Círio de Nazaré - Universidade Federal da Bahia
Círio de Nazaré - Universidade Federal da Bahia
Círio de Nazaré - Universidade Federal da Bahia
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Na manhã do <strong>Círio</strong>, à janela, viu aquela massa meio infrene, numa<br />
espécie <strong>de</strong> carnaval <strong>de</strong>voto, tirando a Santa do seu bom sono na Sé, trazendo-a<br />
na Berlin<strong>da</strong>, como num carro <strong>de</strong> terça-feira gor<strong>da</strong>”(Jurandir, 1960:330-331). 21<br />
37<br />
Ao estu<strong>da</strong>r as festas brasileiras, Da Matta (1997)<br />
inaugura uma perspectiva <strong>de</strong> análise on<strong>de</strong> elementos presentes<br />
na linguagem <strong>de</strong> festas aparentemente opostas, como o<br />
carnaval, as festas <strong>de</strong> santos e cívicas, po<strong>de</strong>m aparecer<br />
combinados numa mesma festa. É o que acontece numa<br />
celebração como o <strong>Círio</strong>, on<strong>de</strong> coexistem a <strong>de</strong>voção, a<br />
informali<strong>da</strong><strong>de</strong> e a <strong>de</strong>scontração, com o sagrado e o profano<br />
operando simultaneamente e sem que o <strong>de</strong>voto os separe. Isso<br />
não quer dizer que o "carnaval <strong>de</strong>voto" paraense se caracterize<br />
por uma inversão total: a festa é religiosa na essência e se volta<br />
para o santo homenageado.<br />
Nessa perspectiva, ao estu<strong>da</strong>r o catolicismo popular no município<br />
paraense <strong>da</strong> Vigia, Maués (1995) observa modos <strong>de</strong> festejar Santo Antônio e<br />
<strong>de</strong> acompanhar o <strong>Círio</strong> local que certamente não são ortodoxos: os pescadores<br />
salvos <strong>de</strong> naufrágios seguem molhados e com vestes sumárias, bebendo,<br />
dizendo palavrões. Nessa mesma linha, Alves (1980) constata no <strong>Círio</strong> <strong>de</strong><br />
Belém a discussão, o “bate-boca” , a conversa informal, a atitu<strong>de</strong> jocosa, o<br />
<strong>de</strong>srespeito à autori<strong>da</strong><strong>de</strong> militar ou policial, o palavrão e o traje “simples” <strong>de</strong><br />
quem vai na cor<strong>da</strong>.<br />
Mas essas atitu<strong>de</strong>s, como observam os dois autores, não comprometem<br />
o sentido maior <strong>da</strong> manifestação religiosa. Segundo Maués:<br />
Essas atitu<strong>de</strong>s são con<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s por muitos, mas, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, são também<br />
espera<strong>da</strong>s como parte dos festejos do santo, assim como as rezas, as la<strong>da</strong>inhas,<br />
as missas, as procissões, o arraial, a festa <strong>da</strong>nçante, as brigas, os namoros e tudo<br />
o mais que compõe uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira festa <strong>de</strong> santo. O catolicismo popular<br />
apresenta, assim, um componente lúdico que lhe é inseparável e que, a <strong>de</strong>speito<br />
<strong>da</strong>s tensões que provoca na sua manifestação, permanece sempre presente, o<br />
que confere à categoria festa uma importância to<strong>da</strong> especial (Maués, 1995: 169).<br />
21 O romance on<strong>de</strong> surge a expressão foi editado cinco anos antes <strong>da</strong> publicação, na Rússia, <strong>da</strong> tese <strong>de</strong><br />
Mikhail Bakhtin sobre Rabelais, que introduz o conceito <strong>de</strong> carnavalização, amplamente usado em<br />
diversas áreas <strong>de</strong> estudo e pesquisa.