Círio de Nazaré - Universidade Federal da Bahia

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20.04.2013 Views

A terceira situação de conflito no Círio aconteceu na transição da ditadura militar para a Nova República, tendo como pano de fundo a grave questão agrária na Amazônia. Em 1981, a Polícia Federal prendeu, em São Geraldo do Araguaia, os padres franceses Aristides Camio e Francisco Gouriou acusados de insuflar posseiros (também presos) a uma emboscada contra agentes e funcionários do Getat (Grupo Executivo de Terras do Araguaia- Tocantins). Os presos vieram transferidos para Belém, onde religiosos e leigos formaram o MLPA (Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia), que fez uma manifestação silenciosa no Círio daquele ano, desfilando com faixas e cartazes na romaria. Ao final do Círio, no CAN, houve tumulto quando as faixas e cartazes foram arrancados e alguns manifestantes espancados pela polícia. Naquele ano, as autoridades civis e militares recusaram-se a acompanhar o Círio na corda e até as bandas militares não participaram do cortejo. O promotor militar Demócrito Noronha, encarregado da acusação aos padres e posseiros, perdeu o cargo que ocupava na diretoria da Festa, destituído pelo arcebispo de Belém, dom Alberto Ramos. A crise entre a Igreja e o governo teve desdobramentos que incluíram a detenção de mais religiosos e leigos em São Geraldo. O julgamento dos padres e posseiros, em 21 de junho de 1982 (todos condenados a penas diversas) trouxe à cidade 16 bispos, políticos e sindicalistas, e provocou a ocupação militar das principais praças da cidade, com prisão de manifestantes e jornalistas. No Círio de 1983, o MLPA continuou seu desfile silencioso (ver 5) e repetiram-se os confrontos com a Polícia Militar na chegada ao CAN. O jornal 42

O Liberal registra que, no sermão ao final da romaria, o arcebispo de Belém, dom Alberto Ramos, foi muito aplaudido pela multidão ao mencionar o novo julgamento dos presos do Araguaia, marcado para o dia 20 de outubro daquele ano: Vamos rezar para que Nossa Senhora de Nazaré ilumine os juizes para que os nossos inocentes irmãos do Araguaia sejam libertados (D. Alberto pede oração..., 1983,cad. especial:5) O Círio entra no terceiro milênio com a perspectiva de ser oficialmente decretado Patrimônio Cultural do Brasil pelo Ministério da Cultura. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional está reunindo a documentação para o projeto, que pode tornar o Círio o primeiro evento de importância para a formação cultural do país reconhecido oficialmente pelo governo. A romaria nunca deixou de se realizar em mais de dois séculos, apesar de todas as crises, mesmo à revelia da Igreja, evidenciando a sua profunda inserção na sociedade paraense, que transcende o aspecto religioso. A identidade paraense, espezinhada em diversos momentos da história do Estado, como registra Valente (1996) ao datar na repressão à Cabanagem o fim do sentimento de paraensismo, (re) afirma-se no Círio: "É um acontecimento para o povo, que ao festejar está expondo nossa sociedade. É uma maneira de mostrar ' eis a nossa festa, esses são os paraenses, vejam nossa culinária, nossos hábitos, somos nós' . Não estamos simplesmente festejando a Santa, estamos festejando nossa própria sociedade" (Maués, 1999). 43

A terceira situação <strong>de</strong> conflito no <strong>Círio</strong> aconteceu na transição <strong>da</strong><br />

ditadura militar para a Nova República, tendo como pano <strong>de</strong> fundo a grave<br />

questão agrária na Amazônia. Em 1981, a Polícia Fe<strong>de</strong>ral pren<strong>de</strong>u, em São<br />

Geraldo do Araguaia, os padres franceses Aristi<strong>de</strong>s Camio e Francisco Gouriou<br />

acusados <strong>de</strong> insuflar posseiros (também presos) a uma embosca<strong>da</strong> contra<br />

agentes e funcionários do Getat (Grupo Executivo <strong>de</strong> Terras do Araguaia-<br />

Tocantins).<br />

Os presos vieram transferidos para Belém, on<strong>de</strong> religiosos e leigos<br />

formaram o MLPA (Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia), que<br />

fez uma manifestação silenciosa no <strong>Círio</strong> <strong>da</strong>quele ano, <strong>de</strong>sfilando com faixas e<br />

cartazes na romaria. Ao final do <strong>Círio</strong>, no CAN, houve tumulto quando as faixas<br />

e cartazes foram arrancados e alguns manifestantes espancados pela polícia.<br />

Naquele ano, as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s civis e militares recusaram-se a acompanhar o<br />

<strong>Círio</strong> na cor<strong>da</strong> e até as ban<strong>da</strong>s militares não participaram do cortejo. O<br />

promotor militar Demócrito Noronha, encarregado <strong>da</strong> acusação aos padres e<br />

posseiros, per<strong>de</strong>u o cargo que ocupava na diretoria <strong>da</strong> Festa, <strong>de</strong>stituído pelo<br />

arcebispo <strong>de</strong> Belém, dom Alberto Ramos.<br />

A crise entre a Igreja e o governo teve <strong>de</strong>sdobramentos que incluíram a<br />

<strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> mais religiosos e leigos em São Geraldo. O julgamento dos padres<br />

e posseiros, em 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1982 (todos con<strong>de</strong>nados a penas diversas)<br />

trouxe à ci<strong>da</strong><strong>de</strong> 16 bispos, políticos e sindicalistas, e provocou a ocupação<br />

militar <strong>da</strong>s principais praças <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, com prisão <strong>de</strong> manifestantes e<br />

jornalistas.<br />

No <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 1983, o MLPA continuou seu <strong>de</strong>sfile silencioso (ver 5) e<br />

repetiram-se os confrontos com a Polícia Militar na chega<strong>da</strong> ao CAN. O jornal<br />

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