Círio de Nazaré - Universidade Federal da Bahia
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Nas feiras e tabernas em volta do santuário de Nazaré havia muita diversão e transgressão, especialmente nos festejos profanos noturnos: jogos, touradas, mascarados, fogos e sensualidade, fartura de comida e bebida. E, segundo Penteado, embora o padre Brito Alão dissesse que não havia representações profanas no interior do templo, isso foi confirmado pelo visitador do Arcebispado de Lisboa que, em 1638, falava do grande escândalo que resultou de se fazerem dentro da igreja comedias profanas com grande estrondo e descomposição e arranquamento de espadas (Penteado, 1998: 180). Só no século XVIII os círios de Portugal passariam a conduzir imagens da Virgem. Nos primórdios, as ofertas eram bolos, trigo, as primícias da colheita, e a Senhora de Nazaré era associada aos ritos de fertilidade de origem pagã (Coelho, 1998). Já existia também o costume de peregrinar descalço e de levar ao santuário muletas, mortalhas, tábuas de naufrágios e também partes do corpo feitas de cera, os ex-votos, que podiam ser de prata, caso o miraculado fosse pessoa de posses. Vários desses hábitos dos círios lusitanos do século XVII podem ser encontrados no Círio de Belém do Pará, especialmente o pé descalço como forma de penitência ou promessa e os ex-votos. Outros, como a oferenda de tábuas votivas com pinturas que reproduziam os milagres, não se tornaram expressivos aqui, embora Kidder (1972) se refira a uma pintura tosca registrando aparição da Virgem a um doente, vista por ele na igreja de Nazaré 13 . 13 Esse hábito aparece em outras cidades brasileiras, como em Angra dos Reis, Estado do Rio, onde 75 pinturas representando milagres foram recentemente recuperadas para compor o acervo do Museu de 24
A mudança nos círios portugueses, verificada no século XVIII, especialmente o cerceamento de suas manifestações profanas, representou uma vitória dos controles religioso e civil que, segundo Coelho (1998) foram constantes e produziram efeitos diretos e profundos. Também esse embate herdamos: na história do Círio de Belém verificam-se reações dos meios eclesiásticos, intelectuais e governamentais contra formas de expressão da religiosidade popular. Moreira (1971), num pequeno e significativo ensaio, inaugura o estudo do Círio como fenômeno social e mostra como as culturas do colonizador e do colonizado se amalgamaram na festa: (...) tanto o Círio como a festividade foram originariamente “caboclos”, como “cabocla” foi também a Cabanagem 14 , o maior movimento de reivindicação político- social do Estado. Mas enquanto na Cabanagem esse caboclismo tomou uma feição ferozmente anti-lusitana, no Círio ele se traduziu apenas em termos de fé, adotando inclusive o que o português trouxe em reforço dessa fé. O mesmo caboclismo que se revelou hostil ao colonizador no plano político, mostrou-se receptivo à sua influência no plano religioso. (Moreira, 1971: 7-8). Muitos dos elementos do Círio se modificaram ou desapareceram nos dois séculos de existência. O mais recente acréscimo à romaria é o Carro de Plácido, uma alegoria ao achado da imagem, para comemorar os 300 anos do início da devoção, comemorados em 2000. Rocque (1981) registra, cronologicamente, a introdução e a retirada de diversos elementos da romaria de Belém do Pará, quase todos de inspiração portuguesa, como se verifica pelas descrições dos círios portugueses dos Artes Sacras e reunidas numa publicação (Pessoa, José, org. Milagres : Os ex-votos de Angra dos Reis. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001). 14 A Cabanagem foi um movimento que reivindicava basicamente a cidadania e marcou a história do Pará durante o período da Independência do Brasil, tendo sido a única insurreição popular brasileira que chegou ao poder. Eclodiu em 7 de janeiro de 1835 e foi ferozmente reprimida a partir de 1836 pelo 25
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A mu<strong>da</strong>nça nos círios portugueses, verifica<strong>da</strong> no século XVIII,<br />
especialmente o cerceamento <strong>de</strong> suas manifestações profanas, representou<br />
uma vitória dos controles religioso e civil que, segundo Coelho (1998) foram<br />
constantes e produziram efeitos diretos e profundos. Também esse embate<br />
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eclesiásticos, intelectuais e governamentais contra formas <strong>de</strong> expressão <strong>da</strong><br />
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Moreira (1971), num pequeno e significativo ensaio, inaugura o estudo<br />
do <strong>Círio</strong> como fenômeno social e mostra como as culturas do colonizador e do<br />
colonizado se amalgamaram na festa:<br />
(...) tanto o <strong>Círio</strong> como a festivi<strong>da</strong><strong>de</strong> foram originariamente “caboclos”, como<br />
“cabocla” foi também a Cabanagem 14 , o maior movimento <strong>de</strong> reivindicação político-<br />
social do Estado. Mas enquanto na Cabanagem esse caboclismo tomou uma feição<br />
ferozmente anti-lusitana, no <strong>Círio</strong> ele se traduziu apenas em termos <strong>de</strong> fé, adotando<br />
inclusive o que o português trouxe em reforço <strong>de</strong>ssa fé. O mesmo caboclismo que se<br />
revelou hostil ao colonizador no plano político, mostrou-se receptivo à sua influência no<br />
plano religioso. (Moreira, 1971: 7-8).<br />
Muitos dos elementos do <strong>Círio</strong> se modificaram ou <strong>de</strong>sapareceram nos<br />
dois séculos <strong>de</strong> existência. O mais recente acréscimo à romaria é o Carro <strong>de</strong><br />
Plácido, uma alegoria ao achado <strong>da</strong> imagem, para comemorar os 300 anos do<br />
início <strong>da</strong> <strong>de</strong>voção, comemorados em 2000.<br />
Rocque (1981) registra, cronologicamente, a introdução e a retira<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
diversos elementos <strong>da</strong> romaria <strong>de</strong> Belém do Pará, quase todos <strong>de</strong> inspiração<br />
portuguesa, como se verifica pelas <strong>de</strong>scrições dos círios portugueses dos<br />
Artes Sacras e reuni<strong>da</strong>s numa publicação (Pessoa, José, org. Milagres : Os ex-votos <strong>de</strong> Angra dos Reis.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>da</strong> Palavra, 2001).<br />
14 A Cabanagem foi um movimento que reivindicava basicamente a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e marcou a história do Pará<br />
durante o período <strong>da</strong> In<strong>de</strong>pendência do Brasil, tendo sido a única insurreição popular brasileira que<br />
chegou ao po<strong>de</strong>r. Eclodiu em 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1835 e foi ferozmente reprimi<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> 1836 pelo<br />
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