rebeldia adolescente: um olhar à luz das contribuições ... - Dom Bosco
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PsicoDOM – número 4 – junho 2009 - pag. 1 a 18 www.dombosco.com.br/faculdade<br />
REBELDIA ADOLESCENTE:<br />
UM OLHAR À LUZ DAS CONTRIBUIÇÕES DA<br />
PSICANÁLISE<br />
Allan Martins Mohr<br />
Psicólogo e Bacharel em Psicologia, formado pela Universidade Federal do Paraná, aluno do<br />
curso de Pós-Graduação lato sensu – Especialização em Psicanálise: Teoria e Prática, da<br />
Faculdade <strong>Dom</strong> <strong>Bosco</strong>.<br />
Luciana Albanese Valore<br />
Psicóloga pela UFPR, mestre em Psicologia Social pela USP e doutora<br />
em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento H<strong>um</strong>ano pela USP. Professora do<br />
Departamento de Psicologia e diretora do Centro de Estudos e Assessoria em<br />
Psicologia e Educação (Ceape) da UFPR.<br />
Res<strong>um</strong>o<br />
O presente estudo debruça-se sobre a compreensão da <strong>rebeldia</strong> <strong>adolescente</strong> <strong>à</strong><br />
<strong>luz</strong> <strong>das</strong> <strong>contribuições</strong> de pesquisadores referenciados na psicanálise, e objetiva<br />
subsidiar a reflexão de profissionais envolvidos com as sempre desafiadoras<br />
questões da adolescência; também investiga comportamentos como vandalismo<br />
e suicídio, dentre outros, buscando evidenciar os aspectos psíquicos<br />
associados.<br />
Palavras-chave: Adolescência; Rebeldia; Lutos.
PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade<br />
1. Introdução<br />
O senso com<strong>um</strong>, assim como muitos autores, retrata a adolescência<br />
como <strong>um</strong> período de turbulência e de crises, caracterizado por desequilíbrios e<br />
instabilidades extremas, como o fazem Aberastury e Knobel (1981c), cujo<br />
somatório de comportamentos foi premiado por <strong>um</strong> neologismo que hoje se<br />
conhece como “aborrescência”.<br />
O “período da vida h<strong>um</strong>ana que começa com a puberdade e se<br />
caracteriza por mudanças corporais e psicológicas” (FERREIRA, 1993, p. 12),<br />
estendendo-se dos 12 aos 20 anos, aproximadamente, já foi retratado por<br />
inúmeros autores, psicólogos, pedagogos e biólogos, entre outros<br />
pesquisadores, que tentaram “desvendar” o “fenômeno” adolescência.<br />
Para Artori (2006), por exemplo, o <strong>adolescente</strong> seria “<strong>um</strong> vulcão em<br />
erupção, expelindo paixões, desejos e <strong>rebeldia</strong>” (p. 31); muitas vezes parecendo<br />
<strong>um</strong> ser descontrolado. Muitas vezes, pois existem aqueles cujos<br />
comportamentos, na medida do possível, não são tão perturbadores nem para si<br />
nem para o mundo adulto, como mostram Aberastury e Knobel (1981c).<br />
Conflitos presentes na adolescência, suas fontes e tentativas de<br />
resolução constituem as bases deste estudo, sendo seu foco a <strong>rebeldia</strong><br />
<strong>adolescente</strong>, aqui tratada <strong>à</strong> <strong>luz</strong> <strong>das</strong> <strong>contribuições</strong> da psicanálise.<br />
Levando em conta a sintomatologia que integra o que Knobel (1981)<br />
classifica como “síndrome normal da adolescência” (p. 29), e selecionando mais<br />
especificadamente a “atitude social reivindicatória com tendências anti ou<br />
associais de diversa intensidade e constantes flutuações de h<strong>um</strong>or” (p. 29),<br />
entende-se por <strong>rebeldia</strong> <strong>um</strong> espectro de comportamentos que, socialmente, são<br />
tidos como desajustes: sejam comportamentos contra a sociedade, sejam contra<br />
si mesmo. Como problema norteador deste estudo, tem-se a questão: seria a<br />
<strong>rebeldia</strong> <strong>adolescente</strong> <strong>um</strong>a <strong>das</strong> tentativas de elaboração dos conflitos psíquicos<br />
existentes na adolescência; ou, em outras palavras, seria a <strong>rebeldia</strong> <strong>adolescente</strong><br />
<strong>um</strong>a maneira de auxiliar a realizar os lutos da adolescência 1 ?<br />
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Tal questão tem implícitas alg<strong>um</strong>as hipóteses a respeito da <strong>rebeldia</strong><br />
<strong>adolescente</strong> e de suas possíveis fontes disparadoras. Sua investigação, a partir<br />
da revisão de estudos empreendidos por alguns psicanalistas acerca da<br />
adolescência, configurou o objetivo deste escrito.<br />
Como se pode ver ao longo da obra de Clerget (2004), Adolescência: a<br />
crise necessária, o fenômeno adolescência muitas vezes caracteriza-se por<br />
trazer sofrimento aos pais dos jovens e <strong>à</strong> sociedade na qual estão inseridos. A<br />
violência (que aqui poderia ser lida como <strong>rebeldia</strong>) “é descrita em todos os<br />
casos, desde a Antiguidade, como <strong>um</strong>a disposição particular a este período da<br />
vida” (p. 90), ou seja, a adolescência. Nesse sentido, supõe-se que o estudo<br />
deste tema, para além <strong>das</strong> <strong>contribuições</strong> da ordem da produção do<br />
conhecimento, poderá lançar alguns pontos para reflexão a todos aqueles que,<br />
de <strong>um</strong> modo ou de outro, estejam envolvidos com as sempre desafiadoras<br />
questões da adolescência.<br />
Uma vez desvela<strong>das</strong> as intenções deste trabalho, parte-se então para<br />
seus “achados”; lembrando, porém, que não se teve a pretensão de percorrer<br />
todos os comportamentos rebeldes, direcionando-se o <strong>olhar</strong> aos possíveis<br />
determinantes de alguns dentre eles, a saber: brigas entre gangues, vandalismo<br />
em grupo, roubo e conduta agressiva solitária.<br />
Para tanto, n<strong>um</strong> primeiro momento, abordar-se-á a revisão de literatura<br />
sobre o adolescer, os lutos na adolescência e a <strong>rebeldia</strong> em si, incluindo a<br />
definição de alguns conceitos psicanalíticos com o auxílio de autores como<br />
Arminda Aberastury, Maurício Knobel, Sigmund Freud, Clerget, entre outros<br />
pensadores desse campo do saber.<br />
2. O adolescer<br />
O que é o “adolescer”? Parece plausível dizer que se tornar <strong>adolescente</strong><br />
pressupõe a passagem de <strong>um</strong> estágio a outro, no caso, a passagem da infância<br />
para a adolescência. Ou, como afirma Aberastury (1981e), “literalmente,<br />
adolescência (latim, adolescência, ad: a, para a + olescere: forma incoativa de<br />
olere, crescer) significa a condição ou o processo de crescimento” (p. 89).<br />
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Assim, a adolescência consiste n<strong>um</strong>a etapa da vida em que o indivíduo<br />
busca estabelecer sua identidade adulta, o que pressupõe <strong>um</strong>a identidade<br />
anterior, que pode ser chamada de identidade infantil 2 .<br />
Na concepção psicanalítica, o entendimento de tal passagem para a vida<br />
adulta pressupõe a compreensão de alguns conceitos freudianos fundamentais:<br />
conflito psíquico, luto, castração, complexo de Édipo e elaboração psíquica.<br />
Torna-se então necessário abordá-los, ainda que de forma breve.<br />
O conceito de conflito psíquico é descrito por Laplanche e Pontalis (1994)<br />
como a oposição entre exigências internas contrárias, podendo ser manifesto<br />
(entre <strong>um</strong> desejo e <strong>um</strong>a exigência moral ou entre dois sentimentos<br />
contraditórios, por exemplo) ou latente, vindo a expressar-se pela via da<br />
formação de sintomas, desordens do comportamento, perturbações do caráter,<br />
etc.<br />
O conceito de elaboração psíquica, por sua vez, é utilizado por esses<br />
autores para designar o trabalho empreendido pelo aparelho psíquico, a fim de<br />
controlar e dominar as excitações que lhe chegam, evitando seu acúmulo, o que<br />
poderia acarretar consequências patológicas: “este trabalho consiste em integrar<br />
as excitações no psiquismo e em estabelecer entre elas conexões associativas”.<br />
(Ibid., p. 143).<br />
Cabe, pois, questionar se se deve considerar o conflito interno como fonte<br />
de excitação psíquica. Em caso afirmativo, poder-se-ia supor tal conflito interno<br />
como passível de elaboração.<br />
Outro conceito importante no estudo da <strong>rebeldia</strong> <strong>adolescente</strong> diz respeito<br />
ao luto, compreendido por Freud (2003a) como <strong>um</strong> trabalho de retirada de libido<br />
do objeto:<br />
O teste da realidade revelou que o objeto amado não existe mais,<br />
passando a exigir que toda a libido seja retirada de suas ligações com<br />
aquele objeto. Essa exigência provoca <strong>um</strong>a oposição compreensível —<br />
é fato notório que as pessoas nunca abandonam de bom grado <strong>um</strong>a<br />
posição libidinal, nem mesmo, na realidade, quando <strong>um</strong> substituto já se<br />
lhes acena. Esta oposição pode ser tão intensa, que dá lugar a <strong>um</strong><br />
desvio da realidade e a <strong>um</strong> apego ao objeto por intermédio de <strong>um</strong>a<br />
psicose alucinatória carregada de desejo. Normalmente, prevalece o<br />
respeito pela realidade, ainda que suas ordens não possam ser<br />
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obedeci<strong>das</strong> de imediato. São executa<strong>das</strong> pouco a pouco, com grande<br />
dispêndio de tempo e de energia catexial, prolongando-se<br />
psiquicamente, nesse meio tempo, a existência do objeto perdido.<br />
Cada <strong>um</strong>a <strong>das</strong> lembranças e expectativas isola<strong>das</strong> através <strong>das</strong> quais a<br />
libido está vinculada ao objeto é evocada e hipercatexizada, e o<br />
desligamento da libido se realiza em relação a cada <strong>um</strong>a delas. (...) É<br />
notável que esse penoso desprazer seja aceito por nós como algo<br />
natural. Contudo, o fato é que, quando o trabalho do luto se conclui, o<br />
ego fica outra vez livre e desinibido. (p. 276-277.)<br />
Freud afirma que o luto é <strong>um</strong> trabalho psíquico que visa a desinibir e<br />
libertar o ego da oposição de exigências entre o teste da realidade e <strong>um</strong>a<br />
posição libidinal que “teima” em continuar. Nessa perspectiva, poder-se-ia<br />
afirmar que o luto é a elaboração do conflito psíquico causado pela perda de <strong>um</strong><br />
objeto amado? Entende-se que sim, posto que consiste n<strong>um</strong> trabalho de<br />
elaboração, com o fim de dominar as excitações decorrentes da perda, que<br />
chegam até o aparelho psíquico, e de estabelecer entre elas conexões<br />
associativas (LAPLANCHE & PONTALIS, 1994).<br />
Por fim, neste trabalho de resgate de conceitos fundamentais para o<br />
estudo da <strong>rebeldia</strong>, cabe ainda situar os conceitos de complexo de castração e<br />
de complexo de Édipo.<br />
Sobre o complexo de castração, Laplanche e Pontalis (1994) afirmam que<br />
está “centrado na fantasia de castração, que proporciona <strong>um</strong>a resposta ao<br />
enigma que a diferença anatômica dos sexos (presença ou ausência de pênis)<br />
coloca para a criança.” (p. 73). Pontuam ainda que “o menino teme a castração<br />
como realização de <strong>um</strong>a ameaça paterna em resposta <strong>à</strong>s suas atividades<br />
sexuais [exploratórias] 3 , surgindo daí <strong>um</strong>a intensa angústia de castração” (p. 73).<br />
E que “na menina, a ausência do pênis é sentida como <strong>um</strong> dano sofrido que ela<br />
procura negar, compensar ou reparar” (p. 73).<br />
Ainda sobre a castração, Laplanche e Pontalis (1994) afirmam que Freud<br />
tentou sempre procurar as origens da “angústia de castração”, tendo chegado <strong>à</strong><br />
conclusão de que o que está em ação é “a categoria de separação, de perda do<br />
objeto narcisicamente valorizado” (p. 75), ou, em outras palavras, a perda de<br />
algo que tem valor.<br />
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Para auxiliar na compreensão do conceito de complexo de castração, há<br />
que se reportar ao entendimento do complexo de Édipo que, segundo Laplanche<br />
e Pontalis (1994), é o “conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a<br />
criança sente em relação aos pais” (p. 77). E esse mesmo complexo seria<br />
revivido na puberdade; ou seja, revivido na adolescência. E ainda:<br />
Sob sua forma positiva, o complexo apresenta-se como na história de<br />
Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a personagem do mesmo<br />
sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto. Sob a sua<br />
forma negativa, apresenta-se de modo inverso: amor pelo progenitor<br />
do mesmo sexo e ódio ci<strong>um</strong>ento ao progenitor do sexo oposto. Na<br />
realidade, essas duas formas encontram-se em graus diversos na<br />
chamada forma completa do complexo de Édipo. (Ibid., p. 77).<br />
Mas onde o complexo de castração se “encaixaria” com o complexo de<br />
Édipo?<br />
Uma <strong>das</strong> funções fundamentais do complexo de Édipo, para Freud, é a<br />
“escolha do objeto de amor, na medida em que este, depois da puberdade,<br />
permanece marcado pelos investimentos de objeto e identificações [...] e,<br />
também, pela interdição de realizar o incesto” (LAPLANCHE & PONTALIS,<br />
1994, p. 79). No menino, a ameaça de castração pelo pai seria determinante<br />
para a renúncia ao objeto incestuoso.<br />
Feita essa breve retomada dos conceitos freudianos, pode-se estudar<br />
mais claramente o fato de Aberastury et al. (1981b) afirmarem que o indivíduo,<br />
ao adolescer, deve passar por três lutos essenciais, os quais seriam: luto pelo<br />
corpo infantil, luto pela identidade e pelo papel infantil e luto pelos pais infantis.<br />
Assim, res<strong>um</strong>idamente, pode-se então afirmar que, no decurso de seu<br />
desenvolvimento, o indivíduo precisa passar por <strong>um</strong>a fase de lutos, onde<br />
internamente tenta elaborar a perda de sua condição infantil, para dar<br />
continuidade ao seu desenvolver e estabelecer sua identidade adulta. Essa fase<br />
de lutos seria a adolescência 4 . Pode-se dizer, então, que a adolescência é <strong>um</strong>a<br />
fase de elaboração daquilo que foi a infância, buscando estabelecer <strong>um</strong>a<br />
identidade adulta?<br />
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3. Entre crianças e adultos: <strong>um</strong> universo de per<strong>das</strong><br />
Como já visto, Freud mostra que o luto é o processo de elaboração<br />
psíquica, penoso, de <strong>um</strong> objeto que já não mais existe na realidade; com isso,<br />
se nos voltarmos novamente aos três processos de luto que ocorrem na<br />
adolescência, luto pelo corpo, pelo papel e identidade infantil e pelos pais<br />
infantis, poder-se-á melhor entender tanto esses fundamentos como a<br />
adolescência em si, além de imaginar essas per<strong>das</strong> como <strong>um</strong>a castração, como<br />
<strong>um</strong>a perda narcísica.<br />
Sobre o luto pelo corpo infantil, Aberastury et al (1981b) escrevem que o<br />
conjunto <strong>das</strong> modificações corporais ocorri<strong>das</strong> na adolescência, <strong>à</strong>s quais o<br />
jovem assiste passivamente, ou seja, sem nenh<strong>um</strong>a possibilidade de controlar 5 ,<br />
é sentido como <strong>um</strong>a “invasão”, o que faz com que o <strong>adolescente</strong> retenha muitas<br />
de suas conquistas e características infantis, fato que será de grande<br />
importância na compreensão da <strong>rebeldia</strong> <strong>adolescente</strong>.<br />
Para os autores, são essas modificações e esse sentimento de invasão<br />
que fazem o <strong>adolescente</strong> reter-se no seu mundo interno, como <strong>um</strong>a “pequena<br />
depressão”, a fim de ligar-se ao seu passado e “programar” seu futuro, e<br />
elaborar a perda de suas características infantis, mais especificamente, seu<br />
corpo infantil. (ABERASTURY et al, 1981a, p. 69).<br />
Como mostram os autores, o luto que o <strong>adolescente</strong> tem que fazer é<br />
duplo, “(...) de seu corpo de criança, quando os caracteres sexuais secundários<br />
colocam-no ante a evidência de seu novo status e o aparecimento da<br />
menstruação na moça e do sêmen no rapaz, que lhe impõem o testemunho da<br />
definição sexual e do papel que terão de ass<strong>um</strong>ir”. (p. 65).<br />
Somado a isso, <strong>um</strong>a mente infantil n<strong>um</strong> corpo que, aos poucos, torna-se<br />
adulto, seriam os disparadores do fenômeno definido como despersonificação, o<br />
qual implica “<strong>um</strong>a projeção na esfera de <strong>um</strong>a elocubração altamente abstrata do<br />
pensamento e explica a relação lábil com objetos reais, que rapidamente perde,<br />
como perde paulatinamente e progressivamente o seu corpo infantil”<br />
(ROSENTHAL & KNOBEL, 1981, p. 81).<br />
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Sobre o luto pela identidade e papel infantis, esses autores afirmam que<br />
as contradições ocasiona<strong>das</strong> pela forma como os adultos encaram a<br />
adolescência (os <strong>adolescente</strong>s não são mais crianças, mas também ainda não<br />
são adultos) resultam n<strong>um</strong>a angústia identitária e de papéis. Essa falta de<br />
definição de “quem sou” deixa o <strong>adolescente</strong> angustiado e mais <strong>um</strong>a vez ele se<br />
recolhe ao seu mundo interior, depressivamente, para tentar elaborar a perda da<br />
identidade e, consequentemente, dos papéis infantis, e emergir com <strong>um</strong>a<br />
identidade adulta, atribuindo-se papéis de adulto.<br />
A questão primordial que aqui se encontra é a distinção entre o papel de<br />
dependência da criança e de independência do adulto, assim como <strong>um</strong>a posição<br />
onipotente infantil para <strong>um</strong>a posição adulta, na qual o indivíduo está inserido<br />
n<strong>um</strong> mundo de regras, que impõe limites. E, como se viu, o <strong>adolescente</strong> se vê<br />
no meio dessa evolução, sofrendo <strong>um</strong> “fracasso de personificação”, <strong>um</strong>a falha<br />
na tentativa de construir <strong>um</strong>a personalidade adulta própria (que pressupõe<br />
responsabilidades, deveres e <strong>contribuições</strong> como <strong>um</strong> adulto perante a sociedade<br />
e aos seus iguais), delegando ao grupo seus atributos e aos pais, as obrigações<br />
e responsabilidades, fazendo também com que os grupos, as “tribos”<br />
<strong>adolescente</strong>s, tenham forte representatividade nessa etapa do processo de luto.<br />
Os processos grupais “permitem <strong>um</strong>a maior estabilidade através do apoio e do<br />
a<strong>um</strong>ento que significa o ego dos outros, com o que o sujeito se identifica”<br />
(ABERASTURY et al, 1981a, p. 67), podendo assim permanecer com <strong>um</strong>a<br />
identidade transitória por maior período de tempo.<br />
Não possuindo identidade definida, o <strong>adolescente</strong> joga aos outros as<br />
responsabilidades que deveria tomar para si. Nesse caso, como nos mostram os<br />
autores, reside a falta de caráter típica do <strong>adolescente</strong>, como se ele não tivesse<br />
“nada a ver com nada”.<br />
Ao falarem sobre o luto pelos pais infantis, os autores mostram que<br />
também os pais apresentam dificuldades para aceitar o desenvolvimento de<br />
seus filhos, <strong>um</strong>a vez que aparece <strong>um</strong> sentimento de rejeição frente ao tornar-se<br />
independente do <strong>adolescente</strong>, o que se pode caracterizar afirmando que os pais<br />
também vivem <strong>um</strong> luto: o luto pelos filhos como crianças dependentes.<br />
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Com a incompreensão parental frente <strong>à</strong>s “flutuações polares entre<br />
dependência – independência, refúgio na fantasia – ânsia de crescimento,<br />
conquistas adultas – refúgio em conquistas infantis” (ABERASTURY et al,<br />
1981a, p.67), os filhos também se veem perdidos em relação <strong>à</strong>quelas figuras<br />
que deveriam servir-lhes como apoio, nessa etapa tão sofrida de seu<br />
desenvolvimento.<br />
Diante do sofrimento, alg<strong>um</strong>as formas de defesa podem surgir, como a<br />
desvalorização dos objetos, na tentativa de iludir os sentimentos de dor e perda,<br />
e a busca de figuras substitutivas dos pais, a fim de elaborar a retirada de<br />
cargas libidinais. Segundo os autores, a fragmentação de figuras parentais<br />
atende <strong>à</strong> necessidade de dissociação de bons e maus aspectos paternos,<br />
maternos e fraternos.<br />
É interessante pensar no fato de que o luto, a elaboração da retirada de<br />
cargas (leia-se catexia libidinal) <strong>das</strong> figuras paternas, dá-se pelo advento dos<br />
“substitutos parentais”. Em seu artigo, Aberastury et al (1981a) ainda colocam<br />
que não é coincidência que no ensino secundário ao redor do mundo, as aulas<br />
são ministra<strong>das</strong>, diferentemente do que no ensino primário, por vários<br />
professores ao invés de <strong>um</strong> único, facilitando a demanda <strong>adolescente</strong> de<br />
identificações a bons e maus aspectos parentais.<br />
Enfim, parece que a adolescência pode ser res<strong>um</strong>ida como o fim da vida<br />
infantil, de <strong>um</strong>a etapa em que, socialmente, tudo, ou quase tudo, é possível, e<br />
início dos lutos e da confusão, sendo apurada, como resultado, a “perda de si<br />
mesmo”, ou melhor, a perda de quem se era e não se é mais. Talvez a vida<br />
adulta realmente só comece depois <strong>das</strong> cinzas e da apuração de tudo o que foi<br />
nossa infância.<br />
4. Rebeldia <strong>adolescente</strong>: vivência dos lutos necessários<br />
Como reagem os <strong>adolescente</strong>s a esses fenômenos “normais” de seu<br />
desenvolvimento? Para compreender melhor o comportamento rebelde em si,<br />
recorre-se a Clerget (2004), que explica a violência <strong>adolescente</strong> como parte da<br />
crise necessária dessa fase do desenvolvimento h<strong>um</strong>ano.<br />
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Segundo Clerget (2004), “violência <strong>adolescente</strong>” é <strong>um</strong> termo sociológico,<br />
sendo mais apropriado, no jargão psicológico, o uso da terminologia<br />
“agressividade”. O que o autor classifica como agressividade aparece, a<br />
princípio, como <strong>um</strong>a disposição do <strong>adolescente</strong> para praticar comportamentos<br />
rebeldes. A fonte dessa “disposição”, todavia, não é por ele explicitada. Levantase<br />
então a hipótese inicial deste estudo: a <strong>rebeldia</strong> <strong>adolescente</strong> é <strong>um</strong>a forma de<br />
elaborar os conflitos psíquicos dessa etapa do desenvolvimento; <strong>um</strong> auxílio na<br />
realização dos lutos da adolescência.<br />
Sigmund Freud (2003c), em seu texto O mal estar na civilização, afirma<br />
que a agressividade é constituinte do ser h<strong>um</strong>ano. Pelo que se pôde observar na<br />
literatura examinada, tal agressividade seria – de alg<strong>um</strong>a forma e por <strong>um</strong>a série<br />
de razões – exacerbada na adolescência.<br />
Focalizando no momento os comportamentos rebeldes e essa mesma<br />
adolescência, é válido lembrar de <strong>um</strong>a característica a ser considerada: a<br />
reunião em grupos; as conheci<strong>das</strong> “tribos” <strong>adolescente</strong>s.<br />
5. “A união faz a força” e encobre a maldade<br />
Segundo Enriquez (2001), o grupo, psicologicamente, pode ser<br />
considerado como <strong>um</strong>a reunião de indivíduos em “torno de <strong>um</strong>a ação a realizar,<br />
de <strong>um</strong> projeto ou de <strong>um</strong>a tarefa a c<strong>um</strong>prir” (p. 61). Em si, o grupo formado por<br />
<strong>adolescente</strong>s não é algo ruim, porém, como pode-se ver na definição<br />
apresentada por Enriquez (2001), em seu texto O vínculo grupal, tudo depende<br />
do “projeto com<strong>um</strong>” que move o grupo, pois “<strong>um</strong> projeto com<strong>um</strong> significa, de<br />
início, que o grupo possui <strong>um</strong> sistema de valores suficientemente interiorizado<br />
pelo conjunto de seus membros, o que permite dar ao projeto suas<br />
características dinâmicas (fazê-lo passar do estágio de simples plano ao estágio<br />
da realização)” (p. 61).<br />
A partir dessa definição, pode-se concluir que a reunião dos jovens em<br />
grupo, por si mesma, não é de todo causadora de confusões, porém, se esse<br />
“projeto com<strong>um</strong>” a que Enriquez se refere for, para determinado grupo, <strong>um</strong><br />
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projeto de destruição, toda a beleza da união de indivíduos em grupos cai por<br />
terra, a partir do momento em que a tarefa a c<strong>um</strong>prir for sinônima de<br />
comportamento rebelde.<br />
Clerget (2004) cita o vandalismo como a principal violência atribuída a<br />
grupos contra bens sociais. A turma de jovens, eventualmente desinibida pelo<br />
álcool ou outros tóxicos, vai destruir, de preferência aproveitando-se da<br />
obscuridade, equipamentos coletivos (placas de sinalização, cabines telefônicas,<br />
escolas) ou bens individuais (carros).<br />
Dentro dos grupos, os nomes se perdem, a individualidade tende a se<br />
diluir e o inconsciente pode agir mais tranquilamente, como nos mostra Freud<br />
(2003b) em Psicologia de grupo e análise do ego – e talvez os conflitos<br />
psíquicos gerados pelos lutos da adolescência possam ser mais facilmente<br />
elaborados.<br />
Mais alg<strong>um</strong>as inferências poderiam ser feitas sobre o que possa estar em<br />
jogo nesses ataques contra os bens. Seria o roubo <strong>um</strong>a forma de preencher <strong>um</strong><br />
vazio psicológico? Uma forma de, não tendo maturidade psíquica suficiente para<br />
lidar com as dores e os lutos, preencher <strong>um</strong>a demanda de compreensão, de<br />
amor?<br />
Também se poderia pensar que o roubo/furto praticado pelo <strong>adolescente</strong><br />
seria como <strong>um</strong>a afronta, <strong>um</strong>a tentativa de disputa de poder, <strong>um</strong>a maneira de se<br />
colocar “superior” <strong>à</strong> ordem instituída pela sociedade? Como coloca Clerget<br />
(2004): o roubo, saque ou furto “pode tratar-se de emulações lúdicas, com o<br />
sentimento de impunidade que o grupo tem” (p. 96). Não seria, pois, justamente,<br />
<strong>um</strong>a tentativa de elaborar o conflito psíquico gerado pela perda da identidade<br />
infantil?<br />
Tentando colocar-se contra a sociedade e a lei proveniente dela, parece<br />
que o <strong>adolescente</strong> estaria fazendo <strong>um</strong>a tentativa de colocar-se acima da lei, a<br />
qual, quando criança, indicava-lhe o caminho a seguir. Tratar-se-ia, desse modo,<br />
da <strong>rebeldia</strong> <strong>adolescente</strong> como <strong>um</strong>a tentativa de independência, e não como <strong>um</strong><br />
mero “desajuste” acionado pelo desejo – sem sentido – de “provocar”.<br />
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Finalizando o capítulo sobre ataques em grupos, em seu livro, Clerget<br />
(2004) faz <strong>um</strong>a afirmação que merece ser retomada: “Os <strong>adolescente</strong>s que<br />
agem com violência sofreram-na igualmente” (p. 99). Mas de qual violência<br />
estaria falando o autor? Pode-se, pois, afirmar que, parafraseando Clerget<br />
(2004), os <strong>adolescente</strong>s que agem com violência sofreram-na igualmente,<br />
mesmo que <strong>um</strong>a violência interna, relativa ao seu adolescer e aos lutos que têm<br />
de realizar?<br />
6. Uma andorinha só não faz verão, mas pode fazer <strong>um</strong> grande estrago!<br />
Complementando o estudo sobre a <strong>rebeldia</strong> <strong>adolescente</strong>, atenta-se para a<br />
relação que Clerget (2004) estabelece entre a <strong>rebeldia</strong> e a conduta agressiva<br />
solitária.<br />
Dentre os comportamentos relacionados sob essa ótica, está a agressão<br />
excremental. O autor afirma que, cobrindo de urina e fezes objetos pessoais ou<br />
instituições (como carros, paredes da escola, ou casas de terceiros), o<br />
<strong>adolescente</strong> testemunha <strong>um</strong>a reativação <strong>das</strong> pulsões anais, lembrando a criança<br />
de 3-4 anos que fazia as necessidades na calça para contrariar a mãe.<br />
Clerget (2004) aponta também a piromania, a qual consistiria na busca de<br />
prazer derivada do ato de provocar incêndios, busca esta relacionada a <strong>um</strong>a<br />
natureza sexual, ao calor amoroso e ao arder de amor. Segundo esse autor,<br />
seria, então, possível afirmar que a piromania é <strong>um</strong>a maneira de o <strong>adolescente</strong><br />
elaborar o conflito e lidar com a nova identidade adulta, a qual pressupõe a<br />
assunção de <strong>um</strong>a identidade sexual?<br />
Devido ao alto grau de ocorrência na atualidade, outros comportamentos<br />
são igualmente importantes para análise: as tatuagens e piercings, e o suicídio.<br />
Clerget (2004) afirma que os <strong>adolescente</strong>s marcam seu corpo (com<br />
tatuagens e piercings), a fim de assegurarem-se de que encontrarão o mesmo<br />
corpo a cada manhã. Como se viu em Aberastury e Knobel (1981c), o luto pelo<br />
corpo infantil traz <strong>um</strong>a preocupação de não possuir o próprio corpo. Assim, furarse,<br />
marcar-se, faz com que o <strong>adolescente</strong> possa sentir-se dono de seu próprio<br />
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corpo, sabendo que dormiu e acordou com o controle do mesmo. Seguindo a<br />
mesma lógica, tem-se o burning, que consiste, segundo Clerget (2004), em “criar<br />
cicatrizes definitivas e significativas através de queimaduras a ferro quente” (p.<br />
35).<br />
Em relação ao suicídio, o psiquiatra Augusto Cury (2005), em seu<br />
romance O futuro da h<strong>um</strong>anidade 6 , escreve que esse comportamento é a forma<br />
extremada de demonstração de amor pela vida e, <strong>um</strong>a vez que se sofre vivendo,<br />
prefere-se a morte, para não ter que sofrer.<br />
Clerget (2004) mostra que, com as transformações relaciona<strong>das</strong> ao corpo<br />
em desenvolvimento, com o luto pelo corpo infantil, “a necessidade de controle<br />
do <strong>adolescente</strong> sobre o seu corpo para lutar contra o sentimento de<br />
despossessão pode tomar o r<strong>um</strong>o do ascetismo” (p. 35). Ascetismo, segundo o<br />
Ferreira (1993), é a “prática da ascesse”, que por sua vez é o “exercício prático<br />
que leva <strong>à</strong> efetiva realização da virtude” (p. 49).<br />
Nas palavras de Clerget (2004): “A vontade é exigida e o ascetismo<br />
celebra a vitória do espírito sobre o corpo” (p. 36). E, com o auxílio de Anna<br />
Freud (1958 apud CLERGET, 2004), conclui que “o princípio mestre,<br />
inconsciente, desse comportamento é de não ser submetido <strong>à</strong>s necessidades<br />
físicas” (p. 36).<br />
Com isso, pode-se supor <strong>um</strong> dos motivos pelos quais os <strong>adolescente</strong>s<br />
cometem o suicídio: seria como <strong>um</strong>a forma de maltratar o novo corpo,<br />
mostrando que o espírito é superior, sendo o suicídio <strong>um</strong> modo extremado dessa<br />
demonstração? E o que o <strong>adolescente</strong> mata seria o novo corpo, <strong>um</strong> corpo<br />
estranho, que traz sofrimento?<br />
Clerget (2004) aponta para outra construção do entendimento do suicídio<br />
na adolescência. Para ele, ao invés de perder <strong>um</strong> objeto, “alguns preferem fazêlo<br />
desaparecer (...) como nos crimes passionais, antes se chega a matar a<br />
pessoa que se ama do que aceitar que ela se vá” (p. 37). Seria então possível<br />
dizer que o <strong>adolescente</strong> pode cometer suicídio como <strong>um</strong> crime passional? Ou<br />
seja, ao invés de perder a criança que nele vivia, prefere que ela morra (e<br />
consequentemente mata-se a si próprio)?<br />
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O autor cita ainda outra possibilidade de pensar o suicídio na<br />
adolescência, como a destruição do corpo que se torna sexuado, ou seja, <strong>um</strong><br />
pavor por ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong>a identidade adulta, de homem e mulher.<br />
Com os pontos anteriormente abordados, espera-se ter delineado os<br />
principais aspectos que configuram a <strong>rebeldia</strong> <strong>adolescente</strong>. A seguir,<br />
apresentam-se as conclusões deste estudo, fazendo-se uso de <strong>um</strong>a metáfora, a<br />
qual se entende, poderá fazer coro <strong>à</strong>s tantas questões levanta<strong>das</strong>.<br />
7. Cinzas de Fênix e considerações finais<br />
Ao retomar as hipóteses apresenta<strong>das</strong> no presente artigo, a partir desta<br />
revisão de literatura, pode-se concluir que a <strong>rebeldia</strong> <strong>adolescente</strong>, vista pela<br />
ótica da psicanálise, consiste n<strong>um</strong>a tentativa de elaborar os conflitos psíquicos,<br />
aparecendo como distúrbios do comportamento decorrentes da perda do corpo<br />
infantil, da identidade e papel infantil e dos pais infantis. Uma maneira, enfim, de<br />
auxiliar a realizar o que Aberastury et al (1981b) chamaram de lutos da<br />
adolescência.<br />
Tal processo de “adolescer” sugere alg<strong>um</strong>as metáforas. Dentre elas, há<br />
<strong>um</strong>a que parece particularmente produtiva: o mito da ave Fênix, presente em<br />
diferentes povos antigos, como os gregos, os egípcios e os chineses.<br />
Sem a preocupação quanto <strong>à</strong> originalidade do mito – pois, como mostra<br />
Claude Lévi-Strauss, citado por Diana e Mário Corso (2006), “fazem parte do<br />
mito to<strong>das</strong> as suas versões e não haveria <strong>um</strong>a versão original a ser privilegiada”<br />
(p. 28) – consideram-se aqui alg<strong>um</strong>as de suas versões.<br />
Na mitologia grega, por exemplo, a Fênix representa o Sol que morre e<br />
renasce todos os dias, sendo símbolo de morte e renascimento. Sobre seu ciclo<br />
de vida, que em escritos varia de 500 a 97.200 anos, encontram-se alg<strong>um</strong>as<br />
contradições, mas to<strong>das</strong> as versões estuda<strong>das</strong> concordam que a ave, após seu<br />
ciclo de vida, morria entrando em autocombustão e, passado alg<strong>um</strong> tempo,<br />
renascia de suas próprias cinzas. Em alguns mitos ela renascia já como ave, em<br />
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outros, em forma de <strong>um</strong> verme que se alimentava <strong>das</strong> cinzas e se desenvolvia<br />
rapidamente n<strong>um</strong>a nova Fênix (MAGALHÃES, 2006).<br />
Após renascer, alguns mitos trazem que a nova Fênix carregava os restos<br />
mortais de seu “pai” até a cidade de Heliópolis (Cidade do Sol), onde os egípcios<br />
adoravam o deus Sol, e <strong>um</strong>a ave (que muitos acreditam ser a versão egípcia de<br />
Fênix) chamada Benu.<br />
A fênix, o mais belo de todos os animais fabulosos, simbolizava a<br />
esperança e a continuidade da vida após a morte. Revestida de penas<br />
vermelhas e doura<strong>das</strong>, as cores do Sol nascente, possuía <strong>um</strong>a voz<br />
melodiosa que se tornava triste quando a morte se aproximava. A<br />
impressão que sua beleza e tristeza causava em outros animais<br />
chegava a provocar a morte deles. (...) Quando a ave sentia a morte<br />
aproximar-se, construía <strong>um</strong>a pira de ramos de árvore da canela, em<br />
cujas chamas morria queimada. Mas <strong>das</strong> cinzas erguia-se então <strong>um</strong>a<br />
nova fênix (...) Dizia-se que essas cinzas tinham o poder de ressuscitar<br />
<strong>um</strong> morto (...) (WIKIPÉDIA, 2006).<br />
Com isso, conclui-se que se abordou neste escrito a adolescência como<br />
período de construção da identidade adulta, obtida através da realização do luto<br />
pela perda da identidade infantil. E questiona-se: pode-se comparar o ciclo de<br />
vida da ave Fênix ao desenvolvimento h<strong>um</strong>ano, relacionando suas etapas de<br />
vida – velha fênix, cinzas e nova fênix – <strong>à</strong>s da vida h<strong>um</strong>ana – infância,<br />
adolescência e vida adulta?<br />
Fazendo uso dessa metáfora, visl<strong>um</strong>bra-se na adolescência a fase de<br />
cinzas: o período da vida da ave Fênix relacionado ao meio do caminho entre a<br />
morte de seu “pai” e o nascimento de <strong>um</strong> novo ser; a morte da infância e o<br />
nascer de <strong>um</strong> adulto. Cinzas seria então <strong>um</strong> período de escuridão ou de<br />
inexistência de ser? Um “não-ser”, ou melhor, <strong>um</strong> “vir-a-ser” 7 ?<br />
Nos relatos do mito da ave Fênix, suas cinzas tinham o poder de<br />
ressuscitar os mortos. Assim também seria a adolescência, capaz de dar vida<br />
nova ao indivíduo? Vida nova a <strong>um</strong>a criança buscando sua identidade e,<br />
consequentemente, renovando a vida dentro da sociedade e de cada círculo aos<br />
quais aquele ser pertence, renovando e recriando a vida, n<strong>um</strong> eterno repetir?<br />
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Notas<br />
(Verificar se as notas são inseri<strong>das</strong> ao longo do texto ou somente no final)<br />
1 - “Lutos da adolescência” é <strong>um</strong> conceito retirado de Aberastury e Knobel<br />
(1984, p. 63).<br />
2 - Entende-se o conceito de identidade como o faz Erickson: “<strong>um</strong>a concepção<br />
de si mesmo, composta de valores, crenças e metas com os quais o indivíduo<br />
está solidariamente comprometido”. (ERICKSON, 1972, apud SCHOEN-<br />
FERREIRA; AZNAR-FARIAS; SILVARES, 2003).<br />
3 - Acrescido pelos autores.<br />
4 - Não se deseja aqui reduzir a adolescência unicamente a lutos, mas mostrar<br />
como esses lutos são intrínsecos e formam a base do adolescer.<br />
5 - Passivamente pressupõe o fato de que, segundo os autores, a situação pela<br />
qual o <strong>adolescente</strong> percebe a evolução de seu corpo, seu amadurecimento<br />
genital, hormonal, cerebral, entre outros, não possa ser modificada por ele, a<br />
não ser colocando fim a esse desenvolvimento com o suicídio, o qual será<br />
abordado adiante.<br />
6 - O futuro da h<strong>um</strong>anidade, de Augusto Cury, é <strong>um</strong> romance, <strong>um</strong>a obra fictícia<br />
de <strong>um</strong> estudante de medicina que se torna psiquiatra e começa a trabalhar com<br />
pacientes internos em manicômio. Formula essa conclusão sobre o suicídio ao<br />
trabalhar com pacientes depressivos.<br />
7 - “Não-ser” e “vir-a-ser”, neste trabalho, são maneiras de se entender <strong>um</strong><br />
indivíduo em busca de sua identidade.<br />
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