Círio de Nazaré - Universidade Federal da Bahia
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A Santa <strong>da</strong> floresta<br />
Um mito está na origem do <strong>Círio</strong>: em outubro <strong>de</strong> 1700 um caçador<br />
chamado Plácido <strong>de</strong> Souza 9 encontrou uma imagem <strong>da</strong> Virgem, com o Menino<br />
Jesus nos braços, às margens do igarapé Murutucú, perto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> hoje se<br />
ergue a Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, no bairro mais nobre <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, então uma<br />
floresta.<br />
Na época, o núcleo urbano <strong>de</strong> Belém se resumia praticamente ao atual<br />
bairro <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> Velha, às proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do Forte do Castelo, on<strong>de</strong> a ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
fora fun<strong>da</strong><strong>da</strong>. Plácido morava na mata, na estra<strong>da</strong> do Utinga ou do Maranhão<br />
e, como o igarapé atravessava a estra<strong>da</strong>, a imagem po<strong>de</strong>ria ter sido escondi<strong>da</strong><br />
ou esqueci<strong>da</strong> por algum viajante. Autores como Dubois (1953 ) e Rocque<br />
(1981) lembram outra versão, segundo a qual a imagem po<strong>de</strong>ria ter sido<br />
perdi<strong>da</strong>, esqueci<strong>da</strong> ou escondi<strong>da</strong> por algum <strong>de</strong>voto <strong>da</strong> Vigia, município que<br />
iniciara, no Pará, o culto à Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, trazido pelos<br />
portugueses, no século XVII.<br />
Segundo a len<strong>da</strong>, Plácido levou a santinha para casa. De noite, ela<br />
<strong>de</strong>sapareceu, sendo encontra<strong>da</strong> no dia seguinte, no mesmo nicho <strong>de</strong> pedras do<br />
igarapé on<strong>de</strong> surgira. As fugas se repetiram até que o próprio governador <strong>da</strong><br />
época (cujo nome a len<strong>da</strong> não registra) mandou trancar a imagem no palácio<br />
9 Há controvérsias sobre Plácido, apresentado ora como pardo, humil<strong>de</strong>, “inculto mas honesto” (Vianna,<br />
1905:21), ora como filho <strong>de</strong> um português e sobrinho <strong>de</strong> um capitão-general do Grão Pará, dono <strong>de</strong><br />
terras e <strong>de</strong> gado (Rocque, 1981). Não há dúvi<strong>da</strong>, entretanto, <strong>de</strong> que ele foi um “dono <strong>de</strong> santo”, uma<br />
categoria <strong>de</strong> <strong>de</strong>votos proprietários <strong>de</strong> imagens conheci<strong>da</strong>s como milagrosas, comum no interior<br />
paraense, bem caracteriza<strong>da</strong> por Maués (1995), que registra a importância assumi<strong>da</strong> por <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s<br />
imagens <strong>de</strong> santos: embora tenham um “dono”, passam a ser proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> simbólica <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
são usa<strong>da</strong>s em festas públicas, e não raro incorporam os nomes dos proprietários, como o São<br />
Benedito <strong>da</strong> dona Fuluca, o São Benedito do seu Zizi e o São Pedro do finado Palheta, todos do<br />
município <strong>da</strong> Vigia. A imagem encontra<strong>da</strong> por Plácido passou à Irman<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong><br />
Nazareth do Desterro, que já existia quando aconteceu o primeiro <strong>Círio</strong>, e finalmente à Igreja.<br />
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