strong>dos</strong> aperta<strong>dos</strong> limites e dificuldades do exercício<br />
de tais funções concretiza-se no facto do juiz presidente não ter autonomia<br />
para realizar sequer a permuta/transferência de escrivães de direito, dentro da<br />
comarca, sem intervenção da DGAJ, ainda que obtenha a concordância<br />
daqueles. Qualquer movimento desta categoria de funcionários exige sempre a<br />
intervenção da DGAJ e só pode ocorrer dentro <strong>dos</strong> aperta<strong>dos</strong> limites da lei 88 .<br />
88 De acordo com o artigo 15.º, do Estatuto <strong>dos</strong> Oficiais de Justiça (DL n.º 343/1999, de 26 de<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 147
148<br />
(…) a colocação <strong>dos</strong> escrivães nos juìzos, não podendo serem movimenta<strong>dos</strong> segundo<br />
eventuais apetências ou dificuldades, também não me parece bem. O magistrado do<br />
MP coordenador, por exemplo, pode movimentar os magistra<strong>dos</strong>, mas não pode<br />
movimentar os técnicos de justiça principal. (Ent. 3J)<br />
Considerando, como já foi explicado, que os funcionários judiciais foram<br />
provi<strong>dos</strong> não para o tribunal de comarca, globalmente considerado, mas para<br />
as distintas secretarias <strong>dos</strong> juízos, coloca-se, à partida, <strong>um</strong> limite à<br />
possibilidade de distribuição <strong>dos</strong> funcionários e à sua mobilidade para <strong>um</strong>a<br />
secretaria distinta da secretaria onde foi originalmente colocado. Isto porque o<br />
artigo 58º do Estatuto <strong>dos</strong> Oficiais de Justiça (DL n.º 343/1999, de 26 de<br />
Agosto), assentado no conceito de tribunal de comarca da lei anterior,<br />
determina que os funcionários de justiça só podem ser transferi<strong>dos</strong> para fora da<br />
comarca do lugar de origem a seu pedido, por motivo disciplinar, por extinção<br />
do lugar ou por colocação em situação de disponibilidade. Com a interpretação<br />
no sentido de que a conversão desta realidade se deu, com a nova lei, para as<br />
secretarias judiciais, o exercício da competência de distribuição <strong>dos</strong> escrivães<br />
adjuntos e auxiliares, por parte do presidente do tribunal de comarca, está<br />
significativamente delimitado pela não definição legal daquele tribunal enquanto<br />
unidade administrativa.<br />
O tribunal x tem duzentos processos, ou duzentos e poucos processos e sete<br />
funcionários no quadro, e, ao lado, outro tribunal de execução, que é <strong>um</strong> juízo<br />
voluptuosíssimo em termos de interesse e de relevância social e tem vinte mil<br />
processos e tem os mesmos sete funcionários. Estão quatro funcionários praticamente<br />
de férias e não consigo tirar ninguém. (Ent. P6)<br />
A questão da mobilidade geográfica <strong>dos</strong> funcionários é <strong>um</strong>a questão<br />
<strong>sobre</strong> a qual é necessário reflectir e que exige alg<strong>um</strong>a intervenção. Contudo,<br />
Agosto), os oficiais de justiça podem permutar para lugares da mesma categoria ou de<br />
categoria para a qual possam transitar, desde que se encontrem a mais de três anos do limite<br />
mínimo de idade para aposentação. Esta faculdade só pode ser de novo utilizada decorri<strong>dos</strong>,<br />
pelo menos, dois anos <strong>sobre</strong> a data de aceitação do lugar. A transferência pode ser requerida<br />
pelos oficiais de justiça, decorri<strong>dos</strong> dois anos <strong>sobre</strong> o início <strong>das</strong> funções, posse ou aceitação do<br />
lugar (artigo 13.º).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
dever-se-á ter em conta alguns contornos especiais, <strong>sobre</strong>tudo quando<br />
confrontada com direitos adquiri<strong>dos</strong> e expectativas legítimas <strong>dos</strong> funcionários<br />
que aquando do ingresso na carreira não era exigível a previsão de mudanças<br />
estruturais na organização judiciária e nas regras de deslocação de pessoal<br />
que os obrigassem a percorrer grandes distâncias, daí que <strong>um</strong>a solução<br />
avançada seja a flexibilização <strong>das</strong> regras de mobilidade <strong>dos</strong> funcionários<br />
respeitando limites que lhes garantam alguns direitos 89 .<br />
Também as competências previstas para o juiz presidente no âmbito da<br />
fixação de objectivos e da avaliação do desempenho funcional do tribunal e da<br />
qualidade do serviço prestado aos cidadãos estão sujeitas a <strong>um</strong>a certa<br />
limitação, <strong>um</strong>a vez que não são acompanha<strong>das</strong> de competências efectivas no<br />
que respeita à avaliação e à acção disciplinar <strong>sobre</strong> os funcionários da justiça.<br />
Como demonstra o organograma, as competências de acção disciplinar e de<br />
avaliação do juiz presidente são apenas complementares relativamente à<br />
actuação do COJ 90 (elaboração de parecer para classificação <strong>dos</strong> oficiais de<br />
justiça, exercício de acção disciplinar relativamente à pena de gravidade<br />
inferior a multa).<br />
Relativamente à avaliação, o que está em causa é a definição de <strong>um</strong><br />
89 No que diz respeito à mobilidade geográfica, o artigo 315.º, do Código do Trabalho, prevê o<br />
seguinte: 1 - O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o<br />
trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o<br />
trabalhador; 2 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a<br />
alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço;<br />
3 - Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida nos<br />
números anteriores; 4 - No caso previsto no n.º 2, o trabalhador pode resolver o contrato se<br />
houver prejuízo sério, tendo nesse caso direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo<br />
443.º; 5 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência<br />
decorrentes do acréscimo <strong>dos</strong> custos de deslocação e resultantes da mudança de residência.<br />
No âmbito da mobilidade geográfica do trabalhador, a existência ou não de “prejuìzo sério” pela<br />
sua transferência (temporária ou definitiva) já se encontrava presente na LCT e, actualmente,<br />
no artigo 315.º, n.º 1, do Código do Trabalho. Contudo, tal conceito não é definido pelo<br />
legislador, embora seja clarificado no Acórdão do STJ, de 23.11.1994 (amplamente seguido<br />
pela jurisprudência laboral), no qual este tribunal entendeu não ser prejuízo sério, a deslocação<br />
do trabalhador implicar para o mesmo <strong>um</strong> acréscimo de duas horas de viagem por dia.<br />
90 Vale a pena destacar que a competência de acção disciplinar do COJ não é exclusiva, de<br />
acordo com acórdão do Tribunal Constitucional.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 149
modelo que reforce a estrutura de <strong>gestão</strong> local do tribunal de comarca com a<br />
especificação concreta de poderes do juiz presidente que fortaleçam as suas<br />
responsabilidades no âmbito do planeamento de actividades, avaliação <strong>dos</strong><br />
resulta<strong>dos</strong> e fixação de objectivos do tribunal.<br />
150<br />
Tanto em termos de avaliação como em termos de mobilidade <strong>dos</strong><br />
funcionários, <strong>um</strong>a crítica recorrente à nova LOFTJ relaciona-se com o facto de<br />
esta não ter sido acompanhada por <strong>um</strong>a reforma do Estatuto <strong>dos</strong> Oficiais de<br />
Justiça.<br />
Discutir, neste momento, o Estatuto <strong>dos</strong> Funcionários de Justiça é a última parte que a<br />
reforma deixou incompleta e é absolutamente fundamental. (Ent. P8)<br />
Outra questão que se coloca no âmbito da <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos<br />
diz respeito ao vínculo funcional <strong>dos</strong> restantes funcionários, não integra<strong>dos</strong> nas<br />
carreiras judiciais, em especial <strong>dos</strong> técnicos de informática, dada a sua<br />
centralidade no actual quadro informatizado de exercício de tarefas nos<br />
<strong>tribunais</strong>. O técnico de informática a actuar na comarca está na dependência<br />
funcional e hierárquica da DGAJ, o que pode trazer dificuldades em termos de<br />
planeamento e definição de prioridades do trabalho a ser desenvolvido por<br />
aquele técnico nas diferentes secretarias, bem como a sua requisição em<br />
casos urgentes. Daí que alguns <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong> tenham defendido a<br />
necessidade de vinculação funcional <strong>dos</strong> técnicos de informática ao tribunal de<br />
comarca, dependentes, hierárquica e funcionalmente, do juiz presidente.<br />
Há x funcionários que estão cá em permanência, mas esses funcionários não<br />
dependem em nada da orgânica da comarca, ou seja, da respectiva hierarquia, eles<br />
não podem receber ordens quanto às suas tarefas, independentemente do que nós<br />
aqui achamos que é essencial fazer. Se, por exemplo, nós tivermos os funcionários e<br />
to<strong>dos</strong> os juízes sem acesso ao sistema e a precisarem da configuração <strong>dos</strong> seus<br />
computadores e, se alguém, a nível central, resolvesse dizer, que eles iam para outro<br />
sítio fazer outra coisa, nós ficávamos aqui descalços sem se poder trabalhar. (Ent. 3J)<br />
Em concreto, por exemplo, quanto aos técnicos de informática, (...) o juiz presidente<br />
não tem qualquer poder funcional <strong>sobre</strong> estes funcionários. O poder funcional<br />
relativamente mantém-se na DGAJ. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que com<br />
as aplicações informáticas que existem no tribunal, com a sua complexidade, quer a<br />
nível <strong>das</strong> secções de processos, quer a nível <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> judiciais e do MP, com<br />
sistemas de gravação áudio e quem sabe <strong>um</strong> dia, vídeo, <strong>das</strong> audiências de julgamento,<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
tudo isto implica <strong>um</strong> trabalho de manutenção e de permanência nos vários <strong>tribunais</strong>,<br />
que é incompatível com o que se está a verificar na prática. Eu posso telefonar ao Sr.<br />
Informático e dizer “é necessária qualquer coisa ao nìvel da aplicação informática. Com<br />
muita urgência vá hoje ou amanhã”. E o Sr. pode-me dizer ”sim, eu vou ou eu não vou”.<br />
Pode acontecer dizer “eu não vou”, e eu nada posso fazer. Este é <strong>um</strong> cenário possível.<br />
(Ent. P9)<br />
5.5.2 Gestão financeira<br />
O IGFIJ exerce <strong>um</strong> papel destacado de <strong>gestão</strong> financeira <strong>dos</strong> órgãos e<br />
serviços do sistema de justiça. Especificamente no que diz respeito aos<br />
<strong>tribunais</strong> judiciais, esta responsabilidade é ass<strong>um</strong>ida em coordenação com a<br />
DGAJ que, ao nível <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, conta com a coadjuvação do juiz presidente,<br />
administrador judiciário e secretário de justiça, no que diz respeito ao projecto<br />
de orçamento e sua execução. O Organograma 9 mostra a divisão de<br />
competências no âmbito da <strong>gestão</strong> financeira.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 151
Gestão financeira<br />
Execução orçamental<br />
Remuneração<br />
Orçamento<br />
CSM<br />
O orçamento do Conselho Superior da<br />
Magistratura destina -se a suportar as<br />
despesas com com os magistra<strong>dos</strong><br />
judiciais afectos aos <strong>tribunais</strong> judiciais<br />
de 1.ª instância e com os magistra<strong>dos</strong><br />
judiciais afectos como auxiliares aos<br />
<strong>tribunais</strong> da Relação<br />
Organograma 9 – Divisão de competências na <strong>gestão</strong> financeira<br />
IGFIJ DGAJ ITIJ Juiz presidente<br />
Controlar os recebimentos relativos a<br />
receitas <strong>das</strong> diversas fontes de<br />
financiamento<br />
Arrecadar e administrar as receitas relativas<br />
a custas <strong>dos</strong> processos judiciais e efectuar os<br />
pagamentos inerentes a estas que lhe<br />
estejam atribuí<strong>dos</strong><br />
Preparar os planos de tesouraria e<br />
informação <strong>sobre</strong> as posições e movimentos<br />
de tesouraria, identificando e programando<br />
excedentes de tesouraria<br />
Assegurar a <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> contas bancárias<br />
Assegurar a constituição, reconstituição e<br />
liquidação <strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong> de maneio autoriza<strong>dos</strong><br />
Assegurar a rentabilização de excedentes de<br />
tesouraria, nomeadamente mediante recurso<br />
a instr<strong>um</strong>entos financeiros disponíveis no<br />
mercado<br />
Assegurar o controlo financeiro da utilização<br />
<strong>das</strong> verbas afectas aos serviços e organismos<br />
do Ministério da Justiça<br />
Estudar e propor formas de financiamento<br />
adequa<strong>das</strong> às necessidades de<br />
funcionamento e desenvolvimento do<br />
sistema de justiça<br />
Elaborar estu<strong>dos</strong> <strong>sobre</strong> a sustentabilidade<br />
financeira do sistema de justiça<br />
Definir os princípios de aplicação geral a que<br />
devem obedecer os registos contabilísticos e<br />
aplicá-los<br />
Coordenar a elaboração <strong>dos</strong> planos de<br />
investimento <strong>dos</strong> serviços e organismos do<br />
Ministério da Justiça<br />
Coordenar a elaboração <strong>dos</strong> projectos de<br />
orçamento, formular propostas para as<br />
dotações globais a atribuir<br />
Requisitar e transferir os fun<strong>dos</strong><br />
provenientes da dotação do Orçamento de<br />
Estado afecta aos serviços e organismos do<br />
Ministério da Justiça<br />
Acompanhar a execução orçamental<br />
relativamente ao funcionamento <strong>dos</strong><br />
serviços e organismos do Ministério da<br />
Justiça<br />
Acompanhar a execução orçamental<br />
relativamente aos programas de<br />
investimento <strong>dos</strong> serviços e organismos do<br />
Ministério da Justiça<br />
Organizar e lançar os procedimentos de<br />
contratação pública para execução <strong>dos</strong><br />
projectos de concepção, construção,<br />
adaptação, ampliação, remodelação,<br />
conservação de imóveis afectos aos serviços<br />
da justiça, assegurando a sua <strong>gestão</strong> e<br />
fiscalização<br />
Proceder a aquisições, arrendamentos e<br />
alienação <strong>dos</strong> bens imóveis<br />
Prestar apoio na preparação <strong>dos</strong><br />
instr<strong>um</strong>entos e procedimentos de<br />
contratação externa de serviços na<br />
área do património imobiliário e acompanhar<br />
a execução <strong>dos</strong> contratos<br />
Coordenar a elaboração e proceder à<br />
avaliação da <strong>gestão</strong> orçamental, financeira e<br />
contabilística <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> sem autonomia<br />
administrativa<br />
Coordenar a execução da <strong>gestão</strong> orçamental,<br />
financeira e contabilística <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> sem<br />
autonomia administrativa<br />
Realização de despesas que extravasam o<br />
âmbito da competência de execução<br />
orçamental delegada nos secretários de<br />
justiça, incluindo: Mobiliário; Estantes;<br />
sistemas AVAC (ar condicionado); Centrais<br />
telefónicas, suas ampliações e faxes<br />
Realização de despesas que extravasam o<br />
âmbito da competência de execução<br />
orçamental delegada nos secretários de<br />
justiça, incluindo: Equipamento informático;<br />
Aparelhos áudio e de videoconferência;<br />
Fotocopiadoras; Cofres e armários de<br />
segurança; Equipamento médico-legal;<br />
Sistemas integra<strong>dos</strong> de segurança passiva;<br />
Selos brancos; Serviços de segurança<br />
Celebração de contratos de prestação de<br />
serviços de limpeza, sempre que excedam a<br />
mera contratação de particulares; Celebração<br />
de contratos de pessoal, salvo os contratos<br />
no âmbito de programas ocupacionais e ou<br />
de tempos livres no domínio <strong>dos</strong> projectos<br />
de tratamento e salvaguarda do património<br />
arquivístico <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
Celebração, em geral, de contratos de<br />
prestação de serviços com particulares de<br />
duração superior a três semanas<br />
Celebração de contratos de prestação de<br />
serviços de manutenção <strong>dos</strong> edifícios, de<br />
centrais telefónicas, de assistência técnica de<br />
sistemas integra<strong>dos</strong> de segurança passiva, de<br />
elevadores, de fotocopiadoras, de<br />
equipamentos informáticos, de faxes e de<br />
aparelhos áudio e de videoconferência<br />
Processar as remunerações <strong>dos</strong> funcionários<br />
de justiça<br />
Processar as remunerações <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong><br />
que exercem funções nos <strong>tribunais</strong> sem<br />
autonomia assegurando o pagamento aos<br />
magistra<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> encargos relativos a<br />
ac<strong>um</strong>ulação de funções, subsídio de<br />
compensação (renda de casa), colectivos<br />
(aju<strong>das</strong> de custo, transportes e deslocações),<br />
subsídio de fixação (Açores e Madeira) e<br />
regime de substituição (licencia<strong>dos</strong> em<br />
direito, em substituição de magistra<strong>dos</strong> do<br />
Ministério Público)<br />
Coordenar, dar parecer e<br />
acompanhar a elaboração de<br />
projectos de investimento,<br />
em matéria de informática e<br />
comunicações, <strong>dos</strong> órgaos,<br />
serviços e organismos do<br />
Ministério da Justiça<br />
Controlar a execução de<br />
projectos de investimento,<br />
em matéria de informática e<br />
comunicações, <strong>dos</strong> órgaos,<br />
serviços e organismos do<br />
Ministério da Justiça<br />
Definir normas e<br />
procedimentos relativos à<br />
aquisição de equipamento<br />
informático<br />
Fonte: OPJ<br />
Elaborar o projecto de orçamento,<br />
ouvido o magistrado do Ministério<br />
Público coordenador<br />
Propor as alterações orçamentais<br />
que julgar adequa<strong>das</strong><br />
Administrador<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
A competência para adjudicar e<br />
autorizar a realização de despesas<br />
com aquisição de bens e serviços,<br />
incluindo as despesas com<br />
instalações afectas aos serviços <strong>dos</strong><br />
respectivos <strong>tribunais</strong>, até ao<br />
montante máximo de € 24.939,89<br />
A competência para autorizar a<br />
realização <strong>das</strong> despesas emergentes<br />
da renovação ou revisão de preços<br />
(c<strong>um</strong>pri<strong>dos</strong> os respectivos termos<br />
contratuais) de contratos de<br />
prestação de serviços de limpeza até<br />
ao montante máximo de €<br />
99.759,57<br />
A competência para adjudicar e<br />
autorizar a realização de despesas<br />
com aquisição de bens e serviços, ao<br />
abrigo de contratos públicos de<br />
aprovisionamento celebra<strong>dos</strong> pela<br />
Agência Nacional de Compras<br />
Públicas ou no âmbito de<br />
procedimentos conduzi<strong>dos</strong> pela<br />
Unidade de Comprasdo Ministério<br />
da Justiça, até ao montante máximo<br />
de € 49.879,79<br />
A competência para celebrar<br />
contratos «emprego inserção» e<br />
«emprego inserção+» ou no âmbito<br />
de programas ocupacionais e ou de<br />
tempos livres, ao abrigo da Portaria<br />
n.º 128/2009, de 30 de Janeiro, do<br />
Ministro do Trabalho e da<br />
Solidariedade Social, <strong>das</strong> Portarias<br />
n.º 119/2007, e n.º 82/2003, da<br />
Secretaria Regional <strong>dos</strong> Recursos<br />
H<strong>um</strong>anos da RAM e do Decreto<br />
Regulamentar Regional n.º 9/2008/A<br />
Secretário de<br />
justiça<br />
Elaborar e gerir o orçamento de<br />
delegação da secretaria<br />
Possibilidade de subdelegação da<br />
competência do administrador até<br />
ao montante máximo de € 4987<br />
Possibilidade de subdelegação da<br />
competência do administrador até<br />
ao montante máximo de €49 879,79<br />
Possibilidade de subdelegação da<br />
competência do administrador<br />
Possibilidade de subdelegação da<br />
competência do administrador no<br />
domínio <strong>dos</strong> projectos de<br />
tratamento e salvaguarda do<br />
património arquivístico <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>
O trabalho de campo identifica <strong>um</strong>a certa <strong>sobre</strong>posição de competências<br />
entre DGAJ, juiz presidente, administrador e secretário de justiça. Esta tensão<br />
relaciona-se, <strong>um</strong>a vez mais, com a indefinição da unidade administrativa do<br />
tribunal.<br />
Neste ponto, o principal problema é a articulação entre a competência<br />
administrativa do presidente do tribunal de comarca de elaboração do projecto<br />
do orçamento e proposição de alterações orçamentais, a delegação dessa<br />
competência nos administradores judiciais e a articulação <strong>das</strong> tarefas relativas<br />
ao orçamento entre o administrador judiciário e os secretários de justiça.<br />
Mantém-se a lógica de as secretarias <strong>dos</strong> juízos funcionarem como<br />
unidades administrativas do tribunal de comarca no que diz respeito ao<br />
orçamento. Neste caso, as actividades relativas ao orçamento ficam<br />
localiza<strong>das</strong> na figura do secretário de justiça, isto é, o secretário mantém,<br />
apesar do novo quadro legal, a competência de gerir e elaborar o orçamento de<br />
delegação da secretaria.<br />
(…) comecei a questionar qual a utilidade do administrador quando ele não gere o<br />
orçamento do tribunal mas, cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> secretários manteve o seu orçamento. E<br />
estava longe de imaginar que o orçamento pode ser entendido não como orçamento do<br />
tribunal, mas da Direcção-Geral e, sendo da Direcção-Geral há <strong>um</strong>a dotação afecta ao<br />
tribunal, dotação essa em que o relacionamento é entre a Direcção-Geral e cada <strong>um</strong><br />
<strong>dos</strong> secretários, ficando o juiz presidente e o administrador à margem disto tudo. (Ent.<br />
P11)<br />
Esta realidade dificulta a <strong>gestão</strong> centralizada do orçamento por parte do<br />
presidente e do administrador do tribunal. A falta de <strong>um</strong>a visão global do<br />
orçamento do tribunal de comarca impede ainda a projecção da execução<br />
orçamental e o controlo centralizado <strong>dos</strong> gastos.<br />
Como os srs. secretários de justiça de cada secretaria de juízo detêm competências<br />
delega<strong>das</strong> de elaboração e execução do orçamento <strong>das</strong> secretaria, nós elaboramos o<br />
projecto, quer seja <strong>um</strong> projecto único, quer seja <strong>um</strong> projecto de cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />
secretarias, a questão é com que meios podemos controlar a execução desse<br />
orçamento, ainda que a competência esteja delegada nos Srs. administradores. Como<br />
é que controlamos a execução desse orçamento? Que contas é que prestamos para o<br />
seu apuramento? Mais que não seja podiam dizer “não tem que prestar contas<br />
nenh<strong>um</strong>as”. No projecto de orçamento, como é que eu vou justificar porque a<strong>um</strong>ento as<br />
verbas, porque é que diminuo as verbas? (Ent. P9)<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 155
156<br />
Quanto ao orçamento, a questão é tão simples como esta: deve ou não em cada<br />
secretaria haver <strong>um</strong> secretário a fazer o mesmo trabalho, ou se este serviço deve estar<br />
centralizado na presidência. (…) em vez de ter secretários a fazer as compras, deveria<br />
haver <strong>um</strong> funcionário que não precisa de ter nenh<strong>um</strong>a qualificação, precisa apenas de<br />
ter a indicação <strong>das</strong> necessidades e fazer <strong>um</strong> registo delas. (Ent. P11)<br />
Outro problema é a falta de autonomia do tribunal de comarca na <strong>gestão</strong><br />
do saldo do orçamento <strong>das</strong> diferentes secretarias.<br />
N<strong>um</strong>a situação de unidade administrativa tendo como referência da unidade o tribunal,<br />
tem-se <strong>um</strong> único orçamento e cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> secretários poderia fazer o registo <strong>das</strong> suas<br />
despesas. Dentro <strong>das</strong> secretarias caberia ao juiz presidente, em função <strong>das</strong><br />
necessidades, afectar ou transferir verbas para outra secretaria, sem necessidade de<br />
intervenção da Direcção-Geral. Hoje, pode haver excesso n<strong>um</strong>a secretaria e défice<br />
noutra, e não há competência de quem dirige o tribunal para fazer esta transição sem a<br />
intervenção <strong>dos</strong> serviços centrais. É o secretário que se dirige à Direcção-Geral a pedir,<br />
e a Direcção-Geral vai buscá-lo onde quer e se quiser. Apesar de esta competência ter<br />
sido atribuída ao juiz presidente, subdelegada no administrador, continua a haver o<br />
relacionamento entre a Direcção-Geral e cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> secretários sem que o juiz<br />
presidente e o administrador possa impedir seja o que for. E esta foi a lógica seguida<br />
relativamente a todo o resto, ou seja, o pessoal manteve-se na mesma. Se o pessoal<br />
fosse colocado no tribunal, e olhando para a norma que está na lei orgânica dava a<br />
entender que assim seria, era suposto que os funcionários passassem a concorrer para<br />
o tribunal de comarca. (Ent.P11)<br />
5.5.3 Gestão do património e <strong>das</strong> infra-estruturas<br />
As competências centrais de <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> infra-estruturas, património e<br />
equipamentos informáticos concentra<strong>das</strong> no IGFIJ, DGAJ e ITIJ concretizam-se<br />
em competências complementares de manutenção, conservação,<br />
racionalização atribuí<strong>das</strong> ao administrador do tribunal e ao secretário de justiça.<br />
No organograma 10 encontra-se representada a divisão de<br />
competências no que respeita à <strong>gestão</strong> do património e às infra-estruturas.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Projectos e património imobiliário<br />
Instalações e equipamentos<br />
Frota automóvel<br />
e estacionamento<br />
Organograma 10 – Divisão <strong>das</strong> competências na <strong>gestão</strong> do património e <strong>das</strong> infra-estruturas<br />
IGFIJ DGAJ ITIJ Juiz presidente Administrador<br />
Planear a execução de obras de construção, remodelação ou<br />
conservação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
Administrar e estabelecer critérios<br />
de <strong>gestão</strong> do património<br />
Definir tipologias de instalações e<br />
<strong>dos</strong> equipamentos a utilizar<br />
Elaborar normas relativas à <strong>gestão</strong> e<br />
utilização <strong>dos</strong> espaços e segurança<br />
de instalações<br />
Planear a necessidade no domínio<br />
<strong>das</strong> instalações <strong>dos</strong> serviços da<br />
justiça<br />
Elaborar propostas com vista a<br />
racionalizar, projectar e modernizar<br />
as instalações <strong>dos</strong> serviços da<br />
justiça e propor soluções de<br />
investimento adequa<strong>das</strong><br />
Realizar ou promover os estu<strong>dos</strong> e<br />
projectos de concepção e<br />
construção de imóveis destina<strong>dos</strong> à<br />
instalação de <strong>tribunais</strong><br />
Realizar os projectos de obras de<br />
adaptação, ampliação, remodelação<br />
e conservação de imóveis, afectos<br />
aos serviços da justiça<br />
Acompanhar a elaboração de<br />
projectos desenvolvi<strong>dos</strong> por<br />
entidades externas e empreita<strong>das</strong><br />
necessárias, apreciando-os e<br />
determinando as necessárias<br />
adaptações<br />
Proceder à atribuição de instalações<br />
aos diversos órgãos, serviços e<br />
organismos do Ministério da Justiça<br />
Assegurar a inventariação <strong>dos</strong> bens<br />
imóveis a manter actualizado o<br />
respectivo ca<strong>das</strong>tro, organizando<br />
<strong>um</strong> sistema de monitorização e <strong>um</strong><br />
arquivo de exploração e<br />
manutenção <strong>das</strong> intervenções<br />
imobiliárias<br />
Elaborar normas relativas a<br />
materiais e técnicas de construção,<br />
caracterização de terrenos e<br />
edifícios<br />
Promover avaliações do património<br />
imobiliário<br />
Gerir, em articulação com o<br />
competente organismo do Estado, a<br />
frota automóvel <strong>dos</strong> serviços e<br />
organismos do Ministério da Justiça<br />
sem autonomia financeira<br />
Programar as necessidades<br />
de instalações <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
Assegurara a <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> meios<br />
afectos à execução da política<br />
informática da área da justiça<br />
Definir normas e procedimentos<br />
relativos à utilização de<br />
equipamento informático<br />
Assegurar a manutenção <strong>dos</strong> equipamentos <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
Fonte: OPJ<br />
Participar na concepção e execução<br />
<strong>das</strong> medi<strong>das</strong> de organização e<br />
modernização <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
Providenciar, em colaboração com<br />
os serviços competentes do<br />
Ministério da Justiça, a correcta<br />
utilização, manutenção e<br />
conservação <strong>das</strong> instalações e <strong>dos</strong><br />
bens<br />
Gerir a utilização <strong>dos</strong> espaços do<br />
tribunal, designadamente os<br />
espaços de utilização com<strong>um</strong><br />
incluindo as salas de audiência<br />
Providenciar, em colaboração com<br />
os serviços competentes do<br />
Ministério da Justiça a correcta<br />
utilização, manutenção e<br />
conservação <strong>dos</strong> equipamentos<br />
Assegurar a existência de condições<br />
de acessibilidade aos serviços do<br />
tribunal e manutenção da qualidade<br />
e segurança <strong>dos</strong> espaços existentes<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
Regular a utilização de parques ou<br />
lugares privativos de<br />
estacionamento de veículos<br />
Secretário de<br />
justiça<br />
Providenciar pela conservação <strong>das</strong><br />
instalações do tribunal<br />
Providenciar pela conservação <strong>dos</strong><br />
equipamentos do tribunal
A <strong>gestão</strong> do património mostra <strong>um</strong>a forte centralização no IGFIJ no que<br />
se refere a projectos de construção, adaptação, ampliação, remodelação e<br />
conservação de imóveis e <strong>gestão</strong> do património imobiliário.<br />
No que respeita aos <strong>tribunais</strong>, a competência de manutenção <strong>das</strong> infra-<br />
estruturas e de planeamento <strong>das</strong> necessidades de recursos materiais e de<br />
instalações é feita em articulação com a DGAJ, enquanto em articulação com o<br />
ITIJ se opera a <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> meios afectos à política informática e <strong>gestão</strong> do<br />
equipamento informático.<br />
Ao nível local, as competências do administrador do tribunal e secretário<br />
de justiça são complementares, cingindo-se, <strong>sobre</strong>tudo, à conservação,<br />
manutenção, segurança e racionalização da utilização <strong>dos</strong> espaços e<br />
equipamentos. O juiz presidente tem, ainda, a prerrogativa de participar na<br />
concepção e execução <strong>das</strong> medi<strong>das</strong> de organização e modernização <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong>.<br />
Neste âmbito, o que está em causa é a articulação entre as decisões<br />
locais relativas às necessidades de equipamentos e de instalações e as<br />
decisões centrais de planeamento <strong>das</strong> necessidades e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> infra-<br />
estruturas <strong>dos</strong> serviços da justiça como <strong>um</strong> todo. Se é certo que a estrutura<br />
local de <strong>gestão</strong>, centrada na figura do juiz presidente, tem competências gerais<br />
relativamente ao planeamento <strong>das</strong> actividades do tribunal e às necessidades<br />
de orçamento, o alcance destas iniciativas pode ser limitado pela reserva de<br />
competências da DGAJ relativamente à aquisição de equipamentos e outros<br />
bens.<br />
Há equipamentos que são adquiri<strong>dos</strong> pelos serviços centrais, como é o caso <strong>das</strong><br />
impressoras, que não estão no orçamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. A questão é, se devem ser os<br />
serviços centrais a tomar a decisão da instalação ou se deve ser localmente. E, por<br />
isso, é que se deve conjugar o plano de actividades/orçamento do tribunal com o plano<br />
<strong>dos</strong> serviços centrais. A Direcção-Geral tem que fazer anualmente o seu plano, e tem<br />
recursos, portanto há que ter <strong>um</strong>a previsão do número de impressoras que vai adquirir<br />
de acordo com as necessidades previstas pelo tribunal. (P11)<br />
O facto de se manterem na DGAJ competências privativas para a<br />
aquisição de determina<strong>dos</strong> bens (mobiliário, centrais telefónicas, equipamentos<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 159
informáticos, etc.) coloca em causa a autonomia do juiz presidente para decidir<br />
<strong>sobre</strong> o melhor critério para a definição de aquisição de equipamentos de<br />
acordo com o plano de actividades.<br />
160<br />
Acresce que o facto de a unidade administrativa de referência para a<br />
aquisição e afectação <strong>dos</strong> bens continuar a ser a secretaria <strong>dos</strong> juízos pode<br />
condicionar fortemente a decisão quanto a <strong>um</strong>a distribuição<br />
(colocação/deslocação) com critérios locais de racionalização e eficiência,<br />
utilização e melhor aproveitamento <strong>dos</strong> equipamentos, considerando to<strong>das</strong> as<br />
unidades que compõem o tribunal de comarca.<br />
O digitalizador que está na secretaria <strong>dos</strong> juìzos X…, está porque o sr. procurador e eu<br />
nos pusemos de acordo, porque eu não tinha competência para o mandar lá pôr.<br />
Mandei porque havia três em outra secretaria <strong>dos</strong> juízos (Ent.P7).<br />
O trabalho de campo evidenciou ainda que os procedimentos de<br />
manutenção <strong>dos</strong> equipamentos variam de comarca para comarca. Foi, ainda,<br />
apontada a necessidade de uniformização para to<strong>dos</strong> os <strong>tribunais</strong> <strong>das</strong><br />
tipologias de instalações, equipamentos a utilizar e layout <strong>das</strong> unidades<br />
orgânicas.<br />
A aquisição de equipamento informático está definido que é a nível central. A<br />
uniformização a nível nacional é importante. É bom que o equipamento seja todo igual<br />
a nível nacional até porque há transferências de pessoas, e era bom que houvesse<br />
<strong>um</strong>a normalização <strong>dos</strong> instr<strong>um</strong>entos que se utilizam. Agora, a colocação dentro do<br />
tribunal de comarca (…) (Ent. P17).<br />
Uma vez que alg<strong>um</strong>as pessoas da Direcção-Geral têm a responsabilidade na<br />
disposição <strong>dos</strong> equipamentos deveria ter-se atenção a essa parte, uniformizar,<br />
também, o layout <strong>das</strong> secretarias judiciais. (Ent. 19F)<br />
5.5.4 Gestão da informação<br />
Para além da actuação destacada da DGAJ na concepção e execução<br />
<strong>dos</strong> programas informáticos, que estão na base do movimento de<br />
desmaterialização <strong>dos</strong> processos nos <strong>tribunais</strong>, o órgão central que protagoniza<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
a <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> sistemas de informação é o ITIJ.<br />
O organograma 11 ilustra a divisão de competências relativamente à<br />
<strong>gestão</strong> da informação.<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 161
Sistemas de informação<br />
Elementos estatísticos e utilização <strong>das</strong> tecnologias de informação<br />
Assegurar a permanente e completa<br />
adequação <strong>dos</strong> sistemas de<br />
informação às necessidades de<br />
<strong>gestão</strong> e operacionalidade <strong>dos</strong><br />
órgãos, serviços e organismos<br />
integra<strong>dos</strong> na área da justiça, em<br />
articulação com estes<br />
Gerir a rede de comunicações da<br />
justiça, garantindo a sua segurança<br />
e operacionalidade e promovendo a<br />
unificação de méto<strong>dos</strong> e processos<br />
Promover a elaboração e<br />
articulação do plano estratégico <strong>dos</strong><br />
sistemas de informação na área da<br />
justiça, tendo em atenção a<br />
evolução tecnológica e as<br />
necessidades globais de formação<br />
Construir e manter bases de da<strong>dos</strong><br />
de informação na área da justiça<br />
designadamente as de acesso geral<br />
Desenvolvimento e instalação <strong>das</strong><br />
aplicações informáticas relativas a<br />
tramitação processual (H@bilus),<br />
custas judiciais, sistema nacional de<br />
injunções, disponibilização de<br />
peças processuais (Citius), suporte<br />
à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
Organograma 11 – Divisão de competências na <strong>gestão</strong> da informação<br />
ITIJ DGAJ DGPJ CCGDSJ<br />
CSM CSTAF PGR CAJP GRAL Juiz presidente<br />
Desenvolvimento <strong>das</strong> aplicações informáticas necessárias à tramitação<br />
<strong>dos</strong> processos e à <strong>gestão</strong> do sistema jurisdicional, incluindo a necessária<br />
análise, implementação e suporte<br />
Recolha, tratamento e difusão <strong>dos</strong> elementos de informação, nomeadamente de<br />
natureza estatística, relativos aos <strong>tribunais</strong><br />
Assegurar a recolha, utilização, tratamento<br />
e análise da informação estatística da<br />
justiça e promover a difusão <strong>dos</strong><br />
respectivos resulta<strong>dos</strong>, no quadro do<br />
sistema estatístico nacional<br />
Desenvolver, em articulação com a<br />
Direcção de Serviços de Estatísticas da<br />
Justiça e Informática, <strong>um</strong> sistema de<br />
indicadores de actividade e de<br />
desempenho para apoio à definição, ao<br />
acompanhamento e à avaliação<br />
<strong>das</strong> políticas e planos estratégicos da área<br />
da justiça<br />
Desenvolver, em articulação com a<br />
Direcção de Serviços de Estatísticas da<br />
Justiça e Informática, modelos modelos de<br />
previsão e outras metodologias adequa<strong>das</strong><br />
à elaboração<br />
de cenários que permitam a definição de<br />
políticas e planos estratégicos na área da<br />
justiça<br />
Assegurar o exercício coordenado <strong>das</strong><br />
competências <strong>dos</strong> responsáveis pela<br />
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong><br />
Promover e acompanhar as auditorias de<br />
segurança ao sistema<br />
Definir orientações e recomendações em<br />
matéria de requisitos de segurança do<br />
sistema, tendo designadamente em conta<br />
as prioridades em matéria de<br />
desenvolvimento aplicacional, as<br />
possibilidades de implementação técnica e<br />
os meios financeiros disponíveis<br />
Criar e manter <strong>um</strong> registo actualizado <strong>dos</strong><br />
técnicos que executam as operações<br />
materiais de tratamento e administração<br />
<strong>dos</strong> da<strong>dos</strong><br />
Comunicar imediatamente às entidades<br />
competentes para a instauração do<br />
competente processo penal ou disciplinar,<br />
a violação <strong>das</strong> regras de tratamento de<br />
da<strong>dos</strong> do sistema judicial<br />
Gestão <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> referentes aos<br />
processos nos <strong>tribunais</strong> judiciais, às<br />
medi<strong>das</strong> de coacção privativas da liberdade<br />
e à detenção, à conexão processual no<br />
processo penal relativamente a processos<br />
que se encontrem simultaneamente na<br />
fase de instrução ou julgamento, às ordens<br />
de detenção<br />
Gestão <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> referentes aos<br />
processos nos <strong>tribunais</strong> administrativos e<br />
fiscais<br />
Fonte: OPJ<br />
Gestão <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> referentes aos inquéritos em<br />
processo penal, aos demais processos,<br />
procedimentos e expedientes da competência do<br />
MP, à suspensão provisória do processo penal e<br />
ao arquivamento em caso de dispensa de pena, à<br />
conexão processual no processo penal nos<br />
processos que se encontrem simultaneamente na<br />
fase de inquérito, e às ordens de detenção<br />
quando o mandado não emanar do juiz<br />
Gestão de da<strong>dos</strong> referentes<br />
aos processos nos julga<strong>dos</strong><br />
de paz<br />
Gestão de da<strong>dos</strong><br />
referentes aos processos<br />
nos sistemas públicos de<br />
mediação<br />
Acesso a da<strong>dos</strong> informatiza<strong>dos</strong><br />
do sistema judicial, incluindo<br />
elementos relativos à duração<br />
<strong>dos</strong> processos e à produtividade<br />
Adoptar ou propor às<br />
entidadades competentes<br />
medi<strong>das</strong> de desburocratização,<br />
simplificação de procedimentos e<br />
utilização <strong>das</strong> tecnologias de<br />
informação<br />
Secretário de<br />
justiça<br />
Organizar os mapas estatísticos<br />
sempre que o quadro de pessoal da<br />
secretaria não preveja lugar de<br />
escrivão de direito afecto à secção<br />
central<br />
Escrivão de direito<br />
Secção central<br />
Organizar os mapas estatísticos
Como demonstra o organograma, ao nível local, a intervenção do juiz<br />
presidente está prevista, enquanto prerrogativa de acesso a elementos que<br />
permitam o exercício da sua competência de acompanhamento do<br />
desempenho funcional do tribunal, o que inclui, por exemplo, da<strong>dos</strong> relativos à<br />
duração de processos e à produtividade <strong>das</strong> unidades orgânicas.<br />
Tendo em vista o alcance <strong>das</strong> competências do juiz presidente ao nível<br />
da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos e da <strong>gestão</strong> processual, bem como o papel que<br />
desempenha na avaliação da qualidade <strong>dos</strong> serviços presta<strong>dos</strong>, coloca-se a<br />
questão de saber se não deve ser clarificado esse acesso no sentido de<br />
garantir, não só o efectivo acesso a indicadores que permitam <strong>um</strong>a visão global<br />
da produtividade <strong>dos</strong> diferentes juízos, mas, ainda, a sua ampliação permitindo<br />
que o juiz presidente aceda às informações constantes <strong>dos</strong> processos. Aliás, a<br />
evolução para a densificação do papel do juiz presidente na avaliação <strong>dos</strong><br />
funcionários não poderá fazer-se sem esse alargamento.<br />
Admitindo que a desmaterialização vai continuar, o juiz presidente não pode deixar de<br />
ter acesso a to<strong>dos</strong> os processos. Porque é lá que ele vê o que é que os funcionários<br />
fazem. (Ent. P17)<br />
Dado o papel de coadjuvação <strong>das</strong> competências do juiz presidente<br />
exercido pelo administrador judiciário, indaga-se, ainda, a importância de se<br />
definirem prerrogativas de acesso, por parte desta figura, a elementos<br />
estatísticos que apoiem as tarefas de <strong>gestão</strong> do tribunal que exerce.<br />
Ainda com os mesmos objectivos, <strong>um</strong>a outra lacuna/necessidade<br />
identificada prende-se com a transposição, para o nível local, da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />
utilizadores do sistema de informação no tribunal, permitindo, por exemplo, a<br />
criação/alteração de perfis para os diferentes utilizadores, de forma a garantir<br />
<strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> mais expedita da utilização do sistema, de acordo com as<br />
características e necessidades do tribunal.<br />
Relativamente à definição <strong>dos</strong> acessos, eu acho que têm que ser defini<strong>dos</strong> ao nível da<br />
NUT por <strong>um</strong>a razão muito simples. Se a <strong>gestão</strong> do pessoal é da competência do juiz<br />
presidente, o pessoal que tem competência para fazer os acessos ou para aceder ao<br />
sistema tem que estar na dependência funcional do juiz presidente. Isto, não tem nada<br />
de técnico. Deve ser definida, não sei se o administrador se o secretário, a pessoa que<br />
A reforma do mapa e da organização judiciária e os desafios à <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> 165
166<br />
deve ter a possibilidade de, logo que a afectação <strong>das</strong> pessoas é feita, de determinar<br />
quem é que acede à informação. Muitas <strong>das</strong> questões que têm sido levanta<strong>das</strong> em<br />
termos de segurança têm muito a ver com isto. Pergunto, se os funcionários que têm,<br />
por competência, fazer os acessos <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> e <strong>dos</strong> funcionários não deveriam<br />
estar na dependência do tribunal, eu diria que ficando na dependência funcional do juiz<br />
presidente estaria tudo resolvido. (Ent. P17)<br />
Se a divisão de competências no que diz respeito à <strong>gestão</strong> da<br />
informação não indicia conflitos de <strong>sobre</strong>posição, evidencia, contudo, a<br />
importância de se promover <strong>um</strong>a melhor definição e integração entre as<br />
necessidades <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, nomeadamente formação e acesso a elementos de<br />
informação úteis para a <strong>gestão</strong> do tribunal, e as decisões estratégicas <strong>dos</strong><br />
órgãos centrais de planeamento <strong>das</strong> actividades formativas e adequação <strong>dos</strong><br />
sistemas.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
DESAFIOS À GESTÃO LOCAL:<br />
ORGANIZAÇÃO INTERNA E MÉTODOS DE<br />
TRABALHO<br />
6
6 DESAFIOS À GESTÃO LOCAL: ORGANIZAÇÃO<br />
INTERNA E MÉTODOS DE TRABALHO<br />
168<br />
O presente ponto resulta, conforme referido anteriormente, de <strong>um</strong>a<br />
estratégia de investigação que permitiu recolher informação de acordo com<br />
<strong>um</strong>a perspectiva analítica bottom up, dando particular ênfase ao impacto <strong>das</strong><br />
alterações introduzi<strong>das</strong> pelo novo modelo de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> nas rotinas e<br />
tarefas <strong>dos</strong> diferentes agentes judiciais, <strong>sobre</strong>tudo, nas secções de processos.<br />
Interessou-nos, em especial, verificar se, e de que modo, as virtualidades do<br />
novo modelo de <strong>gestão</strong> a nível local se traduziram em mudanças significativas<br />
nas rotinas e méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> nos <strong>tribunais</strong>.<br />
A nossa hipótese de trabalho é a seguinte: é expectável que a previsão<br />
de <strong>um</strong>a estrutura de <strong>gestão</strong> própria do tribunal de comarca com competências<br />
específicas no que diz respeito à <strong>gestão</strong> processual e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho<br />
se concretize em mudanças internas nas rotinas consolida<strong>das</strong> e no<br />
desempenho funcional <strong>das</strong> tarefas pelas unidades orgânicas do tribunal.<br />
Interessa-nos, assim, analisar a <strong>um</strong> nível micro (secção de processos) de que<br />
modo a reforma trouxe novas dinâmicas internas de desempenho funcional e<br />
quais as potencialidades e os desafios que se colocam à <strong>gestão</strong> local no que<br />
se refere à organização e aos méto<strong>dos</strong> de trabalho.<br />
Como já referimos, o reduzido tempo de vigência do período<br />
experimental da nova lei de organização e funcionamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> não<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
permite, para já, que se avance na análise de impactos na produtividade <strong>das</strong><br />
secções e no tempo <strong>dos</strong> processos.<br />
6.1 O impacto do modelo de <strong>gestão</strong> da nova LOFTJ nas<br />
rotinas e méto<strong>dos</strong> de trabalho <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
A nova lei atribui importantes competências de <strong>gestão</strong> processual e de<br />
acompanhamento do desempenho funcional ao juiz presidente. Trata-se de<br />
competências concentra<strong>das</strong> ao nível local, anteriormente dispersas entre o<br />
magistrado titular do processo, o escrivão de direito e o secretário de justiça.<br />
Com a nova lei ass<strong>um</strong>em, ainda, competências nesta matéria o magistrado<br />
coordenador. O seu bom exercício depende de <strong>um</strong>a articulação eficiente entre<br />
o juiz presidente, o magistrado coordenador, o secretário de justiça, o escrivão<br />
de direito e magistrado titular do processo.<br />
O organograma 12 mostra a dinâmica de competências, considerando<br />
as várias figuras locais de <strong>gestão</strong>.<br />
Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 169
Fixação de objectivo, coordenação e supervisão<br />
Organograma 12 – Divisão de competências na implementação <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho<br />
Magistrado Secretário de<br />
Juiz presidente Escrivão de direito<br />
coordenador<br />
justiça<br />
Acompanhar a realização <strong>dos</strong><br />
objectivos fixa<strong>dos</strong> para os serviços<br />
do tribunal por parte <strong>dos</strong><br />
funcionários<br />
Promover a realização de reuniões<br />
de planeamento e de avaliação <strong>dos</strong><br />
resulta<strong>dos</strong> do tribunal, com a<br />
participação <strong>dos</strong> juízes e<br />
funcionários<br />
Adoptar ou propor às entidades<br />
competentes medi<strong>das</strong>,<br />
nomeadamente, de<br />
desburocratização, simplificação de<br />
procedimentos, utilização <strong>das</strong><br />
tecnologias de informação e<br />
transparência do sistema de justiça<br />
Implementar méto<strong>dos</strong> de trabalho e<br />
objectivos mensuráveis para cada<br />
unidade orgânica, sem prejuízo <strong>das</strong><br />
competências e atribuições nessa<br />
matéria por parte do Conselho<br />
Superior da Magistratura,<br />
designadamente na fixação <strong>dos</strong><br />
indicadores do vol<strong>um</strong>e processual<br />
adequado<br />
Promover a aplicação de medi<strong>das</strong><br />
de simplificação e agilização<br />
processuais<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
Coadjuvação <strong>das</strong> competências do<br />
presidente<br />
Desempenhar as funções de<br />
escrivão de direito sempre que o<br />
quadro de pessoal da secretaria não<br />
preveja o lugar<br />
Fonte: OPJ<br />
Orientar, coordenar, supervisionar e<br />
executar as actividades<br />
desenvolvi<strong>das</strong> na secção<br />
Juiz<br />
Titular da actividade jurisdicional<br />
do processo
Concentramo-nos aqui nos possíveis impactos do novo enquadramento<br />
legal, nos méto<strong>dos</strong> de trabalho <strong>das</strong> secções de processo, compreendi<strong>dos</strong><br />
enquanto competências de <strong>gestão</strong> processual. A <strong>gestão</strong> processual é, assim,<br />
entendida em sentido amplo, isto é, incluindo to<strong>das</strong> as rotinas e méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho desenvolvi<strong>dos</strong> tendo em vista a tramitação do processo.<br />
Por <strong>um</strong> lado, o legislador fez <strong>um</strong>a opção acertada em concentrar as<br />
atribuições de <strong>gestão</strong> processual e de méto<strong>dos</strong> de trabalho a nível do tribunal<br />
de comarca na articulação entre o juiz presidente/magistra<strong>dos</strong> coordenadores e<br />
juízes titulares, em coordenação com as secções. Por outro lado, deve<br />
considerar-se que a concretização de objectivos de eficiência e racionalização<br />
<strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho na <strong>gestão</strong> processual talvez seja <strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais difíceis<br />
desafios a enfrentar.<br />
Uma parte significativa da <strong>gestão</strong> da tramitação processual está<br />
dependente da organização <strong>das</strong> leis processuais. Neste sentido, enquanto no<br />
caso de alguns processos (como, por exemplo, os processos de insolvência)<br />
estão previstos <strong>um</strong> encadeamento de actos e prazos que podem facilitar a<br />
previsão do seu fim e, consequentemente, a sua <strong>gestão</strong>, em muitas outras<br />
situações, as leis processuais dificultam essa possibilidade e <strong>um</strong>a diversidade<br />
de circunstâncias podem desencadear diferentes prazos e dificultar <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong><br />
processual uniforme <strong>dos</strong> processos adstritos a <strong>um</strong>a secção 91 .<br />
Dada a imprevisibilidade do curso da tramitação processual em cada<br />
caso, alguns autores têm defendido a necessidade de adopção de <strong>um</strong>a visão<br />
gestionária do processo, o que implica menos o recurso a mudanças nas leis<br />
processuais e mais a utilização de <strong>um</strong>a adequada monitorização do<br />
desempenho funcional <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e intervenientes do processo (Fix-Fierro,<br />
2003 e OPJ, 2008). Neste, contexto o papel do juiz sofre <strong>um</strong>a significativa<br />
alteração passando de <strong>um</strong> terceiro imparcial e distante a <strong>um</strong> interveniente<br />
activo na resolução do litígio. São medi<strong>das</strong> que podem integrar a <strong>gestão</strong> do<br />
91 Cf., em anexo, Ent. S6.<br />
Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 173
caso concreto: selecção adequada da calendarização e do sistema de<br />
marcação de diligências, adopção de medi<strong>das</strong> que encorajem a resolução do<br />
litígio por acordo, introdução de recursos informáticos adequa<strong>dos</strong>, recurso a<br />
funcionários com formação especializada para o tratamento de certas<br />
questões, utilização de mecanismos processuais como audiências preliminares<br />
e formas s<strong>um</strong>árias do processo 92 .<br />
174<br />
As competências de <strong>gestão</strong> processual previstas na lei encerram <strong>um</strong>a<br />
grande potencialidade, permitindo às figuras de <strong>gestão</strong> ao nível local, por <strong>um</strong><br />
lado, questionar a adequação e a pertinência da organização da secção e <strong>dos</strong><br />
méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> e, por outro, propor alternativas de<br />
reorganização e fixar objectivos e metas a c<strong>um</strong>prir. Como se viu no ponto 4<br />
este foi <strong>um</strong> caminho que em Espanha começou a ser percorrido, sem certezas<br />
quanto à sua eficácia futura, mas com a certeza de que o desajustamento do<br />
modelo em vigor obrigava ao processo de mudança.<br />
O carácter experimental da reforma pode potenciar as competências de<br />
<strong>gestão</strong> processual, permitindo propor e testar alternativas à adequação da<br />
organização da secção e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho. A previsão da intervenção<br />
do juiz presidente do tribunal de comarca garante <strong>um</strong>a visão global crítica e<br />
permite ensaiar novas formas de articulação e agregação entre as diferentes<br />
unidades orgânicas. Esta entidade coordenadora garante, ainda, a<br />
possibilidade de realização de reuniões de planeamento e de avaliação da<br />
actividade envolvendo <strong>um</strong> número alargado <strong>dos</strong> agentes judiciais, o que<br />
potencia a criação de <strong>um</strong>a cultura organizacional de mudança.<br />
Naturalmente que a experimentação de novos méto<strong>dos</strong> de trabalho e<br />
novas formas de organização, dinamiza<strong>das</strong> pelo juiz presidente, está sujeita<br />
aos limites fixa<strong>dos</strong> por lei. Por exemplo, no actual enquadramento normativo,<br />
as propostas de alteração do juiz presidente, neste âmbito, têm que atender à<br />
estrutura organizacional já prevista, com limita<strong>das</strong> possibilidades de<br />
92 Sobre este tema, cf. OPJ (2002, 2008).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
alteração 93 . O actual quadro jurídico não permite, por exemplo, a criação de<br />
novas secções de processo, excepto secções especializa<strong>das</strong>, ou a fusão de<br />
secções de processo do mesmo juízo. No que se refere às secções<br />
especializa<strong>das</strong>, como ficou dito, mantêm-se dúvi<strong>das</strong> interpretativas <strong>sobre</strong> a<br />
possibilidade de criação de secções especializa<strong>das</strong> para tramitar matéria<br />
com<strong>um</strong> de diferentes juízos 94 .<br />
A organização <strong>das</strong> secções parece-me muito rígida. Havia coisas que gostaríamos de<br />
fazer e que não conseguimos. Por exemplo, ao nível da especialização. (…) Em termos<br />
legais tenho x secções de processo. Não posso sair dali. Tenho de organizar x<br />
secções, em vez de organizar <strong>um</strong> juízo.<br />
Eu tenho <strong>um</strong>a grande dúvida <strong>sobre</strong> se se pode criar <strong>um</strong>a secção especializada de<br />
várias secções diversas ou só se pode criar <strong>um</strong>a secção especializada dentro de <strong>um</strong>a<br />
outra secção. (Ent. P7)<br />
Dada a heterogeneidade social, administrativa e territorial <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong>,<br />
que determina, desde logo, <strong>um</strong> vol<strong>um</strong>e e natureza diferenciada da procura<br />
judicial, as directrizes estratégicas da organização interna, a optimização <strong>dos</strong><br />
méto<strong>dos</strong> de trabalho e a racionalização <strong>das</strong> tarefas não devem corresponder a<br />
<strong>um</strong>a resposta única que possa ser uniformemente aplicada a to<strong>das</strong> as secções.<br />
O que deve é existir reflexão e experimentação suficientemente consolidada<br />
93 A Portaria n.º 170/2009 estabelece as unidades orgânicas e quadro de pessoal <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong><br />
piloto, cf. organogramas 4, 5 e 6. O Decreto-Lei n.º 28/2009, de 28 de Janeiro, prevê a orgânica<br />
possível <strong>das</strong> secretarias <strong>dos</strong> juízos <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> de comarca: a) serviços judiciais, compostos,<br />
consoante a natureza e vol<strong>um</strong>e do serviço, por <strong>um</strong>a secção central e <strong>um</strong>a ou mais secções de<br />
processos ou por <strong>um</strong>a única secção central e de processos; b) serviços do Ministério Público,<br />
compostos, consoante a natureza e vol<strong>um</strong>e do serviço por <strong>um</strong>a secção central e secções de<br />
processos, por <strong>um</strong>a única secção central e de processos ou por unidades de apoio; c) secções<br />
destina<strong>das</strong> a assegurar a tramitação do processo com<strong>um</strong> de execução; d) <strong>um</strong>a secção de<br />
expediente geral; e) <strong>um</strong>a secção de informações e arquivo; f) <strong>um</strong>a secção de serviço externo.<br />
Onde a natureza e vol<strong>um</strong>e do serviço o justifiquem, podem ser cria<strong>das</strong>: a) secretarias-gerais ou<br />
secções centrais comuns, destina<strong>das</strong> à centralização administrativa, abrangendo <strong>um</strong> ou mais<br />
juízos ou <strong>um</strong> ou mais serviços do Ministério Público; b) secretarias de serviço externo. Ainda<br />
estão previstas a criação de equipas de recuperação de pendência (Decreto-Lei n.º 25/2009,<br />
artigo 53.º)<br />
94 É de se referir que o artigo 23.º, 2 do Decreto-Lei n.º 28/2009, admite ainda a criação de<br />
secretarias-gerais ou secções centrais comuns (destina<strong>das</strong> à centralização administrativa),<br />
secretarias de serviço externo, onde a natureza e o vol<strong>um</strong>e do serviço justifiquem.<br />
Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 175
que permita definir regras e princípios orientadores sóli<strong>dos</strong>. A adopção de<br />
novos méto<strong>dos</strong> de trabalho deve, asssim, ser feita de acordo com <strong>um</strong> modelo<br />
flexível que tenha em conta variáveis e condicionantes contextuais, como, por<br />
exemplo, a procura judiciária, a dimensão, a centralização ou descentralização<br />
<strong>dos</strong> juízos do tribunal, etc.<br />
176<br />
Eu acho que o modelo tem que ser construído de <strong>um</strong>a forma flexível. Não tem que<br />
haver <strong>um</strong>a única solução, mas tem que haver várias soluções<br />
Onde haja grande concentração de juízes, magistra<strong>dos</strong> e funcionários, as estruturas de<br />
apoio a secretarias provavelmente podem funcionar de outra maneira do que em<br />
unidades mais pequenas, desconcentra<strong>das</strong>.<br />
É possível colocar as estruturas de apoio de outra maneira e fazer como nos <strong>tribunais</strong><br />
administrativos. Os processos entram to<strong>dos</strong> para a secção e são distribuí<strong>dos</strong> por juiz 1,<br />
juiz 2, juiz 3, respondendo to<strong>dos</strong> os funcionários perante to<strong>dos</strong> os juízes, apenas<br />
perante <strong>um</strong> processo, aquele processo concreto. Um funcionário trabalha com vários<br />
juízes. To<strong>dos</strong> nós nos lembramos quando havia juízes auxiliares no mesmo juízo e os<br />
funcionários trabalhavam com vários juízes, mas o modelo foi construído para <strong>um</strong>a<br />
secção trabalhar apenas com <strong>um</strong> juiz. (Ent. P8)<br />
6.2 Instr<strong>um</strong>entos de <strong>gestão</strong><br />
Se a nova lei de organização judiciária trouxe vantagens relativamente à<br />
proposição de alternativas de <strong>gestão</strong> e definição de novos méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho, a falta de indicadores empíricos que permitam avaliar o trabalho <strong>dos</strong><br />
funcionários, conhecer os processos de distribuição e execução de tarefas de<br />
forma a aferir a adequação <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho e os seus efeitos em<br />
termos de racionalização e produtividade globalmente considerada e a falta de<br />
reflexão e de princípios orientadores nesta matéria torna o seu alcance prático<br />
muito limitado e as <strong>experiência</strong>s ad hoc com efeito sistémico muito reduzido.<br />
Acresce que o seu sucesso e consolidação, enquanto soluções de<br />
eficiência e qualidade na prestação <strong>dos</strong> serviços de justiça, são condiciona<strong>dos</strong><br />
pela falta de preparação para as mudanças e pela falta de formação adequada<br />
(por exemplo, a não capacitação <strong>das</strong> novas figuras directivas em matérias<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
elativas à <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> organizações, bem como a inadequação entre as<br />
propostas de inovação e a estrutura tradicional de funcionamento do sistema<br />
(rotinas de trabalho consolida<strong>das</strong>, formas de organização <strong>das</strong> secções, etc.) 95 .<br />
Muito embora a lei preveja a disponibilização de da<strong>dos</strong> informatiza<strong>dos</strong><br />
do sistema judicial para o acompanhamento da actividade do tribunal, por parte<br />
do juiz presidente, ela não é suficiente no que respeita aos indicadores de<br />
<strong>gestão</strong> no sentido de possibilitar <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> eficaz.<br />
Ter instr<strong>um</strong>entos do ponto de vista da informática, ter critérios objectivos e genéricos<br />
relativamente à adequação processual, à adequação <strong>dos</strong> funcionários, considerando os<br />
actos a praticar, tudo isso era preciso, para se poder gerir isto minimamente.<br />
Não há <strong>um</strong>a solução para que os presidentes <strong>das</strong> NUT desempenhem cabalmente as<br />
funções que estão na lei. Como é que eles podem controlar o andamento informático<br />
<strong>dos</strong> processos? Como é que o presidente da NUT pode detectar processos que<br />
estejam para<strong>dos</strong>? Não têm esse programa informático.<br />
Eu penso que a própria aplicação informática, por exemplo, não nos permite saber<br />
quais são os processos que estão atrasa<strong>dos</strong>. Não há essa informação. O Habilus não<br />
dá os processos pendentes há mais de oito meses. (Ent. P6)<br />
Eu diria que nós estamos a fazer tudo de forma arcaica mas, de facto, isto traduz-se já<br />
nalg<strong>um</strong>a alteração. Fizemos o levantamento do estado de cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> Secções,<br />
pediu-se a cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> escrivães para ver exaustivamente cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> processos,<br />
fazer <strong>um</strong> relatório e, com base na situação em que cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> secções se<br />
encontrava, em reuniões de avaliação, o juiz presidente, juízes e secções, definiu-se o<br />
que era prioritário em termos de recuperação do que lá estava. Digo que isto é feito de<br />
forma arcaica porque o programa informático que nós temos não faz nenh<strong>um</strong>a <strong>gestão</strong><br />
da informação, e hoje é fundamental também que o faça porque, senão, corremos o<br />
risco de andar sempre a recolher informação do escrivão que a pode dar boa ou má, e<br />
tudo aquilo que está a fazer em termos da definição <strong>dos</strong> objectivos pode ser errado se<br />
a informação não estiver correcta. (Ent. P11)<br />
De acordo com o que se observou na pesquisa de terreno, as novas<br />
figuras de coordenação têm desempenhado as suas funções basea<strong>das</strong> em<br />
95 A este propósito, o único estudo referido com indicadores <strong>sobre</strong> a produtividade de <strong>um</strong>a<br />
secção e o número de funcionários necessário é a tabela de pontuação processual do COJ.<br />
Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 177
critérios casuísticos e na <strong>experiência</strong> pessoal, orientam-se de acordo com o<br />
que definem como sendo o seu bom senso e o <strong>dos</strong> funcionários.<br />
178<br />
Eu tenho x funcionários para colocar em y secções, não há nada objectivo que me<br />
diga, olhe naquele sítio tem que pôr dois adjuntos e <strong>um</strong> auxiliar e naquele outro é<br />
preciso pôr menos adjuntos e mais auxiliares. Como é que isto é feito? Absolutamente<br />
empiricamente, pelo facto de eu como juiz ter <strong>um</strong>a noção de qual é o trabalho de <strong>um</strong>a<br />
secção criminal, de <strong>um</strong>a secção cível ou de trabalho ou de comércio. Aconselhei-me<br />
com os funcionários e com os secretários e estabelecemos <strong>um</strong> quadro empírico. Sendo<br />
certo que no caso também beneficio de conhecer muito bem os funcionários da<br />
comarca, porque estou cá há muito tempo, mas esta metodologia não é objectiva.<br />
Deveria haver maneira de aferir objectivamente quais são os actos processuais a<br />
praticar n<strong>um</strong>a determinada secção e o que é que isso implica em termos <strong>dos</strong><br />
funcionários que lá devem ser coloca<strong>dos</strong>. Eu penso que é <strong>um</strong> estudo que seria<br />
fundamental fazer. (Ent. 3J)<br />
6.3 Rupturas e continuidades nas rotinas de<br />
funcionamento do sistema<br />
A investigação que temos vindo a desenvolver nesta área, não só no<br />
âmbito do presente trabalho, mas também em trabalhos anteriores 96 , permite<br />
afirmar que a organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> têm-se caracterizado por <strong>um</strong>a<br />
grande heterogeneidade na definição <strong>das</strong> rotinas e méto<strong>dos</strong> de trabalho, na<br />
<strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> espaços, <strong>das</strong> infra-estruturas e <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos.<br />
No que se refere à organização interna, a principal característica, que<br />
consideramos condicionante, centra-se na atomização do modelo que implica,<br />
muitas vezes, a multiplicação de secções dentro do mesmo juízo, repercutindo-<br />
se em duplicação de tarefas e n<strong>um</strong>a organização interna do desempenho<br />
funcional pouco racionalizada e eficiente. Por exemplo, o atendimento ao<br />
público, o serviço externo <strong>das</strong> secções ou de tarefas mais especializa<strong>das</strong> ou<br />
que digam respeito a tipo de litígios mais complexos, n<strong>um</strong>a melhor organização<br />
e mais eficiente <strong>dos</strong> serviços, pode implicar a concentração em determina<strong>das</strong><br />
pessoas e não a sua dispersão repetitiva pelos diferentes agentes. Como<br />
temos vindo a demonstrar, as inovações da reforma tiveram <strong>um</strong> reduzido<br />
96 Cf. OPJ (2002, 2006 e 2008).<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
impacto na alteração deste estado de coisas.<br />
A análise da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> espaços e <strong>das</strong> infra-estruturas realça a<br />
existência de diferentes concepções, quer arquitectónicas, quer da forma de<br />
aproveitamento do espaço físico (OPJ, 2008). Relativamente à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />
espaços físicos, salienta-se a precariedade e a inadequação de alg<strong>um</strong>as<br />
instalações (por exemplo, o caso do Tribunal de Família e Menores de Aveiro),<br />
o que dificulta o exercício <strong>das</strong> tarefas por parte <strong>dos</strong> agentes judiciais e salienta<br />
o desrespeito no tratamento <strong>dos</strong> cidadãos pelo sistema de justiça. Merece<br />
especial referência este ponto, pois que, a adesão à reforma por parte <strong>dos</strong><br />
seus destinatários principais, legitimando-a, exige por parte destes a percepção<br />
da mudança qualitativa, quer na relação entre os <strong>tribunais</strong> e os cidadãos, quer<br />
na eficiência e eficácia de tratamento <strong>dos</strong> processos.<br />
A matéria de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> espaços físicos 97 emergiu igualmente do nosso<br />
trabalho, destacando-se a falta de coordenação de agendamentos de actos<br />
jurisdicionais (<strong>gestão</strong> da agenda <strong>dos</strong> juízes) que impliquem a audição de<br />
intervenientes processuais, em especial a marcação <strong>das</strong> audiências de<br />
julgamento e a melhor utilização <strong>das</strong> respectivas salas, sendo assinalado,<br />
recorrentemente, como <strong>um</strong> bloqueio com considerável impacto na rotina de<br />
trabalho de juízos e funcionários, e na garantia de <strong>um</strong> atendimento eficiente ao<br />
público.<br />
O que eu acho, e é <strong>um</strong> mal que já vem de há muito tempo, é que devia haver <strong>um</strong>a<br />
coordenação, que teria que passar pela coordenação <strong>das</strong> agen<strong>das</strong> entre os<br />
magistra<strong>dos</strong> judiciais e as secretarias, o que raramente acontece. Isto é, os<br />
magistra<strong>dos</strong> têm a sua agenda. O Conselho Superior da Magistratura deveria orientar<br />
os magistra<strong>dos</strong> no sentido dessa coordenação. N<strong>um</strong>a secretaria como a nossa, que<br />
tem dois magistra<strong>dos</strong>, trabalha como se houvesse duas secções. O que faz com que,<br />
pelo menos dois funcionários, os auxiliares, estejam quase permanentemente em<br />
diligências e há determina<strong>das</strong> tarefas, há serviço a ac<strong>um</strong>ular-se. (Ent. 19F)<br />
97 A este propósito, refira-se o exemplo citado n<strong>um</strong> relatório intercalar de <strong>um</strong>a comarca piloto<br />
que optamos por não identificar aqui: “O Juìzo do Trabalho de (…) está instalado n<strong>um</strong> andar de<br />
<strong>um</strong> prédio (…) absolutamente incapaz de preencher os requisitos mìnimos de condições de<br />
trabalho, quer para os magistra<strong>dos</strong>, quer para os funcionários e utentes (…)”.<br />
Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 179
180<br />
Relativamente à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> equipamentos, salienta-se o problema,<br />
acima já referido, no que se refere à unidade de referência a que estão afectos,<br />
o que dificulta <strong>um</strong>a distribuição mais racional e adequada às necessidades<br />
pelas diferentes unidades do tribunal de comarca. Esta circunstância agrava-se<br />
com faltas, inadequação e falhas, designadamente de fotocopiadoras, faxes,<br />
digitalizadores, e sistema de vídeo-conferência, recorrentemente destaca<strong>das</strong><br />
pelos agentes judiciais, com consequências muito negativas no desempenho<br />
de tarefas quotidianas. Estas deficiências são, ainda, aponta<strong>das</strong> como<br />
bloqueios com impacto considerável no processo de informatização e na<br />
adaptação <strong>dos</strong> funcionários ao processo de automatização do trabalho.<br />
O processo de informatização é, ainda, associado a alg<strong>um</strong>a<br />
irracionalidade decorrente da falta de comunicação entre os sistemas<br />
informáticos. A adopção parcial, sem perspectiva sistémica e integrada, da<br />
informatização trouxe, nalguns casos, dificuldades onde deveria ter significado<br />
simplificação. A principal crítica centra-se, por <strong>um</strong> lado, no facto da introdução<br />
de programas informáticos, levada a cabo em diferentes vagas, com o objectivo<br />
de acelerar os actos processuais, vir em diferentes momentos atender a<br />
necessidades distintas e nem sempre atender à necessária interligação entre<br />
si. Por outro, a não integração da comunicação electrónica entre as diferentes<br />
entidades do sistema de justiça é apontada como exemplo de irracionalidade<br />
na utilização <strong>das</strong> novas tecnologias.<br />
(…) há determina<strong>das</strong> tarefas que, não são notificações, são ofícios que remetemos ao<br />
órgãos de policia criminal para tentarmos localizar <strong>um</strong>a determinada pessoa, ou <strong>um</strong>a<br />
pessoa que seja o legal representante de <strong>um</strong>a pessoa colectiva, para tentarmos saber<br />
da situação económica, bens susceptíveis de penhora para poder o Ministério Público<br />
ressarcir de custas que não foram pagas. Tem que se fazer <strong>um</strong> ofício em suporte de<br />
papel, é ridículo, <strong>um</strong>a vez que estamos dentro de organismos que pertencem ao<br />
Estado, devia haver <strong>um</strong> meio electrónico de comunicação. Porque razão não há <strong>um</strong>a<br />
ligação do sistema ao e-mail geral do tribunal, ao e-mail da secretaria, e utilizarmos<br />
esse meio para, em vez de enviarmos <strong>um</strong> ofício à PSP de Aveiro, enviarmos <strong>um</strong> e-mail<br />
com o juízo identificado, com o número do processo e o que era solicitado. Seria<br />
menos <strong>um</strong> papel que enviávamos com o meio electrónico de oficiar às secretarias <strong>dos</strong><br />
órgãos de polícia criminal, às conservatórias, a qualquer entidade estatal. (Ent. 19F)<br />
A adopção <strong>das</strong> inovações tecnológicas é discutida de acordo com cinco<br />
principais vertentes de mudança: (1) a necessária adaptação <strong>dos</strong> espaços<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
físicos; (2) a capacidade <strong>dos</strong> recursos materiais para suportarem as exigências<br />
da desmaterialização; (3) a eventual adaptação do quadro funcional à nova<br />
realidade; (4) a formação e acompanhamento necessários para potenciar as<br />
inovações e enfrentar possíveis resistências; e (5) a reconversão e<br />
requalificação <strong>dos</strong> funcionários, no sentido de adquirirem competências<br />
necessárias à utilização <strong>das</strong> novas ferramentas.<br />
O carácter inacabado do processo de informatização e os obstáculos à<br />
garantia da integralidade do processo electrónico, em especial pelas<br />
dificuldades de digitalização <strong>dos</strong> requerimentos e petições ingressa<strong>das</strong> em<br />
suporte de papel, são igualmente indica<strong>dos</strong> como factores de irracionalização e<br />
duplicação do trabalho. A não ser que a opção do juiz seja mandar imprimir<br />
tudo o que diz respeito ao processo (o que é frequente) nenh<strong>um</strong> processo <strong>dos</strong><br />
dois suportes tem a informação na sua totalidade, o que obriga à consulta <strong>dos</strong><br />
dois sempre que se quer alg<strong>um</strong>a informação.<br />
Há ainda <strong>um</strong> problema que decorre de nós estarmos a trabalhar em dois registos: <strong>um</strong><br />
registo antigo em papel, e <strong>um</strong> registo novo que é electrónico. (Ent. 18F)<br />
A <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos e a definição <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho<br />
está sustentada n<strong>um</strong>a grande diversidade de procedimentos entre os diferentes<br />
juízos e entre as secções de <strong>um</strong> mesmo juízo 98 . Uma vez que os conteú<strong>dos</strong><br />
funcionais de cada categoria profissional estão fixa<strong>dos</strong> por lei, as diferenças<br />
regista<strong>das</strong> nos méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> relacionam-se com as<br />
disparidades na composição do quadro funcional e com as decisões de<br />
distribuição de tarefas ass<strong>um</strong>i<strong>das</strong> pelas chefias (escrivães de direito), tendo em<br />
vista o que consideram o melhor aproveitamento <strong>dos</strong> recursos e, ainda,<br />
nalguns casos, com as indicações transmiti<strong>das</strong> pelo juiz titular da secção.<br />
A distribuição de tarefas nas secções observa, em regra, as disposições<br />
do Estatuto <strong>dos</strong> Oficiais de Justiça. O organograma 13 ilustra a dinâmica de<br />
98 Cf. OPJ (2002 e 2008)<br />
Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 181
articulação entre as unidades orgânicas do tribunal e os conteú<strong>dos</strong> funcionais<br />
defini<strong>dos</strong> para as diferentes categorias de pessoal oficial de justiça.<br />
182<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Organograma 13 – Dinâmica de distribuição <strong>dos</strong> conteú<strong>dos</strong> funcionais no tribunal (serviços judiciais)<br />
Fonte: OPJ
As mudanças no âmbito da <strong>gestão</strong> trazi<strong>das</strong> pela nova lei da organização<br />
judiciária não tiveram <strong>um</strong> impacto directo na organização interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />
Muito embora tenham sido identifica<strong>dos</strong> processos experimentais de introdução<br />
de mudanças a nível da distribuição de tarefas e de processos, essas<br />
<strong>experiência</strong>s são, como já referimos, pontuais e casuísticas. De facto, os<br />
resulta<strong>dos</strong> comparativos da observação levada a cabo no âmbito deste estudo<br />
e de trabalhos anteriores, antes da entrada em vigor da reforma, resulta que as<br />
rotinas e méto<strong>dos</strong> de trabalho <strong>das</strong> secções permanecem inaltera<strong>dos</strong>.<br />
Ao nível organizacional, <strong>um</strong> <strong>dos</strong> problemas fundamentais consiste na<br />
manutenção da lógica interna de distribuição tarefas e de articulação entre as<br />
secções, mantendo-se a divisão entre secção central, secção de processos e<br />
secção de serviço externo, bem como o papel decisivo do escrivão na definição<br />
<strong>das</strong> tarefas a serem realiza<strong>das</strong> pelos escrivães adjuntos e auxiliares. As<br />
principais consequências desse modelo são, por <strong>um</strong> lado, a duplicação de<br />
trabalho. Veja-se, por exemplo, que os fluxos de atendimento de advoga<strong>dos</strong> e<br />
cidadãos dirigem-se, tanto à secção de processo, como à secção central. Por<br />
outro lado, como a decisão de organização do trabalho cabe, em última<br />
instância, ao critério pessoal <strong>dos</strong> escrivães de direito, sem que assente em<br />
orientações e princípios gerais previamente defini<strong>dos</strong>, é com<strong>um</strong> verificar-se<br />
grande heterogeneidade de procedimentos e falta de racionalização no<br />
trabalho realizado.<br />
Não sei se as secções de processos têm que estar to<strong>das</strong> a atender o público. Se não<br />
podem estar organiza<strong>das</strong> de <strong>um</strong>a outra maneira de especialização por funções, em vez<br />
de estarem organiza<strong>das</strong> daquela maneira em que toda a gente faz tudo. Em muitos<br />
casos em que temos tentado intervir, em conjunto com os juízes da comarca, para<br />
alterar os méto<strong>dos</strong> de trabalho tem sido muito complicado, porque há o escrivão, o<br />
adjunto A tem os pares e o adjunto B tem os ímpares. O B tem <strong>um</strong>a constipação, os<br />
ímpares ficam atrasa<strong>dos</strong>. Tudo isto são funcionamentos que têm de ser altera<strong>dos</strong>.<br />
Talvez a própria estrutura e a própria maneira de pensar nas secções tem que ser<br />
diferente.<br />
Por exemplo, x secções de <strong>um</strong> juízo de família. Essas secções estão por exemplo a<br />
atender público, que é <strong>um</strong> peso significativo no trabalho que têm, será que não podia<br />
haver <strong>um</strong>a guarda avançada que estava a atender público e deixar o resto todo<br />
sossegado. Será que não deviam estar atribuí<strong>dos</strong> os processos de promoções e<br />
protecção a <strong>um</strong> determinado grupo de funcionários, os tutelares educativos, os cíveis<br />
Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 185
186<br />
de família a outro grupo de funcionários, em vez de estarem to<strong>das</strong> as quatro secções a<br />
trabalhar com to<strong>das</strong> as formas processuais. Tudo isto devia ser repensado. (Ent. P7)<br />
O organograma 14 ilustra as possibilidades de distribuição de tarefas<br />
n<strong>um</strong>a secção de processos.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
ESCRIVÃO DE DIREITO<br />
ESCRIVÃO ADJUNTO<br />
ESCRIVÃO AUXILIAR<br />
Distribuído pelo escrivão<br />
de direito<br />
Tramitação processual: abertura de<br />
processos, ofícios, notificação<br />
judicial avulsa, notificações, etc.<br />
Apoio aos processos<br />
distribuí<strong>dos</strong> ao excrivão<br />
adjunto<br />
Distribuição aleatória<br />
por nº de processo<br />
Alternância por juiz<br />
Organograma 14 – Distribuição de tarefas na secção de processos<br />
Abertura de processos,<br />
citações, junção de<br />
papéis aos processos,<br />
notificações, conlusões<br />
ao juiz, ofícios, etc.<br />
Método de trabalho<br />
Processos urgentes Processos não urgentes<br />
Escolha aleatória<br />
Apoio aos magistra<strong>dos</strong>:<br />
actas de audiência, apoio<br />
à sala, notificações, etc.<br />
Alternância por número<br />
de processo<br />
Alternância por semana<br />
Distribuição por tipo de<br />
acção<br />
Tramitação em série<br />
de actos<br />
semelhantes<br />
Orientação, coordenação<br />
e supervisão <strong>das</strong><br />
actividades desenvolvi<strong>das</strong><br />
na secção<br />
Distribuição de tarefas<br />
(petições iniciais e papéis<br />
avulsos entra<strong>dos</strong> na<br />
secção)<br />
Levar e trazer processos<br />
do gabinete do juiz<br />
Procura <strong>dos</strong> processos<br />
correspondentes aos<br />
papéis avulsos entra<strong>dos</strong><br />
Tramitação processual<br />
correspondente<br />
Fonte: OPJ<br />
Alternância entre<br />
escrivães adjuntos e<br />
auxiliares<br />
Atendimento ao público<br />
Encaminhamento da<br />
correspondência à secção<br />
central<br />
Por proximidade face ao<br />
balcão<br />
Alternância entre<br />
escrivães adjuntos e<br />
auxiliares<br />
Atendimento ao público<br />
Por proximidade face ao<br />
balcão<br />
Por processo<br />
distribuído ao auxiliar<br />
Serviço externo<br />
Alternância entre os<br />
auxiliares
Relativamente aos méto<strong>dos</strong> de trabalho, os escrivães de direito, além<br />
<strong>das</strong> funções de direcção da secção, podem ass<strong>um</strong>ir responsabilidades pela<br />
execução de actividades mais complexas, nomeadamente, mapas de partilha e<br />
elaboração <strong>das</strong> contas judiciais <strong>dos</strong> processos. Na distribuição de processos<br />
entre os escrivães adjuntos, o escrivão de direito pode adoptar, tanto por <strong>um</strong><br />
critério aleatório, baseado, por exemplo, no número final do processo (mais<br />
frequente), como <strong>um</strong> critério de especialização, por exemplo, por tipo de acção.<br />
Nos méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> pelos escrivães adjuntos, verifica-se<br />
igualmente diversidade no desempenho <strong>das</strong> funções. Esta diversidade pode<br />
ser orientada de acordo com o que é exigido na secção pelo escrivão de direito<br />
e/ou de acordo com o funcionamento do gabinete do juiz.<br />
Assim, por exemplo, no trabalho <strong>dos</strong> adjuntos, a decisão de c<strong>um</strong>prir ou<br />
não primeiramente os despachos pode estar relacionada com a rotina de<br />
trabalho do juiz. Nos casos em que o juiz já tem muitos processos conclusos ou<br />
<strong>um</strong>a agenda definida para receber as conclusões, o adjunto pode organizar o<br />
seu trabalho intercalando os papéis que vão para conclusão com as outras<br />
tarefas que tem na secção. A capacidade de resposta do juiz pode, pois,<br />
ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong> papel determinante em termos de motivação e produtividade <strong>dos</strong><br />
funcionários.<br />
Contudo, deve salientar-se que a autonomia da secção de processos<br />
destaca o papel directivo do escrivão. A importância do papel desempenhado<br />
pelo escrivão é autónoma e não supletiva da ausência ou distanciamento do<br />
juiz.<br />
Em regra, as rotinas de trabalho <strong>dos</strong> escrivães adjuntos baseiam-se em<br />
diferentes ordens de prioridade: processos marca<strong>dos</strong>, diligências, providências<br />
cautelares e outras situações urgentes; segui<strong>dos</strong> de processos não urgentes.<br />
Os méto<strong>dos</strong> de trabalho também podem variar de acordo com as<br />
preferências de cada funcionário. Exemplificativamente, pode-se iniciar o<br />
trabalho pelos actos mais simples, deixando os processos mais complexos<br />
para <strong>um</strong> momento posterior. Podem ser assinala<strong>das</strong> ainda duas rotinas de<br />
Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 189
trabalho diferentes entre os escrivães adjuntas: (1) realizar os actos<br />
processuais aleatoriamente de acordo com a ordem em que os processos lhe<br />
são postos na secretaria; e (2) separar os processos por categorias e realizar<br />
os actos processuais iguais em série.<br />
190<br />
Em regra, os escrivães auxiliares responsabilizam-se pelo<br />
acompanhamento do juiz em diligências e estão encarregues do intercâmbio<br />
entre a secção central e a secção de processos, procurando e dando<br />
tratamento aos processos relativos aos papéis vin<strong>dos</strong> diariamente daquela<br />
secção. Os critérios adopta<strong>dos</strong> pelo escrivão de direito para distribuir tarefas<br />
entre os escrivães auxiliares também podem variar. Por exemplo, no<br />
acompanhamento de diligências pode-se estabelecer <strong>um</strong> revezamento<br />
semanal entre os auxiliares ou distribuir os auxiliares pelo número de juízes<br />
que a secção apoia.<br />
O atendimento ao público em diferentes secções pode ser <strong>um</strong>a tarefa<br />
afectada aos escrivães auxiliares ou dividida equitativamente entres estes e os<br />
escrivães adjuntos.<br />
Em traços gerais, as principais conclusões que o trabalho empírico<br />
realizado evidenciou e que se relacionam com as alterações recentemente<br />
introduzi<strong>das</strong> no que diz respeito à organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> são as<br />
seguintes:<br />
(1) Se organização do trabalho varia de acordo com a secção, o juiz, o perfil e<br />
a <strong>experiência</strong> de cada funcionário, consequentemente, a produtividade <strong>dos</strong><br />
funcionários depende quase exclusivamente do seu empenho e compromisso<br />
pessoal;<br />
(2) Uma vez que a formação para o desempenho <strong>das</strong> funções é isolada e<br />
aleatória, os funcionários, como aprendem uns com os outros, tendem a<br />
assimilar os vícios de rotina daqueles com quem trabalham;<br />
(3) A ausência de <strong>um</strong> programa de preparação, formação e acompanhamento<br />
<strong>das</strong> reformas tem consequências nos frutos que podem ser extraí<strong>dos</strong> delas,<br />
variando de funcionário para funcionário, daí que a maior ou menor adaptação<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
e actualização passem a depender apenas do interesse e da motivação<br />
pessoal de cada funcionário.<br />
As principais consequências destes problemas consistem, em primeiro<br />
lugar, no facto de as boas práticas de <strong>um</strong>a secção não serem generaliza<strong>das</strong>.<br />
Em segundo lugar, a introdução de mudanças pode ser obstaculizada pela<br />
resistência <strong>dos</strong> funcionários. Neste contexto, a responsabilidade pelo<br />
aperfeiçoamento do trabalho, pela introdução e propagação de mudanças é<br />
difusa e depende do esforço e do interesse de cada <strong>um</strong>. Finalmente, as<br />
opiniões <strong>sobre</strong> os actos pratica<strong>dos</strong> inutilmente, os desperdícios, as<br />
irracionalidades organizativas, etc. são esparsas, não havendo <strong>um</strong>a reflexão<br />
geral e coordenada <strong>sobre</strong> o que fazer para melhor racionalizar os méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho, os actos e a tramitação processual.<br />
Desafios à <strong>gestão</strong> local: organização interna e méto<strong>dos</strong> de trabalho 191
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES<br />
7
7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES<br />
7.1 Conclusões<br />
194<br />
1. A compreensão da reforma <strong>das</strong> organizações do judiciário no contexto<br />
<strong>das</strong> dinâmicas de mudança <strong>das</strong> organizações públicas beneficiou, neste<br />
estudo, de <strong>um</strong> quadro analítico - desenvolvido pelas ciências sociais que<br />
permite pensar a administração e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> organizações em cenários<br />
caracteriza<strong>dos</strong> por acréscimos de complexidade institucional e social, com o<br />
objectivo de as tornar mais eficientes, designadamente a partir da reflexão em<br />
torno <strong>das</strong> abordagens clássicas <strong>das</strong> organizações.<br />
2. No âmbito <strong>das</strong> abordagens clássicas, Frederick Taylor conceptualizou<br />
a organização científica do trabalho assentando em quatro princípios básicos:<br />
planeamento, preparação, controlo e separação entre a concepção e a<br />
execução do trabalho. A organização do trabalho, tendo por base aqueles<br />
princípios, assentava na eliminação do desperdício, na eficiência máxima e no<br />
a<strong>um</strong>ento da produtividade.<br />
A perspectiva avançada por Henri Fayol (1925), na linha do pensamento<br />
taylorista, destacou-se no estudo da estruturação <strong>das</strong> organizações modernas<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
salientando, designadamente, o enfoque na formação e qualificação científica<br />
do corpo de gestores <strong>das</strong> empresas e <strong>das</strong> instituições, a sua arr<strong>um</strong>ação<br />
estrutural e funcional tendo em vista o c<strong>um</strong>primento eficiente <strong>dos</strong> respectivos<br />
objectivos gerais, propondo a indivisibilidade da relação autoridade-<br />
responsabilidade, a definição clara da comunicação no interior do sistema<br />
hierárquico, a centralização <strong>dos</strong> processos enquanto factor de ordem interna e<br />
a equidade nas decisões, de forma a evitar sentimentos de injustiça<br />
perturbadores do funcionamento da organização.<br />
3. Relativamente ao modelo burocrático e à modernidade organizacional,<br />
a caracterização do fenómeno burocrático proposta por Max Weber encontrou<br />
no movimento de racionalização <strong>das</strong> instituições os fundamentos da nova<br />
ordem social e económica surgida no século XIX. No exercício do poder<br />
organizacional, a problemática da legitimidade no pensamento weberiano<br />
assentava n<strong>um</strong>a tipologia tripartida de autoridade, em que a autoridade legal-<br />
racional representa a modernidade burocrática.<br />
No modelo burocrático proposto por Max Weber, destacam-se,<br />
<strong>sobre</strong>tudo, aspectos como a precisão, a eficácia, a unidade, a subordinação<br />
estrita e a redução de custos, que constituem alguns <strong>dos</strong> aspectos introduzi<strong>dos</strong><br />
por este movimento racionalizador da vida e do desempenho organizacional. A<br />
importância deste modelo baseia-se no conceito de burocracia e no seu<br />
contributo para se pensarem reformas mais amplas no domínio da<br />
administração pública e <strong>das</strong> organizações priva<strong>das</strong>, materializando a<br />
designada modernidade organizacional.<br />
4. A perda da centralidade do modelo burocrático e a emergência de<br />
novos paradigmas foi impulsionada pela escola <strong>das</strong> relações h<strong>um</strong>anas e as<br />
suas críticas ao mecanicismo, à instr<strong>um</strong>entalidade e ao formalismo <strong>das</strong><br />
abordagens clássicas, <strong>sobre</strong>pondo a importância <strong>dos</strong> níveis de integração<br />
social e organizacional à lógica científica e burocrática de divisão e<br />
Conclusões e Recomendações 195
organização do trabalho, no que diz respeito ao desempenho global <strong>das</strong><br />
organizações.<br />
196<br />
5. No quadro <strong>das</strong> reformas desencadea<strong>das</strong> na administração pública a<br />
partir <strong>dos</strong> anos 80 do século XX, as teorias manageriais têm sido escrutina<strong>das</strong><br />
n<strong>um</strong>a dupla perspectiva: procurando superar as limitações e os<br />
constrangimentos intrínsecos aos modelos burocráticos de organização,<br />
caracteriza<strong>dos</strong> pela sua rigidez funcional, fechamento orgânico à sociedade e<br />
ineficiência administrativa; e evidenciando <strong>um</strong>a transformação política mais<br />
ampla, assente n<strong>um</strong> novo consenso ideológico de natureza neoliberal – o<br />
Estado e a administração pública são sinónimos de desperdício, abrindo campo<br />
à acção política no sentido da privatização do máximo de subsectores públicos<br />
alienáveis para o mercado e na adopção de modelos de <strong>gestão</strong> equipara<strong>dos</strong> ao<br />
sector privado.<br />
6. O conceito de governação ass<strong>um</strong>e, no âmbito <strong>das</strong> novas abordagens<br />
organizacionais, <strong>um</strong> novo campo de técnicas e de oportunidades gestionárias,<br />
dando conta do a<strong>um</strong>ento da complexidade e <strong>dos</strong> fluxos de informação a que as<br />
organizações se encontram expostas e da necessidade de <strong>um</strong> maior e mais<br />
eficaz controlo <strong>dos</strong> processos e <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> reivindica<strong>dos</strong> pelos diferentes<br />
stakeholders. Este conceito pressupõe <strong>um</strong>a transformação profunda nos<br />
cenários organizacionais, sendo a antecipação, a adaptação e a capacidade de<br />
influência <strong>sobre</strong> as mudanças em curso factores determinantes para a<br />
sustentabilidade deste novo paradigma administrativo <strong>das</strong> organizações.<br />
7. O quadro conceptual da qualidade densificou-se, através do conceito<br />
de excelência, n<strong>um</strong>a óptica de qualidade total, também designada de melhoria<br />
de qualidade contínua (continuous quality improvement). Aos modelos de<br />
excelência (ou de qualidade total) subjaz <strong>um</strong>a filosofia de <strong>gestão</strong> que centra a<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
organização no utente/cidadão e n<strong>um</strong>a dinâmica de melhoria contínua,<br />
pressupondo <strong>um</strong>a abordagem sistémica com princípio de <strong>gestão</strong> aplicado em<br />
to<strong>dos</strong> os níveis organizacionais. Na Europa, o modelo baseado na filosofia da<br />
<strong>gestão</strong> pela qualidade total de referência é o modelo da EFQM, tendo em vista<br />
melhores práticas de <strong>gestão</strong> e melhor desempenho <strong>das</strong> organizações, podendo<br />
ser utilizado para verificação do estado da organização como ferramenta de<br />
planeamento ou de <strong>gestão</strong> da mudança.<br />
8. Na sequência <strong>das</strong> reformas desencadea<strong>das</strong> na administração pública,<br />
as organizações do judiciário foram <strong>um</strong> <strong>dos</strong> sectores do Estado ao qual as<br />
reformas gestionárias mais tardiamente chegaram. Como é sabido, os modelos<br />
burocráticos de administração <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> têm vindo a ser submeti<strong>dos</strong> a <strong>um</strong><br />
processo de reflexão e reavaliação política e académica. N<strong>um</strong>a primeira fase, a<br />
resposta do sistema à sua “crise” centrou-se em reformas de natureza<br />
processual e no crescimento de recursos h<strong>um</strong>anos e materiais; posteriormente,<br />
procurou dar resposta ao a<strong>um</strong>ento exponencial do vol<strong>um</strong>e e da complexidade<br />
da litigação e, mais recentemente, face à necessidade de outro tipo de<br />
reformas estruturais, optou-se pela procura de novos caminhos para a reforma<br />
do sistema.<br />
9. Assim, a partir de finais da década de 90 do século passado, em linha<br />
com outros sectores do Estado, o sistema judicial começa, também ele, a ser<br />
objecto de análise e recomendações que pretendem explorar <strong>um</strong>a nova<br />
dimensão gestionária, designadamente através da introdução de medi<strong>das</strong> que<br />
visam a alteração de méto<strong>dos</strong> de trabalho, <strong>um</strong>a melhor e mais eficaz <strong>gestão</strong> de<br />
recursos e <strong>um</strong>a melhor articulação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> com os serviços<br />
complementares da justiça.<br />
10. No âmbito da justiça em Portugal, apesar <strong>das</strong> reformas mais<br />
Conclusões e Recomendações 197
ecentes do judiciário e do forte contexto de mudança a que vem estando<br />
sujeito o sistema judicial, a qualidade parece ainda distante do enquadramento<br />
conceptual da excelência. Contudo, como tem vindo a ser mencionado nos<br />
estu<strong>dos</strong> do OPJ, as reformas do judiciário nesta matéria estão, não só em<br />
Portugal mas também na Europa reformas centra<strong>das</strong> na discussão do modelo<br />
organizacional mais do que no modelo de <strong>gestão</strong>. A discussão continua a<br />
situar-se na resposta ao vol<strong>um</strong>e processual, revelando que as preocupações<br />
da qualidade se centram fundamentalmente na melhoria da eficiência e,<br />
portanto, n<strong>um</strong>a <strong>das</strong> fases iniciais do seu percurso: o controlo da qualidade.<br />
198<br />
11. A escolha do estudo de caso da <strong>experiência</strong> espanhola deveu-se,<br />
<strong>sobre</strong>tudo, à proximidade entre os problemas e as ineficiências estruturais do<br />
desempenho do sistema de justiça espanhol e a situação que ocorre em<br />
Portugal. A reforma da secretaria judicial em Espanha foi impulsionada pela<br />
necessidade de dar resposta a problemas e ineficiências estruturais do<br />
funcionamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, muitos <strong>dos</strong> quais idênticos aos enfrenta<strong>dos</strong> por<br />
nós. Nesse sentido, o funcionamento <strong>das</strong> secretarias judiciais era caracterizado<br />
por <strong>um</strong> desempenho atomizado e auto-suficiente, destacando-se a<br />
<strong>sobre</strong>posição de tarefas administrativas e jurisdicionais na mesma unidade<br />
orgânica, bem como a inexistência de modelos comuns de trabalho e de<br />
desencorajamento ao trabalho diferenciado e especializado.<br />
O movimento de reforma judicial neste âmbito tem apresentado <strong>um</strong><br />
carácter pluriforme, isto é, convoca alterações não só no âmbito processual<br />
mas também na remodelação <strong>das</strong> infra-estruturas, na criação de novas<br />
unidades orgânicas, na informatização e no uso mais intensivo de meios<br />
telemáticos.<br />
12. O novo modelo de secretaria judicial em Espanha foi introduzido com<br />
a Lei Orgânica 19/2003, de 23 de Dezembro. Nos últimos três anos, o ritmo da<br />
implementação do novo modelo de secretaria judicial decresceu. Actualmente,<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
assiste-se a <strong>um</strong> novo empenho, por parte do Ministério da Justiça, na<br />
efectivação do novo modelo de secretaria através do “Plano Estratégico de<br />
Modernização da Justiça 2009-2012”.<br />
Das inovações introduzi<strong>das</strong>, destacam-se: (1) a “libertação” do juiz de<br />
actos não jurisdicionais (liberta-se o juiz do trabalho burocrático, podendo deste<br />
modo dedicar a totalidade do seu tempo ao exercício da função exclusivamente<br />
jurisdicional); (2) a criação da nova figura do director da secretaria judicial<br />
(secretário judicial, considerado <strong>um</strong> especialista com alto nível de competência<br />
e eleva<strong>dos</strong> conhecimentos jurídicos, com especiais competências no que se<br />
refere ao funcionamento da secretaria e à tramitação processual); (3) a<br />
agregação de tarefas repetitivas em serviços comuns, tanto ao nível da<br />
tramitação processual propriamente dita, como de actividades de suporte; (4) a<br />
especialização <strong>dos</strong> funcionários judiciais; (5) a informatização da justiça; e (6) a<br />
nova configuração <strong>dos</strong> espaços físicos (remodelação <strong>das</strong> infra-estruturas).<br />
13. De acordo com o novo modelo de secretaria, à atomização <strong>dos</strong><br />
serviços responde-se com a concentração de recursos em serviços comuns<br />
especializa<strong>dos</strong>. Às dispersões ou repetições inúteis de tarefas idênticas em<br />
diferentes serviços, procurou-se reagir, separando, por unidades e categorias<br />
de funcionários distintos, actividades de tramitação mais complexas de<br />
actividades mais repetitivas (como recepção de doc<strong>um</strong>entos, citações e<br />
notificações, etc.) e de actividades de suporte.<br />
O desenho organizacional da nova secretaria tem por base <strong>um</strong>a Unidade<br />
que pode ser de dois tipos: Unidade Processual de Apoio Directo e Serviços<br />
Comuns Processuais. Prevê-se, ainda, a criação de Unidades Administrativas.<br />
Com esta reorganização estabelece-se <strong>um</strong>a diferença clara entre o apoio<br />
directo à função jurisdicional, tarefa cometida às unidades processuais de<br />
apoio directo, e a tramitação processual, função <strong>sobre</strong>tudo a cargo <strong>dos</strong><br />
serviços comuns processuais, que podem executar tarefas de tramitação<br />
processual de <strong>um</strong> ou mais juízes, juízos, secções ou <strong>tribunais</strong>.<br />
Conclusões e Recomendações 199
200<br />
14. Duas ideias essenciais abriram caminho para actual reforma<br />
orgânica da secretaria judicial: (1) a criação de serviços comuns, considerada<br />
<strong>um</strong> elemento-chave da reforma dada a sua potencialidade na uniformização do<br />
trabalho, libertação <strong>das</strong> diferentes secções da prática de actos e tarefas<br />
semelhantes e criação de <strong>um</strong>a estrutura especializada no atendimento ao<br />
público; e (2) a reconfiguração do perfil profissional do secretário judicial,<br />
avançando para a especialização de funções, de forma a ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong> duplo<br />
papel de técnicos processuais e de gestores da sua unidade.<br />
15. O novo modelo de secretaria judicial não se limitou a trazer<br />
profun<strong>das</strong> alterações na estrutura organizacional, implicou também a<br />
redefinição de competências e funções profissionais. Os secretários judiciais<br />
ass<strong>um</strong>em <strong>um</strong>a forte centralidade funcional, constituindo <strong>um</strong> corpo próprio e<br />
conferindo-lhes a lei carácter de autoridade. Para além <strong>das</strong> competências<br />
processuais, também dirigem tecnicamente os recursos h<strong>um</strong>anos <strong>das</strong><br />
secretarias, coordenando a sua acção e dando ordens e instruções<br />
necessárias ao seu desempenho funcional. Enquanto o corpo de funcionários,<br />
que desempenham funções de tramitação processual, é composto pelos<br />
chama<strong>dos</strong> funcionários gestores, que vieram substituir o anterior corpo de<br />
oficiais de justiça; o antigo corpo de funcionários auxiliares foi substituído pelos<br />
actuais funcionários tramitadores.<br />
16. Contudo, alguns problemas têm sido identifica<strong>dos</strong> no curso da<br />
concretização da reforma da secretaria judicial: sucessivos atrasos e alg<strong>um</strong>a<br />
falta de coordenação na execução de alg<strong>um</strong>as vertentes da reforma (leis<br />
processuais, formação <strong>dos</strong> operadores para a utilização <strong>dos</strong> sistemas<br />
informáticos e construção de novas instalações); falta de recursos financeiros<br />
para a administração da justiça (a nível nacional, autonómico e/ou local);<br />
actuações parcelares, descoordena<strong>das</strong> e até mesmo antagónicas em<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
diferentes circunscrições territoriais resultantes da transferência de<br />
competências para alg<strong>um</strong>as comunidades autónomas; atraso no processo de<br />
redimensionamento <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos para atender especialmente os<br />
processos pendentes; alteração do padrão de relacionamento funcional entre<br />
juízes, secretários judiciais e restantes funcionários judiciais; tensão entre<br />
juízes e secretários judiciais no que refere ao agendamento de diligências,<br />
entre outros.<br />
17. O trabalho que se apresenta neste relatório centra-se, como já<br />
referimos, na análise da dimensão gestionária da reforma da organização<br />
judiciária. O reduzido tempo de vigência do período experimental da reforma,<br />
associado ao frugal acervo de informação disponível relativamente à<br />
problemática em estudo, não permitiram <strong>um</strong>a averiguação plena de to<strong>das</strong> as<br />
suas implicações, tendo dificultado, por exemplo, <strong>um</strong>a avaliação quantitativa do<br />
impacto <strong>das</strong> alterações gestionárias na produtividade <strong>dos</strong> agentes judiciais e no<br />
tempo <strong>dos</strong> processos. Privilegiou, por isso, a análise qualitativa assente nas<br />
percepções <strong>dos</strong> agentes envolvi<strong>dos</strong> no processo e a observação <strong>das</strong> práticas<br />
<strong>das</strong> unidades orgânicas.<br />
Adoptou-se <strong>um</strong>a estratégia de investigação assente n<strong>um</strong>a dupla<br />
perspectiva analítica. Em primeiro lugar, de acordo com <strong>um</strong>a perspectiva top<br />
down, observou-se a concretização do modelo de <strong>gestão</strong> entre as diferentes<br />
figuras com poderes de organização, direcção e supervisão. Em segundo lugar,<br />
em conformidade com a perspectiva bottom up, analisámos o impacto destas<br />
alterações nas rotinas e tarefas <strong>dos</strong> diferentes agentes judiciais, dando<br />
especial atenção ao funcionamento da secção de processos.<br />
18. No que diz respeito ao modelo de <strong>gestão</strong>, o projecto experimental da<br />
nova organização judiciária não contou, de acordo com os resulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong><br />
através da realização do trabalho de campo, com a previsão que se exigia para<br />
<strong>um</strong>a transição bem sucedida de <strong>um</strong>a reforma estrutural. Assim, salienta-se a<br />
Conclusões e Recomendações 201
importância de se considerarem as dificuldades deste ensaio experimental<br />
antes do alargamento a outras <strong>comarcas</strong>. Por outro lado, exige-se a definição<br />
de <strong>um</strong> planeamento estratégico e a criação de <strong>um</strong> conjunto de instr<strong>um</strong>entos de<br />
suporte que potenciem <strong>um</strong>a eficiente <strong>gestão</strong> da mudança, por exemplo, a<br />
definição de <strong>um</strong> conjunto de acções de <strong>gestão</strong> prática da mudança que<br />
envolvam os principais canais de comunicação e de informação no interior e<br />
exterior do sistema, bem como as pessoas mais directamente afecta<strong>das</strong> pelo<br />
processo de mudança.<br />
202<br />
A este propósito, regista-se como aspecto negativo, por <strong>um</strong> lado, o facto<br />
<strong>dos</strong> juízes presidentes apenas terem sido nomea<strong>dos</strong> e ass<strong>um</strong>ido funções<br />
depois de já estarem constituí<strong>das</strong> as equipas de trabalho. Por outro lado, o<br />
deficiente planeamento na transferência de processos (tanto em suporte físico<br />
como telemático), levou à ocorrência de erros, ao cancelamento de diligências<br />
em cima da hora, a dificuldades de dar informação ao público e advoga<strong>dos</strong>,<br />
etc.<br />
De referir, ainda, o bloqueio que consiste na falta de suporte<br />
organizacional às inovações gestionárias, destacando-se a falta de previsão de<br />
<strong>um</strong> gabinete de apoio ao juiz presidente. Destaca-se, em especial, o problema<br />
que poderíamos caracterizar como endémico ao sistema de justiça ao qual<br />
urge dar solução – a falta de formação adequada para o desempenho <strong>das</strong><br />
novas funções de <strong>gestão</strong> e coordenação previstas na lei.<br />
19. Em Portugal, a governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> está configurada, a nível<br />
central, n<strong>um</strong> modelo de competências bicéfalo. Por <strong>um</strong> lado, a previsão na<br />
estrutura orgânica do Ministério da Justiça de órgãos de administração<br />
indirecta responsáveis pela centralização da <strong>gestão</strong> financeira, do património,<br />
<strong>das</strong> tecnologias e da informação da justiça (ITIJ e IGFIJ) articula-se com<br />
órgãos de administração directa que centralizam competências de<br />
planeamento, <strong>gestão</strong> estratégica da política de justiça e administração da<br />
carreira <strong>dos</strong> funcionários de justiça (DGAJ e DGPJ). Por outro lado, a <strong>gestão</strong><br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
<strong>das</strong> carreiras, controlo e disciplina <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> é exercida pelos conselhos<br />
superiores da magistratura e do Ministério Público.<br />
A nova lei de organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> trouxe alg<strong>um</strong>as<br />
mudanças no que diz respeito à administração local da justiça, ao prever<br />
competências de representação, direcção, <strong>gestão</strong> processual e administrativas<br />
ao juiz presidente do tribunal, fomentando igualmente outra figura de <strong>gestão</strong><br />
local com competências próprias e <strong>um</strong> importante papel de coadjuvação <strong>das</strong><br />
competências do juiz presidente – o administrador judiciário.<br />
O juiz presidente passou a ass<strong>um</strong>ir competências de representação e<br />
direcção do tribunal, agregando responsabilidades ao nível da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />
funcionários judiciais e exercendo competências de <strong>gestão</strong> processual, fixação<br />
de objectivos, acompanhamento de resulta<strong>dos</strong> e planeamento <strong>das</strong><br />
necessidades e actividades do tribunal, planeamento de recursos h<strong>um</strong>anos e<br />
de organização interna. No âmbito administrativo, congrega competências de<br />
elaboração do projecto de orçamento, <strong>dos</strong> planos anuais e plurianuais, <strong>dos</strong><br />
relatórios de actividades e <strong>dos</strong> regulamentos internos, entre outros.<br />
O perfil funcional do administrador do tribunal concentra-se na <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> espaços, segurança, condições de acessibilidade <strong>das</strong> instalações,<br />
manutenção, conservação e racionalização da utilização <strong>dos</strong> equipamentos.<br />
Para além da previsão de competências próprias, destaca-se a possibilidade<br />
de coadjuvação pelo administrador <strong>das</strong> competências do presidente do tribunal.<br />
Para além <strong>das</strong> competências atribuí<strong>das</strong> ao juiz presidente e ao<br />
administrador, outra novidade trazida pela nova lei de organização judiciária no<br />
âmbito da <strong>gestão</strong> local é a criação do conselho de comarca, órgão com funções<br />
consultivas e de acompanhamento <strong>das</strong> actividades administrativas, de<br />
organização e funcionamento do tribunal.<br />
20. A reforma introduziu mais-valia no sentido de criar perfis<br />
profissionais com competências próprias e actuação local baseada no<br />
Conclusões e Recomendações 203
conhecimento <strong>das</strong> necessidades e do funcionamento quotidiano do serviço.<br />
Esta nova dinâmica possibilita <strong>um</strong>a tomada de decisão local, rápida e eficiente,<br />
atendendo às suas carências e às dificuldades quotidianas. No novo quadro<br />
normativo, esta flexibilidade estende-se desde a distribuição <strong>dos</strong> funcionários<br />
(à excepção <strong>dos</strong> escrivães de direito), à proposição de mudanças<br />
organizacionais e às rotinas de trabalho (implementação de méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho, reafectação de funcionários, proposta de criação de secções<br />
especializa<strong>das</strong>), passando pelo planeamento <strong>das</strong> actividades, <strong>das</strong><br />
necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos e elaboração da proposta de orçamento.<br />
204<br />
A criação de <strong>um</strong> órgão com poderes consultivos e de acompanhamento<br />
(conselho de comarca), por sua vez, beneficia o modelo de <strong>gestão</strong> por permitir<br />
<strong>um</strong>a participação alargada <strong>dos</strong> actores do sistema e da sociedade civil.<br />
O carácter experimental da reforma, a falta de preparação, a ausência<br />
de discussão e de directrizes de execução, são factores que influenciam o<br />
ritmo de incrementação <strong>das</strong> potencialidades de <strong>gestão</strong> trazi<strong>das</strong> pela lei. Daí<br />
que o modelo de <strong>gestão</strong> tenha sido experimentado de forma distinta em cada<br />
<strong>um</strong>a <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> piloto de acordo com a <strong>experiência</strong>, o nível de iniciativa e o<br />
conhecimento da realidade do tribunal por parte <strong>dos</strong> juízes presidentes.<br />
O trabalho de campo realizado permitiu identificar alg<strong>um</strong>as dinâmicas<br />
locais consentâneas com os objectivos da reforma, por exemplo, o<br />
estabelecimento de metas e objectivos de produtividade, a realização de<br />
reuniões de planeamento <strong>das</strong> actividades com as chefias <strong>das</strong> secções e com<br />
os magistra<strong>dos</strong> coordenadores ou, ainda, a experimentação de outros méto<strong>dos</strong><br />
de trabalho nas secções de processos de alguns juízos do tribunal. Registou-<br />
se, ainda, <strong>um</strong> acréscimo de racionalização no que se refere ao pedido de<br />
material, à requisição de objectos e aos critérios de ocupação <strong>das</strong> salas de<br />
audiências por parte <strong>dos</strong> juízos.<br />
21. À anterior “unidade tribunal” passou a corresponder a actual<br />
“unidade secretaria”. Criaram-se novas unidades orgânicas e novas<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
perspectivas gestionárias, mas manteve-se o modelo de organização interna e<br />
de colocação de juízes e funcionários <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong> anteriores.<br />
Importa, pois, saber quais deverão ser as unidades administrativas e<br />
organizacionais do tribunal de comarca: o próprio tribunal de comarca, as<br />
secções de processos ou as secretarias <strong>dos</strong> diferentes juízos. A decisão <strong>sobre</strong><br />
esta matéria tem <strong>um</strong>a influência determinante na colocação e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />
recursos h<strong>um</strong>anos, na elaboração e execução do orçamento, no planeamento<br />
e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos materiais, no modelo de informatização e na execução<br />
<strong>das</strong> funções de direcção e coordenação exerci<strong>das</strong> no tribunal de comarca,<br />
nomeadamente a interface entre o juiz presidente, o administrador e o<br />
secretário de justiça.<br />
A este propósito, ao ass<strong>um</strong>ir-se que o provimento de funcionários<br />
judiciais tem como unidade as secções de processo para os escrivães de<br />
direito e a secretaria <strong>dos</strong> juízos para os restantes funcionários, condicionam-se<br />
as competências do juiz presidente na <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos, <strong>um</strong>a vez que o<br />
exercício desta competência é nula no caso <strong>dos</strong> escrivães de direito e tem<br />
como limite a secretaria <strong>dos</strong> juízos. Por outro lado, esta questão também diz<br />
respeito à definição da unidade de colocação <strong>dos</strong> juízes, isto é, os juízos do<br />
tribunal de comarca ou <strong>um</strong> determinado juízo.<br />
Finalmente, assinalam-se as repercussões na <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> vertentes de<br />
natureza financeira. Neste caso, a opção pelo tribunal de comarca ou pela<br />
secretaria <strong>dos</strong> juízos, como unidade administrativa, coloca em confronto as<br />
actuais competências de elaboração e execução do orçamento <strong>dos</strong> secretários<br />
de justiça e do presidente do tribunal.<br />
22. O actual modelo de <strong>gestão</strong> exige a realização plena e eficiente do<br />
princípio de cooperação entre as figuras da estrutura local de <strong>gestão</strong> e entre<br />
estas e os órgãos centrais. Neste sentido, a concretização <strong>das</strong> potencialidades<br />
da lei depende, em muito, da integração e da articulação entre os diferentes<br />
órgãos com poderes directivos na administração <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />
Conclusões e Recomendações 205
206<br />
Em diversos momentos, a lei prevê a combinação e articulação de<br />
competências centrais e locais de modo a permitir <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> integrada que<br />
tenha como referência o tribunal de comarca. Por exemplo:<br />
(a) A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong>, avaliação e disciplina <strong>dos</strong><br />
funcionários judiciais da DGAJ e do COJ com os poderes atribuí<strong>dos</strong> ao juiz<br />
presidente no que se refere à distribuição de escrivães adjuntos e auxiliares,<br />
implementação de méto<strong>dos</strong> de trabalho e fixação de objectivos para as<br />
unidades orgânicas, planeamento <strong>das</strong> necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos,<br />
reafectação <strong>dos</strong> funcionários dentro da comarca;<br />
(b) A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> juízes e<br />
acompanhamento da actividade <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> e sua organização exerci<strong>das</strong> pelo<br />
Conselho Superior da Magistratura e a possibilidade de apresentação, junto do<br />
Conselho, pelo juiz presidente, de propostas de mudanças organizacionais<br />
(criação de secções especializa<strong>das</strong>), reafectação de juízes e necessidades de<br />
resposta adicional no quadro de juízes;<br />
(c) A articulação <strong>das</strong> competências de <strong>gestão</strong> financeira, do património,<br />
<strong>das</strong> instalações e <strong>dos</strong> equipamentos <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> partilha<strong>das</strong> entre o ITIJ, o<br />
IGFIJ e a DGAJ com as competências de elaboração e proposição de<br />
alterações orçamentais exerci<strong>das</strong> pelo juiz presidente e as competências do<br />
administrador judiciário no que se refere aos espaços, equipamentos e<br />
segurança <strong>das</strong> instalações do tribunal.<br />
Resulta do trabalho de campo que, em diferentes níveis de <strong>gestão</strong>, <strong>um</strong>a<br />
articulação de competências mais eficiente entre os diferentes órgãos está<br />
comprometida, necessitando de diferentes respostas de carácter correctivo,<br />
que vão desde a clarificação do sentido e alcance <strong>das</strong> competências previstas<br />
em lei até à necessidade de aprofundamento <strong>dos</strong> canais de comunicação e<br />
interface entre os diferentes órgãos, passando pela definição de <strong>um</strong> plano de<br />
implementação <strong>das</strong> competências locais de <strong>gestão</strong> com orientações concretas<br />
<strong>das</strong> tarefas e responsabilidades a serem exerci<strong>das</strong> pelas chefias e pelas<br />
figuras de direcção do tribunal, bem como pela determinação da unidade<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
administrativa de referência do tribunal de comarca.<br />
23. No que refere à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> juízes, as possibilidades de participação<br />
local através de propostas do juiz presidente ao CSM no que toca a medi<strong>das</strong><br />
de reafectação, ac<strong>um</strong>ulação, requisição de juízes do quadro complementar e<br />
mudanças na organização interna não parece ter-se traduzido, de acordo com<br />
o que foi observado no trabalho de campo, em grandes problemas de<br />
articulação.<br />
24. No que toca à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> funcionários, o trabalho empírico permitiu<br />
identificar vários momentos em que a concentração de competências na<br />
administração central, agravada pela falta de previsão de interfaces eficientes,<br />
bloqueiam a <strong>gestão</strong> a ser implementada por parte do juiz presidente.<br />
Apesar de terem sido conferi<strong>das</strong> competências próprias ao juiz<br />
presidente para o planeamento <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos, essas competências<br />
não se traduzem na autonomia de definição <strong>dos</strong> mapas de pessoal ou <strong>das</strong><br />
necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos da comarca. Ao juiz presidente cabe a<br />
distribuição <strong>dos</strong> funcionários de justiça dentro <strong>dos</strong> limites da unidade orgânica<br />
de referência e do quadro de pessoal já estabelecido pelo Ministério da Justiça<br />
e respeitando o provimento <strong>dos</strong> cargos de escrivães de direito nas respectivas<br />
secções <strong>dos</strong> juízos<br />
O exercício da competência de distribuição <strong>dos</strong> escrivães adjuntos e<br />
auxiliares, por parte do presidente do tribunal de comarca, está<br />
significativamente delimitado pela não definição do tribunal de comarca<br />
enquanto unidade administrativa. A questão da mobilidade geográfica <strong>dos</strong><br />
funcionários é <strong>um</strong>a questão <strong>sobre</strong> a qual é necessário reflectir e que exige<br />
alg<strong>um</strong>a intervenção. Contudo, dever-se-ão ter em conta alguns contornos<br />
especiais, <strong>sobre</strong>tudo quando confrontada com direitos adquiri<strong>dos</strong> e<br />
expectativas legítimas <strong>dos</strong> funcionários.<br />
Conclusões e Recomendações 207
208<br />
Outra limitação relaciona-se com o facto <strong>das</strong> competências previstas<br />
para o juiz presidente no âmbito da fixação de objectivos, da avaliação do<br />
desempenho funcional do tribunal e da qualidade do serviço prestado aos<br />
cidadãos não serem acompanha<strong>das</strong> de competências efectivas no que respeita<br />
à avaliação e à acção disciplinar <strong>sobre</strong> os funcionários da justiça.<br />
Relativamente à avaliação, o que está em causa é a definição de <strong>um</strong> modelo<br />
que reforce a estrutura de <strong>gestão</strong> local do tribunal de comarca com a<br />
especificação concreta de poderes do juiz presidente que fortaleçam as suas<br />
responsabilidades no âmbito do planeamento de actividades, avaliação <strong>dos</strong><br />
resulta<strong>dos</strong> e fixação de objectivos do tribunal.<br />
Questiona, ainda, o vínculo funcional <strong>dos</strong> restantes funcionários, não<br />
integra<strong>dos</strong> nas carreiras judiciais, em especial <strong>dos</strong> técnicos de informática e a<br />
sua dependência funcional e hierárquica face à administração central.<br />
25. As questões relativas à elaboração e execução orçamental, por sua<br />
vez, referem-se especialmente à articulação entre a competência administrativa<br />
do presidente do tribunal de comarca de elaboração do projecto do orçamento<br />
e proposição de alterações orçamentais, a delegação dessa competência nos<br />
administradores judiciais e a articulação <strong>das</strong> tarefas relativas ao orçamento<br />
entre o administrador judiciário e os secretários de justiça. Neste âmbito, o<br />
principal problema resulta do facto de as secretarias <strong>dos</strong> juízos estarem a<br />
funcionar como unidades administrativas do tribunal de comarca no que diz<br />
respeito ao orçamento, mantendo o secretário a competência de gerir e<br />
elaborar o orçamento da secretaria. Esta realidade dificulta a <strong>gestão</strong><br />
centralizada do orçamento por parte do presidente e do administrador do<br />
tribunal. A falta de <strong>um</strong>a visão global do orçamento do tribunal de comarca<br />
impede ainda a projecção da execução orçamental e o controlo centralizado<br />
<strong>dos</strong> gastos.<br />
26. Os problemas relativos à <strong>gestão</strong> do património e <strong>das</strong> infra-estruturas,<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
o alcance <strong>das</strong> competências gerais relativamente ao planeamento <strong>das</strong><br />
actividades do tribunal e às necessidades de orçamento podem ser limita<strong>dos</strong><br />
pela reserva de competências da DGAJ relativamente à aquisição de<br />
equipamentos e outros bens. Neste âmbito, o que está em causa é a<br />
articulação entre as decisões locais relativas às necessidades de<br />
equipamentos e de instalações e as decisões centrais de planeamento <strong>das</strong><br />
necessidades e <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> infra-estruturas <strong>dos</strong> serviços da justiça como <strong>um</strong><br />
todo.<br />
27. A <strong>gestão</strong> da informação, por sua vez, aponta para a necessidade de<br />
se promover <strong>um</strong>a melhor definição e integração entre as necessidades <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong>, nomeadamente formação e acesso a elementos de informação úteis<br />
para a <strong>gestão</strong> do tribunal, e as decisões estratégicas <strong>dos</strong> órgãos centrais de<br />
planeamento <strong>das</strong> actividades formativas e adequação <strong>dos</strong> sistemas.<br />
28. No que respeita à <strong>gestão</strong> processual, entendida em sentido amplo,<br />
isto é, incluindo as rotinas e os méto<strong>dos</strong> de trabalho associa<strong>dos</strong> à tramitação<br />
do processo, o legislador concentrou as atribuições de <strong>gestão</strong> processual e de<br />
méto<strong>dos</strong> de trabalho a nível do tribunal de comarca na articulação entre o juiz<br />
presidente/magistra<strong>dos</strong> coordenadores e juízes titulares, em coordenação com<br />
as secções. Destaca-se o desafio que consiste na concretização <strong>dos</strong> objectivos<br />
de eficiência e racionalização <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho na <strong>gestão</strong> processual.<br />
Entre as medi<strong>das</strong> que podem integrar a <strong>gestão</strong> do caso concreto,<br />
destacam-se: a selecção adequada da calendarização e do sistema de<br />
marcação de diligências, a adopção de medi<strong>das</strong> que encorajem a resolução do<br />
litígio por acordo, a introdução de recursos informáticos adequa<strong>dos</strong>, o recurso a<br />
funcionários com formação especializada, a utilização de mecanismos<br />
processuais como audiências preliminares e formas s<strong>um</strong>árias do processo.<br />
A potencialidade da previsão de competências de <strong>gestão</strong> processual<br />
Conclusões e Recomendações 209
consiste, <strong>sobre</strong>tudo, em permitir às figuras de <strong>gestão</strong> ao nível local, em<br />
primeiro lugar, questionar a adequação e a pertinência da organização da<br />
secção e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> e, em segundo lugar, propor<br />
alternativas de reorganização e fixar objectivos e metas a c<strong>um</strong>prir.<br />
210<br />
A previsão da intervenção do juiz presidente do tribunal de comarca<br />
garante <strong>um</strong>a visão global e, simultaneamente, permite ensaiar novas formas de<br />
articulação e agregação entre as diferentes unidades orgânicas, possibilitando<br />
a realização de reuniões de planeamento e de avaliação da actividade e<br />
potenciando a criação de <strong>um</strong>a cultura organizacional de mudança.<br />
Um aspecto a destacar no decurso da nossa investigação consiste na<br />
heterogeneidade social, administrativa e territorial <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong>, o que<br />
determina o vol<strong>um</strong>e e natureza da procura judicial, as directrizes estratégicas<br />
da organização interna e a optimização <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho. Isto é, a<br />
racionalização <strong>das</strong> tarefas não deve corresponder a <strong>um</strong>a resposta única que<br />
possa ser uniformemente aplicada a to<strong>das</strong> as secções, mas sim privilegiar a<br />
reflexão e experimentação que permita definir regras e princípios orientadores<br />
sóli<strong>dos</strong>, de acordo com <strong>um</strong> modelo flexível que tenha em conta variáveis e<br />
condicionantes contextuais como a procura judiciária, a centralização ou<br />
descentralização <strong>dos</strong> juízos do tribunal, etc.<br />
29. Por contraponto às vantagens da nova lei de organização judiciária<br />
relativamente à proposição de alternativas de <strong>gestão</strong> e definição de novos<br />
méto<strong>dos</strong> de trabalho, a falta de indicadores empíricos que permitam avaliar o<br />
trabalho <strong>dos</strong> funcionários, conhecer os processos de distribuição e execução<br />
de tarefas, perceber a adequação <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho e os seus efeitos<br />
em termos de racionalização e produtividade. A falta de reflexão e de princípios<br />
orientadores nesta matéria torna o alcance prático desta reforma muito<br />
limitado.<br />
As novas figuras de coordenação têm desempenhado as suas funções<br />
basea<strong>das</strong> em critérios casuísticos e na <strong>experiência</strong> pessoal, orientam-se de<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
acordo com o que definem como sendo o seu bom senso e o <strong>dos</strong> funcionários.<br />
Apesar de estar prevista a disponibilização de da<strong>dos</strong> informatiza<strong>dos</strong> do<br />
sistema judicial para o acompanhamento da actividade do tribunal por parte do<br />
juiz presidente, esta não é suficiente no que respeita aos indicadores de<br />
<strong>gestão</strong>.<br />
30. No que se refere à organização interna, a principal limitação centra-<br />
se na atomização do modelo, o que implica, muitas vezes, a multiplicação de<br />
secções dentro do mesmo juízo, repercutindo-se na duplicação de tarefas e<br />
n<strong>um</strong>a organização interna do desempenho funcional pouco racionalizada e<br />
eficiente.<br />
Na observação do espaço físico salienta-se: (1) a existência de<br />
diferentes concepções, quer arquitectónicas, quer da forma de aproveitamento<br />
do espaço físico; (2) a precariedade e a inadequação de alg<strong>um</strong>as instalações;<br />
e (3) a falta de coordenação de agendamentos de actos jurisdicionais que<br />
impliquem a audição de intervenientes processuais (<strong>gestão</strong> da agenda <strong>dos</strong><br />
juízes).<br />
A <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> equipamentos, por sua vez, indicia faltas, inadequação e<br />
falhas, designadamente de fotocopiadoras, faxes, digitalizadores e sistema de<br />
vídeo-conferência. Salientam-se ainda as dificuldades na racionalização da<br />
distribuição <strong>dos</strong> equipamentos pelas diferentes unidades do tribunal de<br />
comarca, de acordo com as suas necessidades, em especial a falta de<br />
autonomia do juiz presidente na colocação/deslocação <strong>dos</strong> equipamentos.<br />
31. A adopção <strong>das</strong> inovações tecnológicas é discutida de acordo com<br />
cinco principais vertentes de mudança: (1) a adaptação <strong>dos</strong> espaços físicos; (2)<br />
a capacidade <strong>dos</strong> recursos materiais para suportarem as exigências da<br />
desmaterialização; (3) a adaptação do quadro funcional à nova realidade; (4) a<br />
formação e acompanhamento necessários para potenciar as inovações e<br />
Conclusões e Recomendações 211
enfrentar possíveis resistências; e (5) a reconversão e requalificação <strong>dos</strong><br />
funcionários, no sentido de adquirirem competências necessárias à utilização<br />
<strong>das</strong> novas ferramentas. Outra crítica refere-se ao facto da introdução de<br />
programas informáticos, levada a cabo em diferentes vagas, com o objectivo de<br />
acelerar os actos processuais, vir atender a necessidades distintas em<br />
diferentes momentos e nem sempre atender à necessária interligação entre si.<br />
O carácter inacabado do processo de informatização e os obstáculos à garantia<br />
da integralidade do processo electrónico (o que leva à existência, em regra, de<br />
dois processos electrónicos: <strong>um</strong> em suporte de papel e outro em suporte<br />
informático) em especial pelas dificuldades de digitalização <strong>dos</strong> requerimentos<br />
e peças processuais ingressa<strong>das</strong> em suporte de papel, são igualmente<br />
indica<strong>dos</strong> como factores de irracionalização e duplicação do trabalho.<br />
212<br />
32. As mudanças trazi<strong>das</strong> pela nova lei da organização judiciária não<br />
tiveram, na maioria <strong>das</strong> situações observa<strong>das</strong>, <strong>um</strong> impacto directo na<br />
organização interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, permanecendo as rotinas e méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho <strong>das</strong> secções inaltera<strong>dos</strong>.<br />
A <strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos e a definição <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho<br />
estão sustenta<strong>das</strong> n<strong>um</strong>a grande diversidade de procedimentos entre os<br />
diferentes juízos e entre as secções de <strong>um</strong> mesmo juízo. Estando os conteú<strong>dos</strong><br />
funcionais de cada categoria profissional fixa<strong>dos</strong> por lei, as diferenças<br />
regista<strong>das</strong> nos méto<strong>dos</strong> de trabalho adopta<strong>dos</strong> relacionam-se com as<br />
disparidades na composição do quadro funcional e com as decisões de<br />
distribuição de tarefas ass<strong>um</strong>i<strong>das</strong> pelas chefias (escrivães de direito), tendo em<br />
vista o que consideram ser o melhor aproveitamento <strong>dos</strong> recursos e, nalguns<br />
casos, relacionam-se ainda com as indicações transmiti<strong>das</strong> pelo juiz titular da<br />
secção.<br />
A manutenção da lógica interna de distribuição tarefas e de articulação<br />
entre as secções concretiza-se na manutenção da divisão entre secção central,<br />
secção de processos e secção de serviço externo, bem como o papel decisivo<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
do escrivão na definição <strong>das</strong> tarefas a serem realiza<strong>das</strong> pelos escrivães<br />
adjuntos e auxiliares. As principais consequências deste modelo são a<br />
possibilidade de duplicação de trabalho e o facto da decisão de organização do<br />
trabalho caber, em última instância, ao critério pessoal <strong>dos</strong> escrivães de direito,<br />
sem que assente em orientações e princípios gerais previamente defini<strong>dos</strong>,<br />
verificando-se grande heterogeneidade de procedimentos e falta de<br />
racionalização no trabalho realizado.<br />
33. Em síntese, as principais conclusões que o trabalho empírico<br />
realizado evidenciou no que diz respeito à organização e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
são as seguintes: (1) a organização do trabalho varia de acordo com a secção,<br />
o juiz, o perfil e a <strong>experiência</strong> de cada funcionário, ficando a produtividade <strong>dos</strong><br />
funcionários depende quase exclusivamente do seu empenho e compromisso<br />
pessoal; (2) a formação para o desempenho <strong>das</strong> funções é isolada e aleatória e<br />
os funcionários, como aprendem uns com os outros, tendem a assimilar os<br />
vícios de rotina daqueles com quem trabalham; (3) a ausência de <strong>um</strong> programa<br />
de preparação, formação e acompanhamento <strong>das</strong> reformas tem consequências<br />
no usufruto que pode ser extraído delas, daí que a maior ou menor adaptação<br />
e actualização passem a depender apenas do interesse e da motivação<br />
pessoal de cada funcionário.<br />
Para concluir, deve ainda mencionar-se o facto <strong>das</strong> boas práticas de<br />
determina<strong>das</strong> secções não serem generaliza<strong>das</strong>, ou seja, a responsabilidade<br />
pelo aperfeiçoamento do trabalho, pela introdução e propagação de mudanças<br />
é difusa e depende do esforço e do interesse de cada <strong>um</strong>. Deve, por isso,<br />
procurar-se a introdução de mecanismos que permitam a generalização e<br />
adaptação local <strong>das</strong> boas práticas alcança<strong>das</strong>.<br />
Conclusões e Recomendações 213
7.2 Recomendações principais<br />
Como já referimos, nas sociedades modernas, onde o direito e a justiça<br />
são instr<strong>um</strong>entos centrais da qualidade da democracia, os <strong>tribunais</strong> judiciais<br />
desempenham <strong>um</strong> papel fundamental, seja na efectivação de direitos sociais,<br />
no combate à corrupção ou na resolução de conflitos <strong>dos</strong> cidadãos e <strong>das</strong><br />
empresas. A resolução de muitos desses conflitos, ainda que inter-individuais,<br />
tem <strong>um</strong>a enorme relevância para os próprios, mas também para a qualidade da<br />
cidadania. Por exemplo, a forma como o país trata grupos de cidadãos<br />
socialmente mais vulneráveis (onde se incluem as crianças, a grande maioria<br />
<strong>dos</strong> sinistra<strong>dos</strong> laborais, as mulheres, os imigrantes) depende muito da acção<br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. O poder judicial é <strong>um</strong> poder fundamental do Estado. E é nessa<br />
condição que as reformas a ele dirigi<strong>das</strong>, quer na sua concepção, quer na sua<br />
execução, devem ser encara<strong>das</strong> pelos intervenientes <strong>dos</strong> diferentes poderes.<br />
O campo <strong>das</strong> reformas estruturais pode ser <strong>um</strong> campo de confronto, de<br />
tensões entre os poderes judicial e político, de lutas corporativas, mas pode,<br />
também, ser <strong>um</strong> campo de oportunidades, de rupturas, de novos desafios, de<br />
<strong>olhar</strong> para o futuro. A reforma do mapa e da organização judiciária em curso<br />
tem essa dimensão, ao estruturar-se em torno <strong>dos</strong> objectivos de modernização<br />
do sistema judicial através de criação de novos modelos de divisão territorial,<br />
de organização judiciária e de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>.<br />
Tal reforma, pela sua abrangência, pelos desafios que incorpora e pelos<br />
recursos que mobiliza, deve ser encarada como eixo estruturante do sistema<br />
de justiça. Aliás, essa é a perspectiva subjacente à proposta de reforma do<br />
mapa judiciário que apresentámos em 2006, ao considerarmos que a reforma,<br />
se devidamente articulada com <strong>um</strong>a agenda estratégica mais vasta, poderia<br />
funcionar como alavanca de <strong>um</strong>a verdadeira viragem do desempenho funcional<br />
da justiça portuguesa no caminho da qualidade e da excelência.<br />
Como se demonstrou ao longo deste relatório, a dimensão gestionária é<br />
<strong>um</strong>a dimensão central desta reforma que se materializa, <strong>sobre</strong>tudo, na
densificação de competências desta natureza ao nível do tribunal de comarca,<br />
concentrando <strong>um</strong> <strong>dos</strong> principais desafios à reforma. É <strong>sobre</strong> esta dimensão que<br />
se centram a análise e as recomendações que integram este relatório.<br />
216<br />
Esta reforma incorpora, ainda, <strong>um</strong>a vertente pouco com<strong>um</strong> entre nós: a<br />
experimentação. Ao optar pela implementação da reforma em apenas três<br />
<strong>comarcas</strong> piloto, o legislador ass<strong>um</strong>e a sua dimensão complexa e estruturante.<br />
Mas a experimentação não é <strong>um</strong> fim em si mesmo. Ela tem <strong>um</strong>a função<br />
instr<strong>um</strong>ental no sentido de identificar tanto virtualidades como problemas. Daí<br />
que o potencial só seja efectivamente conseguido se a reforma for sujeita a <strong>um</strong><br />
processo de monitorização e avaliação em to<strong>das</strong> as sua vertentes, o que aliás<br />
estava previsto. Não deve, por isso, avançar-se no alargamento a outras<br />
<strong>comarcas</strong> sem que tal ocorra. Essa é a nossa primeira recomendação. A<br />
repetição de erros, de desperdícios, de resistências, pode comprometer<br />
irremediavelmente este processo de mudança da justiça portuguesa. Os<br />
órgãos e os agentes do Estado e da sociedade, empenha<strong>dos</strong> nesta reforma,<br />
devem ass<strong>um</strong>ir que o quadro de crise social e de escassez de recursos não<br />
permite desperdícios de <strong>experiência</strong>s e de oportunidades.<br />
O alargamento do período experimental pode ainda ser aproveitado, no<br />
que respeita à componente gestionária, para testar alg<strong>um</strong>as possibilidades que<br />
a avaliação e as recomendações possam sugerir. Apesar deste alargamento<br />
impedir o c<strong>um</strong>primento da calendarização prevista na reforma, deve<br />
estabelecer-se <strong>um</strong>a agenda alternativa rigorosa que permita definir objectivos e<br />
metas.<br />
Na sequência <strong>dos</strong> princípios e linhas orientadoras que as várias teorias<br />
gestionárias enfatizam e à luz da investigação realizada, apresentamos de<br />
seguida as recomendações principais.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Recomendações gerais relativas à reforma do mapa e<br />
da organização judiciária<br />
Avaliação global da reforma do mapa e da organização judiciária<br />
Um processo de reforma alicerçado em diagnósticos consistentes e na<br />
verificação empírica da aplicação da lei, através de <strong>um</strong> competente<br />
programa de monitorização e de avaliação, é fundamental para o sucesso<br />
da reforma. Essa monitorização deve ser interna e externa.<br />
A nossa recomendação é no sentido do não alargamento a outras<br />
<strong>comarcas</strong> piloto sem prévia avaliação da reforma.<br />
Definição de <strong>um</strong> programa de avaliação<br />
A avaliação exigente deve sustentar-se em metodologias adequa<strong>das</strong>, bem<br />
como partir da definição prévia de objectivos, critérios e indicadores, que<br />
devem constar de <strong>um</strong> programa de monitorização que permita avaliar e<br />
medir o impacto da reforma.<br />
Tal programa deve dar especial atenção às dificuldades de<br />
interpretação de determina<strong>dos</strong> conceitos da lei, designadamente,<br />
em matéria de competências funcionais (divisão de competências<br />
entre entidades centrais e locais e dentro destas) de forma a<br />
concretizar os perfis profissionais <strong>dos</strong> diferentes intervenientes,<br />
especificando as tarefas e responsabilidades de modo a evitar<br />
<strong>sobre</strong>posição de competências e dificuldades de criação de<br />
interfaces.<br />
Conclusões e Recomendações 217
218<br />
Preparação eficiente do alargamento da reforma<br />
A preparação da reforma não se relaciona apenas com o necessário<br />
esforço analítico de interpretação da realidade <strong>sobre</strong> a qual se quer intervir<br />
de modo a produzir conhecimento sólido que possa informar o debate e<br />
orientar as soluções em discussão. A sua execução prática deve também<br />
prever <strong>um</strong> plano de actividades para a sua implementação que garanta o<br />
suporte estrutural necessário, que permita <strong>um</strong>a execução faseada e que<br />
potencie a participação social e profissional alargada.<br />
O alargamento futuro a outras <strong>comarcas</strong> piloto deve ser precedido<br />
de <strong>um</strong> plano estratégico e da criação de <strong>um</strong> conjunto de<br />
instr<strong>um</strong>entos de suporte que potenciem <strong>um</strong>a adequada e eficiente<br />
<strong>gestão</strong> prática da mudança. Este plano deve prever os principais<br />
canais de comunicação e de informação e envolver, o mais<br />
possível, as pessoas mais directamente afecta<strong>das</strong> pelo processo<br />
de mudança.<br />
Levantamento sistematizado, programação e calendarização de to<strong>das</strong><br />
as necessidades, quer no âmbito de infra-estruturas, quer de<br />
equipamentos que o alargamento a mais <strong>comarcas</strong> exige<br />
O nosso estudo permitiu identificar vários aspectos em que essa<br />
programação não ocorreu. As reformas estruturantes que impliquem<br />
rupturas com rotinas tendem a sofrer <strong>um</strong>a maior resistência. Essa<br />
resistência será tanto maior quanto mais perturbador for o processo de<br />
mudança em si mesmo.<br />
Sistematização e acompanhamento da experimentação gestionária<br />
O período experimental da reforma propicia e deve ser aproveitado para<br />
ensaiar, no respeito pelos princípios e normas legais, novas formas de<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
organização interna e novos méto<strong>dos</strong> de trabalho. A reforma tem potencial<br />
e introduz muitas inovações que devem ser testa<strong>das</strong>. Mas essa<br />
experimentação deve ser enquadrada por linhas orientadoras, objectivos e<br />
metas previamente defini<strong>dos</strong> e deve ser acompanhada de forma a poder<br />
controlar as diferentes variáveis. Não pode ser casuística, baseada em<br />
constatações empíricas, na <strong>experiência</strong> pessoal ou no bom senso. Só <strong>um</strong>a<br />
<strong>experiência</strong> racionalizada e devidamente controlada pode ser melhor<br />
aproveitada enquanto processo de boas práticas e susceptível de produzir<br />
<strong>um</strong> efeito sistémico.<br />
Recomenda-se, assim, que sejam defini<strong>das</strong> áreas de<br />
experimentação – a nossa proposta é que se situem no âmbito da<br />
organização interna e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho <strong>das</strong> secções de<br />
processo – e se crie, em conjunto com os principais<br />
intervenientes, <strong>um</strong> programa informado de experimentação nas<br />
três <strong>comarcas</strong> piloto.<br />
Definição de regras e princípios gerais para a instalação <strong>dos</strong> juízos<br />
O trabalho de campo evidenciou a instalação de juízos em locais<br />
manifestamente inadequa<strong>dos</strong>, considerando quer o vol<strong>um</strong>e de trabalho,<br />
quer o número de cidadãos que diariamente aí se dirigem. Por exemplo, há<br />
instalações que podem comportar <strong>um</strong> juízo de execução, com <strong>um</strong>a<br />
intervenção de público mais reduzida, mas não <strong>um</strong> juízo de família e<br />
menores ou <strong>um</strong> juízo de trabalho. No contexto da reforma experimental,<br />
esta vertente pode atenuar ou acentuar a força simbólica da mudança.<br />
Articulação com outras reformas<br />
A natureza estruturante da reforma do mapa e da organização judiciária<br />
leva-nos, ainda, a recomendar que o desenvolvimento de outras reformas<br />
conexas, com sejam reformas de natureza processual, de criação de meios<br />
Conclusões e Recomendações 219
220<br />
alternativos de resolução de conflitos ou de colocação e progressão nas<br />
carreiras judiciais, deva ter <strong>um</strong> lastro na avaliação e monitorização desta<br />
reforma, de modo a que se possa melhor prever os impactos respectivos<br />
no desempenho funcional <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>. Por exemplo, se a opção for no<br />
sentido do reforço da oralidade do processo civil, a organização <strong>das</strong><br />
secções de processos exigirão, em várias vertentes, <strong>um</strong> outro tipo de<br />
dimensionamento. Daí que essa avaliação global se revele fundamental.<br />
Recomenda-se, assim, que se crie <strong>um</strong>a plataforma de articulação<br />
entre a monitorização da reforma do mapa e da organização<br />
judiciária e os eventuais processos de reforma em matérias<br />
conexas.<br />
Definição de canais e regras de interface entre as diferentes entidades<br />
com competência de administração e <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong><br />
A governação <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, a nível central, está configurada n<strong>um</strong> modelo<br />
de competências bicéfalo, repartido entre vários organismos do Ministério<br />
da Justiça e os conselhos e, a nível local, entre várias figuras no contexto<br />
do tribunal de comarca. Ainda que alg<strong>um</strong>as dessas competências venham<br />
a ser concentra<strong>das</strong> no juiz presidente ou no administrador do tribunal,<br />
como se propõe, a lei prevê, em diversos momentos, a combinação e<br />
articulação de competências centrais e locais. A <strong>gestão</strong> integrada que<br />
tenha como referência o tribunal de comarca depende muito da capacidade<br />
de articulação entre as diversas entidades, isto é, da realização plena do<br />
princípio da cooperação previsto na lei. O trabalho de campo permitiu<br />
verificar que há dificuldades de articulação várias. Se, a nível local, está<br />
previsto <strong>um</strong> conselho de comarca e <strong>um</strong> papel de coordenação por parte do<br />
juiz presidente, a nível central, a dispersão de competências exige a<br />
criação de <strong>um</strong>a estrutura que possa sintetizar <strong>um</strong>a maior articulação.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Propõe-se que se evolua no sentido de <strong>um</strong> modelo que preveja a<br />
criação de <strong>um</strong> Conselho de Coordenação e de Planeamento de<br />
Políticas de Administração e Gestão <strong>dos</strong> Tribunais nas várias<br />
vertentes com a participação <strong>dos</strong> Conselhos Superiores, <strong>dos</strong><br />
juízes presidentes <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> de comarca e do Ministério da<br />
Justiça. A <strong>um</strong> tal conselho seria conferido <strong>um</strong> papel primordial na<br />
execução de políticas e concertação de acções.<br />
Conclusões e Recomendações 221
Recomendações que visam criar capacitação<br />
gestionária ao nível do tribunal de comarca<br />
222<br />
Criação de <strong>um</strong> gabinete de apoio ao juiz presidente e ao administrador<br />
do tribunal<br />
A lei veio conferir importantes competências em matéria gestionária a estas<br />
duas figuras, cujo exercício precisa de <strong>um</strong> suporte organizacional. A<br />
densificação dessas competências, designadamente em matéria<br />
orçamental e de <strong>gestão</strong> de recursos, exige que esse gabinete seja<br />
dotado de recursos h<strong>um</strong>anos e materiais em número e perfis<br />
funcionais adequa<strong>dos</strong>.<br />
O tribunal de comarca como unidade administrativa de referência a<br />
nível local<br />
A reforma dá continuidade à característica atomística da organização<br />
interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, ao manter as actuais secretarias <strong>dos</strong> juízos como<br />
unidades administrativas de referência, e não o tribunal de comarca em si<br />
mesmo. Como mostramos no relatório, esta característica tem<br />
consequências no âmbito <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos, materiais, financeiros<br />
(por exemplo, as secretarias deixam de serem titulares de contas<br />
bancárias) e mesmo no domínio da informatização (<strong>um</strong>a vez que, apesar<br />
de ter <strong>um</strong> servidor a nível da comarca, trata cada secretaria como se<br />
fossem <strong>tribunais</strong> autónomos, o que leva a que diariamente haja problemas<br />
vários na transmissão de da<strong>dos</strong>) e não é compatível com os objectivos da<br />
reforma do mapa judiciário ao condicionar o efeito de <strong>um</strong>a escala maior<br />
que a reforma introduziu.<br />
Recomendamos, por isso, que seja alterada esta organização<br />
administrativa. Admite-se que essa alteração seja complexa e exija<br />
<strong>um</strong> esforço acrescido, dada a ruptura que irá provocar com<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
conceitos e práticas de há várias déca<strong>das</strong>. Contudo,<br />
constrangimentos vários mostram que não é possível aprofundar<br />
os objectivos de governação integrada e de proximidade que a<br />
reforma incorpora sem essa alteração.<br />
A <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos (com excepção <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>) deve ser feita<br />
ao nível do tribunal de comarca<br />
Nesta articulação, cabe ao juiz presidente o planeamento <strong>das</strong><br />
necessidades. A decisão, ponderando a elasticidade <strong>dos</strong> recursos e as<br />
necessidades <strong>das</strong> diferentes <strong>comarcas</strong>, é central. Ao nível local a decisão é<br />
desconcentrada, sendo a <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos (colocação, deslocação,<br />
permuta, etc.) da exclusiva competência do juiz presidente. A supervisão,<br />
com a obrigação de apresentação de relatórios periódicos, é reservada às<br />
autoridades centrais ou ao Conselho de Coordenação e de Planeamento<br />
de Políticas de Administração e Gestão <strong>dos</strong> Tribunais acima proposto.<br />
Relativamente aos magistra<strong>dos</strong> devem ser cria<strong>dos</strong> canais de comunicação<br />
próprios que estreitem a articulação com o tribunal de comarca.<br />
Atribuição de orçamento único ao tribunal<br />
A proposta de orçamento, bem como a sua <strong>gestão</strong> e execução, devem<br />
ter como referência o tribunal de comarca globalmente considerado, e<br />
não cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> secretarias. Deve ser atribuído <strong>um</strong> orçamento único<br />
ao tribunal. O juiz presidente, com a coadjuvação do administrador, tem<br />
competência para a distribuição do orçamento pelas secretarias. A decisão<br />
<strong>sobre</strong> as transferências entre rubricas ou entre secretarias deve ser<br />
competência própria do juiz presidente, coadjuvado pelo administrador.<br />
Este modelo deve evoluir para a centralidade administrativa <strong>das</strong> tarefas<br />
relativas ao orçamento. Esta evolução exige a criação de <strong>um</strong>a estrutura de<br />
apoio, não só através de recursos h<strong>um</strong>anos especializa<strong>dos</strong>, mas também<br />
Conclusões e Recomendações 223
224<br />
de <strong>um</strong>a aplicação informática adequada ao controlo da execução<br />
orçamental global.<br />
Formação na área da <strong>gestão</strong><br />
A criação e densificação de competências ao nível do tribunal de comarca<br />
exige <strong>um</strong>a atenção especial ao perfil, formação e capacitação <strong>dos</strong> vários<br />
intervenientes com funções de direcção e coordenação. A lei prevê <strong>um</strong>a tal<br />
formação e as futuras colocações dela devem beneficiar sempre. Esta<br />
necessidade ass<strong>um</strong>e contornos especiais nos casos do juiz presidente,<br />
dada a amplitude <strong>das</strong> suas competências, e do administrador do tribunal,<br />
mas não só, sendo igualmente aplicável às demais funções de<br />
coordenação. É, assim, fundamental que essa formação inclua os<br />
escrivães de direito, considerando o papel que desempenham na chefia da<br />
secção de processos.<br />
Transitoriamente, deve ser definido e executado <strong>um</strong> programa de<br />
formação específica obrigatória, envolvendo to<strong>das</strong> as matérias de<br />
<strong>gestão</strong> (processual, de recursos h<strong>um</strong>anos e materiais, financeira,<br />
entre outras) para as pessoas que estão actualmente no exercício<br />
de tais funções.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Recomendações no âmbito da <strong>gestão</strong> de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos<br />
Os movimentos, quer para magistra<strong>dos</strong>, quer para funcionários<br />
judiciais, devem ser anuais e devem ocorrer em simultâneo<br />
A prática, no caso <strong>dos</strong> funcionários, de mais que <strong>um</strong> concurso anual e o<br />
facto de não ocorrerem em simultâneo com a movimentação de<br />
magistra<strong>dos</strong> tem consequências negativas na eficiência <strong>dos</strong> serviços.<br />
Quadro e mapa de pessoal<br />
Considerando o modelo actual de distribuição <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos com<br />
referência ao quadro de juízes <strong>dos</strong> juízos e ao quadro de pessoal <strong>das</strong><br />
secretarias, <strong>um</strong>a primeira medida é a avaliação da sua adequação tendo<br />
em conta critérios objectivos, designadamente, os processos entra<strong>dos</strong> e<br />
pendentes <strong>dos</strong> diferentes juízos e os índices de produtividade.<br />
A <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos pode admitir dois cenários: a) a criação de<br />
quadros máximos e mínimos de juízes e de funcionários; b) a criação de<br />
<strong>um</strong> mapa de funcionários para o tribunal de comarca. Note-se que a<br />
questão <strong>dos</strong> juízes tem outros contornos, que serão abaixo desenvolvi<strong>dos</strong>.<br />
a) Funcionários Judiciais<br />
Definição de orientações e critérios objectivos que permitam prever<br />
as necessidades de recursos h<strong>um</strong>anos nos diferentes juízos do<br />
tribunal de comarca<br />
Esta questão é complexa e implica o aprofundar da reflexão <strong>sobre</strong> vol<strong>um</strong>es<br />
de trabalho e conteú<strong>dos</strong> funcionais. Não obstante, é <strong>um</strong>a reflexão<br />
fundamental. Os instr<strong>um</strong>entos que existem dizem respeito a <strong>um</strong>a realidade<br />
Conclusões e Recomendações 225
226<br />
organizacional que a reforma alterou profundamente. Essas linhas de<br />
orientação são essenciais para que o juiz presidente, em conjunto com as<br />
entidades com competências de <strong>gestão</strong> de recursos a nível central<br />
(Conselhos e DGAJ), possa prever, não só os recursos h<strong>um</strong>anos<br />
necessários para toda a comarca, mas também para cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> juízos.<br />
Deve apostar-se na produção de estu<strong>dos</strong> objectivos. Contudo, a<br />
complexidade dessa temática exige <strong>um</strong> estudo de acompanhamento que<br />
se prolongue no tempo, admitindo-se que, n<strong>um</strong> período de transição, se<br />
façam as aproximações possíveis.<br />
Propõe-se a criação de <strong>um</strong> grupo de trabalho que faça <strong>um</strong>a<br />
actualização <strong>dos</strong> trabalhos produzi<strong>dos</strong> <strong>sobre</strong> esta matéria<br />
considerando as novas <strong>comarcas</strong> de modo a produzir indicadores<br />
de referência, tendo por base o vol<strong>um</strong>e e a natureza da litigância,<br />
carga horária, número e categoria <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos.<br />
Colocação <strong>dos</strong> funcionários judiciais no tribunal de comarca<br />
Mostramos no relatório que existem vários constrangimentos à mobilidade<br />
<strong>dos</strong> funcionários judiciais entre as secretarias <strong>dos</strong> juízos do tribunal. Esses<br />
constrangimentos decorrem, no essencial, do Estatuto <strong>dos</strong> Funcionários de<br />
Justiça, e pelo facto de se interpretar como unidade de referência de<br />
colocação a secretaria <strong>dos</strong> juízos e não o tribunal de comarca. Uma <strong>gestão</strong><br />
eficiente <strong>dos</strong> recursos exige <strong>um</strong>a deslocação ágil, de acordo com critérios<br />
de racionalidade e de necessidades de serviço. A intervenção <strong>sobre</strong> esta<br />
matéria exige, contudo, que se encontre <strong>um</strong> adequado equilíbrio entre as<br />
necessidades de racionalização <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos disponíveis, direitos<br />
adquiri<strong>dos</strong> e expectativas legítimas <strong>dos</strong> funcionários aquando do ingresso<br />
na carreira.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Propõe-se a alteração do Estatuto <strong>dos</strong> Funcionários de Justiça no<br />
sentido de permitir a mobilidade geográfica de to<strong>dos</strong> os<br />
funcionários judiciais, alicerçada em critérios de necessidade de<br />
serviço devidamente fundamenta<strong>dos</strong>, independentemente da sua<br />
categoria funcional. No respeito pelo limite <strong>dos</strong> critérios de<br />
mobilidade que se venham a definir, a unidade de referência de<br />
colocação <strong>dos</strong> funcionários judiciais deve ser o tribunal de<br />
comarca. As actuais regras de mobilidade estabeleci<strong>das</strong> pela lei e<br />
jurisprudência laboral consagram direitos que não podem ser<br />
derroga<strong>dos</strong>.<br />
Densificação <strong>das</strong> competências do juiz presidente no que respeita à<br />
avaliação de desempenho <strong>dos</strong> funcionários judiciais<br />
Recomendamos que se analise a possibilidade de a avaliação de to<strong>dos</strong> os<br />
funcionários passar a estar sujeita ao SIADAP. Independentemente da<br />
evolução para <strong>um</strong> tal sistema, a afectação e a avaliação <strong>dos</strong> funcionários<br />
devem convergir no sentido de se situarem ao nível do tribunal de comarca,<br />
tendo como superior hierárquico o juiz presidente. No COJ seriam manti<strong>das</strong><br />
as actuais competências, quanto aos funcionários judiciais, em matéria<br />
disciplinar.<br />
Recrutamento e colocação de outro pessoal para o exercício de<br />
funções de natureza administrativa ou de suporte à actividade<br />
jurisdicional a nível do tribunal de comarca<br />
O vínculo funcional com estes quadros deve situar-se ao nível do tribunal<br />
de comarca. O recrutamento e <strong>gestão</strong> destes recursos, em to<strong>das</strong> as suas<br />
vertentes, deve situar-se exclusivamente ao nível do tribunal de comarca e<br />
deve constituir competência própria do juiz presidente.<br />
Conclusões e Recomendações 227
228<br />
b) Juízes<br />
Distribuição de processos<br />
Deve abrir-se <strong>um</strong> debate informado que possa definir linhas de orientação<br />
para o estabelecimento de regras que permitam <strong>um</strong>a maior racionalidade,<br />
eficiência e qualidade na distribuição do trabalho <strong>dos</strong> juízes e que evitem o<br />
recurso ao mecanismo de ac<strong>um</strong>ulação e permitam regras de distribuição<br />
de processos diferencia<strong>das</strong> e sem colocar em causa o princípio do juiz<br />
natural. A solução pode levar à criação de critérios diferencia<strong>dos</strong> para as<br />
várias <strong>comarcas</strong>. O trabalho de campo permitiu identificar, entre os agentes<br />
judiciais, dissensos vários quanto a possíveis soluções, que passam por<br />
diferentes interpretações <strong>sobre</strong> os limites decorrentes do princípio do juiz<br />
natural. A importância e complexidade da matéria exige que se inicie esse<br />
debate.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Recomendações no âmbito da informatização<br />
Diagnóstico <strong>dos</strong> níveis de segurança do sistema<br />
A questão da segurança foi enfatizada por vários agentes entrevista<strong>dos</strong>. De<br />
modo a garantir a credibilidade do sistema e a não colocar em causa o<br />
processo de informatização deve ser feita <strong>um</strong>a avaliação à sua<br />
segurança tendo como referência normas aplicáveis à segurança<br />
informática (por exemplo, ISO 27001:2005 Information Security<br />
Management, ISO 20000:2005 IT Service Management e BS 2599:2006<br />
Business Continuity Management).<br />
Gap Analysis<br />
Deve ser promovida <strong>um</strong>a análise de diagnóstico <strong>dos</strong> actuais sistemas, de<br />
modo a identificar problemas e necessidades de expansão para comportar<br />
mudanças na organização interna, nos méto<strong>dos</strong> de trabalho ou na <strong>gestão</strong><br />
processual. Esta avaliação deve ser precedida da identificação de to<strong>dos</strong><br />
utilizadores, <strong>das</strong> suas necessidades e da definição <strong>dos</strong> diferentes<br />
perfis e níveis de acesso. A realização deste diagnóstico deve envolver<br />
o mais possível os diferentes tipos de utilizadores.<br />
A competência para a definição do perfil <strong>dos</strong> utilizadores e <strong>dos</strong><br />
níveis de acesso deve ser mantida ao nível do tribunal de comarca<br />
concentrada no juiz presidente.<br />
Avaliação <strong>das</strong> necessidades para o exercício de funções de <strong>gestão</strong> do<br />
juiz presidente e do administrador<br />
A nossa proposta é que a regra seja de pleno acesso, por parte do juiz<br />
presidente, a toda a informação gerada nos juízos, com ressalva de<br />
Conclusões e Recomendações 229
230<br />
situações excepcionais, como as abrangi<strong>das</strong> pelo segredo de justiça. Deve<br />
ser levada a cabo <strong>um</strong>a avaliação que permita definir diferentes níveis<br />
de acesso, bem como a criação de programas específicos que<br />
atendam às necessidades do juiz presidente e do administrador no<br />
exercício <strong>das</strong> tarefas de <strong>gestão</strong> do tribunal.<br />
Serviços de apoio técnico e informático<br />
Os <strong>tribunais</strong> de comarca devem ser dota<strong>dos</strong> de <strong>um</strong> serviço de apoio<br />
técnico e informático adequado que permita, com proximidade, rapidez<br />
e eficiência, resolver os problemas que surgem nos respectivos<br />
serviços. O caminho da utilização crescente <strong>das</strong> novas tecnologias e da<br />
desmaterialização <strong>dos</strong> processos em que se apostou exige essa<br />
disponibilidade. A actual situação cria ineficiências graves no exercício <strong>das</strong><br />
funções, que devem rapidamente ser acautela<strong>das</strong>.<br />
O caminho da desmaterialização <strong>dos</strong> processos<br />
A situação que hoje se vive, não só nas novas <strong>comarcas</strong> piloto, mas em<br />
to<strong>dos</strong> os <strong>tribunais</strong> do país é geradora de perda de eficiência e de qualidade,<br />
de desperdícios e de insegurança. A este propósito destaca-se o facto de<br />
existirem, em regra, dois processos a correr em paralelo, que se<br />
complementam: <strong>um</strong> a tramitar em suporte de papel e outro a tramitar em<br />
suporte electrónico. A gravidade desta situação exige que se defina e<br />
execute, de imediato, <strong>um</strong> programa de acção, em especial, no âmbito<br />
<strong>das</strong> novas <strong>comarcas</strong> piloto. Pela dinâmica que se pretende criar, devem<br />
merecer prioridade. A não resolução atempada deste problema, além <strong>dos</strong><br />
efeitos acima referi<strong>dos</strong>, poderá gerar <strong>um</strong> rápido retrocesso no caminho da<br />
desmaterialização. Assim:<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
a) Devem-se definir regras que obriguem, de facto, à<br />
desmaterialização de to<strong>dos</strong> os doc<strong>um</strong>entos que ainda chegam ao<br />
tribunal em suporte de papel;<br />
b) Deve-se dotar to<strong>dos</strong> os juízos de equipamentos adequa<strong>dos</strong> (em<br />
número e em eficiência) que permitam suportar essa<br />
desmaterialização;<br />
c) Deve-se definir e executar, no âmbito de cada comarca piloto, <strong>um</strong><br />
adequado programa de formação que abranja to<strong>dos</strong> os utilizadores,<br />
de modo a criar competências na utilização <strong>das</strong> ferramentas<br />
promovendo a sua utilização (por exemplo, há escrivães que não<br />
utilizam, por dificuldade de conhecimento técnico, a ferramenta que<br />
permite controlar os prazos <strong>dos</strong> processos);<br />
d) Os serviços do Estado, em especial aqueles que com regularidade<br />
se articulam com os <strong>tribunais</strong>, devem fazê-lo através de meios<br />
telemáticos. À semelhança do que já ocorre com DGRS, devem ser<br />
cria<strong>dos</strong> protocolos de articulação com os vários serviços,<br />
designadamente, órgãos de polícia, serviços da segurança social,<br />
serviços de perícia.<br />
Conclusões e Recomendações 231
Recomendações no âmbito da organização interna e<br />
<strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho<br />
232<br />
Como referimos no ponto 6, a heterogeneidade social, administrativa e<br />
territorial <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong>, influenciada por diferente vol<strong>um</strong>e e natureza da<br />
procura judicial, determina que as propostas de optimização da organização<br />
interna e <strong>dos</strong> méto<strong>dos</strong> de trabalho não possam corresponder a <strong>um</strong>a solução<br />
única a aplicar uniformemente a to<strong>das</strong> as secções. Neste campo deve existir,<br />
<strong>sobre</strong>tudo, reflexão e experimentação suficientemente consolidada que permita<br />
produzir regras e princípios orientadores sóli<strong>dos</strong>.<br />
Daí que a primeira recomendação vá no sentido de reforçar a<br />
utilização do período experimental para ensaiar propostas de mudança na<br />
organização interna e nos méto<strong>dos</strong> de trabalho, devidamente orienta<strong>das</strong>, de<br />
forma identificar boas práticas que sirvam de referência para o alargamento da<br />
reforma.<br />
A segunda recomendação é que <strong>um</strong>a tal experimentação deve, por<br />
<strong>um</strong> lado, ser sustentada a partir de certas variáveis (instalação <strong>dos</strong> juízos,<br />
dispersão territorial, vol<strong>um</strong>e e natureza da procura, recursos h<strong>um</strong>anos) e, por<br />
outro, ser fundada nos estu<strong>dos</strong> existentes e conhecimento empírico do<br />
funcionamento quotidiano <strong>dos</strong> serviços, da divisão de tarefas e <strong>dos</strong> processos<br />
de trabalho. O trabalho de campo produzido permite-nos avançar com alg<strong>um</strong>as<br />
propostas.<br />
Secções de Serviço Com<strong>um</strong><br />
Os juízos devem organizar-se em secções de processos e, sempre<br />
que tal se justifique, em secções de serviço com<strong>um</strong>. No actual quadro da<br />
organização judiciária e da desmaterialização <strong>dos</strong> processos, a secretaria<br />
perde utilidade como intermediária do fluxo entre a secção de processos e o<br />
exterior ou outros serviços. Explicámos como a reforma do mapa e da<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
organização judiciária, apesar de elevar a escala, manteve esta situação,<br />
fazendo corresponder, na prática, as anteriores secretarias <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> às<br />
actuais secretarias <strong>dos</strong> juízos. Esta situação é geradora de eleva<strong>dos</strong><br />
desperdícios, em especial, nos juízos que têm apenas <strong>um</strong>a ou duas secções.<br />
Não defendemos a adopção do modelo espanhol que apresentamos neste<br />
relatório, mas a <strong>experiência</strong> espanhola tem alg<strong>um</strong>as virtualidades, em especial<br />
a que se refere à criação de serviços comuns, que podem ser experimenta<strong>das</strong><br />
no nosso contexto.<br />
O serviço com<strong>um</strong> deve ser criado onde a escala o justifique<br />
(podendo agregar tarefas de juízos situa<strong>dos</strong> no mesmo edifício ou em<br />
edifícios próximos) e deve englobar to<strong>das</strong> as tarefas susceptíveis de<br />
serem agrega<strong>das</strong> não colocando em causa o controlo total do processo<br />
por parte do juiz e da secção do processo onde está a tramitar. Este<br />
serviço deve ser dirigido por <strong>um</strong> secretário ou escrivão de direito e tem<br />
que ser dotado <strong>dos</strong> recursos h<strong>um</strong>anos necessários. Propõe-se como<br />
possíveis tarefas a agregar em serviços comuns as seguintes:<br />
Criação de <strong>um</strong> serviço com<strong>um</strong> de atendimento e informação<br />
Baseado n<strong>um</strong> sistema informático aperfeiçoado que permita deslocar <strong>um</strong><br />
funcionário ou <strong>um</strong> grupo de funcionários para <strong>um</strong> front office,<br />
concentrado no atendimento ao público mas garantindo também o<br />
c<strong>um</strong>primento de outras tarefas da secção a que está afectado. Assim,<br />
elimina-se o atendimento telefónico nas secções de processos e as<br />
interrupções causa<strong>das</strong> pelo atendimento ao público. Esta proposta exige<br />
a redefinição e ampliação <strong>dos</strong> critérios de acesso às informações<br />
constantes do processo electrónico. Só se deve evoluir para a criação de<br />
serviços de informação fora da secção de processos quando os<br />
processos estiverem totalmente informatiza<strong>dos</strong>. Uma condição primeira<br />
para o funcionamento destes serviços é que os utentes não vejam<br />
a<strong>um</strong>enta<strong>das</strong> as dificuldades de acesso à informação constante do<br />
Conclusões e Recomendações 233
234<br />
processo. Reside aí a importância de estes serviços serem dota<strong>dos</strong> de<br />
pessoal altamente qualificado.<br />
Enquanto tal não for possível a prestação de atendimento ao<br />
público, presencial ou por telefone, deve ser racionalizada na<br />
secção ou no juízo, com mais de <strong>um</strong>a secção, com a criação de<br />
<strong>um</strong> front office.<br />
Criação de <strong>um</strong> serviço com<strong>um</strong> de estatísticas<br />
Este serviço pode estar vinculado ao gabinete da presidência do tribunal<br />
e será responsável pelo tratamento <strong>das</strong> estatísticas produzi<strong>das</strong> em to<strong>dos</strong><br />
os juízos do tribunal de comarca com o objectivo principal de produzir<br />
indicadores, que sirvam, designadamente, como instr<strong>um</strong>entos de<br />
planeamento, <strong>gestão</strong> e avaliação de desempenho. Pode, ainda,<br />
colaborar na avaliação <strong>dos</strong> sistemas informáticos.<br />
Criação de <strong>um</strong> serviço com<strong>um</strong> para as execuções, que tramitam em<br />
<strong>tribunais</strong> especializa<strong>dos</strong>, ou para a elaboração da conta <strong>dos</strong><br />
processos<br />
Tratando-se de tarefas repetitivas que podem ser agrega<strong>das</strong>, a criação<br />
de <strong>um</strong> serviço com<strong>um</strong> traria ganhos de eficiência, quer para a execução<br />
dessas tarefas, quer para a libertação da secção de processos dessas<br />
funções.<br />
Criação de <strong>um</strong> gabinete do cidadão<br />
O gabinete teria funções de esclarecimento e aproximação do cidadão<br />
ao sistema judicial, com especial mais-valia nos processos-crime e nos<br />
juízos de família, por exigirem maior atenção do tribunal face ao cidadão.<br />
Também poderia ser responsável, em colaboração com a Ordem <strong>dos</strong><br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Advoga<strong>dos</strong>, por prestar serviços de informação e consulta jurídica no<br />
âmbito do apoio judiciário.<br />
Criação de serviços comuns de registo e digitalização da<br />
correspondência<br />
Este serviço contribuiria para a concretização da informatização do<br />
processo, apoiando <strong>um</strong> conjunto de juízos de acordo com o vol<strong>um</strong>e de<br />
entrada de doc<strong>um</strong>entos. Esta medida poderá a obrigar a alterações nos<br />
fluxos electrónicos do processo de modo a que informação possa ser<br />
transferida directamente para o histórico e os detalhes do processo.<br />
Secção única de processos<br />
Esta possibilidade teria como resultado o estabelecimento de <strong>um</strong>a<br />
<strong>gestão</strong> de equipas orientada para a execução de tarefas pré determina<strong>das</strong>,<br />
permitindo <strong>um</strong>a maior racionalização da distribuição e controlo do desempenho<br />
funcional. A criação deste tipo de secção implica reflectir <strong>sobre</strong> a criação de<br />
unidades de apoio directo aos magistra<strong>dos</strong> e a sua relação com a secção<br />
única, a necessidade de reestruturação da carreira <strong>dos</strong> funcionários judiciais<br />
introduzindo diferentes níveis de especialização e de responsabilidade, e o<br />
perfil e a formação do escrivão como verdadeiro gestor da secção. A<br />
densificação do papel do escrivão deve, ainda, evoluir para o alargamento de<br />
competências processuais não jurisdicionais.<br />
Divisão de tarefas e méto<strong>dos</strong> de trabalho.<br />
A observação do trabalho de campo permitiu identificar os<br />
seguintes três modelos ideais de divisão de tarefas nas secções de<br />
Conclusões e Recomendações 235
processo (sendo possível que em to<strong>dos</strong> eles se distribuam tarefas<br />
específicas por determina<strong>dos</strong> funcionários):<br />
236<br />
Modelo A. Distribuição aleatória de processos (em regra por número).<br />
Trata-se de <strong>um</strong> modelo com baixo nível de especialização, mas que<br />
permite <strong>um</strong> conhecimento generalista de to<strong>dos</strong> os actos do processo por<br />
parte de to<strong>dos</strong> os funcionários, bem como <strong>um</strong> conhecimento<br />
aprofundado do processo pelo funcionário responsável.<br />
Modelo B. Distribuição por tipo de acção. Este modelo também permite<br />
<strong>um</strong> conhecimento aprofundado do processo, garantindo ainda a<br />
especialização <strong>dos</strong> funcionários em determina<strong>das</strong> matérias. A sua<br />
desvantagem reside na baixa mobilidade funcional, dado o grau de<br />
especialização que incorpora.<br />
Modelo C. Distribuição por tarefas. É <strong>um</strong> modelo que também potencia<br />
maior especialização, mas admite baixa mobilidade funcional e não<br />
permite o conhecimento do processo na íntegra por parte de <strong>um</strong><br />
funcionário.<br />
Nos juízos observa<strong>dos</strong>, não foi possível identificar <strong>um</strong> modelo que<br />
indiciasse maior ou menor eficiência na execução <strong>das</strong> tarefas e na tramitação<br />
<strong>dos</strong> processos. A variável de influência, que nos pareceu mais constante,<br />
relaciona-se com o perfil do escrivão de direito. O que reforça o nosso<br />
arg<strong>um</strong>ento da inexistência de <strong>um</strong>a solução geral de eficiência nos méto<strong>dos</strong> de<br />
trabalho que possa ser adoptada de forma homogénea. A melhor adequação<br />
deve ser encontrada ao nível do juízo, tendo em conta determina<strong>das</strong><br />
características, por exemplo, a massificação ou a complexidade <strong>das</strong> acções<br />
prevalecentes, mas também o perfil <strong>dos</strong> funcionários, entre outras variáveis.<br />
Para tal, o escrivão que chefia a secção desempenha <strong>um</strong> papel fundamental.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Esta constatação não significa, muito pelo contrário, que não se deva<br />
desenvolver processos de experimentação que incentivem boas práticas, o<br />
que, por sua vez, contribui para a criação de linhas orientadoras.<br />
A nossa proposta é que haja <strong>um</strong>a aposta forte, nas três <strong>comarcas</strong><br />
piloto, na experimentação devidamente informada e monitorizada.<br />
Esta experimentação deve ser associada a <strong>um</strong> forte investimento na<br />
formação <strong>dos</strong> lugares de chefia e na produção de indicadores e de<br />
conhecimento associa<strong>dos</strong> ao processo de monitorização.<br />
Conclusões e Recomendações 237
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Referências bibliográficas 245
ANEXO<br />
9
SEMINÁRIO “PARA UM NOVO JUDICIÁRIO:<br />
TRANSFORMAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO INTERNA E<br />
NOS MÉTODOS DE TRABALHO DOS TRIBUNAIS” 99<br />
PROGRAMA<br />
14h | Sessão de abertura<br />
CES, 8 de Janeiro de 2010<br />
Boaventura de Sousa Santos, Director do Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais e do Observatório<br />
Permanente da Justiça Portuguesa<br />
João Correia, Secretário de Estado da Justiça<br />
14h15 | A nova oficina judicial em Espanha<br />
Ignacio Colomer, Professor de direito processual (Universidade Pablo Olavide - Sevilha)<br />
Luis Martín Contreras, Secretario de Gobierno de la Audiencia Nacional<br />
Organização interna e funcionamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> em Portugal<br />
Conceição Gomes, Directora Executiva do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa<br />
16h30 | Comentários<br />
Ana Azeredo Coelho, Juíza Presidente da Comarca Grande Lisboa-Noroeste<br />
José Morais, Especialista em Controlo de Gestão e Engenharia de Qualidade<br />
Maria João Santos, Juíza Presidente da Comarca Alentejo Litoral<br />
Margarida Mano, Professora da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra<br />
Paulo Brandão, Juiz Presidente da Comarca Baixo Vouga<br />
99 Dado o carácter público da sessão e a importância <strong>dos</strong> temas em discussão, optámos por<br />
incluir neste anexo a transcrição do seminário. Contudo, como não foi possível obter, em<br />
tempo, resposta de to<strong>dos</strong> os intervenientes, optámos pelo seu anonimato, identificando-os com<br />
<strong>um</strong> código atribuído aleatoriamente.
Sessão de abertura<br />
S1<br />
Muito boa tarde a to<strong>dos</strong>. Passaria a palavra<br />
(…) dando logo de seguida início aos<br />
nossos trabalhos.<br />
S2<br />
Boa tarde senhor Secretário de Estado,<br />
senhor Presidente do Supremo Tribunal<br />
Administrativo, senhores Presidentes <strong>dos</strong><br />
Tribunais da Relação, Senhores<br />
procuradores-gerais adjuntos, senhores<br />
magistra<strong>dos</strong>, senhores funcionários<br />
judiciais, minhas senhoras e meus<br />
senhores. É <strong>um</strong> prazer imenso estar aqui<br />
nesta sessão e dar-vos as boas vin<strong>das</strong>. É<br />
digno de registo que, mais <strong>um</strong>a vez,<br />
estamos n<strong>um</strong> evento desta natureza,<br />
organizado por aquele que, dentro do<br />
Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais é seguramente<br />
<strong>um</strong> <strong>dos</strong> seus núcleos mais dinâmicos e<br />
inovadores - o Observatório Permanente da<br />
Justiça Portuguesa (OPJ) - pela<br />
capacidade de abertura que tem em<br />
trabalhar com os diferentes ramos e<br />
sectores da justiça, indo ao seu encontro e<br />
trazê-los aqui para debater questões que<br />
são de relevante interesse para o país.<br />
É com <strong>um</strong> enorme gosto que estamos aqui<br />
e cabe-me, por isso, registar a satisfação<br />
que é para nós a vossa presença,<br />
<strong>sobre</strong>tudo por conseguir a atenção de <strong>um</strong><br />
tão variado número de interesses que aqui<br />
estão representa<strong>dos</strong>. Por outro lado,<br />
gostaria de sublinhar o trabalho do OPJ,<br />
que é também o reflexo do nosso trabalho<br />
e da nossa disponibilidade em trabalhar<br />
com as diferentes profissões na área da<br />
justiça, em relação às quais estamos muito<br />
interessa<strong>dos</strong> e muito abertos, <strong>sobre</strong>tudo no<br />
250<br />
que toca ao seu desenvolvimento.<br />
Portanto, estou seguro que este Seminário<br />
contribuirá para desenvolver <strong>um</strong>a reflexão<br />
em que to<strong>dos</strong> nós temos interesse, em<br />
partilhar <strong>experiência</strong>s de forma a sairmos<br />
daqui com bases para trabalhos futuros.<br />
Nestas breves palavras introdutórias são<br />
estes os votos que gostaria de desejar,<br />
estando certo que este Seminário vai ser<br />
produtivo para to<strong>dos</strong><br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO<br />
S3<br />
Muito obrigado pelo convite. Serei breve.<br />
Aos membros da mesa, os meus<br />
c<strong>um</strong>primentos. senhores magistra<strong>dos</strong> –<br />
está aqui a representação de mais alto<br />
nível do Supremo Tribunal Administrativo,<br />
está o senhor presidente da Relação de<br />
Coimbra, está o senhor procurador-geral<br />
distrital, estão colegas meus, estão<br />
funcionários, dirigentes sindicais e<br />
representantes da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong>.<br />
Isto é <strong>um</strong>a sessão de trabalho, e como tal<br />
penso que convém que estes discursos<br />
protocolares tenham o mínimo de duração<br />
possível. De qualquer forma, gostaria de<br />
salientar que, como sessão de trabalho,<br />
para nós é absolutamente essencial que<br />
estas sessões sejam muito profícuas.<br />
Ainda há pouco eu comentava que estou<br />
com muita avidez, não em termos<br />
pessoais, mas em termos funcionais, <strong>sobre</strong><br />
o resultado destas avaliações.<br />
Nós estamos to<strong>dos</strong> nessa orientação, e eu<br />
sei que o Observatório também o está,<br />
n<strong>um</strong>a perspectiva de avaliação, e tudo o<br />
que se vai fazer, há-de ser ponderado, em<br />
primeira mão, por via <strong>das</strong> avaliações que<br />
estão a ser feitas; e em segunda mão,
partilhando responsabilidades com to<strong>dos</strong><br />
os intervenientes processuais e to<strong>dos</strong> os<br />
responsáveis pela justiça. Isto é, para nós,<br />
(…), terminou a época, ou ela não<br />
começará – talvez seja melhor assim dizer<br />
– em que, n<strong>um</strong>a perspectiva il<strong>um</strong>inista<br />
cada <strong>um</strong> de nós pensa pela sua própria<br />
cabeça. Penso que a partilha de<br />
responsabilidades entre magistra<strong>dos</strong>,<br />
advoga<strong>dos</strong> e funcionários deve ser<br />
ass<strong>um</strong>ida com vista a resolver os<br />
problemas <strong>dos</strong> cidadãos e <strong>das</strong> empresas. E<br />
é nessa perspectiva que é essencial para<br />
nós que estas reflexões se façam e que<br />
tenham bons resulta<strong>dos</strong>. E posso-vos<br />
garantir que elas serão toma<strong>das</strong> em muito<br />
boa consideração pelo Ministério da Justiça<br />
(…) com todo o respeito pela actividade de<br />
cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> sectores, pelos titulares <strong>dos</strong><br />
órgãos de soberania que são os juízes,<br />
pelo Ministério Público, cuja autonomia tem<br />
que ser reforçada através da<br />
responsabilidade pelas suas próprias<br />
funções e, acima de tudo, por <strong>um</strong>a<br />
advocacia viva, actuante e com respeito<br />
por to<strong>dos</strong>, bem como por funcionários<br />
responsabiliza<strong>dos</strong>, mas também altamente<br />
mobiliza<strong>dos</strong> para a sua própria função.<br />
Aliás, tivemos há dias <strong>um</strong>a reunião com o<br />
Sindicato <strong>dos</strong> Funcionários Judiciais, em<br />
que foi extremamente agradável verificar<br />
como eles são extremamente exigentes<br />
consigo próprios e com a sua própria<br />
função.<br />
Como tal, penso que estamos no bom<br />
caminho, estamos no caminho da<br />
avaliação, <strong>das</strong> ponderações e <strong>das</strong> reformas<br />
feitas a dois tempos. A <strong>um</strong> tempo, através<br />
<strong>das</strong> medi<strong>das</strong> que se com<strong>um</strong>mente<br />
tomaram e identificaram como medi<strong>das</strong><br />
cirúrgicas, mas depois as medi<strong>das</strong> de<br />
ponderação há-de ser feitas a seu tempo –<br />
essas têm a ver com <strong>um</strong>a estratégia da<br />
justiça para os próximos cinco, dez, quinze<br />
anos e não devem ser feitas de forma<br />
irreflectida.<br />
Quem já conhece bem a justiça como eu, já<br />
sabe quais são os seus vícios e as suas<br />
bondades, quais são as suas debilidades e<br />
as suas forças, as suas fraquezas e as<br />
suas potencialidades e sabe bem que<br />
temos bons profissionais, mas também<br />
sabe que a organização não permite que a<br />
sua bondade e eficácia se repercuta<br />
também na imagem da justiça.<br />
Nessa medida, é esse o esforço que<br />
estamos a fazer, ou o fazemos de forma<br />
partilhada ou então não vale a pena pensar<br />
que, repito, de forma il<strong>um</strong>inista, nós<br />
alcancemos alg<strong>um</strong> resultado.<br />
Volto a agradecer a presença de to<strong>dos</strong> vós<br />
aqui, e garanto-vos que ficamos<br />
avidamente à espera de <strong>um</strong>a boa<br />
ponderação desta avaliação que está a ser<br />
feita por nós e pelos nossos colegas<br />
espanhóis que parece estarem <strong>um</strong> pouco<br />
mais adianta<strong>dos</strong> nesta ponderação <strong>das</strong><br />
secretarias judiciais e, portanto, estamos<br />
com muita vontade de aprender com a<br />
vossa <strong>experiência</strong> e conhecer os vossos<br />
resulta<strong>dos</strong>, porque de facto poderemos<br />
também colher alguns frutos da <strong>experiência</strong><br />
espanhola.<br />
Muito obrigado a to<strong>dos</strong>.<br />
Anexo 251
I A nova secretaria judicial em Espanha<br />
S4<br />
Boa tarde a to<strong>dos</strong>. Antes de mais, gostaria<br />
de vos pedir desculpa por não falar em<br />
português. Gostaria muito de o fazer, mas<br />
tal não me é possível. Todavia, espero em<br />
breve poder conseguir ter mais contactos<br />
com Portugal e suas instituições jurídicas<br />
para poder avançar no conhecimento da<br />
vossa língua.<br />
Em segundo lugar, quero agradecer à<br />
Universidade de Coimbra, ao Centro de<br />
Estu<strong>dos</strong> Sociais e ao Observatório<br />
Permanente da Justiça, especialmente a<br />
S1, pelo convite para participar neste<br />
evento/ encontro, podendo assim partilhar<br />
alg<strong>um</strong>as reflexões a respeito do processo<br />
de implementação da nova secretaria<br />
judicial em Espanha.<br />
Para distribuir a temática, S5 vai ocupar-se<br />
de questões mais orgânicas, isto é, de<br />
como se está a desenhar a nova secretaria<br />
judicial do ponto de vista orgânico. Quanto<br />
a mim, irei partilhar alguns <strong>dos</strong> problemas<br />
com os quais nos temos vindo a deparar ao<br />
longo do processo de implementação da<br />
nova secretaria judicial. Por essa razão,<br />
falarei eu em primeiro lugar.<br />
Advirto para o facto de padecer de <strong>um</strong><br />
certo vício de formação, dado que sou<br />
professor de direito processual. O que<br />
significa que, apesar de convosco partilhar<br />
a <strong>experiência</strong> que adquiri no ministério da<br />
justiça, como assessor do senhor<br />
secretário de estado no início do processo<br />
de reforma em 2003 (tal como S5),<br />
provavelmente nestas questões acabarei<br />
por dar mais importância aos problemas<br />
que se colocam do ponto de vista da<br />
tramitação processual.<br />
252<br />
Isto porque em Espanha os problemas<br />
surgiram porque tivemos que associar as<br />
reformas orgânicas às reformas<br />
processuais, <strong>das</strong> leis processuais.<br />
Tínhamos leis processuais que não<br />
permitiam a implementação de <strong>um</strong>a<br />
secretaria judicial para o século XXI,<br />
possibilitando assim <strong>um</strong>a tramitação<br />
processual célere.<br />
E a primeira questão é a questão da<br />
oralidade. Até à reforma da lei processual<br />
civil, do ano 2000, o processo civil era<br />
totalmente escrito. O que não se<br />
coadunava bem com <strong>um</strong> desenho de<br />
secretaria como o que vos iremos mostrar,<br />
no qual se distribuem as tarefas de forma<br />
mais eficiente.<br />
O mesmo ocorria com a lei processual<br />
administrativa, que se modificou no ano de<br />
1998. Já a lei processual laboral foi a<br />
primeira a ser alterada nesse sentido. A lei<br />
processual que resta reformar, da qual<br />
existem já dois projectos de lei, é a lei<br />
processual penal. É a que levanta maiores<br />
dificuldades de momento, dado que se<br />
pretende reformar profundamente a fase de<br />
investigação, para instaurar <strong>um</strong> sistema de<br />
investigação por parte do Ministério<br />
Público, e não por parte de <strong>um</strong> juiz de<br />
instrução, como actualmente.<br />
Neste contexto de reformas processuais,<br />
tiveram de ser feitas <strong>um</strong>a série de<br />
modificações no ordenamento jurídico para<br />
implementar a nova secretaria judicial. E<br />
<strong>um</strong>a <strong>das</strong> questões fundamentais tem,<br />
efectivamente, sido a relação entre os<br />
magistra<strong>dos</strong> e os secretários judiciais. Os<br />
secretários judiciais são licencia<strong>dos</strong> em<br />
Direito que são os encarrega<strong>dos</strong>, no<br />
desenho clássico da secretaria judicial, de<br />
todo o controlo e <strong>gestão</strong> da secretaria<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
judicial. Teoricamente, eram os directores<br />
da secretaria, os encarrega<strong>dos</strong> de conferir<br />
fé pública a actuação judicial. Não<br />
obstante, não possuíam nenh<strong>um</strong> tipo de<br />
competências resolutórias, não podendo<br />
resolver nenh<strong>um</strong>a questão que pudesse<br />
afectar a tramitação do processo,<br />
limitavam-se simplesmente a prestar<br />
contas ao juiz, para que esse pudesse<br />
tomar a decisão correspondente.<br />
No ano de 2003, foi aprovada a reforma da<br />
Lei Orgânica do Poder Judicial, pela qual<br />
se introduziram muitas e profun<strong>das</strong><br />
alterações. Nomeadamente, alterações no<br />
sentido de atribuir mais competências aos<br />
secretários. Por exemplo, n<strong>um</strong>a matéria<br />
que até então era da exclusividade <strong>dos</strong><br />
magistra<strong>dos</strong>: a execução <strong>das</strong> sentenças<br />
cíveis. O que, claro, obrigou a modificar as<br />
normas processuais, para permitir que o<br />
secretário pudesse desempenhar essa<br />
função.<br />
Não houve mais alterações legislativas até<br />
ao passado dia 4 de Novembro, data em<br />
que se aprovou <strong>um</strong>a lei de reforma de<br />
to<strong>das</strong> as leis processuais, permitindo assim<br />
a implementação da nova secretaria<br />
judicial. Essa lei veio, basicamente,<br />
estabelecer quais são as competências que<br />
passam a ser atribuí<strong>das</strong> ao secretário para<br />
facilitar a tramitação processual. No<br />
entanto, esta lei está a gerar <strong>um</strong> aceso<br />
debate em Espanha, especialmente entre<br />
juízes e os defensores da reforma da<br />
secretaria judicial. Isto porque há muitos<br />
juízes que defendem que o facto de lhes<br />
serem retira<strong>das</strong> certas competências vem<br />
afectar o próprio exercício <strong>das</strong> suas<br />
funções, funções essas que não podem, a<br />
seu ver, ser concedi<strong>das</strong> a nenh<strong>um</strong> outro<br />
órgão ou funcionário da administração da<br />
justiça que não o juiz.<br />
Por exemplo, a respeito da admissão da<br />
petição inicial surgiram enormes<br />
problemas. Aqueles que estão contra a<br />
reforma entendem que tal acto tem<br />
natureza jurisdicional: só quando a petição<br />
inicial é admitida pelo juiz tem início o<br />
processo, e se o juiz não admite a petição<br />
inicial, o processo não nasce. Esta será,<br />
efectivamente, a verdade até à entrada em<br />
vigor da reforma. Inclusivamente, foi<br />
também dito que esta transmissão de<br />
competências afectava o direito à tutela<br />
jurisdicional, constitucionalmente<br />
consagrado no art. 24.º, da Constituição<br />
Espanhola. Pois que, se é <strong>um</strong> secretário<br />
judicial quem decide se <strong>um</strong>a acção tem<br />
início ou não, <strong>um</strong> caso em que este não<br />
admita <strong>um</strong>a petição inicial, haverá<br />
denegação do direito a <strong>um</strong>a tutela<br />
jurisdicional efectiva.<br />
Em s<strong>um</strong>a e em conclusão, este debate<br />
prolongou-se por todo o processo<br />
legislativo. Notem que o projecto não foi<br />
aprovado durante a legislatura anterior,<br />
nomeadamente, pelo conselho de<br />
ministros, em 2004, por não haver<br />
consenso a este respeito. O projecto de lei<br />
esteve quase 5 anos no parlamento e foi<br />
sendo corrigido para aproximar as partes<br />
em dissenso.<br />
Acabou por ser aprovado <strong>um</strong> sistema<br />
misto, distinguindo-se o que é actividade<br />
exclusivamente jurisdicional <strong>dos</strong> juízes e o<br />
que é actividade de <strong>gestão</strong> processual, que<br />
pode ser da competência <strong>dos</strong> secretários<br />
judiciais. Assim, a nova lei estabelece que<br />
actos cabem a <strong>um</strong> e a outro.<br />
Por exemplo, em relação a <strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />
questões complica<strong>das</strong>, o da admissão da<br />
petição inicial, entendeu-se que o<br />
secretário é competente para a admitir,<br />
mas já não para recusar a sua entrada. No<br />
caso de o secretário entender não a<br />
admitir, digamos, por falta de alg<strong>um</strong><br />
requisito, terá de ser o juiz a decidir se esta<br />
é efectivamente admitida ou não.<br />
Esta questão, que poderá parecer<br />
meramente académica, tal como vos<br />
exemplificará S5, gera resulta<strong>dos</strong><br />
assombrosos em termos de economia de<br />
tempo e de dinheiro.<br />
Anexo 253
A diferença de custos entre a decisão por<br />
parte de <strong>um</strong> secretário judicial e por parte<br />
de <strong>um</strong> juiz é assombrosa, da ordem <strong>dos</strong><br />
50%. Claro que se trata de decisões que<br />
não são decisões de fundo, têm <strong>um</strong><br />
carácter jurisdicional mais reduzido.<br />
Este que vos acabei de relatar foi <strong>um</strong>a <strong>dos</strong><br />
principais problemas com que nos<br />
deparámos. A lei que foi aprovada em<br />
Novembro tem <strong>um</strong> período de vacatio legis<br />
até Maio, e estão a ser estuda<strong>das</strong> to<strong>das</strong> as<br />
implicações para que a transição seja o<br />
menos tra<strong>um</strong>ática possível, porque<br />
seguramente que a sua aplicação levantará<br />
muitos problemas.<br />
Em segundo lugar, o secretário judicial era<br />
<strong>um</strong>a figura que estava subaproveitada, pelo<br />
que lhe foram atribuí<strong>das</strong> <strong>um</strong>a série de<br />
competências adicionais, que até agora<br />
pertenciam ao juiz. Uma dessas<br />
competências, por exemplo, era a<br />
marcação <strong>das</strong> audiências. Até agora, a<br />
marcação era feita pelo juiz, o qual<br />
organizava a sua própria agenda, muitas<br />
vezes em função da sua disponibilidade.<br />
Este foi o motivo por detrás da única greve<br />
de juízes que já teve lugar em Espanha.<br />
Estes não estavam de acordo em que<br />
fosse <strong>um</strong> secretário judicial a gerir a<br />
agenda. Vemos assim como <strong>um</strong>a questão<br />
que poderia parecer <strong>um</strong> problema de<br />
implementação do novo modelo de<br />
secretaria judicial, afinal, do ponto de vista<br />
social, surge como <strong>um</strong> problema de status<br />
de <strong>um</strong>a profissão.<br />
Para que vejam outro exemplo muito<br />
similar, o Ministério Público (ficalía), em<br />
Espanha, só existe nas capitais <strong>das</strong><br />
províncias, mas existem <strong>tribunais</strong> de<br />
instrução em pequenas vilas. Pelo que se<br />
decidiu tentar colocar Ministério Público<br />
nesses <strong>tribunais</strong>, por meio de<br />
destacamentos instala<strong>dos</strong> em cada duas<br />
ou três vilas. Ora, não foi possível criar<br />
nenh<strong>um</strong> destacamento, pois não houve<br />
fiscales a deslocar-se para esses locais.<br />
Assim, quando se realiza <strong>um</strong> julgamento na<br />
254<br />
capital de província, o Ministério Público<br />
está presente. No entanto, se a diligência<br />
tem lugar no tribunal de instrução de <strong>um</strong>a<br />
vila, poderá acontecer que não esteja<br />
presente. Este é <strong>um</strong> mero exemplo para<br />
vos demonstrar como, muitas vezes, na<br />
justiça as questões são questões de status<br />
<strong>dos</strong> corpos profissionais.<br />
Outro <strong>dos</strong> aspectos relativos à<br />
implementação da nova secretaria judicial<br />
diz respeito à inovação tecnológica ao<br />
serviço da administração da justiça. A<br />
respeito da qual, aliás, Portugal e Espanha<br />
se encontram mais ou menos a par.<br />
Há pouco, alguém comentava que os<br />
colegas espanhóis não necessitavam de<br />
relatar parte da sua <strong>experiência</strong>.<br />
Efectivamente, porque a nossa <strong>experiência</strong><br />
neste campo é muito similar à vossa, no<br />
sentido de que a introdução <strong>dos</strong><br />
mecanismos de justiça electrónica, como<br />
notificações electrónicas e afins é muito<br />
recente. A sua implementação foi aprovada<br />
há dois anos e meio, três anos e meio. Mas<br />
como hoje nos indicará S5, apenas nos<br />
territórios da competência exclusiva do<br />
Ministério da Justiça. Isto porque <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />
grandes problemas que existe em Espanha<br />
diz respeito à existência de comunidades<br />
autónomas com competências próprias em<br />
sede de administração da justiça.<br />
Para que tenham ideia, em Espanha não<br />
existe coordenação na distribuição de<br />
competências em sede de administração<br />
da justiça, o que por vezes causa situações<br />
de verdadeira ingovernabilidade. De <strong>um</strong><br />
lado, temos os juízes, que evidentemente<br />
estão submeti<strong>dos</strong> ao poder judicial. Até<br />
aqui não há nenh<strong>um</strong> problema. Mas, no<br />
outro lado, temos os secretários judiciais,<br />
que dependem do Ministério da Justiça, em<br />
todo o território espanhol, incluindo<br />
comunidades autónomas. E, por fim, temos<br />
os funcionários judiciais, que dependem<br />
<strong>das</strong> próprias comunidades autónomas.<br />
Por exemplo, o País Basco tem o seu<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
próprio sistema informático de tramitação<br />
processual. Esse sistema não é compatível<br />
com o sistema informático do Ministério da<br />
Justiça, nem com o da Andaluzia, de<br />
Sevilha, da Catalunha ou de Barcelona. A<br />
consequência está em que, sempre que se<br />
quer pedir o envio de da<strong>dos</strong> de <strong>um</strong><br />
processo, por exemplo, a correr termos<br />
n<strong>um</strong> tribunal de Bilbao para <strong>um</strong> tribunal de<br />
Madrid, tal não é possível. Tudo isto são<br />
problemas com os quais nos deparamos ao<br />
procurar aplicar <strong>um</strong> sistema informático à<br />
administração da justiça, o que pareceria<br />
lógico e normal em pleno século XXI.<br />
Temos <strong>um</strong>a lei, que criou <strong>um</strong> sistema<br />
chamado LEXNET, para to<strong>das</strong> as<br />
notificações de actos processuais, mas que<br />
funciona apenas nos territórios da<br />
competência do Ministério da Justiça,<br />
porque depois temos as comunidades<br />
autónomas, nas quais é necessário haver<br />
lugar a investimentos adicionais para obviar<br />
os problemas informáticos e implementar<br />
sistemas que permita suportar a aplicação<br />
informática do Ministério da Justiça.<br />
A acrescer a estes problemas informáticos,<br />
há outra questão que também gostaria que<br />
fosse ressaltada, de forma a podermos<br />
fazer <strong>um</strong>a análise realista da<br />
implementação da nova secretaria judicial.<br />
È <strong>um</strong>a questão de ordem económica, ou<br />
seja, relativa ao financiamento.<br />
O governo de Espanha abriu <strong>um</strong>a porta<br />
clara à modernização da secretaria judicial,<br />
à substituição do modelo por <strong>um</strong> muito<br />
mais eficiente. No entanto, depois não<br />
existem fun<strong>dos</strong> suficientes disponíveis para<br />
levar a cabo a reforma. Não diria que são<br />
inexistentes, mas quase. Ou seja,<br />
pretende-se realizar <strong>um</strong>a mudança radical,<br />
mas sem existirem os fun<strong>dos</strong> necessários á<br />
efectivação da mesma.<br />
Chegamos assim à conclusão de que ainda<br />
há <strong>um</strong> longo caminho a percorrer para<br />
podermos ter <strong>um</strong>a secretaria judicial digna<br />
do século XXI em Espanha. E o percurso<br />
deve começar imediatamente. A vacatio<br />
legis <strong>das</strong> leis reformistas que aprovámos<br />
termina em Maio. Nessa altura, já<br />
deveríamos ser capazes de implementar o<br />
modelo que em seguida vos daremos a<br />
conhecer.<br />
Acrescendo a to<strong>dos</strong> os problemas que vos<br />
expus, temos o facto de que o sistema<br />
judicial, incluindo o próprio Ministério, é, por<br />
tradição, muito reticente perante a<br />
mudança. O que vem, realmente, colocar<br />
muitos problemas na implementação de<br />
reformas.<br />
Uma vez mais, para que tenham <strong>um</strong>a ideia<br />
mais clara, apresento-vos <strong>um</strong> exemplo. Em<br />
2004, foram cria<strong>dos</strong> os <strong>tribunais</strong> de<br />
violência contra a mulher, competentes<br />
para lidar com to<strong>das</strong> as questões<br />
relaciona<strong>das</strong> com a violência <strong>sobre</strong><br />
mulheres. Estes <strong>tribunais</strong>, que existem em<br />
Madrid e nas grandes capitais de província,<br />
têm competência exclusiva em tais<br />
matérias. Ora, sabendo-se que muitos<br />
actos de violência <strong>sobre</strong> mulheres têm<br />
lugar durante a noite e aos fins-de-semana,<br />
n<strong>um</strong>a cidade como Madrid, a partir <strong>das</strong> 16h<br />
de sexta-feira e durante todo o fim-desemana,<br />
não há ninguém no tribunal de<br />
violência contra a mulher, porque não há<br />
dinheiro para pagar a guar<strong>das</strong>,<br />
funcionários, juízes e secretários. A<br />
consequência é que a polícia, nesses<br />
casos, recorre ao tribunal de instrução<br />
criminal de turno, que decreta as medi<strong>das</strong><br />
que tomar por convenientes, com validade<br />
até segunda-feira de manhã, altura em que<br />
a competência transita para o tribunal de<br />
violência contra a mulher.<br />
No entanto, termino dizendo que sim, o<br />
contexto é problemático, mas sem<br />
pessimismos excessivos, porque a pouco e<br />
pouco as coisas vão mudando e acabamos<br />
por avançar. Muito Obrigado.<br />
S5<br />
Em primeiro lugar, quero agradecer ao<br />
Anexo 255
Observatório Permanente da Justiça<br />
Portuguesa, à Universidade de Coimbra e<br />
ao Centro de Estu<strong>dos</strong> Sociais, em<br />
particular, à Dra. Conceição Gomes e à sua<br />
equipa, por nos ter oferecido a<br />
oportunidade de compartilhar os nossos<br />
saberes e <strong>experiência</strong>s.<br />
Foi-me proposto falar <strong>sobre</strong> o plano de<br />
implementação da nova secretaria judicial<br />
em Espanha. Neste século de siglas – e<br />
espero que me entendam – verão que não<br />
há mais do que siglas. Mas não se<br />
preocupem que vou explicar o conteúdo ou<br />
o significado de to<strong>das</strong> as siglas.<br />
Esta seria a representação gráfica do ponto<br />
de chegada. Em Espanha este seria o<br />
ponto de chegada de acordo com a nova<br />
secretaria judicial. Eu continuo a pensar<br />
que este é <strong>um</strong> ponto intermédio e não <strong>um</strong><br />
ponto de chegada, porque – e é unânime<br />
(…)– há <strong>um</strong>a grande desordem na<br />
organização judiciária espanhola: de alg<strong>um</strong><br />
modo, temos <strong>um</strong>a organização herdada da<br />
unificação <strong>dos</strong> foros, levada a cabo no<br />
século XVIII e, de alg<strong>um</strong>a maneira,<br />
continuamos a manter aquela estrutura,<br />
que agora pretendemos dinamizar.<br />
Possivelmente, pensaram em mim para vos<br />
falar deste novo projecto,<br />
fundamentalmente porque estou a<br />
participar nele desde 1986, no contexto da<br />
publicação da nova lei orgânica do poder<br />
judicial do período democrático.<br />
Começámos os trabalhos precisamente<br />
atribuindo <strong>um</strong>a nova denominação – de<br />
secretaria judicial para oficina judicial (em<br />
castelhano) –, passando, assim, de <strong>um</strong>a<br />
secretaria à frente da qual estaria <strong>um</strong>a<br />
pessoa – o secretário – que seria o titular e<br />
que se encarregaria, inclusivamente, <strong>dos</strong><br />
pagamentos aos funcionários que<br />
prestavam serviço naquele espaço, para<br />
<strong>um</strong> espaço que responde às necessidades<br />
do direito processual.<br />
Pois bem, o ponto de partida é o que temos<br />
em curso: <strong>um</strong>a organização de espaços<br />
256<br />
estanques, independentes, aquilo que, nas<br />
reminiscências históricas em Espanha<br />
podíamos chamar de reinos de tarifas,<br />
onde se concentram <strong>um</strong> grande número de<br />
órgãos jurisdicionais, cada <strong>um</strong> funcionando<br />
à sua maneira, utilizando metodologias<br />
diferentes e obtendo resulta<strong>dos</strong> obviamente<br />
também distintos.<br />
De maneira que, n<strong>um</strong>a concentração de<br />
órgãos jurisdicionais, como por exemplo<br />
em Madrid, n<strong>um</strong> edifício, onde podem<br />
concentrar-se cerca de 80 a 90 órgãos<br />
jurisdicionais, de <strong>um</strong>a mesma ordem<br />
jurisdicional, podemos deparar-nos com<br />
secções que têm resulta<strong>dos</strong> razoavelmente<br />
bons, com prazos razoáveis. Por exemplo,<br />
n<strong>um</strong> processo denominado de reclamação<br />
de quantidade, se correr termos n<strong>um</strong><br />
determinado órgão jurisdional, em 1.ª<br />
instância, termina n<strong>um</strong> prazo não superior<br />
a 150-200 dias; e, se correr termos n<strong>um</strong><br />
outro órgão jurisdicional a funcionar no<br />
mesmo edifício, pode arrastar-se no tempo<br />
por 2 ou 3 anos. Aparentemente, nesta<br />
organização, isso não teria muita<br />
justificação, mas só aparentemente. Na<br />
prática, esta situação verifica-se<br />
frequentemente.<br />
Mas gostaria de vos mostrar <strong>um</strong> pouco da<br />
evolução desde 1966, data a partir da qual<br />
se começou a analisar esta situação. Este<br />
diapositivo mostra quanto gastam os<br />
nossos países vizinhos e quanto nós<br />
gostamos. Verão, por <strong>um</strong> lado, a<br />
percentagem do PIB, e na continuação da<br />
coluna seguinte, o gasto público, em<br />
percentagem, e na terceira o gasto por<br />
habitante. Nos nossos casos concretos,<br />
tanto Espanha como Portugal, encontramonos<br />
abaixo da média mas não muito<br />
afasta<strong>dos</strong>.<br />
Qual é a ratio de número de juízes por<br />
cada 100 mil habitantes? À cabeça temos a<br />
Alemanha com 28 juízes por cada 100 mil<br />
habitantes. Em Espanha e França, são<br />
casos que, na ratio, poderiam estar abaixo<br />
da média, existe <strong>um</strong>a relação dentro do<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
que poderia ser <strong>um</strong> quadro razoável para<br />
ter <strong>um</strong>a justiça seguramente melhor.<br />
As estatísticas leva<strong>das</strong> a cabo pelo<br />
Conselho Geral do Poder Judicial denotam<br />
<strong>um</strong>a insatisfação crescente, ao ponto de<br />
chegar a <strong>um</strong>a situação de cepticismo<br />
perante a administração. Não existe<br />
qualquer tipo de controlo parlamentar. O<br />
qual parece razoável, enquanto exercício<br />
do poder jurisdicional. Ou seja, existe <strong>um</strong><br />
sistema que permite gerir e controlar os<br />
recursos. Por outro lado, também seria<br />
razoável que, no âmbito daquilo que é a<br />
administração do poder judicial, existisse<br />
<strong>um</strong> controlo parlamentar. Mas não existe.<br />
Neste momento, e apesar <strong>dos</strong> vários<br />
intentos para conseguir alg<strong>um</strong> tipo de<br />
controlo, o certo é que até agora isso<br />
sempre se revelou impossível. O mais que<br />
se conseguiu foi, através da lei de orgânica<br />
do poder judicial, o preceito de que o<br />
presidente do Conselho Geral do Poder<br />
Judicial possa apresentar-se à Comissão<br />
Mista Congresso-Senado para apresentar o<br />
relatório de actividades do ano anterior.<br />
O segundo ponto a ter em conta é o<br />
seguinte: os cidadãos sentem-se afasta<strong>dos</strong><br />
da administração da justiça. Não participam<br />
em nada daquilo que é a tomada de<br />
decisões, no âmbito do governo da justiça.<br />
Estão totalmente afasta<strong>dos</strong>. Isso provoca<br />
<strong>um</strong>a insatisfação, de maneira que a<br />
administração da justiça, em geral, se situa<br />
nos últimos lugares na opinião <strong>dos</strong><br />
cidadãos. Os cidadãos continuam a<br />
considerar que a classe judicial se mantém<br />
n<strong>um</strong> pedestal, ou seja, que se mantém no<br />
pedestal organizativo em que foi colocada<br />
na época pré-constitucional, prédemocrática.<br />
A estes da<strong>dos</strong> sociológicos, acrescentamos<br />
os custos. Que diferença há nos custos?<br />
Temos aqui exemplifica<strong>dos</strong> os da<strong>dos</strong> desde<br />
1999 até 2008. Por exemplo, em 2008 as<br />
decisões que puseram fim a processos<br />
judiciais em Espanha, custaram 8.649.663<br />
€. Deste valor, 1.529.476 € correspondem<br />
a sentenças, ou seja, decisões típicas e<br />
que se manterão na competência exclusiva<br />
<strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>. Pelo contrário, mais do<br />
dobro daquelas decisões correspondem a<br />
outro tipo de resoluções que também põe<br />
fim ao procedimento, mas que deixarão de<br />
estar nas mãos <strong>dos</strong> juízes. Portanto,<br />
passarão a ser dita<strong>das</strong>, na sua maioria, por<br />
secretários judiciais.<br />
Qual é o custo de <strong>um</strong>as e outras?<br />
Enquanto as sentenças supõem <strong>um</strong> custo<br />
de 2.112 € por cada, o custo de <strong>um</strong>a<br />
resolução que ponha fim a <strong>um</strong> processo<br />
não ditada por juiz desceria<br />
consideravelmente, para 371 €. A diferença<br />
é notável. Estes são da<strong>dos</strong> que vou<br />
aportando e pretendo deixá-los expostos<br />
para que para que no debate os possamos<br />
discutir e concretizar <strong>um</strong> pouco mais.<br />
Relativamente à organização do poder<br />
judicial na Constituição Espanhola de 1978,<br />
o que encontramos? Encontramos o<br />
seguinte, <strong>um</strong> sistema duplo. Em primeiro<br />
lugar, no artigo 117.º, n.º 1, a Constituição<br />
estabelece que a administração da justiça é<br />
exercida pelos juízes. Ou seja, quem a<br />
administra? Os juízes. Mas continuando<br />
nesse mesmo artigo 117.º, mas no n.º 3, no<br />
momento de se definir o que é o poder<br />
jurisdicional, já se amplia o espectro. Não<br />
apenas quem a administra mas <strong>sobre</strong><br />
quem se exerce. O artigo 117.º, n.º 3,<br />
estabelece que esta função jurisdicional –<br />
julgar e executar as decisões judiciais – já<br />
não corresponde aos juízes de per si, antes<br />
corresponde, de forma exclusiva, não a<br />
<strong>um</strong>a corporação, mas sim aos órgãos<br />
jurisdicionais. Aliás, de <strong>um</strong> ponto de vista<br />
processual, penso que é unânime o<br />
reconhecimento de que o poder judicial<br />
ostenta, participa, necessita de <strong>um</strong> poder<br />
específico, próprio, que é a doc<strong>um</strong>entação<br />
e afé pública judicial. Que não pertence aos<br />
juízes, mas sim aos secretários judiciais.<br />
Daqui se conclui que os detractores desta<br />
reforma provavelmente ignoram este n.º 3,<br />
do art. 117.º, da Constituição.<br />
Anexo 257
Neste contexto de evolução legislativa, a<br />
primeira Lei Orgânica do Conselho Geral<br />
do Poder Judicial optou por <strong>um</strong> modelo<br />
generalista. De modo que o Conselho<br />
Geral do Poder Judicial, dentro da linha<br />
que se estabelece no art. 122.º, da<br />
Constituição, constitui-se como <strong>um</strong> órgão<br />
de governo do poder judicial. De forma<br />
generalista, ass<strong>um</strong>e competências <strong>sobre</strong><br />
todo o pessoal da administração da justiça:<br />
juízes, secretários judiciais e funcionários<br />
judiciais.<br />
Pelo contrário, a Lei Orgânica do Poder<br />
Judicial de 1965 optou por <strong>um</strong> modelo<br />
corporativo. De maneira que o Conselho<br />
Geral do Poder Judicial se desprende <strong>das</strong><br />
competências do secretário e restantes<br />
funcionários. Que passam a estar sob a<br />
alçada do Ministério da Justiça e,<br />
posteriormente, <strong>das</strong> Comunidades<br />
Autónomas.<br />
Quanto à organização administrativa em<br />
Espanha, ela resulta da confluência de três<br />
administrações, to<strong>das</strong> elas importantes.<br />
Isto é, não podemos pensar, em alg<strong>um</strong><br />
momento, que a administração geral do<br />
Estado está acima da administração <strong>das</strong><br />
Comunidades Autónomas, mas apenas que<br />
são administrações que confluem e cuja<br />
diferença reside nas competências que<br />
ass<strong>um</strong>em. De maneira que, a<br />
administração do Estado tem competências<br />
legislativas, mas as Comunidades<br />
Autónomas também as têm, embora<br />
ditando leis de âmbito diferente. Esta é a<br />
situação administrativa em Espanha: três<br />
administrações diferentes que confluem<br />
com <strong>um</strong> equivalente na organização da<br />
administração da justiça. Assim, em<br />
equivalência à administração geral do<br />
Estado estariam os órgãos centrais:<br />
Tribunal Supremo e Audiência Nacional.<br />
Em equivalência às Comunidades<br />
Autónomas, estariam: os Tribunais<br />
Superiores de Justiça. Em equivalência aos<br />
órgãos da administração local, províncias e<br />
municípios, estariam: as Audiências<br />
Provinciais e os <strong>tribunais</strong> de primeira<br />
258<br />
instância.<br />
No que toca aos antecedentes do novo<br />
modelo, encontramos o primeiro na Lei<br />
Orgânica do Poder Judicial de 1965. Pela<br />
primeira vez alterou-se n<strong>um</strong> normativo a<br />
terminologia, em espanhol, de secretaria,<br />
para oficina (em castelhano). Isto causou,<br />
<strong>sobre</strong>tudo inicialmente, no âmbito<br />
processual, e dentro <strong>das</strong> universidades, <strong>um</strong><br />
certo alarme inicial, pois pensou-se na<br />
possibilidade de se voltar a <strong>um</strong>a<br />
napoleonização do Estado, em que o poder<br />
executivo absorve poderes próprios do<br />
poder judicial. Esta terminologia não é<br />
minha, mas do Professor Juan Montero<br />
Aroca, que alerta para essa possibilidade.<br />
Pois bem, foram feitos os primeiros estu<strong>dos</strong><br />
a partir de 1965. Em concreto, em 1966, já<br />
se falava de novas denominações. Não se<br />
falava então de serviços comuns, mas de<br />
micro ou macro secretarias. Outro lado a<br />
ter em conta é a reunião do Conselho de<br />
Ministros de Justiça, do Conselho da<br />
Europa, de 12 de Dezembro de 1986, em<br />
que se recomendou a to<strong>dos</strong> os Esta<strong>dos</strong>membros<br />
a descodificação de tudo aquilo<br />
que pudesse ter alg<strong>um</strong> tipo de referência<br />
administrativa.<br />
Em Espanha, concretamente em 1969, no<br />
seio da Comissão Geral de Codificação<br />
criou-se <strong>um</strong> grupo específico para o estudo<br />
e análise desta nova organização. Tive o<br />
prazer de participar neste grupo de trabalho<br />
durante mais de <strong>um</strong> ano.<br />
Por último, outro ponto a ter em conta,<br />
ainda do ponto de vista terminológico, é a<br />
sentença n.º 56.969. do Tribunal<br />
Constitucional Espanhol, que estabeleceu e<br />
introduziu <strong>um</strong> termo novo: administração da<br />
administração da justiça. De forma que,<br />
segundo esta terminologia, tudo aquilo que<br />
não cabe no núcleo duro e específico do<br />
que é a justiça, pode ser excluído.<br />
Quais são os preferentes imediatos no que<br />
toca à implementação deste modelo em<br />
Espanha? Em primeiro lugar, a reunião <strong>das</strong><br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
três administrações confluentes na<br />
administração da justiça, a Reunião <strong>das</strong><br />
Canárias do ano 2001. E falo em<br />
administrações no plural, porque me refiro<br />
à administração judicial, ao Ministério da<br />
Justiça e às oito comunidades autónomas<br />
que então teriam competências em matéria<br />
de justiça.<br />
Pouco depois desta reunião <strong>das</strong> Canárias,<br />
produziu-se o Pacto do Estado para a<br />
Justiça, no mesmo ano de 2001, subscrito<br />
pelos dois principais grupos parlamentares<br />
e donde se destacava, fundamentalmente,<br />
<strong>um</strong>a declaração de intenções que nunca foi<br />
concretamente plasmada no Orçamento de<br />
Estado, mas que indicava <strong>um</strong>a previsão de<br />
200 mil milhões de pesetas, n<strong>um</strong> período<br />
de execução de 5 anos. Sublinho que tal<br />
montante nunca teve reflexos o Orçamento<br />
de Estado, o que foi <strong>um</strong>a <strong>das</strong> causas pelas<br />
quais <strong>um</strong> <strong>dos</strong> parti<strong>dos</strong> políticos (o que está<br />
actualmente no governo, aliás) decidiu<br />
romper com aquele pacto.<br />
O terceiro <strong>dos</strong> antecedentes imediatos<br />
desta Lei Orgânica, a que S4 já havia<br />
aludido, é a Lei Orgânica de 2003, que<br />
modifica a Lei Orgânica do Poder Judicial<br />
de 1985. Veio criar <strong>um</strong> marco estatutário<br />
novo, adequado à implementação do novo<br />
modelo de secretaria judicial. Pela primeira<br />
vez se define, aliás, o conceito de<br />
secretaria judicial, que se estabelece n<strong>um</strong><br />
sistema unitário, senão a possibilidade de<br />
criar diferentes modelos, prevendo-se<br />
também, pela primeira vez, a participação<br />
<strong>das</strong> Comunidades Autónomas.<br />
Com estes da<strong>dos</strong> que temos, que<br />
necessidades teríamos quanto aos<br />
aspectos orgânicos? Evidentemente, passa<br />
a configurar-se <strong>um</strong>a nova carreira de<br />
secretário judicial, mantendo as mesmas<br />
estruturas mas criando <strong>um</strong> sistema<br />
piramidal similar ao do Ministério Público, o<br />
qual era desconhecido, até agora, na<br />
administração da justiça. Este sistema<br />
piramidal conflui no Ministério da Justiça,<br />
que continua a manter a independência<br />
orgânica <strong>dos</strong> secretários judiciais em todo o<br />
território nacional.<br />
Nessa organização piramidal, temos, n<strong>um</strong><br />
lugar intermédio, os secretários<br />
coordenadores provinciais, que estão à<br />
frente da organização a nível provincial, e<br />
por último os secretários judiciais.<br />
Em termos de espaços, em primeiro lugar,<br />
a reforma de 2003 estabelece <strong>um</strong>a<br />
estrutura básica de organização da nova<br />
secretaria judicial, em que ao mesmo<br />
tempo inclui <strong>um</strong> desenho flexível, mas<br />
homogéneo – o que, como veremos, é<br />
bastante contraditório.<br />
Qual é a conclusão a que chegamos? Nas<br />
cores que mostrámos a princípio, tínhamos<br />
círculos azuis com a sigla UPAD – Unidade<br />
Processual de Apoio Directo. Este espaço<br />
é herdeiro directo <strong>dos</strong> juízos tradicionais, é<br />
o espaço natural <strong>dos</strong> juízes. Onde<br />
exercerão eles a sua função jurisdicional.<br />
Com <strong>um</strong> número muito reduzido de<br />
funcionários, e com <strong>um</strong> secretário que<br />
exercerá a fé pública judicial, de forma<br />
partilhada com outras Unidades<br />
Processuais de Apoio Directo. Quem está<br />
encarregado da criação, estabelecimento e<br />
integração <strong>das</strong> Unidades Processuais de<br />
Apoio Directo? É <strong>um</strong>a competência<br />
exclusiva do Ministério da Justiça. É o<br />
Ministério quem estabelece quantos<br />
secretários haverá, quantas unidades<br />
processuais servirão <strong>um</strong> secretário, e o<br />
número certo de funcionários adstitos a<br />
esse serviço.<br />
Na segunda parte temos os SCOP<br />
Corresponde à zona central o organograma<br />
que vos apresento. É <strong>um</strong> serviço que<br />
presta serviços a <strong>um</strong>a ou várias Unidades<br />
Processuais de Apoio Directo. É o espaço<br />
natural do secretário judicial, onde dão<br />
entrada as petições iniciais, onde serão<br />
tramita<strong>das</strong> as acções e de onde estas<br />
sairão, <strong>um</strong>a vez finaliza<strong>das</strong>, para as<br />
Unidades Processuais de Apoio Directo,<br />
para que o juiz decida.<br />
Anexo 259
A alocação de recursos h<strong>um</strong>anos aos<br />
Serviços Comuns de Ordenação do<br />
Processo cabe às Comunidades<br />
Autónomas, ou ao Ministério da Justiça,<br />
caso aquelas tenham transferido para ele<br />
as competências, o que acontece<br />
actualmente em onze <strong>das</strong> dezassete<br />
Comunidades Autónomas com<br />
competência na área. Ao Ministério da<br />
Justiça corresponde não só a criação <strong>dos</strong><br />
Serviços Comuns de Ordenação do<br />
Processo, como a definição <strong>dos</strong> serviços<br />
que estes prestam, para os quais não há<br />
<strong>um</strong> catálogo fechado. À frente <strong>dos</strong> SCOP<br />
está sempre <strong>um</strong> secretário judicial, e por<br />
sua vez pode ter subunidades, que podem<br />
ser encabeça<strong>das</strong> por outros secretários<br />
judiciais que respodem perante aquele.<br />
Neste caso concreto, há <strong>um</strong>a vinculação ao<br />
Conselho Geral do Poder Judicial e a<br />
criação de <strong>um</strong> deste espaços, quando<br />
sejam de tramitação, requer sempre o<br />
parecer prévio favorável do Conselho<br />
Geral do Poder Judicial. Portanto, neste<br />
caso concreto estabelece-se <strong>um</strong>a função<br />
homogeneizadora para o Conselho Geral<br />
do Poder Judicial. O que de modo alg<strong>um</strong><br />
quer dizer homologadora, ou seja, o<br />
Conselho Geral do Poder Judicial não é<br />
apenas <strong>um</strong> filtro que dá <strong>um</strong>a autorização<br />
tabelar para que certo desenho de <strong>um</strong><br />
serviço com<strong>um</strong> tenha validade. Pelo<br />
contrário, o Conselho Geral do Poder<br />
Judicial deverá fazê-lo tendo em conta não<br />
apenas a função jurisdicional mas também<br />
a função administrativa <strong>das</strong> Comunidades<br />
Autónomas ou do Ministério da Justiça.<br />
Por último, o terceiro espaço que se define<br />
é o <strong>das</strong> Unidades Administrativas. As<br />
Unidades Administrativas não são defini<strong>dos</strong><br />
como órgãos específicos da administração<br />
da justiça, tendo apenas <strong>um</strong>a função de<br />
apoio material às unidades anteriormente<br />
referi<strong>das</strong>. É <strong>um</strong>a definição algo<br />
contraditória, porque se por <strong>um</strong> lado a lei<br />
diz que não se incorporam no poder<br />
judicial, estão integra<strong>das</strong> na orgânica<br />
judicial, gerem recursos h<strong>um</strong>anos e<br />
260<br />
materiais. Serão sempre compostas por<br />
pessoal ao serviço da administração da<br />
justiça ou por pessoal da administração<br />
civil do Estado. Notem que, em Espanha,<br />
existe <strong>um</strong>a diferenciação entre pessoal da<br />
administração pública em geral e da<br />
administração da justiça, inclusivamente<br />
com <strong>um</strong>a diferenciação clara <strong>sobre</strong> <strong>um</strong>a<br />
reserva de lei ordinária, para os primeiros,<br />
e <strong>um</strong>a reserva de lei orgânica, para os<br />
segun<strong>dos</strong>.<br />
O resultado deste cenário são três espaços<br />
diferentes, mas com <strong>um</strong>a estreita<br />
conjugação entre si, de tal modo que, dado<br />
que não se trata de <strong>um</strong> espaço ou definição<br />
unitários.<br />
Neste momento, o modelo do Ministério da<br />
Justiça é o único em marcha. Alg<strong>um</strong>as<br />
Comunidades Autónomas lançaram<br />
estu<strong>dos</strong>, mas não têm <strong>um</strong> modelo<br />
específico. Enquanto as Comunidades<br />
Autónomas governa<strong>das</strong> pelo PSOE gostam<br />
mais <strong>dos</strong> SCOP, as do PP preferem manter<br />
as pequenas unidades, com serviços<br />
comuns não para funções de tramitação,<br />
mas apenas para funções repetitivas, como<br />
notificações ou citações.<br />
Eis o que temos em Espanha. Face à<br />
vontade, referida (…), de ouvir o que se<br />
poderia aprender connosco, creio<br />
francamente que há pouco a aprender.<br />
Estamos a estudar, tal como vós, a<br />
possibilidade de rentabilizar recursos.<br />
Com que problemas nos deparamos para<br />
colocar as coisas em marcha? Apesar de a<br />
vacatio legis <strong>das</strong> leis processuais<br />
refromistas estar já a correr, neste<br />
momento, em Espanha só o Ministério da<br />
Justiça começou a c<strong>um</strong>prir os seus<br />
deveres. Arrancou com nove <strong>experiência</strong>s<br />
piloto, em Melilla, em sete capitais<br />
espanholas e na Audiência Nacional, esta<br />
última provavelmente pela transcendência<br />
da sua projecção interna e externa. Eu,<br />
francamente, neste caso sinto-me<br />
verdadeiramente honrado de poder<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
comandar esta nova <strong>experiência</strong> dentro da<br />
Audiência Nacional.<br />
Com que problemas nos deparamos<br />
então? Em primeiro lugar, problemas de<br />
organização. É necessário <strong>um</strong> novo mapa<br />
judiciário. É evidente que o mapa que era<br />
ideal em 1969, para <strong>um</strong> sistema<br />
organizativo diferente, é agora insuficiente.<br />
Além de que distribui recursos de forma<br />
difícil de justificar, respondendo mais a<br />
critérios políticos que de necessidade.<br />
Em segundo lugar, aponto a necessidade<br />
de ordenar e unificar os sistemas<br />
processuais. Não faz sentido que não<br />
tenhamos encontrado <strong>um</strong>a uniformização,<br />
do ponto de vista orgânico, para os<br />
Tribunais Superiores de Justiça <strong>das</strong><br />
Comunidades Autónomas, apesar de o<br />
artigo 52.º, da Constituição Espanhola, os<br />
estabelecer como órgão máximo da<br />
organização judiciária nos territórios <strong>das</strong><br />
Comunidades Autónomas. Não obstante,<br />
uns Tribunais Superiores de Justiça<br />
ass<strong>um</strong>em este papel preponderante e<br />
outros não. Em certas ordens jurisdicionais<br />
têm competências para tanto, noutras não.<br />
Ponto assente é que as Audiências<br />
Provinciais precisam de <strong>um</strong>a unificação.<br />
Quanto ao terceiro problema: as novas<br />
tecnologias. (…) sistema LEXNET, sistema<br />
de notificação e comunicações judiciais<br />
através da internet. Este sistema está a ser<br />
usado há cerca de ano e meio única e<br />
exclusivamente no território do Ministério<br />
da Justiça. O que não faz muito sentido.<br />
Por exemplo, na cidade de Madrid, os<br />
órgãos centrais (Supremo Tribunal e<br />
Audiência Nacional) usam as novas<br />
tecnologias com resulta<strong>dos</strong> muito<br />
satisfatórios, mas o Tribunal Superior de<br />
Justiça da Comunidade Autónoma de<br />
Madrid, cujos recursos dependem da<br />
administração da justiça do governo<br />
autonómico de Madrid, não utiliza ainda<br />
estes mecanismos.<br />
Um problema importante que podemos<br />
ainda apontar ao sistema LEXNET<br />
(provavelmente devido à desconfiança<br />
inicial que o legislador teve neste sistema,<br />
mas que imagino que com o passar do<br />
tempo, face aos resulta<strong>dos</strong> satisfatórios,<br />
deverá ter solução) é que as notificações<br />
aos advoga<strong>dos</strong> ficam ainda nas mãos <strong>dos</strong><br />
procuradores de notificações. É <strong>um</strong>a<br />
contradição, pelo menos do ponto de vista<br />
processual, que apesar do envio de<br />
notificações por meios electrónicos, estas<br />
seguem igualmente por correio normal,<br />
para os serviços <strong>dos</strong> procuradores de<br />
notificações. Esta duplicação não faz para<br />
mim qualquer sentido.<br />
Em segundo lugar, em relação ao sistema<br />
de apresentação de peças processuais,<br />
julgo que temos de aprender mais de vós, e<br />
reciprocamente. Na recepção de<br />
doc<strong>um</strong>entos escritos, vivemos <strong>um</strong> enorme<br />
contra-senso onde o advogado elabora a<br />
peça processual, envia-a por internet para<br />
o procurador de notificações, que a<br />
imprime para a apresentar formalmente no<br />
órgão jurisdicional em causa. E nós, no<br />
caso concreto da Audiência Nacional,<br />
temos de digitalizá-la novamente para<br />
poder transmiti-la. Não faz qualquer sentido<br />
e representa <strong>um</strong> gasto económico<br />
desnecessário.<br />
Em terceiro lugar, a desmaterialização do<br />
processo. Estamos convenci<strong>dos</strong> que será<br />
<strong>um</strong> passo importantíssimo, mas só o<br />
começámos agora, e apenas na Audiência<br />
Nacional. Cremos contar com ele em Abril.<br />
É ainda necessário, a par destas<br />
modificações, <strong>um</strong> novo sistema de registo.<br />
Quanto a problemas relativos a meios<br />
materiais, creio que necessitamos de <strong>um</strong>a<br />
relação de postos de trabalho pensando<br />
nas novas tecnologias. Há postos de<br />
trabalho obsoletos e outros a criar. É<br />
necessária <strong>um</strong>a modificação do sistema de<br />
colocações. Provavelmente há que o<br />
ampliar, pelo menos até ao nível da<br />
localidade, e assim garantir que <strong>um</strong><br />
funcionário tenha <strong>um</strong>a reserva de<br />
Anexo 261
colocação dentro da mesma localidade,<br />
mas não necessariamente dentro do<br />
mesmo órgão jurisdicional. Outra questão<br />
ainda é a necessidade de <strong>um</strong>a regulação<br />
diferente para o pessoal não funcionário,<br />
que neste momento se estima que seja<br />
20% do pessoal que presta serviços na<br />
administração da justiça.<br />
O quarto problema diz respeito aos<br />
espaços físicos. Na sua maioria não são<br />
adequa<strong>dos</strong>. Os antigos edifícios de<br />
<strong>tribunais</strong> estão obsoletos, não só pelos<br />
recursos materiais, mas pelos próprios<br />
espaços. Os espaços amplos necessários<br />
ao funcionamento de serviços comuns não<br />
existem, neste momento, nos edifícios. É,<br />
portanto, necessário <strong>um</strong> novo desenho <strong>dos</strong><br />
edifícios. Os agentes implica<strong>dos</strong> são o<br />
Conselho Geral do Poder Judicial, através<br />
de decreto de homogeneização; o<br />
Ministério da Justiça, que ainda mantém as<br />
competências defini<strong>das</strong> em seis<br />
Comunidades Autónomas, mas <strong>sobre</strong>tudo<br />
porque mantém as competências <strong>sobre</strong> os<br />
que dirigem a reforma; e, está claro, as<br />
Comunidades Autónomas, pois são elas<br />
que terão de aproximar os serviços da<br />
administração da justiça aos seus<br />
cidadãos.<br />
Aponto desde já alg<strong>um</strong>as soluções<br />
possíveis. Em primeiro lugar, actuação do<br />
Conselho Geral do Poder Judicial, através<br />
de <strong>um</strong> tal decreto de homogeneização,<br />
para que as Comunidades Autónomas<br />
saibam a quem devem atender na hora de<br />
criar <strong>um</strong> serviço com<strong>um</strong>. Da parte do<br />
Ministério da Justiça, é necessário<br />
estabelecer <strong>um</strong> sistema, <strong>um</strong>a dotação<br />
genérica para to<strong>das</strong> as Unidades<br />
Processuais de Apoio Directo, porque é a<br />
sua competência. Até agora têm sido<br />
previstas dotações desadequa<strong>das</strong> para a<br />
realidade actual, a partir do momento em<br />
que se incorporam novos meios, através<br />
<strong>das</strong> reformas processuais.<br />
Portanto, aponto para novas condições nos<br />
postos de trabalho, novos edifícios, novas<br />
262<br />
dotações. E isso já se fez, na verdade:<br />
600.000.000 € previstos para três anos.<br />
A terceira solução, a levar a cabo por parte<br />
<strong>das</strong> Comunidades Autónomas, passa por<br />
definir o modelo entre <strong>um</strong> modelo de<br />
primazia <strong>dos</strong> serviços comuns ou de<br />
primazia <strong>das</strong> Unidades Processuais de<br />
Apoio Directo, o que tem repercussões na<br />
composição e dotação <strong>dos</strong> edifícios.<br />
Edifícios esses que são <strong>um</strong>a <strong>das</strong> carências<br />
do marco estatutário estabelecido na lei de<br />
2003. Tudo tem que ver com o que se<br />
defende, isto é, se se defende a<br />
concentração ou não. O sistema inglês, por<br />
exemplo, optou pela desconcentração, eu<br />
pessoalmente inclino-me mais para a<br />
concentração, em que as Unidades<br />
Processuais de Apoio Directo estejam<br />
próximas <strong>dos</strong> Serviços Comuns de<br />
Ordenação do Processo.<br />
Em relação à segurança, é fundamental<br />
que n<strong>um</strong> edifício judicial existam e se<br />
respeitem normas de segurança –<br />
permitam-me neste caso ser levado pelo<br />
factor profissional da minha pertença à<br />
Audiência Nacional.<br />
Uma nova organização também é<br />
fundamental. Creio que, se a nova<br />
organização assenta <strong>sobre</strong> os secretários<br />
judiciais e o c<strong>um</strong>e desta nova organização<br />
<strong>dos</strong> secretários judiciais é o Secretário-<br />
Geral da Administração da Justiça, no<br />
decreto de organização do próprio<br />
Ministério da Justiça deveria criar-se e<br />
estabelecer-se essa figura.<br />
Para concluir, e perdoem-me ter-me<br />
estendido <strong>um</strong> pouco, para mim este<br />
projecto é emocionante. Insisto novamente:<br />
creio que este projecto, mais que para <strong>um</strong><br />
futuro imediato, é para o longo prazo, e<br />
deverá culminar n<strong>um</strong>a nova reforma<br />
organizativa que estabeleça ordem na<br />
organização judicial espanhola.<br />
Neste momento, como já referi, estão em<br />
marcha nove <strong>experiência</strong>s piloto, se bem<br />
que estamos como que a trabalhar iludi<strong>dos</strong>,<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
pois não existem da<strong>dos</strong> concretos.<br />
Por último, estaremos perante <strong>um</strong>a<br />
administrativização ou, segundo as<br />
palavras do professor Professor Juan<br />
Montero Aroca, perante <strong>um</strong>a<br />
napoleanização da administração da<br />
justiça? Creio que não. Estamos, creio,<br />
perante <strong>um</strong> projecto que, além de ser<br />
muitíssimo estimulante, pretende oferecer<br />
<strong>um</strong> serviço rápido e ágil aos cidadãos,<br />
onde se possa conjugar, no maior respeito<br />
aos termos da Constituição, a função<br />
jurisdicional com aqueles aspectos de<br />
natureza mais administrativa. E, nessa<br />
conjugação entre to<strong>dos</strong>, conseguir <strong>um</strong><br />
melhor serviço público.<br />
Sem mais, muito obrigado e espero que<br />
tenha sido capaz de vos transmitir o que<br />
queria.<br />
II Organização interna e funcionamento <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> em<br />
Portugal<br />
OPJ<br />
Vou procurar ser muito breve e vou apenas<br />
introduzir alguns aspectos que podem<br />
ajudar ao debate. Como vimos pelas<br />
intervenções <strong>dos</strong> nossos colegas<br />
espanhóis, há muitos problemas comuns e<br />
muitas dificuldades que também<br />
identificámos entre nós, bem como<br />
alg<strong>um</strong>as soluções que já preconizámos.<br />
Por outro lado, é também importante<br />
salientar que a ideia muito generalizada de<br />
que entre nós está tudo mal e nos outros<br />
países está tudo a correr bem, é <strong>um</strong>a ideia<br />
errada. Aliás, até é com gosto que vemos<br />
que, em alguns aspectos, até estamos<br />
mais avança<strong>dos</strong>.<br />
Há a reter também a ideia de que <strong>um</strong><br />
sistema de justiça não se reforma de <strong>um</strong><br />
dia para o outro. Tudo isto implica<br />
mudanças que têm de ser feitas em<br />
pequenos passos, mas com <strong>um</strong> sentido<br />
orientador, isto é, procurando saber onde<br />
queremos chegar e o que é que temos de ir<br />
fazendo para lá chegar.<br />
Queria também chamar a atenção para o<br />
facto de estar entre nós <strong>um</strong> colega que há<br />
tempos, n<strong>um</strong> encontro, referiu que<br />
questões da <strong>gestão</strong>, de organização de<br />
méto<strong>dos</strong> de trabalho, etc. não eram<br />
discuti<strong>das</strong> entre nós há quatro ou cinco<br />
anos. E estamos a discuti-las agora!<br />
Também os nossos países vizinhos não as<br />
discutiam muito. De facto, estes conceitos<br />
relaciona<strong>dos</strong> com as políticas gestionárias,<br />
com novos méto<strong>dos</strong> de trabalho, com o<br />
modelo da qualidade total, da qualidade da<br />
justiça, da governance, da <strong>gestão</strong><br />
integrada, <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> de excelência, são<br />
conceitos muito novos e que fomos<br />
importar a outros sectores, nomeadamente<br />
a alg<strong>um</strong>as organizações priva<strong>das</strong> que<br />
agora estão a confluir no sector da justiça.<br />
É claro que isto é perturbante para to<strong>dos</strong><br />
nós porque não fomos forma<strong>dos</strong> com estes<br />
conceitos. Portanto, é preciso ter a noção<br />
que é necessário formar as pessoas que<br />
estão no sistema. Tudo isto mudou muito<br />
rapidamente.<br />
De facto, há motivos de várias ordens,<br />
designadamente a massificação do<br />
sistema, da procura, que levaram a que<br />
Anexo 263
hoje estejamos confronta<strong>dos</strong> com novas<br />
solicitações e exigências r<strong>um</strong>o a <strong>um</strong> novo<br />
tipo de reformas.<br />
Entre nós, a reforma do mapa judiciário<br />
veio colocar esta temática de <strong>um</strong>a maneira<br />
mais assertiva no debate e na ordem do<br />
dia.<br />
Aqueles que conhecem a reforma sabem<br />
que ela traz conceitos e novas<br />
potencialidades no que diz respeito à<br />
<strong>gestão</strong>. Por exemplo, com a introdução<br />
destas novas figuras do juiz presidente, do<br />
administrador judicial, <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong><br />
coordenadores, foram cria<strong>dos</strong>, a nível<br />
intermédio da comarca, <strong>um</strong> conjunto de<br />
instr<strong>um</strong>entos gestionários que não<br />
existiam.<br />
Agora, o problema que se coloca é como<br />
densificar esses conceitos e interpretá-los.<br />
De facto, há muitas novidades legais, como<br />
por exemplo competências para a<br />
elaboração do orçamento, para a<br />
elaboração de regulamentos internos,<br />
propostas de flexibilização no que respeita<br />
à ac<strong>um</strong>ulação <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>,<br />
possibilidades de colocação de<br />
funcionários dentro da comarca; ao nível de<br />
<strong>gestão</strong> processual, por exemplo,<br />
implementar méto<strong>dos</strong> e objectivos,<br />
designadamente na fixação <strong>dos</strong><br />
indicadores de vol<strong>um</strong>e processual,<br />
acompanhar e avaliar a actividade do<br />
tribunal e o vol<strong>um</strong>e processual do mesmo,<br />
promover a aplicação de medi<strong>das</strong> de<br />
simplificação e agilização processual,<br />
possibilidade de criação de secções<br />
especializa<strong>das</strong>, etc.<br />
Enfim, há aqui todo <strong>um</strong> conjunto de<br />
possibilidades que esta nova reforma do<br />
mapa judiciário coloca, em termos de<br />
desafio, e a questão é como densificá-las e<br />
como concretizá-las.<br />
Ao mesmo tempo que nós introduzimos<br />
estas novas possibilidades gestionárias de<br />
nível intermédio, continuamos a ter <strong>um</strong><br />
conjunto de competências a nível mais<br />
264<br />
macro. A questão é como compatibilizar<br />
estas competências com a Direcção-Geral<br />
da Administração da Justiça, órgão máximo<br />
que continua a ter competências ao nível<br />
<strong>dos</strong> funcionários, ou com o Conselho<br />
Superior da Magistratura, que continua a<br />
ter, e tem de ter, <strong>um</strong> conjunto de<br />
competências relativamente à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />
magistra<strong>dos</strong> em razão do princípio basilar<br />
da independência do juiz? Mais, como<br />
compatibilizar estas competências com<br />
outros institutos como o Instituto <strong>das</strong><br />
Tecnologias de Informação na Justiça, o<br />
Conselho Superior da Magistratura do<br />
Ministério Público? Depois, ainda ao nível<br />
da comarca, entre os secretários que se<br />
mantiveram e o administrador judicial. Há<br />
aqui <strong>um</strong>a difusão de competências e <strong>um</strong>a<br />
necessidade de se definir e avaliar que<br />
competências devem estar acometi<strong>das</strong> a<br />
uns e a outros, n<strong>um</strong>a perspectiva de<br />
eficácia.<br />
Mas, obviamente que tudo isto está<br />
também relacionado com estatutos <strong>dos</strong><br />
funcionários. Já foi referido n<strong>um</strong>a sessão<br />
de trabalho, a propósito deste tema, que só<br />
se pode gerir aquilo <strong>sobre</strong> o qual se tem<br />
competência para gerir. A questão que se<br />
impõe é como é que se consegue a<br />
flexibilização de recursos h<strong>um</strong>anos quando<br />
há regras estatutárias e, provavelmente<br />
também, direitos adquiri<strong>dos</strong>. Não se pode,<br />
por exemplo, mudar <strong>um</strong> escrivão de <strong>um</strong><br />
lugar para outro, discricionariamente.<br />
Portanto, como é que se pode falar de<br />
<strong>gestão</strong> de recursos h<strong>um</strong>anos e novos<br />
méto<strong>dos</strong> de trabalho, definição de perfil<br />
etc., se não os podemos mover daqui para<br />
ali?<br />
Depois temos o problema da aplicação<br />
prática <strong>das</strong> reformas e da sua<br />
interpretação, em que se reforma <strong>um</strong>a<br />
parte e se esquecem outros normativos<br />
que existem. Em Portugal, aliás, é muito<br />
com<strong>um</strong> esta forma de legislar: sem prejuízo<br />
<strong>das</strong> competências gerais, sejam elas quais<br />
forem. Ou seja, é frequente que haja em<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
outros diplomas, normas que nos<br />
esqueçamos de alterar e que impedem que<br />
determinada norma funcione.<br />
No que diz respeito à mobilidade <strong>dos</strong><br />
funcionários judiciais (…) ressalta-se<br />
dificuldades de movimentar funcionários<br />
n<strong>um</strong> espaço geográfico relativamente curto,<br />
entre secretarias <strong>dos</strong> juízos.<br />
Uma outra questão é, como é que se<br />
compatibiliza esta colocação no quadro,<br />
estes micros, no contexto da Administração<br />
Pública em que há <strong>um</strong>a tendência<br />
reformista de abandono de quadros e<br />
criação de mapas de pessoal.<br />
Penso que é importante discutirmos aqui a<br />
questão <strong>dos</strong> limites da mobilidade<br />
geográfica, mas também, da mobilidade<br />
funcional. Porque, por <strong>um</strong> lado, como é que<br />
se compatibilizam os conteú<strong>dos</strong> funcionais<br />
que estão defini<strong>dos</strong> para o exercício de<br />
determina<strong>das</strong> funções na tramitação <strong>dos</strong><br />
processos com <strong>um</strong>a tendência para a<br />
especialização dentro de determina<strong>das</strong><br />
temáticas, e, por outro, com a ideia de que<br />
temos juízos em que é <strong>sobre</strong>tudo a<br />
massificação da conflitualidade que ali está<br />
presente, ao passo que noutros é a<br />
complexidade da litigação que está<br />
presente? Como é que encontramos<br />
sistemas com princípios orientadores,<br />
protocolos de funcionamento, mas que,<br />
depois, permitam esta flexibilidade?<br />
Por outro lado, como é que conseguimos<br />
determinar n<strong>um</strong>a secção de processos,<br />
conceitos de que hoje se fala muito, como<br />
front office ou back office, quando temos,<br />
ainda entre nós, <strong>um</strong>a tendência<br />
excessivamente atomística, com secções<br />
em que to<strong>dos</strong> fazem o mesmo, e em que<br />
os funcionários estão sistematicamente a<br />
ser interrompi<strong>dos</strong> por atendimento ao<br />
público ou pelo telefone? Ou como é que<br />
se define se se deve dar mais importância<br />
à recuperação de processos pendentes ou<br />
antes manter os processos mais recentes<br />
em dia?<br />
No fundo, como é que se resolvem estas<br />
questões de maneira a atender de <strong>um</strong>a<br />
forma diferenciada neste princípio e<br />
orientação de qualidade, porque a justiça é<br />
<strong>um</strong> serviço público, essencial n<strong>um</strong>a<br />
sociedade democrática. A justiça está ao<br />
serviço do cidadão. É <strong>um</strong> chavão, é certo,<br />
mas temos de dizê-lo. Tem de haver<br />
prioridades na justiça. Não me parece que<br />
se possa achar que <strong>um</strong> problema de <strong>um</strong>a<br />
criança ou de <strong>um</strong>a pessoa que necessita<br />
de <strong>um</strong>a pensão de alimentos e <strong>um</strong>a<br />
questão de divisão de <strong>um</strong> terreno é a<br />
mesma coisa e entre no mesmo número.<br />
Há quem entenda que é a mesma coisa.<br />
To<strong>dos</strong> têm a sua importância, claro, mas há<br />
aqui <strong>um</strong>a prioridade em determinado tipo<br />
de conflitos, pelo que, penso que temos<br />
que encontrar formas internas de tornar o<br />
sistema mais eficaz.<br />
É também importante dizer que muito do<br />
que acontece no sistema da justiça em<br />
termos de ineficiência ou morosidade não<br />
tem a ver só com o que acontece<br />
internamente. Hoje, as instituições<br />
conexas, que trabalham com a justiça são<br />
muitas e varia<strong>das</strong>. Há muitas questões que<br />
dependem muito do trabalho do Instituto<br />
Nacional de Medicina Legal, da Segurança<br />
Social, <strong>das</strong> Finanças, e compete ao Estado<br />
e ao poder político ter <strong>um</strong>a visão conjunta e<br />
sistémica. Tem de se saber articular, no<br />
sentido de encontrar formas de agilização.<br />
Mas também não nos esqueçamos que<br />
isso tem a ver com a cultura de to<strong>dos</strong> nós.<br />
De facto, continua muito presente no nosso<br />
sistema interno e na forma como se articula<br />
com as outras instituições, a ideia do ofício,<br />
do despacho, etc.<br />
É a nossa forma de trabalhar, mas que<br />
urge alterar, porque nos perdemos no<br />
ofício, no prazo para isto e para aquilo, e<br />
esquecemo-nos, muitas vezes, ou<br />
relegamos para segundo plano, o que é<br />
verdadeiramente importante: a resolução<br />
do conflito. O que precisamos, de facto, é<br />
criar <strong>um</strong>a cultura de <strong>gestão</strong> do processo,<br />
porque quando o problema social que os<br />
Anexo 265
cidadãos pedem ao tribunal para resolver<br />
entra no sistema, tem de haver <strong>um</strong>a<br />
previsibilidade da sua resolução.<br />
É evidente que não é fácil fazê-lo,<br />
atendendo à carga burocrática e ao<br />
problema da articulação com as outras<br />
instituições, porque mais do que <strong>um</strong><br />
problema da justiça, este é <strong>um</strong> problema de<br />
funcionamento da sociedade.<br />
Eu penso que depende muito, também, de<br />
<strong>um</strong>a outra dinâmica que o poder político<br />
possa aqui implementar, mas <strong>sobre</strong>tudo<br />
<strong>dos</strong> protagonistas da justiça e da forma<br />
como encaram as situações.<br />
Comentários<br />
OPJ<br />
Iniciaríamos os nossos trabalhos com este<br />
nosso painel de comentadores e depois,<br />
abriremos o debate a to<strong>dos</strong>. Por consenso<br />
da mesa, penso que vamos começar<br />
primeiro pelo lado jurídico, isto é, pelo lado<br />
do sistema e depois, ouviremos as visões<br />
externas do sistema.<br />
S6<br />
Muito boa tarde. Neste contexto de<br />
comentário que nos coube, pensámos que<br />
seria útil fazer <strong>um</strong>a referência à <strong>experiência</strong><br />
em curso e a que estamos a proceder.<br />
Refiro-me a esta <strong>experiência</strong> piloto<br />
portuguesa que se iniciou em 14 de Abril<br />
de 2009.<br />
Esta <strong>experiência</strong> que está em curso em<br />
três <strong>comarcas</strong> piloto assenta em três<br />
vectores, que são, <strong>um</strong>a nova matriz<br />
territorial, <strong>um</strong> novo modelo de <strong>gestão</strong> e<br />
<strong>um</strong>a acentuada especialização <strong>das</strong><br />
266<br />
Tudo isto para concluir que há <strong>um</strong>a<br />
necessidade de repensarmos e<br />
reformularmos esta forma de organização<br />
interna <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>, que tem de definir<br />
princípios orientadores, metas e objectivos<br />
com flexibilidade para diferenciar o que é<br />
diferente, com novas formas de<br />
funcionamento, com mais qualidade e<br />
eficiência para dar aos cidadãos e às<br />
empresas <strong>um</strong>a resposta mais rápida. Mas<br />
estas são apenas <strong>um</strong>as notas e penso que<br />
de seguida, no debate, vamos discutir<br />
to<strong>das</strong> estas questões.<br />
jurisdições.<br />
Quanto à matriz territorial e como é <strong>um</strong>a<br />
opção política, parece-me que<br />
relativamente a cada <strong>um</strong>as <strong>das</strong> <strong>comarcas</strong><br />
há características muito particulares e<br />
talvez não seja a questão central deste<br />
debate.<br />
Quanto à especialização <strong>das</strong> jurisdições,<br />
hoje em dia parece não oferecer dúvi<strong>das</strong><br />
quanto ao seu benefício para os cidadãos<br />
que se dirigem aos serviços da justiça.<br />
O novo modelo de <strong>gestão</strong> que foi instituído<br />
constitui talvez a maior novidade e o maior<br />
desafio desta reforma. Este modelo, penso<br />
que se poderá definir por três ideias-chave:<br />
por <strong>um</strong> lado a desconcentração, por outro,<br />
<strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> integrada e de proximidade e,<br />
embora ainda tímida, <strong>um</strong>a abertura à<br />
participação de to<strong>dos</strong> os actores judiciários<br />
e não apenas <strong>dos</strong> tradicionais operadores<br />
<strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong>: os juízes, os magistra<strong>dos</strong> do<br />
Ministério Público e os funcionários<br />
judiciais.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
A concretização destes vectores encontra a<br />
sua expressão nos órgãos de <strong>gestão</strong> que<br />
estão instituí<strong>dos</strong> na relação entre eles e na<br />
relação deles com os poderes e os órgãos<br />
centrais.<br />
São órgãos de <strong>gestão</strong>: o juiz presidente e<br />
os juízes coordenadores; o administrador<br />
judiciário; o conselho de comarca, aqui sim<br />
a intervenção <strong>dos</strong> actores judiciários<br />
estranhos àquilo que normalmente se<br />
designa como o tribunal e que aqui é talvez<br />
<strong>um</strong>a novidade e <strong>um</strong>a garantia de qualidade<br />
do nosso sistema – ver-se-á depois as<br />
dificuldades que isso ainda traz – e quanto<br />
aos serviços do Ministério Público, no<br />
respeito pela sua autonomia, a<br />
coordenação pelo magistrado da respectiva<br />
magistratura.<br />
No nosso sistema, a administração da<br />
justiça envolve, por <strong>um</strong> lado, o executivo<br />
que define a política de justiça; por outro<br />
lado, o órgão de <strong>gestão</strong> da magistratura<br />
judicial: o Conselho Superior da<br />
Magistratura.<br />
A opção da lei orgânica, naquele contexto<br />
<strong>dos</strong> órgãos de <strong>gestão</strong> que referi, optou por<br />
atribuir ao juiz presidente ao nível da<br />
comarca – e aqui se encontra a<br />
desconcentração e também a <strong>gestão</strong><br />
integrada e de proximidade – a<br />
coordenação de diversos aspectos de<br />
competências que são, por <strong>um</strong> lado, do<br />
Conselho Superior da Magistratura, por<br />
outro do executivo antes da reforma, e<br />
competências que existem, tanto ao nível<br />
decisório, do próprio juiz presidente, como<br />
ao nível da instituição de <strong>um</strong>a obrigação de<br />
promoção junto desses órgãos, daquilo que<br />
é relevante e que é importante para a<br />
comarca concreta e que é gerida. São<br />
disso exemplo as competências atribuí<strong>das</strong><br />
ao juiz presidente quanto à colocação de<br />
funcionários judiciais no âmbito <strong>dos</strong> juízos,<br />
com extinção da noção de quadro, por<br />
exemplo, relativamente aos escrivães<br />
adjuntos e aos escrivães auxiliares, e não<br />
quanto aos escrivães de direito.<br />
Penso que esta é <strong>um</strong>a <strong>das</strong> grandes<br />
potencialidades de <strong>gestão</strong> de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos e de desconcentração dessa<br />
<strong>gestão</strong>.<br />
Ao nível do juiz presidente, como se<br />
recordarão, eram defini<strong>dos</strong> os quadros <strong>das</strong><br />
secretarias, o número de escrivães<br />
adjuntos, o número de escrivães auxiliares<br />
que deveriam ser atribuí<strong>dos</strong> a cada juízo.<br />
Actualmente é definido o número destas<br />
categorias que cabe a <strong>um</strong>a determinada<br />
comarca ou aos juízos territoriais dessa<br />
comarca, e a <strong>gestão</strong> é feita pelo juiz<br />
presidente na consideração <strong>das</strong> concretas<br />
circunstâncias do serviço e, eventualmente,<br />
da alteração delas.<br />
Em situações, como por exemplo nos<br />
juízos de (…), que são juìzos com <strong>um</strong>a<br />
enorme dimensão, e portanto têm <strong>um</strong><br />
número muito grande de funcionários<br />
atribuí<strong>dos</strong> sem quadro, penso que 140, se<br />
não estou em erro, permite, de facto, <strong>um</strong>a<br />
flexibilização da <strong>gestão</strong>. Permite, por outro<br />
lado, compreensão <strong>das</strong> dificuldades e <strong>das</strong><br />
necessidades de cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> juízos em<br />
termos de lhes afectar, no momento, mais<br />
ou menos escrivães adjuntos, mais ou<br />
menos escrivães auxiliares e de ir<br />
alterando isto ao longo do tempo, o que me<br />
parece ser <strong>um</strong>a <strong>das</strong> grandes virtualidades<br />
desta reforma.<br />
Por outro lado, a competência do juiz<br />
presidente para propor, por exemplo, a<br />
especialização <strong>das</strong> secções de processos,<br />
penso que responde também a alg<strong>um</strong>as<br />
<strong>das</strong> dificuldades que nos foram<br />
transmiti<strong>das</strong> relativamente ao sistema<br />
espanhol, de <strong>gestão</strong> <strong>das</strong> secretarias.<br />
As secretarias puderam passar a ser<br />
geri<strong>das</strong> em termos de competências<br />
materiais e de especialização dessas<br />
competências materiais, em termos de<br />
afectação, por exemplo, de <strong>um</strong> grupo de<br />
funcionários a <strong>um</strong> determinado grupo de<br />
tarefas ou a <strong>um</strong>a determinada matéria<br />
processual.<br />
Anexo 267
Assim, daquilo que sei, embora ainda não<br />
haja nenh<strong>um</strong>a <strong>experiência</strong> a esse nível nas<br />
três <strong>comarcas</strong> piloto, há circunstâncias que<br />
me parece, por exemplo, relativamente aos<br />
juìzos de (…) que aconselham que seja<br />
pensada essa solução.<br />
Esta especialização <strong>das</strong> secções permite<br />
<strong>um</strong>a especialização funcional ao encontro<br />
daquilo que há pouco nos foi referido, que<br />
nos faz escapar àquele modelo que, a meu<br />
ver, bloqueia muitas vezes as nossas<br />
secretarias, que é termos os processos<br />
distribuí<strong>dos</strong> por números e por funcionários<br />
que fazem to<strong>dos</strong> eles tudo e, faltando o<br />
funcionário, <strong>um</strong> determinado tipo de<br />
processos pára durante <strong>um</strong>a semana, <strong>um</strong><br />
mês…<br />
Esta reforma, pela proximidade da <strong>gestão</strong><br />
do juiz presidente e pela possibilidade<br />
desta especialização e desta diversificação<br />
<strong>dos</strong> conteú<strong>dos</strong> funcionais, parece-me ter<br />
funcionalidades muito relevantes.<br />
De notar que esta decisão é atribuída,<br />
embora se inclua naquela obrigação de<br />
promoção do juiz presidente ao Conselho<br />
Superior da Magistratura que deverá<br />
articular depois com os órgãos do<br />
executivo necessários à efectivação da<br />
especialização <strong>das</strong> secções.<br />
Por outro lado, a possibilidade de o juiz<br />
presidente propor a reafectação de juízes,<br />
a ac<strong>um</strong>ulação de funções, a colocação de<br />
juízes do quadro complementar permite<br />
<strong>um</strong>a maior maleabilidade e <strong>um</strong>a<br />
proximidade decorrente do conhecimento<br />
concreto e real <strong>das</strong> situações que<br />
possibilita <strong>um</strong>a intervenção atempada, que<br />
embora já existisse no regime anterior. De<br />
facto, estes institutos existiam, mas de <strong>um</strong>a<br />
tal maneira centralizada e lidando com<br />
situações atomistas em que <strong>um</strong> juízo de<br />
<strong>um</strong>a secretaria não tinha <strong>um</strong>a coordenação<br />
que permitisse ver o conjunto, não tinha<br />
talvez as possibilidades que, actualmente,<br />
e em concreto, por exemplo, tem n<strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />
<strong>comarcas</strong> piloto – e sei porque temos<br />
268<br />
institucionalizado <strong>um</strong> conselho <strong>dos</strong> juízes<br />
presidentes que nas outras <strong>comarcas</strong><br />
também tem tido bons resulta<strong>dos</strong>.<br />
Por outro lado, ao nível da <strong>gestão</strong><br />
processual entendida como a <strong>gestão</strong><br />
macro, ou seja a <strong>gestão</strong> do conjunto, da<br />
organização da tramitação de <strong>um</strong> conjunto<br />
de processos pendente n<strong>um</strong> tribunal,<br />
também as funções que são atribuí<strong>das</strong> ao<br />
juiz presidente em conjunto com os juízes<br />
coordenadores e também com os juízes<br />
titulares permitem, por <strong>um</strong> lado, obter <strong>um</strong>a<br />
uniformidade de critérios e obviar em<br />
situações como aquela que nos foi descrita<br />
há pouco por <strong>um</strong>a <strong>das</strong> pessoas que<br />
interveio descrevendo o modelo espanhol,<br />
que é de encontrarmos juízos vizinhos em<br />
que as opções são diversas, sendo que os<br />
cidadãos se defrontam com essa<br />
diversidade sem haver <strong>um</strong>a explicação<br />
para isso.<br />
Situa-se, também, a <strong>gestão</strong> processual a<br />
este nível que parece ser o local correcto,<br />
que é no âmbito do judicial e não no âmbito<br />
do executivo, sendo certo que há a tal<br />
articulação entre o juiz presidente e os<br />
juízes coordenadores e os juízes titulares,<br />
aos quais continua a caber, mediante a<br />
dependência funcional <strong>das</strong> secretarias, a<br />
<strong>gestão</strong> processual ao nível micro, ou seja<br />
ao nível da <strong>gestão</strong> do processo em si e da<br />
sua tramitação.<br />
Esta <strong>gestão</strong> processual, isto é, como se<br />
dizia há pouco, a questão de quando <strong>um</strong><br />
processo entra dever ser possível<br />
determinar quando é que ele acaba e gerir<br />
os passos da sua tramitação, é talvez o<br />
ponto mais fraco e que resulta já não da<br />
organização judiciária mas da organização<br />
<strong>das</strong> leis de processo.<br />
Nós temos situações, por exemplo, nos<br />
processos de insolvência actuais, em que a<br />
própria lei de organização do processo faz<br />
com que o seu início e a prática do primeiro<br />
acto pelo juiz desencadeie, por exemplo,<br />
<strong>um</strong> conjunto de prazos que permite fazer<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
esta previsão e esta <strong>gestão</strong> do próprio<br />
processo. Não temos isso ao nível do<br />
processo civil. Quando <strong>um</strong> processo civil<br />
entra n<strong>um</strong> tribunal, por muito que o juiz<br />
queira fazer <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> dele, a tramitação<br />
processual encarrega-se de o dissuadir<br />
dessa intenção porque os diversos<br />
operadores, como têm prazos que<br />
começam a correr em circunstâncias<br />
diversas que dependem da prática de actos<br />
diversos tornam isso muito complicado.<br />
Por exemplo, na comarca (…), porque há<br />
esta possibilidade ao nível <strong>dos</strong> processos<br />
de insolvência, está a ser feito <strong>um</strong> estudo<br />
do que é a tramitação razoável destes<br />
processos que permitam <strong>um</strong>a <strong>gestão</strong> ao<br />
nível micro. Esse estudo está a ser feito em<br />
ordem a podermos dali tirar alg<strong>um</strong>as<br />
conclusões relativamente a processos que,<br />
por exemplo, excedam esse prazo de<br />
tramitação e quais são os<br />
estrangulamentos de que eles resultam.<br />
O ponto de encontro, parece-me ser a<br />
figura do juiz presidente, para além da<br />
actividade de <strong>gestão</strong> processual, deve-se<br />
ter em conta a figura do administrador<br />
judiciário que tem competências delega<strong>das</strong><br />
do juiz presidente, mas que tem também<br />
<strong>um</strong> conjunto de competências delega<strong>das</strong><br />
<strong>dos</strong> órgãos centrais da administração (do<br />
Instituto de Gestão Financeira e de Infra-<br />
Estruturas da Justiça e da Direcção-Geral<br />
da Administração da Justiça). E parece-me<br />
que o sistema tem a possibilidade de não<br />
criar assim <strong>um</strong>a bicefalia, mas, antes pelo<br />
contrário, integrar na comarca e nesta<br />
desconcentração da comarca, este<br />
conjunto de competências, <strong>um</strong>a vez que o<br />
administrador judiciário coadjuva o juiz<br />
presidente e, parece-nos, exercerá tais<br />
funções em coordenação com o plano<br />
administrativo do juiz presidente, pese<br />
embora, e como é óbvio, o respeito pela<br />
direcção <strong>das</strong> entidades delega<strong>das</strong>.<br />
Este ponto de encontro de coordenação e<br />
de confluência de interventores na figura do<br />
juiz presidente permite <strong>um</strong>a<br />
desconcentração da intervenção central ao<br />
nível da comarca sem a afastar, e que,<br />
obviamente, tem de existir ao nível<br />
nacional, mas, também, <strong>um</strong>a proximidade<br />
de <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> problemas concretos e a<br />
integração e coordenação <strong>das</strong> várias áreas<br />
de intervenção.<br />
O que eu referi inicialmente quanto à<br />
possibilidade de colocação de funcionários<br />
judiciais, por exemplo de promoção do que<br />
é necessário ao nível <strong>dos</strong> juízes, permite<br />
adequar, por exemplo, <strong>um</strong>a situação de<br />
colocação do juiz auxiliar pelo Conselho<br />
Superior da Magistratura com a colocação<br />
de funcionários acresci<strong>dos</strong> para suportarem<br />
a actividade do juiz auxiliar. Contrariamente<br />
ao que muitas vezes encontrávamos nos<br />
<strong>tribunais</strong>, que era o Conselho intervir<br />
colocando juízes, mas como entretanto não<br />
eram coloca<strong>dos</strong> funcionários, o<br />
engarrafamento movia-se do gabinete do<br />
juiz para a secção e os cidadãos<br />
continuavam a ter os seus processos<br />
para<strong>dos</strong>.<br />
A nomeação do juiz presidente pelo<br />
Conselho Superior da Magistratura, que foi<br />
consagrada na lei orgânica, sendo este o<br />
órgão garante da independência <strong>dos</strong> juízes,<br />
também atribui ao sistema <strong>um</strong> factor de<br />
qualidade que, situando-se a <strong>um</strong> nível<br />
diverso da eficácia, tem assim imensa<br />
relevância. Garante, também, no sistema, o<br />
direito a <strong>um</strong> juiz, e o direito ao juiz<br />
entendido nos termos em que o Conselho<br />
da Europa e o Tribunal Europeu <strong>dos</strong><br />
Direitos do Homem os vêm referindo, ou<br />
seja, direito a <strong>um</strong> juiz independente,<br />
imparcial, cremos terá que ser também <strong>um</strong><br />
juiz director efectivo da marcha do<br />
processo.<br />
Na situação portuguesa, o carácter<br />
adjectivo <strong>das</strong> leis processuais parece<br />
indicar que não há <strong>um</strong>a possibilidade de<br />
dissociação da actividade processual da<br />
actividade jurisdicional. Esta actividade<br />
processual não é <strong>um</strong>a actividade<br />
administrativa.<br />
Anexo 269
Isto para em linhas muito breves vos dizer<br />
o que são as grandes potencialidades do<br />
sistema que está instituído, sendo certo<br />
que isto não quer dizer que tudo sejam<br />
rosas no âmbito da <strong>experiência</strong> que<br />
estamos a viver. Há muitos espinhos, mas<br />
são <strong>sobre</strong>tudo virtualidades que penso que<br />
é responsabilidade nossa desenvolvê-las e<br />
que tem possibilidades de intervenção<br />
concreta.<br />
Temos levado a cabo reuniões de<br />
avaliação, de planeamento, em que há <strong>um</strong>a<br />
intervenção efectiva na <strong>gestão</strong> <strong>das</strong><br />
secretarias e, no fundo, da definição de<br />
quais são os parâmetros que o trabalho<br />
<strong>das</strong> secretarias deve seguir.<br />
Na minha comarca tem havido o<br />
envolvimento de to<strong>dos</strong> os juízes, e esto<strong>um</strong>e<br />
a referir ao âmbito judicial. Outras<br />
pessoas com mais <strong>experiência</strong> que eu<br />
poderão referi-lo, no âmbito do Ministério<br />
Público. Parece-me que são virtualidades<br />
importantes da reforma.<br />
Há pontos que são de dificuldade. A mera<br />
descrição que fiz, fá-los suscitar. Há várias<br />
competências envolvi<strong>das</strong> na coordenação<br />
de to<strong>das</strong>, são passos de <strong>um</strong> caminho que<br />
estamos a percorrer sem estar ainda<br />
delineado. Há <strong>um</strong>a nova mentalidade que<br />
precisa de crescer e de ser desenvolvida,<br />
que ainda é muito embrionária, e a<br />
coordenação <strong>dos</strong> inventores envolvi<strong>dos</strong><br />
nem sempre resulta óbvia.<br />
Por outro lado, e apenas em apontamento,<br />
o conselho de comarca. Este órgão é <strong>um</strong><br />
órgão que tem apenas funções consultivas,<br />
mas a sua intervenção na <strong>experiência</strong> que<br />
temos é de <strong>um</strong> entusiasmo grande <strong>das</strong><br />
pessoas relativamente ao conselho de<br />
comarca. Devo dizer que, inicialmente,<br />
quando foram coopta<strong>dos</strong> os membros<br />
relativos aos utentes <strong>dos</strong> serviços de<br />
justiça, tive alg<strong>um</strong> receio de qual fosse a<br />
receptividade, mas, de imediato, as<br />
pessoas manifestaram o seu agrado e o<br />
seu interesse e têm sido assíduas e<br />
270<br />
interventoras nas reuniões do conselho de<br />
comarca.<br />
As funções consultivas que têm e a<br />
dificuldade, ainda, de capacidade efectiva<br />
de participação, pela percepção do que é o<br />
tribunal, são dificuldades. Mas penso que é<br />
<strong>um</strong> caminho adequado e seguro, trazer ao<br />
tribunal as pessoas que, sendo verdadeiros<br />
destinatários do serviço que prestamos, às<br />
vezes poderão ter pouca voz.<br />
Por exemplo, relativamente a este<br />
entusiasmo <strong>dos</strong> membros coopta<strong>dos</strong>,<br />
também correspondeu na eleição que se<br />
fez para a designação do membro que<br />
representa os funcionários judiciais. A<br />
participação que foi feita por voto secreto e<br />
universal <strong>dos</strong> funcionários destaca<strong>dos</strong> na<br />
comarca foi surpreendentemente elevada e<br />
muito satisfatória, sob esse ponto de vista.<br />
Quanto aos serviços do Ministério Público,<br />
não os referi porque há outros participantes<br />
que o poderão referir melhor do que eu.<br />
Penso que a consagração de <strong>um</strong>a<br />
coordenação autónoma corresponde ao<br />
estatuto de autonomia que tem que ser<br />
garantido. A coordenação informal que a<br />
presidência e a coordenação do Ministério<br />
Público podem ir mantendo - e que<br />
mantém, efectivamente - é <strong>um</strong>a mais-valia,<br />
sem dúvida, para os serviços da comarca.<br />
Há muitas situações que são de<br />
colaboração entre os serviços e, assim,<br />
podem ser optimiza<strong>das</strong>, nomeadamente,<br />
dividindo o trabalho que tem que ser feito<br />
ao nível que estamos a ensaiar, do arquivo<br />
de objectos, do registo <strong>dos</strong> processos.<br />
Por outro lado, a instituição formal da<br />
comissão permanente que é constituída<br />
pelo juiz presidente, pelo magistrado do<br />
Ministério Público, pelo coordenador e<br />
também pelo representante da Ordem <strong>dos</strong><br />
Advoga<strong>dos</strong>, tem permitido <strong>um</strong> melhor<br />
diálogo que é profícuo e é também <strong>um</strong><br />
daqueles órgãos, que estando ainda muito<br />
em estado embrionário será muito<br />
relevante de envolver e de desenvolver ao<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
nível da sua participação na vida da<br />
comarca.<br />
Muito Obrigado.<br />
S7<br />
Face à exposição anterior, apenas queria<br />
acrescentar o seguinte: é <strong>um</strong>a questão<br />
recorrente que colegas e outros operadores<br />
judiciários que não integram nenh<strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />
<strong>comarcas</strong> piloto me colocam sub-questões<br />
liga<strong>das</strong> a essa questão principal e que é a<br />
seguinte: Isso corre bem? Isso funciona?<br />
Isso não causa <strong>um</strong>a grande confusão? Não<br />
se trata de <strong>um</strong>a estrutura demasiado<br />
pesada? Essa organização nova e esse<br />
novo modelo de <strong>gestão</strong> não causa<br />
confusão entre os colegas juízes, entre<br />
procuradores, funcionários? Não seria<br />
melhor termos outra solução?<br />
Aquilo que eu posso dizer da <strong>experiência</strong><br />
que tem sido vivida desde o dia 14 de Abril<br />
do ano passado é que, efectivamente,<br />
funciona. Claro que, conforme foi referido,<br />
nem tudo são rosas, existem obviamente<br />
espinhos, mas as potencialidades deste<br />
novo modelo de <strong>gestão</strong>, coloca<strong>das</strong> na<br />
balança, acabam por resultar, digamos,<br />
mais positivas do que propriamente naquilo<br />
que aparentemente se afigura ou se podia<br />
afigurar como negativas. E aquilo que tem<br />
sido bastante positivo, na minha<br />
perspectiva, tem sido o envolvimento <strong>dos</strong><br />
vários intervenientes, <strong>sobre</strong>tudo <strong>dos</strong><br />
magistra<strong>dos</strong> judiciais, do Ministério Público<br />
e <strong>dos</strong> funcionários judiciais, trabalhando,<br />
agora sim, verdadeiramente como equipa.<br />
Isto parece, no fundo, <strong>um</strong>a visão idílica,<br />
mas nesta situação não é. É <strong>um</strong>a visão<br />
real. O que nós estávamos habitua<strong>dos</strong> – e<br />
voltamos à questão <strong>das</strong> mentalidades – era<br />
o juiz, o magistrado do Ministério Público, a<br />
secção de processos.<br />
Hoje nós estamos n<strong>um</strong> modelo em que,<br />
mais do que isso, temos unidades<br />
orgânicas pertencentes a <strong>um</strong> único tribunal<br />
e em que é curioso verificar, mesmo do<br />
ponto de vista <strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong> judiciais, os<br />
colegas já não trabalham só com eles<br />
próprios, dentro do seu próprio gabinete,<br />
com os seus próprios processos. Há <strong>um</strong><br />
entrosamento de cada unidade orgânica e<br />
inclusivamente propostas de solução de<br />
determina<strong>das</strong> situações.<br />
Eu vou dar <strong>um</strong> exemplo muito simples: se<br />
eu n<strong>um</strong>a unidade orgânica detecto que<br />
existe <strong>um</strong>a situação que é deficitária em<br />
termos de serviço, quer porque a<br />
pendência do processo é elevada, quer<br />
porque o método que está a ser aplicado<br />
pode não ser o mais correcto a médio<br />
prazo, eu tenho imediatamente <strong>um</strong> colega<br />
que me propõe e sugere <strong>um</strong>a reafectação -<br />
“colega eu estou disponìvel para ser<br />
reafectado àquele serviço, para fazer<br />
saneadores, fazer sentenças”.<br />
Ora, isto é <strong>um</strong> exemplo de <strong>um</strong>a situação<br />
que hoje, neste novo modelo de <strong>gestão</strong> é<br />
possível - pegar nas peças de <strong>um</strong> puzzle<br />
mais completo e organizá-las, de acordo<br />
com aquilo que são as necessidades<br />
concretas.<br />
Esse é <strong>um</strong> exemplo relativamente a<br />
magistra<strong>dos</strong> judiciais, outros existem<br />
relativamente ao quadro de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos <strong>dos</strong> funcionários, ainda que este<br />
é <strong>um</strong> <strong>dos</strong> aspectos em que poderemos<br />
caminhar n<strong>um</strong> sentido mais profundo.<br />
Portanto, a movimentação de funcionários<br />
judiciais, no âmbito territorial de <strong>um</strong>a<br />
comarca, seria extremamente positiva se<br />
pudesse ser mais alargada do que hoje<br />
está prevista na lei. Poderia, efectivamente,<br />
trazer resulta<strong>dos</strong> positivos para as<br />
necessidades do serviço que se verificam.<br />
Para concluir, gostaria de acrescentar que<br />
quanto aos órgãos que hoje integram este<br />
novo modelo de <strong>gestão</strong>, concretamente o<br />
conselho de comarca, que é composto,<br />
quer pelo conselho geral, quer pela<br />
comissão permanente, também tem sido<br />
Anexo 271
muito interessante verificar, na prática, o<br />
modo de funcionamento destas duas<br />
estruturas. O que, aparentemente, poderá<br />
parecer pesado e que me perguntam: “mas<br />
isso não é <strong>um</strong>a perda de tempo?”,<br />
respondo que não é <strong>um</strong>a perda de tempo<br />
porque na <strong>gestão</strong> de <strong>um</strong> tribunal, e quer<br />
nós magistra<strong>dos</strong>, quer funcionários, quer<br />
outros operadores judiciários,<br />
representa<strong>dos</strong>, obviamente, no conselho<br />
geral, precisamos de ter, cada vez mais,<br />
<strong>um</strong>a visão global do funcionamento do<br />
tribunal e <strong>das</strong> respectivas unidades<br />
orgânicas. E tem sido justamente essa a<br />
finalidade que se tem procurado prosseguir<br />
no funcionamento deste órgão. Há<br />
questões, que, de facto, não estávamos<br />
habitua<strong>dos</strong> a considerar, como<br />
magistra<strong>dos</strong>, em termos de <strong>gestão</strong> de<br />
<strong>tribunais</strong>.<br />
O facto de tornarmos a <strong>gestão</strong><br />
multidisciplinar enriquece a <strong>gestão</strong> e<br />
permite <strong>um</strong>a certa abertura ao exterior. O<br />
tribunal, deixa tendencialmente de ser <strong>um</strong>a<br />
entidade fechada, <strong>um</strong>a entidade vista como<br />
qualquer coisa onde apenas se vai de vez<br />
em quando ou, de preferência, onde não se<br />
vai, para ser efectivamente <strong>um</strong>a estrutura<br />
que é tida como minimamente organizada,<br />
e que, tendencialmente, poderá até estar<br />
aberta a novas iniciativas.<br />
Desse ponto de vista, aquilo que está<br />
previsto em termos de elaboração de plano<br />
de actividades, que aliás é <strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />
competências que hoje estão atribuí<strong>das</strong> ao<br />
juízes presidentes e que gerou alg<strong>um</strong>a<br />
discussão e debate de ideias entre nós, é a<br />
pergunta: o que seria esse plano de<br />
actividades? Porque, no fundo, os <strong>tribunais</strong><br />
não tinham planos de actividades. E pensar<br />
que se a competência de <strong>um</strong> tribunal é, no<br />
fundo, exercer a actividade jurisdicional,<br />
então o que é que sobra para esse plano<br />
de actividades?<br />
Foi interessante elaborar esse plano de<br />
actividades, e <strong>sobre</strong>tudo, penso que vai ser<br />
interessante colocá-lo na prática e ver<br />
272<br />
como isso resulta. E ver, efectivamente,<br />
que é possível elaborar <strong>um</strong> plano de<br />
actividades, e que afinal <strong>um</strong> tribunal pode<br />
ter várias actividades para além da<br />
actividade jurisdicional.<br />
Muito caminho há ainda para percorrer, não<br />
temos dúvi<strong>das</strong>. Muita coisa há por<br />
desenvolver e também por aperfeiçoar, na<br />
certeza, porém, daquilo que temos<br />
discutido, de que efectivamente este<br />
modelo tem várias potencialidades e várias<br />
virtudes.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO<br />
S8<br />
Na sequência da exposição anterior, queria<br />
apenas dar conhecimento de alguns<br />
problemas, da percepção daquilo que é<br />
específico da comarca onde trabalho.<br />
Também penso que este novo modelo de<br />
mapa judiciário tem virtualidades e tem<br />
potencialidades, mas de facto o que é<br />
importante saber no final é se essas<br />
potencialidades se vão transformar em<br />
acto. Se são estes os resulta<strong>dos</strong> que se<br />
esperam, se depois de todo este vol<strong>um</strong>e de<br />
recursos económicos, de recursos<br />
judiciários, de funcionários, de magistra<strong>dos</strong>,<br />
se isto corresponde no final a <strong>um</strong> maior<br />
número de processos decidi<strong>dos</strong>, a <strong>um</strong><br />
maior número de resoluções da<strong>das</strong> às<br />
questões que as pessoas colocam perante<br />
a justiça. E essa é a questão nuclear, essa<br />
é que vai seguir o julgamento no final deste<br />
novo mapa judiciário.<br />
Tenho procurado indagar, junto <strong>das</strong> mais<br />
diversas entidades e organismos ,<strong>sobre</strong><br />
eventual informação que exista acerca<br />
desta questão, mas não tenho tido<br />
nenh<strong>um</strong>a informação. Tenho aquelas<br />
informações que vou obtendo por mim<br />
próprio na <strong>gestão</strong> do tribunal no dia-a-dia, e<br />
devo dizer que na actividade da<br />
administração da comarca há elementos<br />
que nos faltam <strong>sobre</strong> os seus resulta<strong>dos</strong>.<br />
Por exemplo, acho que como presidente da
comarca deveria ter - tal como <strong>um</strong><br />
magistrado quando se senta ao<br />
computador e tem acesso ao Citius - forma<br />
de poder saber quais são os processos que<br />
estão atrasa<strong>dos</strong>, que é <strong>um</strong>a <strong>das</strong> funções do<br />
juiz presidente, isto é, poder saber quais os<br />
processos que estão atrasa<strong>dos</strong> há mais de<br />
três e há mais de seis meses, sinalizá-los,<br />
identificá-los, e indagar dessa situação.<br />
Nós não podemos, a não ser que haja <strong>um</strong>a<br />
indicação de alg<strong>um</strong> interessado, se esse<br />
processo está ou não atrasado há seis<br />
meses, e qual é o seu estado. Portanto,<br />
nós só agimos por reacção. As pessoas<br />
reagem e nós, então, vamos à procura<br />
deste processo e indagar o que é que se<br />
passa. Esse é <strong>um</strong> problema, <strong>um</strong>a limitação<br />
grande na actividade do presidente da<br />
comarca, que não tem como saber aquilo<br />
que, de facto, se passa em concreto na sua<br />
comarca.<br />
Um outro problema que eu sinalizo na<br />
organização da comarca, tendo em<br />
atenção o novo mapa judiciário, é que este<br />
mapa engloba <strong>um</strong> determinado número de<br />
unidades orgânicas, mas essas unidades<br />
estão organiza<strong>das</strong> sob o modelo <strong>das</strong><br />
<strong>comarcas</strong> anteriores. Ou seja, os juízes<br />
estão coloca<strong>dos</strong> naqueles juízos, os<br />
funcionários estão coloca<strong>dos</strong> naquelas<br />
secretarias e não consigo fazer <strong>um</strong>a<br />
<strong>gestão</strong>, tanto de magistra<strong>dos</strong> como de<br />
funcionários, a não ser que tenha a<br />
anuência dessas pessoas.<br />
Dos magistra<strong>dos</strong>, tenho obtido sempre a<br />
melhor colaboração, pronta e excelente, e<br />
sobeja. Mas, em relação aos funcionários,<br />
n<strong>um</strong> ponto em concreto, em que eu<br />
necessitaria absolutamente dessa<br />
colaboração não a obtive e não tenho como<br />
a ultrapassar. E só me cabe respeitar a lei<br />
e os estatutos, e as limitações legais que<br />
daí decorrem. Portanto, não há como<br />
resolver essas situações a bem de <strong>um</strong>a<br />
justiça pronta e célere, que é<br />
absolutamente essencial para que as<br />
coisas corram a contento.<br />
Há aqui dois magistra<strong>dos</strong> coordenadores<br />
de <strong>um</strong>a comarca piloto que poderão darvos<br />
<strong>um</strong>a indicação <strong>sobre</strong> os seus juízos,<br />
porque os seus dois juízos de execução,<br />
juntamente com o de comércio, são três<br />
pontos absolutamente essenciais para o<br />
sucesso do mapa judiciário e é aí que se<br />
joga o interesse, não diria <strong>das</strong> pessoas de<br />
maneira geral - porque também há os<br />
<strong>tribunais</strong> cíveis, os juízos cíveis, e os<br />
<strong>tribunais</strong> de família e menores que também<br />
são relevantes, do ponto de vista pessoal -<br />
mas <strong>das</strong> empresas e da satisfação de<br />
interesses absolutamente relevantes, de<br />
que muitas vezes decorre <strong>um</strong>a má imagem<br />
da justiça, porque é aí que as pessoas<br />
sentem no seu bolso (se as suas empresas<br />
andam, se são liquida<strong>das</strong> em benefício <strong>dos</strong><br />
trabalhadores, se os credores tem obtido o<br />
ressarcimento <strong>dos</strong> seus créditos). E é aí,<br />
nesses três pontos essenciais da comarca,<br />
que se joga grande parte do sucesso do<br />
mapa judiciário.<br />
Essa solução, e esse problema que vem a<br />
seguir são, de facto, problemas de<br />
somenos resolução, que é a falta de<br />
funcionários.<br />
Quanto ao mapa judiciário, há a maneira<br />
como a presidência se relaciona com<br />
outras entidades, houve <strong>um</strong> grande<br />
benefício. Benefícios quer com as próprias<br />
autarquias, quer quando se dirige à<br />
comarca. Na verdade, há <strong>um</strong> ganho tanto<br />
para o serviço como para esses<br />
organismos quando se querem relacionar<br />
com a comarca e obter eventuais pedi<strong>dos</strong>,<br />
relativamente mesmo à própria cedência de<br />
instalações, por exemplo para organização<br />
de eventos. Há, pois, <strong>um</strong>a maior agilidade<br />
e celeridade nesse aspecto.<br />
Na minha comarca, por outro lado, há <strong>um</strong><br />
problema que não temos, que foi o facto de<br />
não termos herdado <strong>um</strong>a grande<br />
pendência. Contamos também com <strong>um</strong><br />
corpo de funcionários empenha<strong>dos</strong> e<br />
mobiliza<strong>dos</strong>, mas que é insuficiente e a<br />
solicitar alg<strong>um</strong> reforço em alg<strong>um</strong>as áreas, e<br />
Anexo 273
que tem <strong>sobre</strong>vivido à custa de <strong>um</strong> grande<br />
esforço de profissionais que se empenham<br />
profundamente nisso, em particular, <strong>dos</strong><br />
juízes e escrivães.<br />
Além disso, não tenho mais nenh<strong>um</strong>a<br />
queixa em relação à administração da<br />
comarca, a não ser o pedido já formulado<br />
ao senhor Director-Geral da Administração<br />
da Justiça que aqui, <strong>um</strong>a vez mais reitero,<br />
quanto à satisfação de <strong>um</strong> conjunto de<br />
funcionários, penso que cerca de 10<br />
funcionários.<br />
Muito obrigado a to<strong>dos</strong>.<br />
S9<br />
Boa tarde a to<strong>dos</strong>. O contributo que<br />
eventualmente vos possa dar tem a ver<br />
com as <strong>experiência</strong>s de modernização e de<br />
reestruturação de organismos da<br />
Administração Pública central, regional e<br />
local. E penso que alg<strong>um</strong>as questões que<br />
aí se colocaram, ir-se-ão também colocar<br />
neste processo de transformação, e<br />
portanto, penso que elas poderão ser úteis.<br />
Tenho muitas questões. Vamos começar<br />
pelas mais importantes e depois veremos<br />
se temos tempo para abordar as outras.<br />
Começaria por <strong>um</strong>a que já foi aflorada e<br />
que me parece determinante, que é a<br />
<strong>gestão</strong> por processos, ou a optimização de<br />
processos, ou a reengenharia de<br />
processos.<br />
O que está em causa é determinar em<br />
cada momento, agora e no futuro, quais<br />
são as actividades relevantes para que os<br />
processos possam ser eficazes. Onde<br />
estão os estrangulamentos que<br />
eventualmente estejam a comprometer os<br />
prazos previstos? Como é que podemos<br />
intervir, optimizando <strong>sobre</strong> esses<br />
processos? Quais são as actividades que<br />
efectivamente acrescentam valor e aquelas<br />
que não acrescentam nenh<strong>um</strong> valor, que<br />
274<br />
são redundantes e podemos eliminar sem<br />
prejuízo nenh<strong>um</strong> para o processo e para<br />
<strong>um</strong>a boa decisão? Quais são os custos<br />
associa<strong>dos</strong> a todo este trabalho? Qual é o<br />
valor que acrescentamos, de facto, ao<br />
transformar estes processos? Portanto,<br />
esta é parte da tramitação do processo e<br />
que, de facto, alguém tem de pensar e tem<br />
de verificar como é que pode ser<br />
melhorado.<br />
Uma questão que se colocará,<br />
seguramente, nestas <strong>experiência</strong>s piloto é<br />
se eventuais soluções optimiza<strong>das</strong> podem<br />
ser constituí<strong>das</strong> como boas práticas que,<br />
eventualmente, possam ser adopta<strong>das</strong> por<br />
outras <strong>comarcas</strong>. Ou se essas boas<br />
práticas podem ser transforma<strong>das</strong>, de<br />
alg<strong>um</strong>a forma, em orientações, em<br />
regulamentos ou manuais que possam ser<br />
utiliza<strong>dos</strong> por outras <strong>comarcas</strong> e por outros<br />
<strong>tribunais</strong>.<br />
A segunda componente da <strong>gestão</strong> por<br />
processos são as tecnologias de<br />
informação, sendo que as tecnologias de<br />
informação por si só não resolvem nenh<strong>um</strong><br />
problema. Elas resolvem ou ajudam a<br />
resolver os problemas se se traduzirem em<br />
melhores práticas. Não posso informatizar<br />
o caos. Se eu estiver a informatizar<br />
milhentos processos mal defini<strong>dos</strong>, com<br />
certeza que aquela solução não resolve<br />
nenh<strong>um</strong> problema.<br />
Por outro lado, mesmo boas soluções, bem<br />
concebi<strong>das</strong>, muitas vezes são mal<br />
utiliza<strong>das</strong>. E estamos fartos de verificar<br />
aplicações boas a serem muito mal<br />
utiliza<strong>das</strong> nas organizações públicas e<br />
priva<strong>das</strong> também, por várias razões, a<br />
primeira <strong>das</strong> quais é a formação. As<br />
pessoas não têm, normalmente, boa<br />
formação, nem a formação em tempo<br />
suficiente, nem a formação prática para<br />
que possam dominar a aplicação. E se não<br />
dominarem a aplicação, qualquer <strong>um</strong> de<br />
nós se desenrasca, só que os da<strong>dos</strong><br />
depois faltam, estão ausentes, e não<br />
conseguimos depois que ela funcione<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
adequadamente. Portanto, temos que ter<br />
boas soluções informáticas, bem<br />
conheci<strong>das</strong>, bem domina<strong>das</strong> e bem<br />
utiliza<strong>das</strong>. E isto é passível de verificação.<br />
A terceira componente da questão da<br />
<strong>gestão</strong> por processos e que condiciona as<br />
duas primeiras é a lei, porque eu posso ter<br />
o processo, a tentativa de o optimizar,<br />
posso ter <strong>um</strong>a boa solução informática,<br />
mas a lei processual impede muitas vezes<br />
de conseguir melhores resulta<strong>dos</strong>. Isto é<br />
particularmente visível nas autarquias, em<br />
particular no domínio do urbanismo, em<br />
que de facto, há prazos extensos, e mesmo<br />
que to<strong>dos</strong> c<strong>um</strong>pram estritamente os prazos<br />
que estão previstos, não é possível reduzir<br />
o prazo porque a tramitação está feita de<br />
tal modo que não é viável, mesmo pela<br />
melhor solução informática que tenham.<br />
Portanto, a primeira questão, e penso que<br />
estes projectos-piloto podem dar <strong>um</strong><br />
excelente contributo e reflectir <strong>sobre</strong> isto, é<br />
como é que a <strong>gestão</strong> por processos pode<br />
ser optimizada, como podemos seleccionar<br />
as melhores soluções, e como é que as<br />
podemos disseminar para outros<br />
contextos?<br />
Colocava já a segunda questão, que é <strong>um</strong>a<br />
questão, do meu ponto de vista, que pode<br />
determinar o sucesso ou insucesso deste<br />
tipo de abordagens e que não tem nada a<br />
ver com questões jurídicas, e que tem a ver<br />
simplesmente com a <strong>gestão</strong> da mudança.<br />
Ou seja, estamos a fazer transformações,<br />
orgânicas, processuais, de estrutura e<br />
estamos a lidar com pessoas. E to<strong>dos</strong><br />
resistimos à mudança, to<strong>dos</strong>! Uns<br />
confessam mais do que outros, é certo,<br />
mas to<strong>dos</strong> resistimos à mudança, pelo que<br />
temos que contar que há, inevitavelmente,<br />
por parte <strong>dos</strong> actores envolvi<strong>dos</strong>,<br />
fenómenos de resistência à mudança, e<br />
que esses fenómenos de resistência que<br />
se manifestam podem comprometer boas<br />
soluções.<br />
Portanto, a implementação destes<br />
projectos-piloto, do meu ponto de vista,<br />
fazia todo o sentido, que fossem<br />
acompanha<strong>dos</strong> de acções de <strong>gestão</strong> da<br />
mudança, questões de comunicação, de<br />
envolvimento <strong>das</strong> pessoas, de informação,<br />
que possam, de facto, levar as pessoas a<br />
sentirem que são parte do processo e que<br />
não são, de alg<strong>um</strong>a forma, ameaça<strong>das</strong><br />
pelas transformações que estão a decorrer.<br />
Na legislação verifiquei que há formação<br />
prevista para os juízes presidentes, para os<br />
administradores, mas há outro tipo de<br />
formação que fazia todo o sentido que<br />
fosse feita nestas <strong>experiência</strong>s piloto – e<br />
não me refiro a formação técnica, refiro-me<br />
à formação comportamental, formação<br />
<strong>sobre</strong> trabalho em equipa ou outro, que<br />
ajuda e, há pouco foi óptimo ouvir dizer que<br />
funciona, que há possibilidade de comparar<br />
entre unidades, o desempenho. Portanto,<br />
estas acções de <strong>gestão</strong> de mudança, creio<br />
que facilitam bastante esse espírito de<br />
equipa e esse contributo para que os<br />
processos tenham sucesso.<br />
A terceira questão é <strong>um</strong>a questão <strong>um</strong><br />
pouco mais delicada, mas eu não resisto a<br />
colocá-la e penso que o posso fazer. Tratase<br />
da questão da avaliação. A avaliação é<br />
fundamental e temos de estar prepara<strong>dos</strong>,<br />
também, para lidar com esta questão e isso<br />
significa várias coisas. Significa, em<br />
primeiro lugar, escolher indicadores de<br />
medida úteis. Nós não precisamos de<br />
muitos indicadores de medida, mas<br />
precisamos de alguns, que nos permitam<br />
perceber se estamos a ter sucesso ou não<br />
estamos a ter sucesso.<br />
Em segundo lugar, devemos ter padrões de<br />
referência. Eu percebo que, de repente,<br />
não se consigam gerar padrões de<br />
referência, temos que ter <strong>experiência</strong>,<br />
demora alg<strong>um</strong> tempo. Mas, com a<br />
utilização destes indicadores, ao longo do<br />
tempo criamos condições para ter padrões<br />
de referência. E isso é muito importante,<br />
quando temos de tomar decisões <strong>sobre</strong><br />
pessoas, <strong>sobre</strong> tempos, <strong>sobre</strong> capacidades<br />
Anexo 275
ou <strong>sobre</strong> instalações.<br />
Estas duas questões <strong>dos</strong> indicadores e <strong>dos</strong><br />
padrões de referência, penso que fazia<br />
todo o sentido trabalhá-las. E daí, a<br />
produção de estatísticas que nos permitam<br />
perceber em que medida é que estamos a<br />
atingir os objectivos de que partimos para<br />
este projecto, nomeadamente de custos,<br />
que é <strong>um</strong>a abordagem, que há pouco,<br />
quando foi apresentada a <strong>experiência</strong> de<br />
Espanha, me pareceu particularmente<br />
interessante pelo facto de que tudo isto<br />
custa dinheiro, que é <strong>um</strong> bem cada vez<br />
mais escasso, pelo que também devemos<br />
medir o impacto que este tipo de soluções<br />
tem mais tarde.<br />
Depois a avaliação pode ser interna ou<br />
externa, ou talvez deva ser as duas coisas.<br />
E em relação a isso, penso que há formas<br />
hoje mais do que estuda<strong>das</strong>, aplica<strong>das</strong> na<br />
administração pública, de fazer estas<br />
abordagens. Ora, os <strong>tribunais</strong> não serão,<br />
seguramente, diferentes <strong>dos</strong> outros<br />
organismos públicos.<br />
A última questão é a questão da<br />
comparação. Ou seja, se vamos medir e<br />
comparar com padrões de referência, em<br />
que medida é que podemos utilizar – e vou<br />
utilizar agora dois chavões – ou o<br />
benchmarking ou o e-learning para<br />
podermos perceber se estamos no bom<br />
caminho e em que medida podemos<br />
introduzir melhorias necessárias e avaliar<br />
os resulta<strong>dos</strong> depois de introduzi<strong>das</strong> essas<br />
medi<strong>das</strong>.<br />
S10<br />
De acordo com o que ouvimos hoje à tarde<br />
e em relação àquilo que tenho tido<br />
oportunidade de acompanhar recentemente<br />
na área da justiça, mas já há alg<strong>um</strong> tempo,<br />
em termos de outros sectores da<br />
Administração Pública, só vou referir três<br />
ou quatro questões.<br />
276<br />
A primeira tem a ver com o contexto em<br />
que estamos, que é claramente <strong>um</strong><br />
contexto da nova <strong>gestão</strong> pública e que<br />
apareceu já há alg<strong>um</strong>as déca<strong>das</strong>, mas<br />
muito ligado à questão da <strong>gestão</strong> por<br />
objectivos, da accountability, que de<br />
alg<strong>um</strong>a forma esteve ligada a mudanças<br />
muito importantes na Administração<br />
Pública.<br />
A accountability surge não só n<strong>um</strong>a<br />
perspectiva de prestação de contas<br />
financeira, mas basicamente de prestação<br />
de contas à sociedade. É preciso prestar<br />
contas e isto leva-nos a <strong>um</strong> outro conceito<br />
que é o conceito do que é o retorno social.<br />
Qual é o retorno que a sociedade tem com<br />
os serviços públicos, e aqui é obvio que<br />
temos serviços públicos como é o caso da<br />
educação, da saúde, onde existe<br />
concorrência, e que portanto, de alg<strong>um</strong>a<br />
forma, pode ser escolhido. Temos outros,<br />
como a justiça, onde não existe<br />
concorrência, e portanto, onde o serviço<br />
público é muito importante. Mas eu não vou<br />
falar <strong>sobre</strong> isso, porque sou a pessoa que<br />
menos sabe <strong>sobre</strong> isso aqui.<br />
O que eu quero dizer é que a nova <strong>gestão</strong><br />
pública assenta na perspectiva do cidadão<br />
no centro, como já foi aqui muitas vezes<br />
referido, e o cidadão que entra n<strong>um</strong> duplo<br />
papel. O papel de utilizador do serviço<br />
público e que tem expectativas em relação<br />
a ele, mas, também, alguém também que<br />
paga esse serviço público. Portanto, <strong>um</strong><br />
contribuinte que vai financiar o serviço<br />
público.<br />
As expectativas levam-nos, de alg<strong>um</strong>a<br />
forma, a ouvir muito do que foi dito hoje, e<br />
do que tem vindo a ser dito, e a encontrar<br />
duas preocupações, por vezes, diferentes,<br />
mas que, no fundo, têm que ser concilia<strong>das</strong><br />
e eu penso que a grande dificuldade em<br />
termos de estratégia e a longo prazo é<br />
exactamente esta questão do equilíbrio<br />
entre o custo da justiça e o modelo de<br />
<strong>gestão</strong>. Naturalmente que eu estou a falar,<br />
em termos de modelo de <strong>gestão</strong>, de qual é<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
o modelo de <strong>gestão</strong> que menos custa e<br />
melhor permite servir a sociedade.<br />
Eu diria que os modelos de excelência têm<br />
vindo a ser muito utiliza<strong>dos</strong> pelos<br />
organismos públicos em várias áreas,<br />
alg<strong>um</strong>as já com alg<strong>um</strong>as déca<strong>das</strong> de<br />
<strong>experiência</strong>, mesmo na Europa,<br />
nomeadamente na educação, e, neste<br />
momento, nas Câmaras com grande<br />
dinamismo.<br />
Mas, eu diria que é <strong>sobre</strong>tudo <strong>um</strong> modelo<br />
que interessa em termos do modelo.<br />
Primeiro, é <strong>um</strong> modelo com muitos<br />
critérios, ou seja, não interessam apenas<br />
os ganhos de eficiência, não interessa<br />
apenas medir ou avaliar quais são os<br />
resulta<strong>dos</strong>, mas interessa avaliar <strong>um</strong><br />
conjunto de critérios em simultâneo.<br />
Um <strong>dos</strong> critérios que no caso da justiça tem<br />
que ter <strong>um</strong> peso diferente é o critério<br />
sociedade. Como é que a sociedade avalia<br />
a <strong>gestão</strong> da justiça? Mas, efectivamente,<br />
muitos critérios (…).<br />
Eu penso que o modelo de excelência,<br />
para além desta questão da existência de<br />
muitos critérios (meios, pessoas,<br />
estratégia, liderança, resulta<strong>dos</strong> a vários<br />
níveis e indicadores-chave), tem <strong>um</strong>a outra<br />
questão muito importante e que deve<br />
preocupar mais, que é a questão da<br />
melhoria contínua.<br />
A melhoria contínua, ou seja, colocar <strong>um</strong><br />
modelo de <strong>gestão</strong> no terreno, que obtenha<br />
a curto prazo, resulta<strong>dos</strong> relevantes, não<br />
será difícil. Nós hoje ouvimos aqui, e para<br />
mim com muito agrado, que o modelo<br />
português é <strong>um</strong> modelo que vale a pena,<br />
embora comparativamente com o modelo<br />
espanhol é <strong>um</strong> modelo distinto do ponto de<br />
vista daquilo que é o papel da liderança, o<br />
que significa que não há <strong>um</strong> modelo, há<br />
vários modelos. Os pontos de partida são<br />
diferentes e as estruturas também e,<br />
portanto, penso que ninguém quer<br />
encontrar o modelo.<br />
Mas, a questão não está só em conseguir<br />
ou não encontrar reduções nos tempos do<br />
processo, nos custos, em melhorar <strong>um</strong><br />
serviço no imediato, mas está antes em<br />
termos estratégicos assegurar que o<br />
modelo de <strong>gestão</strong> vai continuar e permitir<br />
que a melhoria se faça. Pontualmente,<br />
ouvimos alguns comentários que nos dão<br />
esta ideia, to<strong>dos</strong> os que tiveram<br />
responsabilidades de <strong>gestão</strong> de equipas<br />
sabem que os voluntarismos são<br />
fundamentais, não vivemos sem eles, mas<br />
em termos sistemáticos, não levam a <strong>um</strong>a<br />
melhoria sustentada.<br />
Portanto, eu penso que é este tipo de<br />
preocupações que se exige ao modelo de<br />
<strong>gestão</strong> e <strong>sobre</strong>tudo a quem, no fundo, está<br />
nesta <strong>experiência</strong> piloto.<br />
Isto leva-me a mais dois pontos. Estando<br />
de fora deste processo e <strong>das</strong> suas<br />
discussões, assisto àquilo que várias<br />
pessoas antes de mim referiram que é <strong>um</strong><br />
processo de mudança e <strong>um</strong> processo que<br />
requer <strong>um</strong>a nova estratégia. Há, de facto,<br />
necessidade de encontrar <strong>um</strong>a estratégia<br />
ponderada, estrutural, que exige alteração<br />
de cultura e meios de tecnologia e<br />
h<strong>um</strong>anos em termos, nomeadamente, da<br />
qualificação como foi aqui referido.<br />
Existem também competências, que eu<br />
prezo muito, e tem sido <strong>um</strong>a <strong>experiência</strong><br />
fantástica estar a participar nestas<br />
discussões, até porque tenho aprendido<br />
muitíssimo, mas eu penso que<br />
percebemos, ou pelo menos a minha<br />
perspectiva é de que os magistra<strong>dos</strong> aqui<br />
presentes são pessoas, que para além de<br />
juízes, têm características gestionárias. A<br />
forma como falam, é também de pessoas<br />
que têm <strong>um</strong>a sensibilidade muito especial<br />
para a missão que ass<strong>um</strong>iram e<br />
certamente por isso terão sido escolhi<strong>dos</strong>.<br />
E certamente muitos outros que não o<br />
foram terão as mesmas características.<br />
Mas, isto não é automático e portanto,<br />
aquilo que me parece é que no modelo<br />
Anexo 277
escolhido de concentração, que aparenta<br />
ser <strong>um</strong> modelo com as virtualidades aqui<br />
descritas, a questão <strong>das</strong> competências é<br />
também muito importante não só ao nível<br />
de topo, mas também a outros níveis,<br />
porque por exemplo, gerir orçamentos não<br />
é <strong>um</strong> dom, nem é sequer algo que não<br />
tenha que ser aprendido ou pelo menos<br />
reflectir-se <strong>sobre</strong> o que isso significa.<br />
Portanto, assistimos, nesta perspectiva, a<br />
<strong>um</strong> processo de mudança que exige muito<br />
e de muita gente a vários níveis, e exige<br />
que não se confunda aquilo que é <strong>um</strong>a<br />
melhoria incremental, que é reduzir o<br />
tempo de <strong>um</strong> processo e aquilo que é <strong>um</strong>a<br />
melhoria estrutural, que é melhorar o<br />
serviço público para a sociedade. E aí<br />
entramos n<strong>um</strong>a área delicadíssima e onde<br />
o envolvimento <strong>dos</strong> que estão no sistema é<br />
fundamental, do ponto de vista da reflexão<br />
e da discussão.<br />
Eu penso que, pelo que percebi do caso<br />
espanhol, essa reflexão foi feita ao<br />
decidirem o que é essencial e o que não é<br />
essencial. E nós achámos, e penso que os<br />
testemunhos que aqui foram da<strong>dos</strong> foram<br />
nesse sentido, que a perspectiva é outra. É<br />
muito importante, de facto, o modelo de<br />
concentração, mas então em que é que o<br />
responsável deve efectivamente focar a<br />
sua atenção? Em analisar estatísticas para<br />
ver que os processos estão atrasa<strong>dos</strong>, ou<br />
em perceber como é que vai gerir as<br />
pessoas que tem de deslocar e que não<br />
tem. Ou seja, é preciso subir o patamar e<br />
tentar perceber qual é verdadeiramente o<br />
papel, neste caso, do responsável desta<br />
unidade orgânica, que tem tantas<br />
responsabilidades em simultâneo. Isso é<br />
<strong>um</strong> desafio muito importante.<br />
Na minha perspectiva, penso que isto tudo<br />
toca n<strong>um</strong> aspecto muito importante, que<br />
tem a ver com a definição de funções,<br />
responsabilidades e competências.<br />
De fora, olhando para a legislação<br />
espanhola e para a nossa, com o meu<br />
278<br />
<strong>olhar</strong> preocupado pelas questões da<br />
<strong>gestão</strong>, aquilo que eu vejo é que no caso<br />
espanhol, muito provavelmente fruto do<br />
percurso que tiveram de vários anos de<br />
reflexão, as competências estão muito mais<br />
claramente defini<strong>das</strong>.<br />
No caso português, parece-me que há, do<br />
ponto de vista da <strong>gestão</strong>, alg<strong>um</strong>a ausência,<br />
pois, na prática, <strong>das</strong> duas <strong>um</strong>a, ou cada <strong>um</strong><br />
sabe tão bem o seu papel que as coisas<br />
funcionarão perfeitamente, ou então vão<br />
criar situações, pelo menos na minha<br />
perspectiva, de alg<strong>um</strong>a dificuldade.<br />
Posso concluir de tudo o que aqui foi dito,<br />
que muito caminho foi feito, e que há muito<br />
optimismo e dedicação, o que eu acho<br />
fundamental nestes processos para que as<br />
coisas avancem positivamente. Acho que<br />
não se mostrou tanto foi a seguinte<br />
preocupação: passada a fase <strong>dos</strong><br />
processos e do modelo de <strong>gestão</strong> no<br />
imediato, quais são os patamares de<br />
qualidade que se pretendem do serviço<br />
público que são os <strong>tribunais</strong>? É <strong>um</strong>a<br />
questão muito difícil, mas é fundamental<br />
em termos de modelos de excelência<br />
porque é essa que garante a melhoria<br />
contínua e a sua sustentabilidade.<br />
Depois, há a questão da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />
recursos. Ora, não se pode gerir o que não<br />
se detém. E isto parece-me que, de<br />
<strong>experiência</strong>s que testemunhei em outras<br />
situações, há responsabilidades que estão<br />
acometi<strong>das</strong> aos juízes <strong>sobre</strong> meios que<br />
não detêm e que não dependem de si. E<br />
isto tem a ver com aquela confusão entre<br />
funções, responsabilidades e<br />
competências.<br />
Mas, voltando à questão final, e eu<br />
identifico-me muito com aquele diálogo<br />
utilizado muitas vezes quando se fala de<br />
missão, no conto Alice no País <strong>das</strong><br />
Maravilhas, em que a certa altura há <strong>um</strong>a<br />
encruzilhada, há várias hipóteses e ela<br />
pergunta: “Que caminho é que devo<br />
tomar?”. E, naturalmente, que lhe<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
perguntam: “Então mas para onde é que<br />
queres ir? É que se não sabes para onde ir,<br />
qualquer caminho serve”. E com isto eu<br />
diria que me parece que o que<br />
verdadeiramente importa, para além <strong>dos</strong><br />
indicadores quantitativos, embora<br />
Debate<br />
S11<br />
Eu sou juiz na grande instância cível da<br />
comarca (…) e penso que este optimismo<br />
que se denotou <strong>das</strong> palavras <strong>dos</strong> senhores<br />
juízes resulta de <strong>um</strong> certo ambiente, é<br />
preciso mudar alg<strong>um</strong>a coisa e é preciso dar<br />
<strong>um</strong>a nova face. Eu acho que to<strong>dos</strong> os<br />
colegas que vieram comigo e to<strong>dos</strong> os<br />
intervenientes da justiça estão a precisar<br />
disto, porque tanto ouvimos que as coisas<br />
estavam mal, estavam desorganiza<strong>das</strong>...<br />
Temos agora este começo, esta nova<br />
unidade orgânica com possibilidade de<br />
avançarmos e eu penso que há muita<br />
gente motivada. E não é por falta de<br />
vontade de muitos magistra<strong>dos</strong> e<br />
funcionários que as coisas não podem<br />
andar. Temos também a sorte de ter <strong>um</strong><br />
juiz presidente com <strong>um</strong>a grande<br />
capacidade de <strong>gestão</strong>, de tolerância e de<br />
diálogo, que motiva as pessoas n<strong>um</strong>a<br />
posição de “vamos to<strong>dos</strong> trabalhar“ e não<br />
encolher os ombros. E é muito importante,<br />
de facto, a pessoa que está à frente de<br />
determina<strong>dos</strong> cargos. (…) <strong>um</strong>a última<br />
questão (…) que me parece fundamental<br />
porque não se pode falar de <strong>um</strong>a<br />
organização e de <strong>gestão</strong> sem falar de<br />
avaliação, e sem falar de competências e<br />
de responsabilização. Tenho pena que isso<br />
tenha ficado <strong>um</strong> pouco para trás nesta<br />
nova orgânica judiciária porque isso é<br />
fundamental, não só para os cidadãos mas<br />
para to<strong>dos</strong> nós que trabalhamos na área da<br />
justiça. Penso que há muitos anos que se<br />
anda a falar de ponto de contingentação<br />
processual ou nos tais indicadores, mas<br />
fundamentais, até para ir motivando quem<br />
está no terreno e quer ver melhorias, é<br />
perceber os indicadores qualitativos<br />
estruturais que têm a ver com a tal<br />
estratégia que terá de ser definida. Esta é a<br />
minha leitura.<br />
penso que isso é fundamental para nos<br />
motivar também para trabalhar, porque as<br />
condições que temos para trabalhar<br />
também são o que nos motiva ou nos<br />
desmotiva. Parece-me que a parte da<br />
contingentação processual é muito<br />
importante quer ao nível da <strong>gestão</strong>, quer ao<br />
nível da responsabilização, da eficácia, da<br />
qualidade e penso que isso é <strong>um</strong> passo<br />
que tem tardado <strong>um</strong> pouco a ser dado e<br />
que eu gostaria, de facto, de ver <strong>um</strong> pouco<br />
adiantado.<br />
S12<br />
Eu sou procuradora-geral adjunta<br />
coordenadora da comarca (…) e gostava<br />
de dar aqui o meu testemunho desta<br />
<strong>experiência</strong> e da anterior. Sendo que sou<br />
originária de <strong>um</strong>a magistratura do<br />
Ministério Público muito mais habituada a<br />
hierarquia, a <strong>um</strong>a rotina de especialização<br />
e de coordenação – evidentemente que<br />
dessa <strong>experiência</strong> já havia meio caminho<br />
andado - tenho sido confrontada com a<br />
<strong>experiência</strong> de ver os juízes a avançarem<br />
nisso e relativamente a nós, Ministério<br />
Público, é que não quer dizer que as coisas<br />
estejam a correr mal, antes pelo contrário,<br />
mas vejo com alg<strong>um</strong>a apreensão – (…) –<br />
não tenho sentido da parte da hierarquia<br />
superior – e não sei se os meus colegas<br />
sentem o mesmo – alg<strong>um</strong>a compreensão<br />
para o benefício que aquela estrutura,<br />
apesar de nós, Ministério Público, já<br />
funcionarmos de <strong>um</strong>a forma organizada.<br />
Anexo 279
Está a correr bem, é interessantíssimo, e é<br />
aliciante. Há apenas aqui alg<strong>um</strong> peso e<br />
alg<strong>um</strong> interesse que possa resolver isto. É<br />
que para além <strong>dos</strong> problemas estruturais<br />
como sabem, a magistratura do Ministério<br />
Público tem <strong>um</strong>a falta de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos que não tem comparação com a<br />
que tem actualmente a magistratura<br />
judicial. Não há magistra<strong>dos</strong> do Ministério<br />
Público. Não há! A questão é que a<br />
comarca estará hoje com as coisas <strong>um</strong><br />
pouco mal distribuí<strong>das</strong>, mas a nota que eu<br />
dou, e é contra isso que tenho lutado e<br />
continuarei a lutar, é de alg<strong>um</strong> desinteresse<br />
da estrutura superior do Ministério Público,<br />
relativamente a <strong>um</strong>a <strong>experiência</strong> que<br />
também para o Ministério Público será<br />
muitíssimo importante.<br />
Apesar disto, não posso deixar de estar de<br />
acordo (…), que é <strong>um</strong>a <strong>experiência</strong>, na<br />
minha opinião, muito positiva e enfim, com<br />
os ajustes que ela ainda levar, é <strong>um</strong>a<br />
<strong>experiência</strong> positiva.<br />
S13<br />
Sim. Eu queria, de facto, apenas registar<br />
com agrado, as intervenções relativamente<br />
ao funcionamento destas novas unidades.<br />
De facto, <strong>das</strong> informações que temos tido,<br />
as <strong>comarcas</strong>, têm funcionado e têm tido<br />
indicadores de funcionamento que são<br />
bastante positivos.<br />
Naturalmente, também corroboro o que foi<br />
dito <strong>sobre</strong> a qualidade <strong>dos</strong> juízes<br />
presidentes que foram escolhi<strong>dos</strong>, mas<br />
certamente também <strong>dos</strong> administradores,<br />
cuja acção não tem sido despicienda nesse<br />
contributo.<br />
Quanto ao modelo espanhol, eu<br />
sinceramente fiquei <strong>um</strong> pouco surpreendido<br />
porque estava à espera – mas isso por<br />
ignorância minha, confesso – de vir<br />
verificar resulta<strong>dos</strong> da aplicação do modelo<br />
espanhol. Não sabia que ainda não tinha<br />
entrado em funcionamento, portanto<br />
280<br />
ficamos apenas com a expectativa. Só<br />
depois de aplicada é que viremos a saber<br />
se será bom ou se será mau. Certamente<br />
que, e faço esse apelo (…), que daqui a <strong>um</strong><br />
ano possamos ter cá os senhores Drs. de<br />
Espanha para nos fazerem <strong>um</strong>a avaliação<br />
da aplicação desse modelo, porque há ali<br />
alguns aspectos, nomeadamente as<br />
competências relativamente ao secretários,<br />
em que fiquei com alg<strong>um</strong>a expectativa.<br />
Gostaria de deixar aqui duas questões,<br />
(…): quando falou da dificuldade de <strong>gestão</strong><br />
<strong>dos</strong> funcionários, falou-se muito da questão<br />
da <strong>gestão</strong> e da mobilidade, ouvi falar que<br />
tinha tido alg<strong>um</strong>a dificuldade na <strong>gestão</strong> de<br />
funcionários. Mas depois, no fim, ouvi-o<br />
pedir mais funcionários. Eu também tenho<br />
pedido. O senhor Dr. fez muito bem. Agora,<br />
a minha dúvida é se o problema é <strong>dos</strong><br />
funcionários não estarem bem distribuí<strong>dos</strong><br />
mas serem suficientes os que lá tem, ou se<br />
é necessário é reforçar com mais<br />
funcionários.<br />
Quanto à questão da mobilidade, eu<br />
defendo - e não temos levantado<br />
nenh<strong>um</strong>as questões - a mobilidade dentro<br />
de <strong>um</strong>a área razoável, dentro de <strong>um</strong>a área<br />
territorial ou só dentro do edifício do<br />
tribunal mas dentro de <strong>um</strong>a área razoável.<br />
Agora, dentro da própria comarca não<br />
podemos deixar de registar alg<strong>um</strong>a<br />
dificuldade. Estou a lembrar-me de <strong>um</strong>a<br />
comarca do Alentejo, por exemplo, como é<br />
que é possível esta semana ou para a<br />
próxima, mandar <strong>um</strong> ou dois funcionários<br />
que estão no tribunal de Odemira, e que<br />
eventualmente, não farão lá tanta falta,<br />
como fazem em Alcácer do Sal.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO<br />
S7<br />
Mas já agora, permita-me só dizer que, por<br />
vezes, são os próprios funcionários que<br />
querem ser movimenta<strong>dos</strong>.
S13<br />
Pois, mas, naturalmente, quando a vontade<br />
é deles nem se põe a questão! Agora, por<br />
imposição, porque por <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento de<br />
<strong>gestão</strong> tem de ir agora <strong>um</strong> funcionário ou<br />
dois de Ourique trabalhar para Alcácer do<br />
Sal... Isto, enfim, tem a ver com a vida <strong>das</strong><br />
pessoas. Não digo que não seja<br />
necessário, mas é preciso encontrarmos<br />
aqui <strong>um</strong>a solução razoável.<br />
Última questão, e que gostaria de referir<br />
(…) dois aspectos que eu considero<br />
fundamentais também, que é a questão da<br />
qualificação e <strong>das</strong> competências,<br />
nomeadamente ao nível <strong>das</strong> capacidades,<br />
e também a formação, naturalmente. Mas a<br />
formação não só nos aspectos técnicos,<br />
que é fundamental e temos sentido essa<br />
falta, mas também (…), na questão da<br />
formação comportamental, para a tal<br />
imagem de credibilidade. Não só a<br />
resposta <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> é importante, a<br />
melhoria da qualidade e a melhoria da<br />
resposta judicial, mas também a qualidade<br />
e credibilidade é fundamental, e nesse<br />
aspecto, a formação nas áreas<br />
comportamentais é também importante.<br />
S8<br />
Eu gostaria de responder à sua pergunta. E<br />
em relação à intervenção inicial <strong>sobre</strong> a<br />
implementação do mapa judicial, aqueles<br />
maus pressentimentos que existiam,<br />
gostaria de ouvir a sua opinião <strong>sobre</strong> se os<br />
mesmos se vieram depois a confirmar ou<br />
não. E as dúvi<strong>das</strong>, confirmaram-nas ou<br />
infirmaram-nas?<br />
Em relação à questão do número de<br />
funcionários da comarca, se o senhor me<br />
questionar que neste momento o número<br />
de funcionários é suficiente, eu digo que<br />
sim, falando em número. Mas, o senhor<br />
sabe que nem to<strong>dos</strong> os funcionários<br />
respondem da mesma maneira. Há<br />
secções onde estão os sete funcionários,<br />
mas se nós analisarmos bem só três ou<br />
quatro é que trabalham, dois não trabalham<br />
como deviam, <strong>um</strong> está de baixa e o outro<br />
está a faltar para ir a <strong>um</strong>a consulta no<br />
centro de saúde. Não está toda a gente ao<br />
mesmo tempo. Pelo que o número de<br />
funcionários seria suficiente se to<strong>dos</strong><br />
trabalhassem nas mesmas condições.<br />
Por exemplo, eu tenho o tribunal de (…) e<br />
ao lado está o tribunal de execução (…),<br />
que dista <strong>das</strong> duas unidades orgânicas<br />
cerca de 10km. O problema é que os<br />
funcionários que estão a mais em (…) são<br />
to<strong>dos</strong> de (…). E eu compreendo muito bem<br />
que ao fim do dia queiram ir to<strong>dos</strong> de<br />
regresso à sua cidade e lhes fica muito<br />
mais económico. Mas (…) não fica muito<br />
mais distante (…) que envolva grande<br />
sacrifício para eles. Ora neste caso<br />
concreto, eu estou a falar de duas unidades<br />
orgânicas, como disse, que distam cerca<br />
de 8 a 10km e em que os funcionários<br />
recusam-se a ir para outro tribunal. E eu<br />
tenho de respeitar.<br />
Temos aqui (…), juiz do juízo de execução,<br />
que teve de pedir “Pelo amor de Deus” e<br />
nem assim eles aceitaram.<br />
OPJ<br />
Mas então o seu problema é de falta de<br />
funcionários ou é de critérios de avaliação?<br />
Porque se lá estão sete funcionários mas<br />
só quatro trabalham, onde estão os outros?<br />
Vamos substituí-los por outros quatro, e<br />
então o que fazemos a esses?<br />
S8<br />
Eu considero que tem de haver mais<br />
critério no recrutamento, na formação, mais<br />
exigência na permanência, etc. Agora em<br />
termos de número, eu diria que sim, que<br />
são perfeitamente adequa<strong>dos</strong>, não houve<br />
nenh<strong>um</strong>a discrepância, nenh<strong>um</strong>a má<br />
Anexo 281
surpresa quanto ao número. O problema é<br />
que há necessidade de os poder mobilizar,<br />
porque estão a mais n<strong>um</strong> sítio. Deveria<br />
haver <strong>um</strong> mecanismo ao nível da comarca<br />
com que se pudesse compensar os<br />
funcionários desse esforço e dessas<br />
despesas.<br />
Mas, mesmo em termos de orçamento,<br />
eles estão fixa<strong>dos</strong> a cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong><br />
unidades orgânicas. O administrador<br />
judicial não consegue transportar <strong>um</strong>a<br />
verba de <strong>um</strong>a unidade orgânica para a<br />
outra. Nós não temos essa possibilidade,<br />
apesar de estarmos a tentar sensibilizar o<br />
Ministério da Justiça nesse sentido. Ou<br />
seja, a <strong>gestão</strong> e a administração debatemse<br />
com estes constrangimentos na prática.<br />
S7<br />
Eu quero fazer <strong>um</strong>a precisão relativamente<br />
à afirmação que fiz no que toca à<br />
mobilização <strong>dos</strong> funcionários judiciais (…).<br />
A questão é só esta e é simples: existe<br />
hoje, legalmente, <strong>um</strong>a discrepância entre<br />
aquilo que é possível fazer relativamente a<br />
magistra<strong>dos</strong> judiciais e aquilo que é<br />
possível fazer ao nível da <strong>gestão</strong> de<br />
recursos de funcionários. Ou seja, hoje o<br />
juiz presidente tem como competência<br />
poder propor ao Conselho Superior da<br />
Magistratura a reafectação de juízes a<br />
outra ou outras unidades orgânicas e tem<br />
também a possibilidade de <strong>um</strong>a outra figura<br />
que é a da ac<strong>um</strong>ulação de serviço. A<br />
reafectação não depende da aceitação do<br />
próprio, já a ac<strong>um</strong>ulação de serviço sim.<br />
Isto é, o juiz presidente pode considerar<br />
que o magistrado, não obstante o muito<br />
trabalho que já tem, pode, com sacrifício<br />
pessoal, ac<strong>um</strong>ular funções noutra unidade<br />
orgânica. A reafectação é outra coisa.<br />
Parte de <strong>um</strong>a avaliação que é dizer o<br />
seguinte: este magistrado tem <strong>um</strong> serviço<br />
que fica <strong>um</strong> pouco aquém <strong>das</strong> suas<br />
capacidades normais, digamos assim, e<br />
282<br />
existe outra unidade orgânica em que<br />
essas capacidades podem ser<br />
aproveita<strong>das</strong> em termos profícuos, sem<br />
prejuízo da unidade orgânica de que esse<br />
juiz é titular.<br />
Há, ainda, <strong>um</strong>a terceira possibilidade que é<br />
a de propor ao Conselho Superior da<br />
Magistratura a colocação de juízes da<br />
bolsa na área da comarca.<br />
Ora, em termos de funcionários judiciais<br />
nós não os podemos movimentar sem<br />
mais, na área da comarca. E o que eu<br />
queria precisar é isto - eu não disse que<br />
defendia <strong>um</strong>a movimentação acrítica e sem<br />
regras. O que eu penso que poderá ser<br />
proveitoso é estabelecer, pelo menos, <strong>um</strong><br />
regime idêntico àquele que hoje está<br />
previsto em termos de afectação de juízes.<br />
S15<br />
Eu sou advogado, e ao longo da minha<br />
<strong>experiência</strong> profissional trabalhei longos<br />
anos no sector financeiro privado. Não<br />
concordo com essa visão aligeirada que diz<br />
que o sector privado funciona muito bem e<br />
que a resposta do sector público é <strong>um</strong>a<br />
desgraça. Porque julgo que, aliás, na<br />
Administração Pública há muitos exemplos<br />
de eficiência <strong>dos</strong> serviços.<br />
Estou-me a lembrar, por exemplo, da Caixa<br />
Nacional de Pensões, que to<strong>dos</strong> os meses<br />
coloca cá fora pensões para mais de <strong>um</strong><br />
milhão de pessoas. E com certeza que há<br />
muitos outros bons exemplos de<br />
funcionamento.<br />
O que por vezes me inquieta é perceber<br />
que nestes serviços que têm que gerir<br />
processos com qualidade, não haja nem<br />
nunca tenha havido profissionais, técnicos<br />
de organização e método. Porque mesmo<br />
para <strong>um</strong> juiz, não é indiferente saber como<br />
é que começam a trabalhar os processos<br />
que lhe chegam diariamente da secretaria.<br />
Trabalha-os como? Faz alg<strong>um</strong>a<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
separação? Trabalha-os tal como eles<br />
chegam? As respostas, os tempos, não vão<br />
ser indiferentes.<br />
Na verdade, há <strong>um</strong>a série de operadores<br />
do sistema de justiça que <strong>sobre</strong> essas<br />
matérias não têm, praticamente, nenh<strong>um</strong><br />
conhecimento. Pelo que eu acho que as<br />
avaliações são necessárias mas não gosto,<br />
pela <strong>experiência</strong> que tenho, de ouvir falar<br />
muito em avaliações e não ouvir falar, por<br />
exemplo, de preocupações como dar a<br />
to<strong>dos</strong>, incluindo aos juízes, aos<br />
funcionários e também aos procuradores<br />
do Ministério Público, alguns<br />
conhecimentos para melhorar as sua<br />
próprias formas de trabalhar e intervir nos<br />
processos. Portanto, julgo que deve haver<br />
mais atenção a estes procedimentos, ao<br />
saber e às competências de técnicos que<br />
não são, propriamente, oriun<strong>dos</strong> do meio<br />
judicial, mas que julgo terem <strong>um</strong> papel<br />
muito importante para ajudar na eficiência<br />
do sistema.<br />
S5<br />
Eu gostaria de responder ao que foi dito<br />
nas últimas intervenções, <strong>sobre</strong>tudo, à<br />
penúltima. Eu gostaria de vos informar,<br />
dentro de <strong>um</strong> ano, do resultado do novo<br />
modelo, porque é claro, também para nós<br />
em Espanha, que o modelo actual não<br />
funciona. Também é certo, desde que<br />
iniciámos os estu<strong>dos</strong> em Espanha <strong>sobre</strong> a<br />
situação e a possibilidade de incorporar o<br />
novo modelo, que estamos em frente de<br />
<strong>um</strong> mecanismo, de <strong>um</strong>a maquinaria muito<br />
lenta. Aparentemente, parece disparatado<br />
pensar que levámos tantos anos debatendo<br />
que o modelo não funciona e que há novas<br />
ideias que confluem e que as autoridades<br />
nos reclamam.<br />
Hoje fala-se de novas técnicas de <strong>gestão</strong>,<br />
responsabilidade e controlo, e isto ao<br />
princípio pareceu-nos <strong>um</strong> pouco afastado<br />
do mundo da justiça. Éramos, pelo menos<br />
no que se refere a Espanha, <strong>um</strong> mundo à<br />
parte, em que os cidadãos se aproximavam<br />
da justiça com <strong>um</strong> temor quase reverencial.<br />
Para quê solucionarmos <strong>um</strong> conflito que já<br />
era endémico?<br />
Ora, é óbvio que a sociedade nos reclama<br />
algo diferente. Algo mais próximo, em que<br />
se possa participar e aplicar estas<br />
equações normais – como referiu o último<br />
interveniente – próprias de <strong>um</strong>a empresa<br />
privada, guardando as distâncias e<br />
respeitando as diferenças, como é<br />
evidente, porque estamos a falar de <strong>um</strong><br />
serviço público, a quem se reclamam<br />
resulta<strong>dos</strong>. Estamos perante <strong>um</strong> poder do<br />
Estado que tem de prestar esse serviço<br />
público, resolvendo os conflitos, de <strong>um</strong>a<br />
forma próxima. Algo a quem se podem<br />
pedir responsabilidades e<br />
fundamentalmente resulta<strong>dos</strong>.<br />
Eu volto a dizer: provavelmente não<br />
funcionará o modelo que estamos a<br />
instaurar porque cometemos <strong>um</strong> erro<br />
enorme de cair n<strong>um</strong> movimento pendular –<br />
ir de <strong>um</strong> modelo que não nos serviu para<br />
outro completamente ao contrário. Mas só<br />
dentro de <strong>um</strong> ano ou mais, quando terminar<br />
o ciclo de 5 anos, por exemplo, é que<br />
poderemos verificar onde é que colocamos<br />
o fio da balança, onde está o equilíbrio,<br />
porque, seguramente, no equilíbrio, estará<br />
a solução.<br />
S16<br />
Eu sou secretário de justiça. Tinha alg<strong>um</strong>as<br />
questões que gostaria que fossem postas à<br />
consideração. A primeira diz respeito (…) à<br />
análise estatística. Salvo o devido respeito,<br />
e posso não ter interpretado bem a sua<br />
intervenção, o CITIUS para os magistra<strong>dos</strong><br />
e o HABILUS para os funcionários - e vejo<br />
isso no tribunal – tem <strong>um</strong>a área de<br />
informação onde se vê, claramente, o<br />
tempo <strong>dos</strong> atrasos <strong>dos</strong> processos, os<br />
processos não movimenta<strong>dos</strong>, bem como<br />
há <strong>um</strong> mapa global em que se vêem<br />
processos a arrastar-se há dez anos.<br />
Anexo 283
OPJ<br />
A questão é saber se esta aplicação está<br />
disponível para os senhores juízes<br />
presidentes.<br />
S8<br />
Nós não temos essa aplicação e também<br />
há constrangimentos legais (…).<br />
S6<br />
O que eu ia dizer não era tão só isso, mas<br />
<strong>sobre</strong>tudo que, exactamente, aquilo que se<br />
vê não é o que está atrasado mas sim o<br />
que não foi movimentado, que são duas<br />
coisas diferentes. Porque o processo pode<br />
não ser movimentado há três meses e não<br />
estar atrasado, se o prazo para o<br />
movimentar for superior a três meses. E,<br />
justamente, nós temo-nos debatido com<br />
esta dificuldade (…) porque, por exemplo, a<br />
comarca (…) é <strong>um</strong>a comarca com<br />
pendências ac<strong>um</strong>ula<strong>das</strong> gravíssimas.<br />
Aliás, embora a nova reforma preveja a<br />
colocação de meios h<strong>um</strong>anos para<br />
recuperar essas pendências, eles não<br />
foram coloca<strong>dos</strong>, e por isso, a <strong>experiência</strong><br />
piloto está-se a fazer com a tentativa de os<br />
recuperar.<br />
Temos esse problema que apenas está a<br />
ser ultrapassado agora com a<br />
implementação de <strong>um</strong> sistema no juízo de<br />
execução – que aproveito para referir que<br />
tem 50.000 processos e <strong>um</strong> escrivão –<br />
devendo ser o maior juízo do país e onde<br />
era absolutamente impossível, até aqui,<br />
saber o que aí se passava. Portanto, houve<br />
necessidade de estabelecer <strong>um</strong> critério de<br />
codificação com o senhor administrador<br />
judiciário que tem estado a desenvolver<br />
com aquela escrivã, de forma que têm<br />
284<br />
estado a introduzir códigos nos processos<br />
que nos permitam saber, esses sim, que<br />
processos estão atrasa<strong>dos</strong> e para quê.<br />
OPJ<br />
Esse instr<strong>um</strong>ento está a desenvolvê-lo na<br />
sua comarca, mas pode não estar a ser<br />
desenvolvido em outros locais onde deveria<br />
ser.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO<br />
S6<br />
Mas o que eu quero dizer é que aquilo que<br />
(…) refere como sendo <strong>um</strong>a deficiência do<br />
sistema informático é exactamente assim e<br />
que apenas com recurso a esta tentativa de<br />
<strong>um</strong>a boa prática é que nós estamos a<br />
conseguir dar a volta.<br />
S8<br />
Ainda há poucos dias tive <strong>um</strong>a situação<br />
concreta, em que o funcionário estava a<br />
tirar o prazo de Setembro. E como nesta<br />
situação sou eu que tenho de perguntar<br />
porque não tenho acesso a esses<br />
elementos. Tenho de me basear sempre<br />
nos elementos que me são da<strong>dos</strong>, a não<br />
ser que depois vá agir por reacção.<br />
S17<br />
O que eu queria dizer é exactamente <strong>sobre</strong><br />
esta matéria. As aplicações não são<br />
acessíveis por to<strong>das</strong> as pessoas que<br />
intervém no sistema. Ou seja, eu<br />
intervenho no sistema mas não tenho<br />
acesso a to<strong>das</strong> essas informações. O<br />
senhor secretário terá essa informação,<br />
mas o presidente do tribunal não tem.<br />
Parece <strong>um</strong> contra-senso. Mas é preciso ter<br />
noção que o acesso privilegiado que alguns
intervenientes têm não é extensível a<br />
to<strong>dos</strong>, nomeadamente, aos presidentes.<br />
OPJ<br />
Mas é natural que tenhamos níveis de<br />
acesso diferencia<strong>dos</strong>. Mas o que é preciso<br />
é definir, em protocolo, quem é que deve<br />
aceder e parece-me que o juiz presidente<br />
deve ter acesso a to<strong>dos</strong> os instr<strong>um</strong>entos.<br />
S16<br />
Houve aqui, aliás, <strong>um</strong>a questão (…) os<br />
<strong>tribunais</strong> muitas vezes não estão<br />
dependentes deles próprios. Estão<br />
dependentes do Instituto de Medicina<br />
Legal, <strong>das</strong> empresas de telecomunicações,<br />
mas também de <strong>um</strong>a entidade em relação<br />
à qual sou bastante crítico, no que toca às<br />
execuções.<br />
Como se sabe, 50% ou 70% <strong>dos</strong> processos<br />
pendentes nos <strong>tribunais</strong> são acções<br />
executivas. E o que é estranho é que se<br />
ouve na comunicação social, os jornalistas<br />
e até muitas vezes gestores e economistas,<br />
colocarem os <strong>tribunais</strong> nas ruas da<br />
amargura, esquecendo-se que, neste caso,<br />
as execuções estão no sector privado.<br />
Desde 15 de Setembro de 2003 que as<br />
acções executivas estão no sector privado.<br />
E isto é que ninguém vê! To<strong>dos</strong> falam <strong>dos</strong><br />
<strong>tribunais</strong> mas, de facto, isto devia ser<br />
ponderado e analisado.<br />
Há cerca de <strong>um</strong> mês estive a preparar o<br />
relatório anual a enviar para o Conselho<br />
Superior da Magistratura e verifico que há<br />
situações gravíssimas <strong>dos</strong> solicitadores de<br />
execução porque, por exemplo, não fazem<br />
as comunicações como estão previstas na<br />
lei. Há <strong>um</strong>a série de situações em relação<br />
às quais considero que, se houvesse rigor,<br />
qualidade e eficiência, possivelmente os<br />
<strong>tribunais</strong> teriam <strong>um</strong>a diminuição de 1/3 ou<br />
mais <strong>dos</strong> processos.<br />
S1<br />
Muito bem, mas nós vimos que, nesta<br />
reforma, estamos a falar de pendências em<br />
outros <strong>tribunais</strong> que não só nos <strong>tribunais</strong> de<br />
execução. De facto, a reforma do mapa<br />
judiciário, veio permitir fazer esta<br />
separação e muito bem, como os senhores<br />
Drs. salientaram. Mas estamos a falar de<br />
pendências <strong>dos</strong> <strong>tribunais</strong> civis e de outras<br />
jurisdições, que não são, propriamente, só<br />
as questões <strong>das</strong> acções executivas.<br />
S18<br />
Eu não estou ligado directamente à justiça,<br />
sou sociólogo de profissão mas interessome<br />
por estas questões e tenho<br />
responsabilidades sindicais.<br />
A questão que eu queria colocar é se este<br />
novo mapa judiciário, a territorialização da<br />
justiça, digamos assim, vai promover <strong>um</strong><br />
maior acesso à justiça pelos que menos<br />
podem ou se, por outro lado, vai potenciar<br />
ainda mais o acesso à justiça <strong>dos</strong> que mais<br />
têm.<br />
Eu sou de <strong>um</strong>a região onde o desemprego<br />
afecta milhares de pessoas e onde as<br />
insolvências são mais do que muitas. Há<br />
<strong>um</strong>a conflitualidade social cada vez maior,<br />
pelo que se impõe saber se este modelo,<br />
que agora emerge, é <strong>um</strong> modelo que vai ter<br />
em atenção esta dualidade social e se vai<br />
potenciar que a justiça sirva estes cidadão<br />
desampara<strong>dos</strong> ou se, de facto, vai<br />
potenciar os que mais acesso têm a ela, as<br />
grandes empresas e interesses<br />
económicos.<br />
A outra reflexão tem a ver com a<br />
especialização. Acho muito bem a<br />
especialização. Porque tendo <strong>um</strong> grupo x<br />
de funcionários, se <strong>um</strong> deles adoecer ou<br />
tiver que faltar, pode ser facilmente<br />
substituído.<br />
Anexo 285
Outra questão que queria levantar é da<br />
avaliação. Nós estamos n<strong>um</strong> processo de<br />
avaliação da função pública, e o que se<br />
coloca aqui é saber quando é que são<br />
avalia<strong>dos</strong> os avaliadores. Se os critérios<br />
que são aplica<strong>dos</strong> para a avaliação são, de<br />
facto, idóneos ou são outros critérios que<br />
não tem nada a ver com a performance <strong>dos</strong><br />
trabalhadores.<br />
S19<br />
Sou procuradora-geral coordenadora do<br />
Ministério Público n<strong>um</strong>a comarca piloto. Na<br />
minha comarca, os problemas que se<br />
colocam são, de certa forma, transversais<br />
às três <strong>comarcas</strong> piloto. Como foi dito há<br />
pouco, não se gere o que não se tem.<br />
Faltam magistra<strong>dos</strong>.<br />
Desde que estou na minha comarca, ainda<br />
não consegui ter o quadro completo de<br />
magistra<strong>dos</strong>. Quando consegui completálo,<br />
começou a faltar <strong>um</strong>a magistrada – e<br />
não está em causa o direito de os<br />
magistra<strong>dos</strong> faltarem, nomeadamente,<br />
quando as magistra<strong>das</strong> estão em licença<br />
de maternidade. É <strong>um</strong> direito que lhes<br />
assiste e que não pode, de maneira<br />
nenh<strong>um</strong>a ser posto em causa, mas<br />
considero que o sistema tem de ter formas<br />
de responder quando há estas faltas e<br />
estas ausências ao serviço.<br />
Assim como também não consegui ter <strong>um</strong><br />
quadro completo de funcionários, que têm<br />
todo o direito de estar doentes. Mas o certo<br />
é que o sistema não me responde e não<br />
me permite ter alguém que os possa<br />
substituir.<br />
Quando chegarmos a Abril de 2010,<br />
provavelmente aquele resultado que se<br />
pretendia na minha comarca e, talvez nas<br />
outras, que era a diminuição <strong>das</strong><br />
pendências e maior qualidade do serviço a<br />
outros níveis, não vai ser atingido porque<br />
não temos tido a nível de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos aquilo que era desejável e<br />
286<br />
expectável e que a lei permite e prevê que<br />
tenhamos.<br />
Em termos de delimitação territorial, o que<br />
foi gizado, provavelmente, não teve em<br />
conta as pessoas, pois talvez se tenha<br />
atendido muito apenas às pendências, a<br />
da<strong>dos</strong> estatísticos. Mas, há questões<br />
específicas na minha comarca,<br />
nomeadamente, a nível da especialização<br />
<strong>dos</strong> juízos de família e menores que estão<br />
distantes relativamente ao município de<br />
(…), que para recorrer a este tribunal, têm<br />
de ir a (…) e para chegar até lá, passam<br />
por (…), onde sempre trataram de tudo.<br />
Tendo em conta que não há transportes<br />
públicos que respondam, tudo isto torna-se<br />
difícil.<br />
Quanto à <strong>gestão</strong>, eu penso que nós<br />
magistra<strong>dos</strong>, e falo por mim, temos <strong>um</strong>a<br />
preparação técnico-jurídica, mas é<br />
fundamental termos <strong>um</strong>a preparação<br />
técnica a nível da <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong> recursos.<br />
Sinto que, na realidade, isso é fundamental<br />
para quem lidera e gere <strong>um</strong>a equipa de<br />
funcionários. E é certo que a lei exige que o<br />
magistrado coordenador tenha essa<br />
formação, mas porque estamos no período<br />
experimental não pôde ser c<strong>um</strong>prida.<br />
Eu sinto na prática, no meu dia-a-dia, que<br />
se torna muito difícil gerir aquilo que à<br />
partida me parece ingovernável, mas<br />
provavelmente, <strong>olhar</strong>ia essas situações<br />
com outros olhos se à partida tivesse outro<br />
tipo de conhecimentos que não me advém<br />
apenas da <strong>experiência</strong>.<br />
Depois há questões de orçamento. Eu<br />
considero que a presidência devia ter <strong>um</strong><br />
orçamento, mas não o tem. Tem de ir<br />
buscar <strong>um</strong> pouco a cada unidade orgânica,<br />
para daí poder gerir o tribunal. Ao mesmo<br />
tempo, também não temos funcionários. Os<br />
funcionários que eu tenho são funcionários<br />
que tive de ir buscar à secção central e que<br />
ficou sem eles.<br />
Os quadros do MP não estão também, de<br />
acordo com os quadros <strong>dos</strong> juízes.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
Há, portanto, aqui <strong>um</strong>a série de questões<br />
que ainda têm de ser pensa<strong>das</strong>.<br />
OPJ<br />
Antes de passar a palavra, gostava de<br />
introduzir <strong>um</strong>a questão. Várias pessoas<br />
aqui referiram a necessidade de mais<br />
quadros de pessoal. Provavelmente terão<br />
razão, mas surge aqui <strong>um</strong>a outra questão:<br />
quais são os parâmetros para sabermos se<br />
faltam ou não funcionários, sem termos<br />
aqui <strong>um</strong>a redefinição de tarefas? Quais são<br />
as tarefas mais importantes e mais<br />
frequentes dentro da tramitação processual<br />
de <strong>um</strong>a jurisdição de família, criminal,<br />
n<strong>um</strong>a pequena instância, n<strong>um</strong>a grande<br />
instância etc.? Estamos a falar de que<br />
quadros, de que referências?<br />
S20<br />
Sou juiz coordenador n<strong>um</strong>a grande<br />
instância criminal de <strong>um</strong>a comarca piloto.<br />
Quero, em primeiro lugar, enaltecer esta<br />
iniciativa. Foi <strong>das</strong> poucas que foram feitas,<br />
no país, desde Abril em relação a este<br />
novo mapa. Depois gostaria de salientar<br />
duas questões que já foram aqui referi<strong>das</strong>.<br />
A primeira é da formação. Eu sou juiz<br />
coordenador, mas ninguém me deu<br />
formação, a não ser jurídica, para além da<br />
minha <strong>experiência</strong> pessoal. Ora, a<br />
formação é muito importante. E, quando se<br />
fala destas <strong>comarcas</strong> piloto, elas carecem,<br />
desde logo, deste handicap. Ou seja, a lei<br />
prevê formação, mas ela não foi dada e<br />
ninguém fala disso.<br />
Por outro lado, também temos a questão<br />
do gabinete de apoio ao juiz. Já existem<br />
<strong>um</strong>as portarias e uns ensaios <strong>sobre</strong> isso,<br />
mas não temos nenh<strong>um</strong> gabinete de apoio<br />
ao juiz. O juiz continua a digitalizar as<br />
peças processuais, a despachar o<br />
processo, a exercer funções de<br />
investigação que poderiam ser delega<strong>das</strong><br />
n<strong>um</strong> funcionário, n<strong>um</strong>a figura próxima do<br />
secretário que lida com o processo, como<br />
em Espanha, e que aqui em Portugal<br />
poderia ser <strong>um</strong> funcionário que colabora<br />
com o juiz, n<strong>um</strong>a assessoria que está<br />
prevista na lei, talvez de forma limitada,<br />
mas que se poderia pensar em termos<br />
mais amplos no futuro.<br />
Finalmente, <strong>um</strong> critério objectivo. Quando<br />
estas três <strong>comarcas</strong> piloto foram<br />
instala<strong>das</strong>, em Abril, eu tentei perceber<br />
porquê este quadro e confesso que não<br />
percebi. Porque existem estatísticas da<br />
justiça, mas tenho grande dificuldade em<br />
as perceber. E, portanto, quando se vai<br />
fazer <strong>um</strong>a monitorização desta reforma e<br />
pensar n<strong>um</strong> modelo de <strong>gestão</strong>, procurando<br />
o que é melhor para a justiça,<br />
necessariamente tem de se partir de<br />
parâmetros e estatísticas que existam e<br />
que se conheçam.<br />
Eu, por exemplo, não existindo essas<br />
estatísticas ou não me sendo cognoscíveis,<br />
tentei fazer a ratio entre juiz e população,<br />
mas cheguei a conclusões que fazem crer<br />
que a reforma não tem muita consistência.<br />
Estou agora para ver o que vai acontecer<br />
na monitorização, se não se definirem os<br />
parâmetros.<br />
S6<br />
Gostaria de responder à questão de como<br />
é que nós sabemos se precisamos de<br />
funcionários. De facto, não há indicadores<br />
e era urgente que houvesse. Isso é<br />
absolutamente relevante. Sei onde faltam<br />
funcionários e é na comarca de (…) e<br />
passo a explicar porquê. Os funcionários<br />
que lá estão foram pensa<strong>dos</strong> e são,<br />
eventualmente, adequa<strong>dos</strong> a <strong>um</strong>a comarca<br />
com <strong>um</strong> funcionamento normal. Mas nós<br />
herdámos pendências anormais, e por isso<br />
mesmo, as leis que instalaram as <strong>comarcas</strong><br />
previram a colocação de funcionários e<br />
juízes para recuperar essas pendências.<br />
Portanto, nessa comarca, pese embora não<br />
Anexo 287
haver esses indicadores, não há dúvida<br />
nenh<strong>um</strong>a que os funcionários não são<br />
suficientes para aquilo que temos de fazer.<br />
S9<br />
Eu gostaria só de fazer <strong>um</strong> comentário<br />
<strong>sobre</strong> a mobilidade e a flexibilidade e,<br />
depois, fazer-vos <strong>um</strong>a pergunta.<br />
A mobilidade e a flexibilidade têm que ser<br />
aborda<strong>das</strong> com clareza e respeito pelas<br />
pessoas. E as questões <strong>das</strong> deslocações<br />
longas, entre outros aspectos, têm que ser<br />
pondera<strong>das</strong>. Mas depois, há <strong>um</strong> conjunto<br />
de outros aspectos, às vezes<br />
completamente disparata<strong>dos</strong> e que limitam<br />
imenso o trabalho e a eficácia <strong>das</strong><br />
organizações. Dou-vos alguns exemplos. A<br />
Universidade de Coimbra, na<br />
reestruturação de 2003, tinha onze quadros<br />
de pessoal. Ao passarmos para <strong>um</strong> único<br />
facilitou muito mais a mobilidade, que em<br />
termos geográficos, não coloca problemas<br />
na cidade de Coimbra.<br />
Um outro exemplo é a região autónoma<br />
<strong>dos</strong> Açores. Eles têm quadros de ilha.<br />
Dentro da mesma ilha, os funcionários<br />
podem movimentar-se, mesmo entre<br />
serviços diferentes, desde que dentro da<br />
mesma função, o que faz todo o sentido.<br />
A pergunta que gostava de vos fazer é: <strong>das</strong><br />
unidades orgânicas que dirigem, quem é<br />
que conhece o seu índice de absentismo?<br />
E se estão satisfeitos com o índice de<br />
absentismo. Porque este é <strong>um</strong> dado<br />
fundamental para poder gerir a<br />
organização. Isto porque ainda há pouco<br />
tempo estive a trabalhar com <strong>um</strong>a unidade<br />
que tem sido referência na modernização<br />
administrativa, com cerca de 100 pessoas,<br />
to<strong>das</strong> jovens, licencia<strong>das</strong>, e estimou-se <strong>um</strong><br />
nível de absentismo de 4%. Isto é, a<br />
direcção estava à espera de ter<br />
normalmente, noventa e seis pessoas.<br />
Quando se começaram a fazer os primeiros<br />
288<br />
cálculos, de facto, tinham, na realidade,<br />
oitenta e oito, o que lhes colocava<br />
problemas porque era <strong>um</strong> horário contínuo<br />
e tinha de encontrar maneira de resolver o<br />
problema. As razões são as melhores: as<br />
pessoas eram novas, casaram-se e tiveram<br />
filhos. No entanto, em vez <strong>das</strong> noventa e<br />
seis, têm oitenta e oito pessoas e têm<br />
<strong>um</strong>as condições diferentes de <strong>gestão</strong>.<br />
Portanto, são estes elementos e<br />
indicadores que são fundamentais para<br />
poder gerir.<br />
S21<br />
Sou procurador da República no DIAP da<br />
comarca de (…). Eu gostei particularmente<br />
da intervenção (…) que focou pontos que<br />
achei da maior pertinência, embora alguns,<br />
nomeadamente a melhoria contínua do<br />
processo seja para nós <strong>um</strong>a utopia. Pode<br />
ser que exista, mas não está na prática. E<br />
<strong>um</strong>a <strong>das</strong> razões porque não existe é a falta<br />
de preparação <strong>dos</strong> líderes desta operação.<br />
Não recebemos nenh<strong>um</strong> curso de <strong>gestão</strong>.<br />
Achei ainda mais interessante a questão da<br />
avaliação, que me fez lembrar a avaliação<br />
<strong>dos</strong> professores. Porque, como sabem,<br />
olhando para a lei, estamos a três meses<br />
do fim do primeiro relatório de avaliação.<br />
Sendo certo que, tanto quanto percebi, é<br />
importante ter os indicadores de avaliação<br />
e que os operadores que estão no terreno,<br />
nesse processo de mudança, conheçam<br />
esses índices. Ora, se estamos a três<br />
meses e ninguém conhece esses índices,<br />
dá a ideia que estaremos talvez no período<br />
experimental do período experimental.<br />
E, provavelmente, até seria melhor que<br />
assim fosse, para partirmos para <strong>um</strong>a nova<br />
fase mais organizada. Até porque a forma<br />
como se fez a implementação desta<br />
reforma nestas <strong>comarcas</strong> foi pouco<br />
preparada, o que causou aos<br />
intervenientes envolvi<strong>dos</strong> <strong>um</strong>a perturbação<br />
processual que durou meses, por exemplo<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO
com a transferência electrónica e física <strong>dos</strong><br />
processos, a distribuição, a colocação <strong>das</strong><br />
pessoas, etc, a que se seguiram férias<br />
judiciais.<br />
Portanto, não seria de todo descabido<br />
saber quem vai fazer essa avaliação e<br />
quais vão ser os critérios. Suponho, à falta<br />
de outro critério, que vão buscar as<br />
estatísticas do Ministério da Justiça e que,<br />
de alg<strong>um</strong>a forma, partam daí.<br />
A ideia da qualidade da mudança, essa<br />
então, está muito para além da prática. A<br />
ideia que eu tenho é que está toda a gente,<br />
ainda, a partir. Ainda não há <strong>um</strong>a forma<br />
assente de funcionar convenientemente.<br />
Outra questão que também achei<br />
essencial, é o destaque dado ao apoio<br />
informático, que também está, de alg<strong>um</strong>a<br />
forma, desorganizado e desigual. Só a<br />
título de exemplo, a cobertura de banda<br />
larga na Comarca Grande Lisboa-Noroeste<br />
é de 100 megas e na Comarca Baixo<br />
Vouga é de 10 megas. E ninguém percebe<br />
porquê.<br />
Finalmente, o tipo de acções de to<strong>dos</strong> os<br />
operadores e, essencialmente, por <strong>um</strong> lado<br />
os quadros de <strong>gestão</strong> da comarca e, por<br />
outro, os operadores de massa que são<br />
funcionários, se não existir, não vai ter<br />
grande êxito. Principalmente na questão da<br />
qualidade do serviço.<br />
Quanto aos poderes do juiz presidente são,<br />
de facto, menos e são poucos. Não é por<br />
acaso que são vagos, como já foi aqui<br />
referido, são mesmo poucos. O juiz<br />
presidente não tem os poderes de <strong>gestão</strong>,<br />
até, orçamental e devia tê-los, bem como<br />
não tem poderes de <strong>gestão</strong> processual que<br />
podia ter e não tem informações que na<br />
altura foram discuti<strong>das</strong>. Houve, aliás,<br />
grande oposição <strong>dos</strong> membros <strong>dos</strong><br />
operadores judiciários, para que o juiz<br />
presidente tivesse mais poderes. Talvez no<br />
futuro devesse ter mais poderes, mas, de<br />
facto, neste momento, tem poucos porque<br />
isso foi pensado.<br />
S10<br />
O que me parece é que, de facto, n<strong>um</strong><br />
modelo deste género, como foi escolhido,<br />
diferente do espanhol, teria que ter mais<br />
poderes, senão não faz muito sentido a<br />
opção. Há aqui <strong>um</strong>a inconsistência, pelo<br />
menos, em termos de <strong>gestão</strong>.<br />
S17<br />
Eu estava a pensar em prescindir da<br />
intervenção, mas como veio a propósito a<br />
questão da competência <strong>dos</strong> juízespresidentes,<br />
gostaria de colocar a seguinte<br />
questão: acham ou não que deveriam ter<br />
competência para solucionar to<strong>dos</strong> os<br />
conflitos de competência que surgissem<br />
entre os juízes <strong>das</strong> vossas <strong>comarcas</strong>?<br />
Eu não questiono isto de forma inócua. De<br />
facto, qualquer reorganização judiciária<br />
implica conflitos de competência e,<br />
nomeadamente, na área do Baixo Vouga<br />
são quatro ou cinco centenas. São<br />
processos que ficam completamente,<br />
bloquea<strong>dos</strong>, durante meses, e o juiz<br />
presidente ou o Conselho Superior da<br />
Magistratura poderia, eventualmente, tomar<br />
<strong>um</strong>a atitude imediata. E aquilo que se está<br />
a passar é que como o conflito é suscitado,<br />
processo a processo, são inúmeros os<br />
recursos que vêm aos <strong>tribunais</strong> da<br />
Relação, quando poderia com <strong>um</strong>a simples<br />
medida de atribuição dessa competência<br />
aos juízes presidentes solucionar-se as<br />
questões, reservando para o tribunal da<br />
Relação qualquer conflito entre juízes de<br />
<strong>comarcas</strong> diferentes.<br />
S22<br />
Eu sou do México e estou a fazer<br />
investigação <strong>sobre</strong>tudo nos <strong>tribunais</strong> de<br />
província. Estou a investigar antropologia<br />
Anexo 289
jurídica nos <strong>tribunais</strong>. Com base na minha<br />
investigação e nas impressões que recolhi<br />
aqui, surgiu-me <strong>um</strong>a questão e não quero<br />
deixar passar a oportunidade de a colocar.<br />
Estou a estudar dois <strong>tribunais</strong> em concreto,<br />
que são bastante informais onde não é<br />
obrigatória a intervenção do advogado.<br />
Ora, estamos perante <strong>um</strong> paradoxo. Estes<br />
<strong>tribunais</strong> foram cria<strong>dos</strong> com a reforma<br />
judicial, a qual definiu, também, que to<strong>dos</strong><br />
os critérios de avaliação – pelo menos no<br />
México – são números. E são esses<br />
números que vão classificar como bom ou<br />
mau determinado tribunal. Mas,<br />
curiosamente, em geral as populações, que<br />
acorrem a estes <strong>tribunais</strong> opinam muito<br />
bem <strong>sobre</strong> eles, porque aí os funcionários<br />
dispensam-lhe <strong>um</strong>a atenção que nenh<strong>um</strong><br />
outro lhes dá. E eu perguntava-me se este<br />
método de avaliação tão n<strong>um</strong>érico, tão<br />
quantitativo e tão invisível é correcto e se<br />
não há outra forma de avaliação?<br />
OPJ<br />
Trata-se da questão <strong>dos</strong> critérios de<br />
avaliação, quer interna, quer externa e que<br />
deve atender, também, a padrões de<br />
qualidade.<br />
S23<br />
A reflexão que gostaria de fazer convosco<br />
é qual é que é o significado desta<br />
flexibilidade funcional, espacial, n<strong>um</strong>érica e<br />
financeira, porque foi com agrado que ouvi<br />
dizer que em alg<strong>um</strong>as situações,<br />
nomeadamente na universidade de<br />
Coimbra, não se coloca tanto o problema<br />
da mobilidade espacial, como ocorre<br />
nestes contextos da justiça de que estamos<br />
a falar. Mas, depois, qual é a outra<br />
resistência que devemos ter? Não há<br />
problema na flexibilidade espacial, mas<br />
temos problemas na flexibilidade funcional<br />
e a resistência que se coloca.<br />
290<br />
No fundo, quais são os da<strong>dos</strong> e os<br />
mecanismos que temos, em termos de<br />
mobilidade funcional e o que é que isso<br />
depois traduz no envolvimento total de<br />
passar de <strong>um</strong> absentismo para <strong>um</strong><br />
presentismo, se não temos eficiência<br />
organizacional?<br />
OPJ<br />
Muito obrigada. Eu daria agora <strong>um</strong> minuto<br />
a cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> intervenientes.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO<br />
S4<br />
Achei to<strong>das</strong> as intervenções muito<br />
interessantes. Gostaria, para terminar de<br />
voltar a <strong>um</strong>a questão que não sei se ficou<br />
clara na nossa intervenção. O modelo<br />
espanhol está a ser implementado agora,<br />
mas tratando-se de <strong>um</strong> modelo<br />
revolucionário, haverá certamente muitas<br />
dificuldades práticas. Quero salientar que o<br />
processo vai deixar de ser “propriedade<br />
exclusiva” <strong>dos</strong> do juiz.<br />
Hoje, temos <strong>um</strong> processo que entra no<br />
tribunal e o juiz diz: “vou tramitá-lo<br />
conforme a lei”, mas marcando o prazo,<br />
marcando o tempo, marcando tudo. No<br />
futuro, é o secretário que vai seguir as<br />
minhas instruções nesse sentido para o<br />
fazer. Aquele personalismo é fundamental<br />
para a eficiência do resultado.<br />
Há juízes que proferem cem sentenças,<br />
outras trezentas e outros até que proferem<br />
quinhentas. Mas, se <strong>um</strong> se atrasa, to<strong>dos</strong> os<br />
outros se atrasam. Ora, tudo isto vai mudar<br />
e mudará porque a partir de agora, o<br />
serviço com<strong>um</strong> é que se vai encarregar da<br />
tramitação e simplesmente se dirá ao juiz,<br />
por exemplo, ” produção da prova, na data<br />
x”, conforme a sua agenda.<br />
Há <strong>um</strong>a perda do conceito de domínio do<br />
processo e esta mudança é <strong>um</strong>a novidade
muito grande, mas que poderá ter<br />
problemas de implantação. No fundo<br />
subjaz o problema da articulação entre o<br />
secretário e o juiz, sendo a este apenas<br />
reservada a sua função primeira que é<br />
julgar, resolver o conflito.<br />
S5<br />
Eu centraria a minha exposição em três<br />
conceitos principais: mobilidade, formação<br />
e a<strong>um</strong>ento <strong>dos</strong> quadros de pessoal.<br />
É algo que para mim não é <strong>um</strong>a novidade,<br />
pois é algo que já se havia discutido antes<br />
e em torno de outros problemas no meu<br />
país. Creio que é algo até de repetitivo e<br />
que acontece em to<strong>das</strong> as organizações<br />
sociais e em to<strong>dos</strong> os países.<br />
Se servir de algo, a minha <strong>experiência</strong> de<br />
mais de vinte anos dentro do organograma<br />
judicial espanhol, posso falar-vos em três<br />
pontos essenciais.<br />
O primeiro é a<strong>um</strong>ento <strong>dos</strong> recursos<br />
h<strong>um</strong>anos, isto é, <strong>dos</strong> quadros de pessoal.<br />
Posso dizer-vos que não há <strong>um</strong>a proporção<br />
directa entre o a<strong>um</strong>ento de pessoal e o<br />
a<strong>um</strong>ento de decisões, de resoluções de<br />
conflitos, portanto, não pensem que o<br />
a<strong>um</strong>ento de pessoal pode ser a resolução<br />
de to<strong>das</strong> as questões.<br />
O segundo é a formação, essa sim, deverá<br />
ser para to<strong>dos</strong>. Digo e repito, para to<strong>dos</strong> os<br />
estratos. É fundamental termos <strong>um</strong>a<br />
formação adequada.<br />
O terceiro é a mobilidade. É <strong>um</strong> eterno<br />
conflito e é o eterno problema. Posso dizervos<br />
que o novo modelo que estamos a<br />
projectar em Espanha consagra em parte a<br />
mobilidade. Como foi dito aqui esta tarde,<br />
mobilidade não só dentro do tribunal, mas<br />
dentro da própria área geográfica. No<br />
entanto, vai ser difícil de a manter. Temos<br />
informação de que os sindicatos, pelo<br />
menos a sua maioria, estão a ass<strong>um</strong>ir que<br />
é muito provável que se tenha que ceder<br />
na questão da mobilidade, afim de não se<br />
pôr <strong>um</strong> fim ao novo modelo que se<br />
pretende implantar. Se bem que a<br />
mobilidade, no caso concreto <strong>das</strong> divisões<br />
administrativas de que vos falava, no pior<br />
<strong>dos</strong> casos, seria reduzida a <strong>um</strong>a<br />
mobilidade territorial circunscrita ao âmbito<br />
de cada comunidade autónoma. Embora,<br />
inicialmente, a ideia fosse de que ela se<br />
circunscrevesse apenas a <strong>um</strong>a mesma<br />
localidade.<br />
S9<br />
Queria debruçar-me <strong>sobre</strong> quatro pontos<br />
muito rápi<strong>dos</strong>.<br />
O primeiro é para voltar a agradecer o<br />
convite para este evento, que foi de<br />
extremo interesse para mim.<br />
O segundo para dizer que o diálogo foi<br />
excepcional. São 19h horas e a casa está<br />
cheia, o que é <strong>um</strong> excelente indicador.<br />
Um terceiro ponto, para dizer que o<br />
sucesso destas <strong>experiência</strong>s, portuguesa<br />
ou espanhola, depende claramente de <strong>um</strong>a<br />
intervenção coordenada <strong>sobre</strong> os vários<br />
domínios do conhecimento, sejam aspectos<br />
judiciários, aspectos de <strong>gestão</strong>, de recursos<br />
h<strong>um</strong>anos, méto<strong>dos</strong>, etc. Os processos têm<br />
de se conjugar para se encontrar o<br />
sucesso.<br />
E o quarto ponto é que adoraria debater a<br />
questão do absentismo, <strong>das</strong> presenças e<br />
da motivação e da produtividade. Tenho<br />
muitos da<strong>dos</strong> nesse domínio. Só que<br />
precisávamos de mais <strong>um</strong>a tarde,<br />
seguramente. Seria <strong>um</strong> tema muito<br />
interessante, mas infelizmente não o<br />
podemos fazer.<br />
S10<br />
Eu gostava de aproveitar para abordar<br />
Anexo 291
duas notas <strong>sobre</strong> duas questões ou ideias<br />
que surgiram. Uma nota <strong>sobre</strong> aquela<br />
questão suscitada pelo colega de seminário<br />
relativamente à questão do serviço público<br />
vs serviço privado, e o que lhes<br />
corresponde. Eu penso que hoje já não se<br />
acredita muito nisso. Eu trabalhei dez anos<br />
ou doze com responsabilidades na banca<br />
privada e com responsabilidades de <strong>gestão</strong><br />
e comerciais – naturalmente na <strong>gestão</strong><br />
pública temos muito mais restrições – mas<br />
as duas grandes variáveis em ambas são<br />
gerir as pessoas e as questões<br />
organizacionais. E para tal, como foi<br />
referido, há méto<strong>dos</strong> e técnicas que<br />
facilitam o trabalho do gestor em que,<br />
naturalmente, <strong>um</strong> gabinete de apoio, fará<br />
todo o sentido. Por isso, essa diferença<br />
entre serviço privado ou público penso que<br />
já não fará tanto sentido. O que é essencial<br />
é não perder de vista a essência do<br />
serviço, os valores e os princípios que<br />
devem estar subjacentes na avaliação da<br />
qualidade de <strong>um</strong> serviço público que serão,<br />
obviamente, diferentes do serviço privado.<br />
E aí eu penso que a excelência é,<br />
naturalmente, <strong>um</strong>a utopia. Aliás, a palavra<br />
excelência é <strong>um</strong> conceito que é usado no<br />
âmbito da qualidade total mas também é<br />
usada no quotidiano, o que leva a que haja<br />
muitas ideias <strong>sobre</strong> o que é a excelência,<br />
mas nesta perspectiva - e Aristóteles dizia<br />
que a excelência é <strong>um</strong> hábito - e a<br />
mudança espanhola é de facto<br />
revolucionária, ouvir falar de serviços<br />
partilha<strong>dos</strong> nos <strong>tribunais</strong> é algo<br />
absolutamente novo.<br />
Na medida em que é essa a grande<br />
questão hoje <strong>das</strong> multinacionais, por<br />
exemplo, que andam a deslocalizar para a<br />
Índia e para a Europa os serviços<br />
partilha<strong>dos</strong> em função <strong>dos</strong> custos de mãode-obra,<br />
ou seja, a importância do centro<br />
de serviços partilha<strong>dos</strong> n<strong>um</strong>a perspectiva<br />
da <strong>gestão</strong> privada em termos de eficácia e<br />
de ganhos, neste caso, exclusivamente<br />
financeiros.<br />
Portanto, estamos aqui a falar de modelos<br />
292<br />
com conceitos que estão na crista na onda,<br />
naquilo que são alguns <strong>dos</strong> paradigmas da<br />
<strong>gestão</strong> privada.<br />
Agora, a questão da excelência, refiro-a<br />
porque, do muito que foi dito, pela ausência<br />
de estatísticas, indicadores e parâmetros<br />
de avaliação, do meu ponto de vista julgo<br />
que os parâmetros de excelência ajudam<br />
porque evitam a execução de avaliações<br />
precipita<strong>das</strong> com base em indicadores<br />
pouco cuida<strong>dos</strong>. Ou seja, nós não devemos<br />
ter apenas em conta a rapidez, há o risco<br />
de comparar de forma igual coisas<br />
desiguais, há realidades ocultas e que não<br />
aprecem nos números e por isso, digamos<br />
que a excelência, enquanto princípio para<br />
nos obrigar a ver muitos <strong>dos</strong> resulta<strong>dos</strong> e<br />
até mais do que eles, penso é e <strong>um</strong><br />
princípio fundamental. E digo só o seguinte,<br />
do que conheço, existem muitos exemplos<br />
já, em Portugal, de serviços públicos com<br />
prémios internacionais em termos de<br />
modelos de excelência, e muitas vezes até<br />
independentemente da dimensão, com<br />
alg<strong>um</strong>a complexidade.<br />
Pelo que deve ser algo orientador e<br />
embora seja <strong>um</strong>a utopia, é <strong>um</strong>a utopia que<br />
deve estar presente para que as coisas<br />
tenham <strong>um</strong> carácter de sustentabilidade a<br />
médio e longo prazo.<br />
Eu só queria agradecer, também, porque<br />
me foi muito grato estar aqui a participar<br />
neste seminário.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO<br />
S6<br />
Queria focar duas notas. (…). Nós,<br />
pessoas a quem a <strong>gestão</strong> aconteceu,<br />
precisamos muito de formação nestas<br />
áreas. Um outro ponto, tem que ver com a<br />
questão da comparação que foi agora<br />
retomada há pouco (…), que diz respeito<br />
ao modelo espanhol e ao modelo<br />
português e à definição de competências.<br />
Como tentei referir quando abordei o
conjunto de competências do juiz<br />
presidente, sejam elas diminutas ou não, o<br />
que é facto é que nele se conjugam, de<br />
maneira que exige <strong>um</strong>a coordenação<br />
diplomática muito grande, determina<strong>das</strong><br />
áreas de intervenção no tribunal e, portanto<br />
(…) a definição de competências é<br />
essencial, não está feita e há que a fazer.<br />
Mas há outro aspecto que parece<br />
absolutamente fundamental, que é o modo<br />
como se definem as competências, que<br />
não é indiferente. A questão de dissociação<br />
entre a actividade jurisdicional e a<br />
actividade processual não é indiferente.<br />
Administrar a justiça, na nossa tradição<br />
portuguesa, implica administrar o processo<br />
e a nossa lei orgânica permite isto e este<br />
elemento é fundamental, sendo que me<br />
parece que é dentro dele que podemos<br />
definir melhor as competências que estão<br />
em jogo n<strong>um</strong> tribunal e não dissociando-as<br />
e reservando para o juiz a nobre função de<br />
julgar que, no fundo, é apenas reduzida a<br />
<strong>um</strong> acto n<strong>um</strong> processo e não à <strong>gestão</strong> <strong>dos</strong><br />
processos.<br />
S7<br />
Em primeiro lugar agradeço também o<br />
convite para participar neste seminário<br />
Mesmo que não fizesse parte dele,<br />
participaria n<strong>um</strong>a outra perspectiva, e<br />
sempre com muito agrado.<br />
Por outro lado, quero agradecer (…)<br />
porque, de facto, as suas palavras para nós<br />
são quase como <strong>um</strong> encaixe da teoria na<br />
nossa prática do dia-a-dia, e é quase como<br />
conseguir pensar isso de <strong>um</strong>a outra forma.<br />
Queria também referir mais alg<strong>um</strong>as<br />
coisas. Aquilo de que estivemos aqui a<br />
falar, relativamente aos traços gerais deste<br />
novo modelo de <strong>gestão</strong>, é <strong>um</strong>a situação.<br />
Outra situação são as condições do<br />
exercício deste modelo, ou seja como é<br />
que o modelo se executa, que meios temos<br />
para pôr em prática este modelo, haver que<br />
gerir e os meio para gerir – isto é outra<br />
situação.<br />
Uma coisa é dizer: este modelo adequa-se<br />
ou não aos objectivos traça<strong>dos</strong> e que<br />
queremos traçar? Outra coisa é questionar:<br />
temos as condições para pôr em prática<br />
este modelo? Temos que gerir. E como<br />
gerir? Assim, são duas questões distintas,<br />
embora se complementem.<br />
É evidente que se tivermos essas<br />
condições em parâmetros de normalidade<br />
e se tivermos essas condições acima <strong>dos</strong><br />
parâmetros de normalidade, melhores<br />
condições, maiores potencialidades temos<br />
para bem os servir. Portanto, esse é <strong>um</strong><br />
apelo que deixo, porque se discutimos o<br />
modelo de <strong>gestão</strong>, também temos de<br />
discutir, inerentemente, as condições em<br />
que é exercido.<br />
Relativamente à qualidade por contraponto<br />
à quantidade, eu pessoalmente penso que<br />
ambas estão necessariamente associa<strong>das</strong><br />
e qualquer avaliação que eu tenha de<br />
fazer, tenho de ter em conta esses dois<br />
vectores.<br />
Na justiça, temos em conta isso mesmo,<br />
com a preocupação, no nosso trabalho, de<br />
atender à produtividade mas também à<br />
qualidade do que fazemos e ser autocríticos<br />
<strong>sobre</strong> o que fazemos.<br />
Volto a dizer, <strong>um</strong>a <strong>das</strong> grandes<br />
virtualidades deste novo modelo é<br />
possibilitar <strong>um</strong> espírito dentro de <strong>um</strong>a<br />
equipa – ele pode funcionar bem e pode<br />
funcionar mal, como é óbvio, porque como<br />
já se disse, nem tudo são rosas – mas<br />
potencia justamente o dizer-se que o<br />
modelo de <strong>gestão</strong> não está pensado só<br />
porque existe <strong>um</strong> juiz presidente, <strong>um</strong><br />
administrador, juízes coordenadores ou <strong>um</strong><br />
procurador coordenador, <strong>um</strong>a vez que<br />
to<strong>dos</strong> os intervenientes que fazem parte da<br />
área territorial do tribunal de comarca farão<br />
parte deste modelo de <strong>gestão</strong>.<br />
Ora, eu não consigo fazer a <strong>gestão</strong><br />
Anexo 293
processual se não tiver a colaboração de<br />
todo e qualquer colega, como não consigo<br />
fazer a <strong>gestão</strong> do que é a planificação de<br />
<strong>um</strong>a unidade orgânica de secretaria se não<br />
tiver a colaboração <strong>dos</strong> funcionários, do<br />
administrador, do procurador coordenador,<br />
etc.<br />
Portanto, a grande virtualidade é<br />
justamente criar este espírito de equipa e<br />
que toda a gente participe neste modelo.<br />
Quando falamos aqui <strong>das</strong> competências do<br />
juiz presidente, ele será talvez o topo da<br />
pirâmide desta estrutura intermédia mas o<br />
importante, na realidade, é a articulação<br />
disto tudo, para entroncar na questão da<br />
qualidade que é justamente isso,<br />
esperamos qualidade quando motivamos<br />
os outros para determina<strong>dos</strong> objectivos que<br />
não são apenas quantitativos mas também<br />
qualitativos.<br />
Dada a possibilidade, volto a repetir, a<br />
flexibilidade é essencial, pois por maior que<br />
seja a área geográfica há sempre solução.<br />
Mais, no dia-a-dia constatamos que as<br />
pessoas estão cada vez mais abertas para<br />
a flexibilidade. Não to<strong>das</strong> e podemos ser<br />
to<strong>dos</strong> muito críticos quanto a ela. Mas, a<br />
questão é: existe ou não? Porque se não<br />
existe, mais <strong>um</strong>a vez não temos <strong>um</strong> meio<br />
de <strong>gestão</strong>.<br />
Relativamente à questão colocada da<br />
possibilidade de o juiz presidente ter<br />
competência para decidir conflitos de<br />
competência no âmbito territorial da<br />
comarca, é <strong>um</strong>a questão mais complexa.<br />
Não sei se seria bem encarado o facto de,<br />
no fundo, estarmos inter pares a decidir<br />
essa situação e a situação não ser<br />
submetida, como é hoje, a apreciação<br />
superior.<br />
S17<br />
Bom, mas não é inter pares porque os<br />
senhores são juízes presidentes, há <strong>um</strong><br />
ónus adicional no exercício dessa função.<br />
294<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO<br />
S7<br />
Com inter pares quero dizer, por exemplo,<br />
(…), somos juízes de círculo, e (…) juiz<br />
desembargador. Ora, estamos habitua<strong>dos</strong><br />
a subir, a submeter a apreciação superior.<br />
S17<br />
Sim, mas o facto de estarmos habitua<strong>dos</strong> a<br />
esse tipo de <strong>gestão</strong> processual, e se<br />
estamos a evoluir n<strong>um</strong> modelo de <strong>gestão</strong><br />
diferente, não poderíamos superar e<br />
ultrapassar, passar para outro patamar?<br />
S7<br />
A minha resposta é a seguinte:<br />
poderíamos, eventualmente, poderíamos.<br />
Simplesmente a questão que se coloca em<br />
retorno é se será que tal será bem aceite?<br />
S17<br />
Na minha perspectiva, se é bem aceite ou<br />
não, é questão que se deve colocar. O que<br />
se deve colocar é em termos de eficiência<br />
do serviço para evitar que o cidadão, como<br />
hoje, fique seis, sete, oito, nove ou dez<br />
meses à espera da solução do caso,<br />
enquanto que teria ali <strong>um</strong> expediente<br />
eficiente e rápido de solucionar.<br />
S6<br />
Gostaria de responder à pergunta. Penso<br />
que será relativamente indiferente que<br />
tenha essa competência ou não. O que me<br />
aprece mais grave é que haja vinte<br />
processos com a mesma situação e em<br />
to<strong>dos</strong> eles tenha de seguir <strong>um</strong>a<br />
determinada tramitação. Porque seja no
tribunal da Relação ou ao nível do juiz<br />
presidente o problema é o mesmo.<br />
Tivemos <strong>um</strong>a situação na comarca (…), de<br />
quinze processos que tinham <strong>um</strong>a situação<br />
que eu entendi ser de competência e que a<br />
colega entendeu que seria eu a decidir por<br />
ser de distribuição. Veio o primeiro<br />
processo e, resolvida essa questão, não foi<br />
suscitada a questão nos restantes<br />
processos, porque entendeu que a questão<br />
ficava resolvida com aquele primeiro. Ou<br />
seja, a eficiência talvez resulte de nós<br />
termos outros mecanismos que não nos<br />
façam andar a repetir as mesmas<br />
situações, com actos inúteis, em vários<br />
processos em que já se sabe que vão ser<br />
decidi<strong>dos</strong> exactamente da mesma forma.<br />
Não me choca que se decidam os conflitos<br />
de competência ao nível do juiz presidente.<br />
Se calhar os próprios conflitos é que<br />
deveriam ser mais fáceis de resolver.<br />
S8<br />
Vou gastar apenas <strong>um</strong> minuto para<br />
agradecer o convite, a amabilidade de ter<br />
cá estado. C<strong>um</strong>primento to<strong>dos</strong> os<br />
presentes, os membros da mesa, e a to<strong>dos</strong><br />
desejo as maiores felicidades e que o ano<br />
corra tão bem como começou, esperando<br />
que tenha começado bem. Agradeço<br />
também ao senhor sociólogo que está lá ao<br />
fundo e responder-lhe-ei quanto à questão<br />
<strong>das</strong> faltas <strong>dos</strong> funcionários. Eu tenho muito<br />
respeito por quem está doente, não ponho<br />
em causa isso, respeito <strong>um</strong>a sociedade de<br />
bem-estar e que as pessoas doentes<br />
tenham o melhor tratamento possível e<br />
estejam ausentes o tempo necessário para<br />
reparar a saúde. Apenas me referi a essas<br />
faltas como maneira de me justificar<br />
quando peço funcionários, porque n<strong>um</strong>a<br />
situação em que os recursos são escassos,<br />
tenho de justificar que essas pessoas<br />
faltando não estão ao serviço, e este tem<br />
de ser c<strong>um</strong>prido, tenho de as substituir<br />
para assegurar o serviço prestado ao<br />
cidadão.<br />
Também não ponho em causa que o<br />
avaliador seja avaliado. Passei a vida toda<br />
a ser avaliado e continuo a sê-lo, pela<br />
sociedade, pelos senhores advoga<strong>dos</strong>,<br />
pelo sistema.<br />
(…), acho sem dúvida <strong>um</strong> passo<br />
importantíssimo na decisão <strong>dos</strong> conflitos de<br />
jurisdição. Tenho, concretamente, <strong>um</strong> caso<br />
na comarca, em que escusava de estar a<br />
prender os <strong>tribunais</strong> da Relação e o próprio<br />
Supremo Tribunal Administrativo com<br />
centenas de processos. O juiz presidente<br />
poderia intervir, sim, e os processos<br />
acabariam ali mesmo e em tempo útil, o<br />
mesmo prosseguiria a bem <strong>das</strong> pessoas e<br />
da justiça. Mais <strong>um</strong>a vez agradeço.<br />
OPJ<br />
Obrigada senhor Dr. Antes de passar a<br />
palavra (…), aproveito para agradecer<br />
muito a to<strong>dos</strong> que aqui intervieram, aos<br />
membros da mesa, a to<strong>dos</strong> que intervieram<br />
e colocaram questões. O sucesso deste<br />
seminário deve-se a vós.<br />
S3<br />
Serei muito breve. Esta foi seguramente a<br />
primeira reunião de avaliação <strong>das</strong> três<br />
<strong>comarcas</strong> piloto. (…).<br />
Nós sabemos que temos <strong>um</strong>a organização<br />
judiciária com 200 anos mas sabemos<br />
também que esta organização judiciária<br />
pode durar outros 200 anos e, portanto,<br />
não é fácil e também não foi completa hoje<br />
– e não me levem a mal – a avaliação feita.<br />
A primeira avaliação que tem de ser feita é<br />
saber se aquilo que foi projectado e o que<br />
foi realizado coincide. Saber se o Estado<br />
tem ou não meios para concretizar tudo o<br />
mais, rapidamente e de <strong>um</strong>a só vez. Saber<br />
Anexo 295
se temos também os mecanismos<br />
processuais adequa<strong>dos</strong> para poder pôr<br />
tudo de pé de <strong>um</strong>a só vez e saber se a<br />
eficácia da justiça resulta desta<br />
organização judiciária.<br />
Há coisas que não foram ditas - e vão ter<br />
de ser - onde de facto o poder político vai<br />
ter de avaliar. E esta indagação não é junto<br />
<strong>dos</strong> magistra<strong>dos</strong>, nós não avaliamos<br />
magistra<strong>dos</strong> nem funcionários. Isto é,<br />
avaliamos sim aquilo que estava projectado<br />
e aquilo que foi realizado. E essa avaliação<br />
vai ter de ser feita.<br />
É <strong>um</strong> bom caminho, o <strong>das</strong> grandes<br />
<strong>comarcas</strong>, mas para ser trilhado com<br />
consequência, eficácia e meios h<strong>um</strong>anos e<br />
materiais é preciso saber se o que foi<br />
idealmente gizado em termos ideais<br />
coincide ou não com o que está a ser<br />
concretizado na prática.<br />
Ora, eu não vi aqui nenh<strong>um</strong>a intervenção<br />
nem nenh<strong>um</strong>a alusão à advocacia, nem<br />
<strong>dos</strong> cidadãos <strong>sobre</strong> o modo como sentem<br />
esta reforma e isso tem de ser feito<br />
também. Isto é, temos aqui problemas <strong>dos</strong><br />
magistra<strong>dos</strong>, da formação, da organização,<br />
de método, de financiamento, mas também<br />
teremos o da advocacia e <strong>dos</strong> cidadãos<br />
que recorrem aos <strong>tribunais</strong>. Por isso, essa<br />
ponte que é feita entre os cidadãos e o<br />
Estado, que é feita pela advocacia, tem de<br />
ser aqui também devidamente assegurada<br />
e não foi. Logo, vamos ter de o fazer.<br />
Portanto eu vou pedir a to<strong>dos</strong> os senhores<br />
magistra<strong>dos</strong> que façam esta avaliação<br />
muito rigorosa, porque de facto, o<br />
Ministério da Justiça vai-lhes solicitar<br />
veementemente que essa avaliação se<br />
faça nestes termos, porque estamos aqui<br />
para optimizar o serviço da justiça, dar-lhe<br />
consequência, e para lhe dar eficácia e<br />
dignidade. Isto porque, de facto, ainda há<br />
dias recebemos <strong>um</strong>a organização<br />
empresarial no Ministério que nos trouxe<br />
<strong>um</strong>a avaliação de todo o mundo da justiça<br />
296<br />
em que nós, homens e mulheres da justiça,<br />
estávamos abaixo <strong>dos</strong> políticos. Ora, é<br />
dramático ouvir isto, ouvir que nós, as<br />
pessoas do judiciário, estamos abaixo <strong>dos</strong><br />
agentes políticos em termos de<br />
representação social, isto tem de ser<br />
ultrapassado rapidamente.<br />
A função que tenho no Ministério da Justiça<br />
é fazer este apelo a to<strong>dos</strong>, seja qual for o<br />
papel que desempenhem dentro do<br />
tribunal, que é fazer-nos chegar respostas<br />
<strong>sobre</strong> o modo de resolver estes problemas.<br />
Este novo mapa judiciário e estas três<br />
<strong>comarcas</strong> piloto são, de facto, matriciais<br />
para nós, para o nosso país nas próximas<br />
déca<strong>das</strong> ou até, quem sabe, para a<br />
próxima centúria, pelo que é necessário<br />
muita cautela porque se este modelo<br />
soçobrar será <strong>um</strong> desastre! Este modelo<br />
não pode soçobrar, mas para o<br />
encaminharmos para o sucesso, como<br />
disse, temos de ter muita cautela e<br />
precisão relativamente a pessoas,<br />
méto<strong>dos</strong>, critérios ou recursos h<strong>um</strong>anos e<br />
financeiros.<br />
Agradeço a to<strong>dos</strong>, sinceramente, porque fui<br />
alertado para realidades que desconhecia,<br />
e a Dra Conceição Gomes sabe porque<br />
discutimos muito e conhece as reticências<br />
que tinha em relação a este concreto<br />
mapa. O modelo já está fixado, pelo que<br />
agora há que dar o salto qualitativo e para<br />
tanto o apelo é para que se faça a<br />
avaliação ao que foi feito e que foi<br />
projectado e como é que vamos concretizar<br />
o futuro desta organização judiciária.<br />
Muito obrigado a to<strong>dos</strong>. Peço desculpa pelo<br />
que disse, mas tinha que o dizer, tinha de<br />
ser sincero com esta audiência tão delicada<br />
e responsável e com a qual muito aprendi.<br />
OPJ<br />
Muito obrigada a to<strong>dos</strong>.<br />
A GESTÃO DOS TRIBUNAIS: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DAS COMARCAS<br />
PILOTO