Círio de Nazaré - Universidade Federal da Bahia
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Regina Alves<br />
<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong><br />
Da taba marajoara à al<strong>de</strong>ia global<br />
Belém<br />
2002
Regina Alves<br />
<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong><br />
Da taba marajoara à al<strong>de</strong>ia global<br />
Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao Curso <strong>de</strong> Mestrado<br />
Interinstitucional em Comunicação e Cultura Contemporâneas,<br />
Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará/Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>,<br />
e submeti<strong>da</strong> em satisfação parcial dos requisitos ao grau <strong>de</strong><br />
Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas à Câmara<br />
<strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Pós-Graduação e Pesquisa <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>.<br />
Professora orientadora: Dra. Lindinalva Rubim.<br />
Belém<br />
2002
Alves, Regina<br />
Ficha elabora<strong>da</strong> pela bibliotecária Maria Lúcia Almei<strong>da</strong>, CRB-2/4<br />
<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>: <strong>da</strong> taba marajoara à al<strong>de</strong>ia global./ Regina Alves. – Belém, 2002.<br />
ix, 212f.<br />
Inclui figuras<br />
Dissertação (Mestrado) Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará/ Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong><br />
<strong>Bahia</strong>. Programa <strong>de</strong> Mestrado Interinstitucional em Comunicação e Cultura<br />
Contemporâneas.<br />
1. <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, transmissão. 2. TV Liberal - <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. 3. TV Marajoara<br />
- <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>.
<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong><br />
Da taba marajoara à al<strong>de</strong>ia global<br />
Comissão Examinadora<br />
• Profa. Dra. Lindinalva Silva Oliveira Rubim (orientadora)<br />
• Prof. Dr. Heraldo Maués (examinador externo)<br />
• Prof. Dr. Maurício Nogueira Tavares<br />
Homologa<strong>da</strong> pelo Colegiado do Curso <strong>de</strong> Mestrado em Comunicação e Cultura<br />
Contemporâneas <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong> em .....................................<br />
Conferido o grau em.................................................................................................................
Para Vevé, com amor
Agra<strong>de</strong>cimentos<br />
À TV Liberal, que ce<strong>de</strong>u as fitas <strong>da</strong> transmissão do <strong>Círio</strong> e conce<strong>de</strong>u indispensáveis<br />
facili<strong>da</strong><strong>de</strong>s para realização <strong>de</strong>ste estudo. Registro, particularmente, a colaboração dos<br />
diretores Ângela Maiorana Martins, Rosângela Maiorana Kzan, Fernando Nascimento,<br />
Washington Braun, Emanuel Villaça e Dênis Brandão. O agra<strong>de</strong>cimento é extensivo a todos os<br />
profissionais que fazem o <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> TV Liberal, pelo acolhimento e tempo <strong>de</strong>dicados às minhas<br />
interrogações.<br />
idéias e paciência.<br />
À Lin<strong>da</strong> Rubim, minha orientadora, pelo espírito crítico, generosi<strong>da</strong><strong>de</strong> na discussão <strong>de</strong><br />
A Heraldo Maués, guia competente e sereno, pelos caminhos do <strong>Círio</strong>.<br />
E muito obriga<strong>da</strong> aos que também tanto me aju<strong>da</strong>ram, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra: AK<br />
Produções, Cassim Jordy, Albino Rubim, Antônio Fausto Neto, Arlindo Machado, Benedito<br />
Nunes, Carlos Maneschy, Carlos Sampaio, .Carmem Tuma Rotta, Charles Salim, Cláudio Sá<br />
Leal, Colegas do mestrado, Edson Berbary, Edson Farias, Elizabeth Ron<strong>de</strong>lli, Ernani Chaves,<br />
Felipe Alves, Flávio Nassar, Geraldo Campos, Ibi Macedo, Lene Carvalho, Liv Sovik, Lúcia<br />
Almei<strong>da</strong>, Maria <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> Freitas, Maria Elisa Guimarães, Maria Palácios, Mônica Davi, Nadja<br />
Miran<strong>da</strong>, Nelma Nicolau, Oswaldo Diniz Men<strong>de</strong>s, Otacílio Amaral, Priscila Carvalho Castro,<br />
Regina Maneschy Sampaio, Roberto Senna (Dieese-Pará), Rosaly Brito, Yvana Fechine.
O caboclo Plácido, que achou Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> refeito dos traumas <strong>da</strong> ressurreição, pediu para conhecer<br />
a Basílica. Foi também ao Museu do <strong>Círio</strong>, on<strong>de</strong> assistiu um ví<strong>de</strong>o<br />
com imagens <strong>da</strong> procissão. Quando viu a arrebentação <strong>da</strong> cor<strong>da</strong><br />
chegando ao largo <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, emocionou-se diante do significado<br />
que seu gesto simples <strong>de</strong> recolher a pequena imagem na floresta<br />
passou a ter na vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> tanta gente. (...) Falando alto, se perguntou:<br />
Meu Deus! E se eu naquele dia tivesse tomado uma outra<br />
bifurcação do caminho, quem cui<strong>da</strong>ria <strong>de</strong>sse povo?<br />
(Flávio Nassar)
Sumário<br />
1 Introdução 1<br />
2 No mês <strong>de</strong> outubro, em Belém do Pará 7<br />
O Natal dos paraenses 13<br />
A Santa <strong>da</strong> floresta 16<br />
O carnaval <strong>de</strong>voto 28<br />
As Questões do <strong>Círio</strong> 36<br />
3 A taba e a al<strong>de</strong>ia global 41<br />
A subversão pela imagem 44<br />
O milagre <strong>da</strong> TV no Pará 56<br />
O Brasil via satélite 54<br />
Nova TV, velhas esperanças 58<br />
4 Ao vivo e em cores 69<br />
Emoções em preto e branco 75<br />
As cores <strong>da</strong> festa explo<strong>de</strong>m no ar 86<br />
5 O <strong>Círio</strong> pelo olhar <strong>da</strong> TV 91<br />
A romaria "no ar" 98<br />
O <strong>Círio</strong> visto do céu: 1983-1990 104<br />
A cerimônia televisual: 1991-1996 121<br />
O <strong>Círio</strong> na I<strong>da</strong><strong>de</strong> Mídia: 1997- 2000 132<br />
6 O manto eletrônico <strong>da</strong> Santa 149<br />
7 Consi<strong>de</strong>rações finais 175<br />
Referências bibliográficas 187<br />
Fontes consulta<strong>da</strong>s 297<br />
Glossário 203
R<br />
esumo
Estu<strong>da</strong> a transmissão direta do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> pela TV Liberal <strong>de</strong> Belém, nos anos <strong>de</strong><br />
1983 a 2000 (exceto 1986). Analisa a construção do espetáculo midiático <strong>da</strong> romaria, periodizando<br />
a transmissão <strong>da</strong> TV Liberal em três fases: 1983-1990; 1991-1996 e 1997-2000. Apresenta<br />
resultados <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> fitas com as gravações <strong>de</strong>ssas emissões, pesquisa bibliográfica,<br />
entrevistas e observação direta <strong>da</strong> produção e transmissão do evento (em 2000). Apresenta a<br />
romaria do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, <strong>de</strong> suas origens, em 1793, aos dias atuais. Registra as origens <strong>da</strong> TV<br />
brasileira, situando os contextos em que surgem, no Pará, as TVs Marajoara e Liberal. Registra as<br />
primeiras externas do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, inaugura<strong>da</strong>s pela TV Marajoara, em 1961, e também as<br />
primeiras transmissões diretas <strong>da</strong> TV Liberal, a partir <strong>de</strong> 1976.<br />
Palavras-chaves<br />
<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong><br />
Televisão<br />
Transmissão direta<br />
TV Liberal<br />
TV Marajoara<br />
Religião<br />
Mídia<br />
Espetáculo<br />
Telejornalismo<br />
Acontecimento midiático<br />
Midiatização
INTRODUÇÃO<br />
3
O <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, romaria que acontece todo segundo domingo <strong>de</strong><br />
outubro em Belém do Pará, é objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> narrativas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o registro<br />
<strong>de</strong> sua criação pelo governador Francisco <strong>de</strong> Souza Coutinho, que aparece no<br />
Compêndio <strong>da</strong>s Eras <strong>da</strong> Província do Pará, <strong>de</strong> Antonio Baena, crônica dos<br />
acontecimentos do Pará no período <strong>de</strong> 1615 a 1823. No século XX, a principal<br />
narrativa passa a ser a <strong>da</strong> televisão, especialmente pela visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />
confere ao <strong>Círio</strong>. É <strong>de</strong>ssa narrativa que se ocupa este trabalho.<br />
O objeto, portanto, são as transmissões diretas do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> pela<br />
TV Liberal <strong>de</strong> Belém, nos anos <strong>de</strong> 1983 a 2000 (exceto 1986, que não existe no<br />
arquivo <strong>da</strong> emissora), cujo estudo foi <strong>de</strong>senvolvido utilizando-se <strong>de</strong> um corpus<br />
constituído pelas fitas com a gravação <strong>de</strong>ssas transmissões, pesquisa<br />
bibliográfica, entrevistas com profissionais envolvidos, e, no ano <strong>de</strong> 2000,<br />
observação direta <strong>da</strong> produção e transmissão do evento. É importante<br />
ressalvar que, apesar <strong>de</strong> ter recorrido aos estudos teóricos <strong>de</strong> Dayan e Katz,<br />
não avanço na direção <strong>da</strong> pesquisa dos efeitos dos acontecimentos midiáticos.<br />
O estudo <strong>de</strong> recepção <strong>da</strong> transmissão do <strong>Círio</strong>, certamente fascinante, exige<br />
tempo, meios e instrumentos práticos não disponíveis no período <strong>de</strong>sse<br />
trabalho.<br />
A escolha <strong>da</strong> TV Liberal se justifica pelo lugar que essa emissora ocupa<br />
no Estado e na história <strong>da</strong> transmissão direta do <strong>Círio</strong>. Ela integra as<br />
Organizações Romulo Maiorana, que mantêm dois jornais diários, nove<br />
emissoras <strong>de</strong> TV, seis rádios, um provedor <strong>de</strong> internet e um canal a cabo.<br />
Afilia<strong>da</strong> à Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, ela é lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> audiência em todos os<br />
4
horários, segundo pesquisa do Ibope realiza<strong>da</strong> em novembro <strong>de</strong> 2001 na<br />
Gran<strong>de</strong> Belém. As emissoras <strong>de</strong> TV, na capital e no interior, representam<br />
2.373.567 telespectadores potenciais. A eles se agregam 513.451<br />
telespectadores potenciais <strong>da</strong>s se<strong>de</strong>s dos 108 municípios (o Pará tem 143<br />
municípios) que recebem o sinal <strong>da</strong> emissora pelo satélite Libsat.<br />
Pesquisa realiza<strong>da</strong> pelo Ibope na Gran<strong>de</strong> Belém, em 1998, mostrou que<br />
a audiência <strong>da</strong> TV Liberal durante a transmissão do <strong>Círio</strong> <strong>da</strong>quele ano atingiu<br />
92%. Na mesma pesquisa, o índice <strong>de</strong> aprovação <strong>da</strong> transmissão foi <strong>de</strong> 86%,<br />
contra 5% <strong>da</strong> emissora em segundo lugar.<br />
O <strong>Círio</strong> é o maior evento jornalístico e publicitário <strong>da</strong> TV Liberal, que<br />
mobiliza to<strong>da</strong> a sua estrutura para ele. A transmissão do <strong>Círio</strong> é patrocina<strong>da</strong><br />
por cinco gran<strong>de</strong>s anunciantes locais e nacionais. A importância <strong>da</strong> festa para a<br />
emissora po<strong>de</strong> ser bem dimensiona<strong>da</strong> pela antecedência com que começa a<br />
publicizá-la, com chama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> envolvimento a partir do mês <strong>de</strong> agosto.<br />
Finalmente, é através <strong>da</strong> TV Liberal que o <strong>Círio</strong> alcança uma visibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
até então inédita, sendo a transmissão veicula<strong>da</strong> via satélite para o Pará e o<br />
Brasil e <strong>de</strong>pois mundialmente, pela internet, em 1997, consumando seu<br />
ingresso na telerreali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Além <strong>de</strong> exibir a transmissão ao vivo <strong>da</strong> TV no dia<br />
<strong>da</strong> romaria, o site <strong>da</strong> TV Liberal na internet contém uma página permanente<br />
sobre o <strong>Círio</strong>, na qual po<strong>de</strong> ser acessado, durante o ano todo, um compacto do<br />
evento.<br />
Para melhor compreen<strong>de</strong>r o espetáculo que é a transmissão <strong>da</strong> romaria<br />
do <strong>Círio</strong>, é preciso primeiro acompanhá-lo no seu cenário original, a rua,<br />
recuperando inclusive as principais mu<strong>da</strong>nças ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> dois<br />
5
séculos <strong>de</strong> história e seu significado para o povo paraense. Isso constitui o<br />
capítulo 2, sobre o <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, que integra um complexo ritual, a Festa <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong>. Dois motivos básicos levam a recortar o <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> Festa: ele, enquanto<br />
romaria, é o ápice, o ritual religioso e sociocultural mais importante do conjunto<br />
dos rituais; e é o único evento transmitido regular e integralmente, ao vivo, por<br />
to<strong>da</strong>s as TVs <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, com exceção <strong>de</strong> duas emissoras evangélicas.<br />
No capítulo 3, posiciono as origens <strong>da</strong> TV brasileira, para situar o<br />
contexto em que surge a primeira emissora paraense, a TV Marajoara,<br />
representante <strong>da</strong> primeira fase <strong>da</strong> TV nacional, como integrante <strong>da</strong> Ca<strong>de</strong>ia<br />
Associa<strong>da</strong>. No final dos anos 70, surge a TV Liberal, que representa a segun<strong>da</strong><br />
fase, marca<strong>da</strong> pela hegemonia <strong>da</strong> TV Globo. Ambas se anunciam como marco<br />
<strong>de</strong> progresso e fator <strong>de</strong> integração regional, mas a concentração <strong>da</strong> produção<br />
<strong>de</strong> programas nas emissoras do Su<strong>de</strong>ste acaba por restringir à transmissão do<br />
<strong>Círio</strong> o mais expressivo momento <strong>de</strong> visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> cultura regional nas telas<br />
<strong>da</strong>s TVs locais.<br />
O capítulo 4 trata <strong>da</strong>s primeiras transmissões ao vivo do <strong>Círio</strong>. A partir<br />
do final dos anos 20, o rádio junta-se ao impresso na narrativa do <strong>Círio</strong>. As<br />
rádios Clube, inaugura<strong>da</strong> em 1928, e a Marajoara, em 1954, passam a<br />
transmitir a romaria. Não há registro <strong>de</strong>ssas transmissões, que representam a<br />
primeira expansão do <strong>Círio</strong>, em tempo real, para além <strong>de</strong> seu território<br />
geográfico, a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Belém: <strong>de</strong>votos do interior podiam ouvir a romaria, na<br />
impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> participar <strong>da</strong> transumância religiosa que culmina no <strong>Círio</strong>. É<br />
a TV Marajoara quem faz a primeira transmissão ao vivo <strong>da</strong> romaria, enquanto<br />
a TV Liberal fun<strong>da</strong> outra era na transmissão do <strong>Círio</strong>, trazendo a cor para os<br />
6
telespectadores paraenses que, em 1976, po<strong>de</strong>m admirar, ao vivo, pela<br />
primeira vez, a policromia do <strong>Círio</strong>.<br />
No capítulo 5, faço a análise <strong>da</strong>s fitas <strong>da</strong> transmissão direta do <strong>Círio</strong> pela<br />
TV Liberal, verificando a construção do espetáculo midiático <strong>da</strong> romaria. Para<br />
efeito metodológico, as transmissões foram agrupa<strong>da</strong>s em três fases: 1983-<br />
1990, 1991-1996 e 1997-2000. Deve-se essa periodização a momentos <strong>de</strong><br />
alterações significativas na construção do espetáculo televisual, elabora<strong>da</strong>s<br />
pela TV Liberal.<br />
O capítulo 6 é o relato <strong>da</strong> observação direta <strong>da</strong> produção e <strong>da</strong><br />
transmissão do <strong>Círio</strong>, no ano <strong>de</strong> 2000. Consi<strong>de</strong>ro importante verificar como a<br />
TV se organiza internamente para produzir o "seu" <strong>Círio</strong>, apropriando-se <strong>de</strong><br />
elementos do espetáculo <strong>de</strong> referência, para <strong>de</strong>le ofertar uma interpretação ao<br />
telespectador. Acompanhei, na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> TV Liberal, a rotina <strong>de</strong> produção do<br />
<strong>Círio</strong> televisual, observando o trabalho dos jornalistas e técnicos envolvidos,<br />
complementando essa observação com entrevistas e conversas com aqueles<br />
profissionais. No dia <strong>da</strong> transmissão pu<strong>de</strong> testemunhar o trabalho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
madruga<strong>da</strong> até o encerramento, inicialmente na re<strong>da</strong>ção e a seguir do switch<br />
<strong>da</strong> emissora, on<strong>de</strong> se concentra a equipe que coman<strong>da</strong> o evento.<br />
Ao <strong>de</strong>screver aspectos metodológicos <strong>da</strong> pesquisa sobre o newsmaking,<br />
no qual os <strong>da</strong>dos são coletados por observação participante, no ambiente que<br />
é objeto <strong>de</strong> estudo, Wolf (1987) aponta algumas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, duas <strong>da</strong>s quais<br />
gostaria <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar. A primeira é a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do investigador assimilar a<br />
maneira <strong>de</strong> agir, pensar e avaliar dos jornalistas observados, transformando-se<br />
em "um <strong>de</strong>les". A segun<strong>da</strong> diz respeito ao tempo que as empresas conce<strong>de</strong>m<br />
para a observação, que po<strong>de</strong> ser muito exíguo.<br />
7
Devo esclarecer que sou jornalista e trabalhei durante oito anos na TV<br />
Liberal, participando, inclusive, <strong>de</strong> transmissões do <strong>Círio</strong>. Essa condição não<br />
impediu que se estabelecesse a distância necessária do objeto e, creio,<br />
contribuiu para um melhor entendimento <strong>de</strong> situações que po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>man<strong>da</strong>r<br />
muito mais tempo para plena compreensão por parte <strong>de</strong> um investigador não-<br />
familiarizado com a rotina telejornalística. Quanto ao tempo <strong>de</strong> observação, a<br />
TV Liberal não colocou nenhuma restrição nesse sentido.<br />
Como qualquer observador do trabalho jornalístico, normalmente tenso e<br />
condicionado pelo tempo, tive o cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> evitar que minha presença se<br />
tornasse um fator <strong>de</strong> embaraço à rotina <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção e do switch. O fato <strong>de</strong> já ter<br />
sido "um <strong>de</strong>les" proporciona a compreensão <strong>de</strong> quanto é difícil respon<strong>de</strong>r<br />
perguntas e <strong>da</strong>r esclarecimentos na pressão do <strong>de</strong>adline.<br />
8
NO MÊS DE OUTUBRO,<br />
EM BELÉM DO PARÁ...<br />
9
O <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> acontece todo segundo domingo<br />
<strong>de</strong> outubro, em Belém do Pará. A romaria, que conduz a imagem <strong>da</strong> Santa<br />
pelas ruas centrais <strong>de</strong> Belém, realiza-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1793 e é o ritual mais<br />
importante <strong>da</strong> Festa <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, um conjunto <strong>de</strong> romarias e<br />
ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s religiosas e profanas que se <strong>de</strong>senrolam durante 15 dias.<br />
O <strong>Círio</strong> mobiliza to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, que recebe gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
romeiros e turistas, do interior do Pará, do Brasil e <strong>de</strong> outros países. É muito<br />
expressivo, nesse período, o movimento <strong>de</strong> retorno <strong>de</strong> paraenses que vivem<br />
fora, para pagar promessas, participar <strong>da</strong> romaria ou simplesmente reencontrar<br />
a família e os amigos 1 .<br />
A romaria começa às 7 <strong>da</strong> manhã, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vigília e missa na Catedral<br />
<strong>de</strong> Belém e percorre 4,5 km. O tempo <strong>de</strong> duração, <strong>de</strong> três a cinco horas, em<br />
média, até os anos 90, tornou-se imprevisível. O trajeto é mais ou menos o<br />
mesmo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro <strong>Círio</strong>, mas o número <strong>de</strong> participantes cresceu muito:<br />
<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 120 mil pessoas em 1940 para cerca <strong>de</strong> um milhão e 700 mil no<br />
<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 2000, segundo estimativas do Dieese-Pará (Departamento<br />
Intersindical <strong>de</strong> Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos). A dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
movimentação <strong>de</strong>ssa massa, embora muitos estejam nas ruas só para ver a<br />
passagem do cortejo, faz com que seja temerário fixar um horário exato <strong>de</strong><br />
chega<strong>da</strong> para a romaria.<br />
A Figura 1, na página seguinte, mostra como se dá o trajeto do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong> (setas em vermelho), pelas ruas do centro <strong>de</strong> Belém. A berlin<strong>da</strong> sai <strong>da</strong><br />
1 Segundo levantamento do Núcleo do <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> TV Liberal em 2000, a Paratur, companhia <strong>de</strong> turismo do<br />
Estado, aguar<strong>da</strong>va quase 40 mil turistas, o Setor <strong>de</strong> Operações do Aeroporto registrava 80% <strong>de</strong><br />
10
Catedral <strong>da</strong> Sé, localiza<strong>da</strong> no primeiro bairro <strong>de</strong> Belém - a Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> Velha -, e<br />
chega ao Conjunto Arquitetônico <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> (CAN), também chamado Praça<br />
Santuário, inaugurado em 1982, no bairro <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. O CAN substitui o antigo<br />
Largo <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> e sua construção <strong>de</strong>sloca o tradicional arraial <strong>da</strong> festa para a<br />
área lateral à Basílica, como se po<strong>de</strong> ver em <strong>de</strong>staque nessa figura. Até a<br />
inauguração do CAN a romaria terminava com a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> imagem e <strong>de</strong><br />
muitos fiéis na Basílica. Hoje a igreja permanece aberta durante a chega<strong>da</strong>,<br />
lota<strong>da</strong> <strong>de</strong> fiéis, mas a imagem <strong>da</strong> Santa é conduzi<strong>da</strong> para o altar existente no<br />
CAN, on<strong>de</strong> é realiza<strong>da</strong> a cerimônia religiosa <strong>de</strong> encerramento <strong>da</strong> peregrinação.<br />
Este longo trajeto apresenta três curvas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> para o<br />
<strong>de</strong>slocamento <strong>da</strong> romaria, especialmente para a cor<strong>da</strong> dos promesseiros. São<br />
os pontos que estão numerados na figura.<br />
Na aveni<strong>da</strong> Portugal (ponto 1) há uma curva estreita e em 90º, pouco<br />
antes do início do Boulevard Castilhos França, on<strong>de</strong> se dá o atrelamento <strong>da</strong><br />
berlin<strong>da</strong> com a imagem <strong>da</strong> Santa à cor<strong>da</strong> dos promesseiros (ver também Fig.<br />
2). O atrelamento, que antes era feito na porta <strong>da</strong> Catedral, foi <strong>de</strong>slocado pela<br />
diretoria <strong>da</strong> Festa para o Boulevard em 1995, numa tentativa <strong>de</strong> evitar tumulto<br />
e atraso <strong>da</strong> romaria logo no início, uma vez que o volume <strong>de</strong> promesseiros na<br />
cor<strong>da</strong> crescera muito para as dimensões <strong>da</strong> pequena rua fronteira à Catedral.<br />
aumento na chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> passageiros <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia 2 <strong>de</strong> outubro e a Capitania dos Portos estimava em<br />
cerca <strong>de</strong> 600 as embarcações registra<strong>da</strong>s vin<strong>da</strong>s do interior.<br />
11
Figura1<br />
12
O ponto 2 indica a esquina <strong>da</strong> aveni<strong>da</strong> Boulevard Castilhos França com<br />
a aveni<strong>da</strong> Presi<strong>de</strong>nte Vargas, que tem o agravante <strong>de</strong> ser uma subi<strong>da</strong>, logo<br />
após um ponto <strong>de</strong> para<strong>da</strong> <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> para receber duas homenagens <strong>de</strong><br />
queimas <strong>de</strong> fogos. Essas homenagens são tradicionais e atraem gran<strong>de</strong><br />
público que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, ocupa completamente as duas aveni<strong>da</strong>s e as<br />
transversais, impedindo o fluxo <strong>da</strong> romaria. É nesse ponto que, quase sempre,<br />
acontece o <strong>de</strong>sligamento <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>.<br />
O ponto 3 é a curva <strong>da</strong> aveni<strong>da</strong> <strong>Nazaré</strong> com a aveni<strong>da</strong> Serze<strong>de</strong>lo<br />
Corrêa, também um local <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> <strong>de</strong>votos que esperam a<br />
passagem <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>. A partir <strong>da</strong>í, a romaria segue com mais veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> pela<br />
aveni<strong>da</strong> <strong>Nazaré</strong>, que oferece também um pouco <strong>de</strong> sombra aos romeiros,<br />
porque é to<strong>da</strong> arboriza<strong>da</strong> com mangueiras.<br />
O <strong>Círio</strong> “transbor<strong>da</strong>” <strong>de</strong> seu leito original e milhares <strong>de</strong> romeiros tomam<br />
rotas alternativas para chegar ao final <strong>da</strong> peregrinação, usando principalmente<br />
as duas aveni<strong>da</strong>s paralelas à aveni<strong>da</strong> <strong>Nazaré</strong>, a Braz <strong>de</strong> Aguiar e a<br />
Governador José Malcher. Também é muito gran<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> pessoas que<br />
vão apenas assistir à passagem <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> em algum ponto, por isso to<strong>da</strong>s as<br />
transversais e paralelas do percurso ficam lota<strong>da</strong>s, <strong>da</strong>ndo a impressão <strong>de</strong> que,<br />
marginalmente à gran<strong>de</strong> romaria, <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> pequenos “<strong>Círio</strong>s” se <strong>de</strong>senrolam<br />
no centro <strong>de</strong> Belém.<br />
Ao longo <strong>de</strong> sua história, o <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> Belém sofreu várias alterações. No<br />
início, acontecia em setembro ou novembro, no horário vespertino. Em 1901, a<br />
Igreja <strong>de</strong>terminou sua realização no segundo domingo <strong>de</strong> outubro . A romaria<br />
tornou-se matutina em 1855, por causa <strong>da</strong>s chuvas (Vianna, 1905), existindo<br />
ain<strong>da</strong> registro <strong>de</strong> círios noturnos como o <strong>de</strong> 1839 (Kid<strong>de</strong>r, 1972).<br />
13
Na origem, o <strong>Círio</strong> era antecedido por apenas uma outra romaria, a<br />
Trasla<strong>da</strong>ção. No século XIX já existe notícia <strong>da</strong> procissão que encerra a<br />
quinzena <strong>da</strong> festa, o Recírio (Vianna,1905). A partir dos anos 80 do século XX<br />
surgem novas romarias.<br />
A primeira <strong>de</strong>las foi o <strong>Círio</strong> fluvial, criado em 1986. Nessa procissão a<br />
imagem percorre a baia <strong>de</strong> Guajará, do distrito <strong>de</strong> Icoaraci a Belém,<br />
acompanha<strong>da</strong> por centenas <strong>de</strong> embarcações. O <strong>de</strong>slocamento <strong>da</strong> imagem <strong>de</strong><br />
Belém para Icoaraci ensejou duas romarias rodoviárias: a primeira, na sexta-<br />
feira à tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Belém para o município <strong>de</strong> Ananin<strong>de</strong>ua; a segun<strong>da</strong>, no<br />
sábado, <strong>de</strong> Ananin<strong>de</strong>ua para Icoaraci.<br />
Quando o <strong>Círio</strong> fluvial chega ao porto <strong>de</strong> Belém, ain<strong>da</strong> acontece outra<br />
romaria, promovi<strong>da</strong> pela Associação dos Motoqueiros. Esse cortejo leva a<br />
imagem ao Colégio Gentil Bittencourt, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> sai, à noite, a Trasla<strong>da</strong>ção.<br />
Em to<strong>da</strong>s elas, a ca<strong>da</strong> ano, registra-se acentuado crescimento <strong>de</strong><br />
participantes. Como esses cortejos percorrem áreas que não são atingi<strong>da</strong>s pelo<br />
<strong>Círio</strong>, representam uma expansão do território geográfico <strong>da</strong> festa para trechos<br />
<strong>da</strong> periferia <strong>de</strong> Belém e até um município vizinho, constituindo-se, para os<br />
<strong>de</strong>votos, em novas oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> com a Santa, e em atrações<br />
extras para os turistas 2 . A expansão <strong>de</strong> romarias periféricas, como se verifica<br />
pelos <strong>da</strong>dos do Dieese, não reduz o afluxo à procissão principal, o <strong>Círio</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong>. Durante a quinzena <strong>da</strong> festa também acontecem romarias mais curtas,<br />
como a Procissão <strong>da</strong> Festa (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1881) e o <strong>Círio</strong> <strong>da</strong>s Crianças (1990).<br />
2 É o caso, principalmente, do <strong>Círio</strong> fluvial, que hoje junta às embarcações regionais dos <strong>de</strong>votos, muitos<br />
navios <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte fretados por agências <strong>de</strong> turismo.<br />
14
O <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> Belém vem <strong>da</strong>ndo origem a muitos círios no interior paraense<br />
e em outros Estados brasileiros 3 . Vários são consagrados a outros santos,<br />
mas todos conservam as duas características básicas dos círios, aponta<strong>da</strong>s<br />
por Maués (1995) e que os distinguem <strong>de</strong> outras procissões <strong>de</strong> santos: o círio é<br />
uma romaria que sempre se divi<strong>de</strong> em duas, a trasla<strong>da</strong>ção e o <strong>Círio</strong> do dia<br />
seguinte, e também sempre se realiza na abertura <strong>da</strong> festa, em vez <strong>de</strong> encerrá-<br />
la.<br />
O Natal dos paraenses<br />
A gran<strong>de</strong> movimentação que o <strong>Círio</strong> provoca, naturalmente modifica a<br />
fisionomia urbana e traz gran<strong>de</strong>s reflexos para a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, na qual se<br />
instala o tempo do <strong>Círio</strong>, consi<strong>de</strong>rado o Natal dos paraenses, expressão <strong>de</strong><br />
autor <strong>de</strong>sconhecido e <strong>de</strong> uso corrente entre a população, consagra<strong>da</strong> pela<br />
mídia jornalística e publicitária.<br />
Pesquisas do Dieese-Pará, do Instituto <strong>da</strong> Pastoral Regional (Ipar) e <strong>da</strong><br />
TV Liberal comprovam a gran<strong>de</strong> importância <strong>de</strong>ssa celebração para os<br />
paraenses. Na pesquisa <strong>da</strong> TV Liberal 4 , o <strong>Círio</strong> aparece como mais importante<br />
do que o Natal para 57% dos entrevistados: 17% apontam o Natal e 25%<br />
apontam ambas as festas. A pesquisa do Dieese diz que o <strong>Círio</strong> é mais<br />
importante para 72% dos entrevistados. Somente na pesquisa do Ipar o Natal é<br />
mais importante para 43,8% contra 31,2% que mencionam o <strong>Círio</strong>.<br />
3 A revista oficial <strong>da</strong> festa, “<strong>Círio</strong>s <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>”, já documentou 18 círios em <strong>de</strong>z Estados. Mesmo em<br />
Belém existe o costume <strong>de</strong> realizar romarias especiais durante a quinzena, para os que trabalham no<br />
dia do <strong>Círio</strong>, como os policiais militares e civis.<br />
4 Realiza<strong>da</strong> pelo Ibope na Gran<strong>de</strong> Belém em outubro <strong>de</strong> 1997, ouvindo 800 pessoas<br />
15
Em termos econômicos, embora ain<strong>da</strong> não exista um estudo<br />
consoli<strong>da</strong>do sobre o assunto, pesquisas que o Dieese-Pará realiza sobre o<br />
<strong>Círio</strong> há 12 anos mostram que os gastos com essa festa só são superados no<br />
período do Natal, quando há estímulo explícito ao consumo, como na troca<br />
<strong>de</strong> presentes, que não ocorre no <strong>Círio</strong> 5 . O paraense gasta principalmente no<br />
preparo do almoço do <strong>Círio</strong>, mas também com lazer, vestuário e mesmo com<br />
reformas na casa. Empregos temporários e incremento <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> informal<br />
em função do <strong>Círio</strong> ain<strong>da</strong> não foram quantificados, mas é possível observar,<br />
especialmente nos anos 90, o surgimento <strong>de</strong> novos produtos associados à<br />
festa, como camisetas alusivas ao <strong>Círio</strong>, ca<strong>da</strong> vez mais freqüentes na romaria.<br />
Segundo o Dieese, a previsão <strong>de</strong> gastos <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> dos<br />
romeiros varia <strong>de</strong> U$100 a U$400 durante a esta<strong>da</strong> em Belém e, em 1999,<br />
40.907 turistas proporcionam um faturamento <strong>de</strong> R$9 milhões. A Paratur<br />
estima esse faturamento em mais <strong>de</strong> R$7 milhões em 2000 6 . Os orçamentos<br />
para realização do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 1994 a 2000 dão idéia <strong>da</strong>s quantias movimenta<strong>da</strong>s<br />
em função <strong>da</strong> festa:<br />
Tabela 1 - Orçamento do <strong>Círio</strong><br />
Ano Orçamento em R$<br />
1994 600 mil<br />
1995 1 milhão<br />
1996 800 mil<br />
1997 700 mil<br />
1998 700 mil<br />
1999 785 mil<br />
2000 695 mil<br />
Fonte: Dieese e Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong><br />
5 Segundo o Dieese, o paraense gasta 32% <strong>de</strong> sua ren<strong>da</strong> no <strong>Círio</strong> e 42% no Natal. A pesquisa do Ibope<br />
também mostra que os gastos são próximos: 37% no Natal e 30% no <strong>Círio</strong>.<br />
6 Levantamento do Núcleo do <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> TV Liberal.<br />
16
Como evento sociocultural, o <strong>Círio</strong> é um período <strong>de</strong> abun<strong>da</strong>nte oferta<br />
cultural e <strong>de</strong> lazer, que proporciona um gran<strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas<br />
o que distingue o tempo do <strong>Círio</strong> é que se instaura uma soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> social,<br />
bem expressa no reencontro e no congraçamento familiar, com a abertura <strong>da</strong>s<br />
casas a parentes e convi<strong>da</strong>dos, especialmente no almoço do <strong>Círio</strong>, que<br />
acontece após a romaria e é um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro festival <strong>de</strong> culinária paraense 7 , do<br />
qual, tradicionalmente, constam o pato no tucupi 8 e a maniçoba.<br />
Praticamente to<strong>da</strong> a população <strong>de</strong> Belém se envolve <strong>de</strong> algum modo no<br />
evento, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>. A pesquisa do Ipar, que aplicou mil<br />
questionários em 1999, revelou uma significativa participação <strong>de</strong> não-católicos<br />
no <strong>Círio</strong>, conforme a tabela abaixo:<br />
Tabela 2 - Participantes entrevistados, por credo religioso<br />
Religião Nº %<br />
Católica 515 51,5<br />
Total <strong>da</strong> confissão católica 515 51,5<br />
Evangélica 248 24,8<br />
Espírita 62 6,2<br />
Adventista do 7º dia 16 1,6<br />
Testemunha <strong>de</strong> Jeová 12 ,12<br />
Budista 9 0,9<br />
Total: outras tradições 347 34,7<br />
Não possui 51 5,1<br />
Ateu 35 3,5<br />
Total: não professam religião 56 5,6<br />
Sem resposta 52 5,2<br />
Fonte: Ipar<br />
7 Segundo a pesquisa do Ibope, a compra <strong>de</strong> comi<strong>da</strong> representa 67% dos gastos do <strong>Círio</strong> . O Dieese diz<br />
que mais <strong>de</strong> 100 tonela<strong>da</strong>s <strong>de</strong> pato são consumi<strong>da</strong>s no período e o Ipar mostra que o almoço é o<br />
segundo elemento essencial do <strong>Círio</strong> para 80,2% dos entrevistados, per<strong>de</strong>ndo apenas para a cor<strong>da</strong><br />
(85,9%).<br />
8 O preço do pato, alto em função <strong>da</strong> pequena produção paraense, tem alterado a tradição e ca<strong>da</strong> vez<br />
mais ele é substituído pelo peru congelado ou mesmo frango, embora sempre no tucupi. Empresas<br />
como a Sadia preparam comerciais especiais para o <strong>Círio</strong>, apresentando o peru no tucupi.<br />
17
O fato <strong>de</strong> 40,3% dos participantes entrevistados pertencerem a outras<br />
religiões, ou se <strong>de</strong>clararem <strong>de</strong> nenhuma confissão religiosa, parece apontar<br />
para uma concepção mais cultural do que religiosa do <strong>Círio</strong>, visto como uma<br />
celebração <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> paraense, <strong>da</strong> qual se po<strong>de</strong> participar mesmo sem a<br />
intenção religiosa que move os <strong>de</strong>votos <strong>da</strong> Santa.<br />
Na romaria não é incomum a presença <strong>de</strong> fiéis <strong>de</strong> cultos afro-brasileiros<br />
como a umban<strong>da</strong> e o candomblé, facilmente i<strong>de</strong>ntificáveis por seus trajes<br />
rituais que se <strong>de</strong>stacam na multidão e atraem o olhar <strong>da</strong>s câmeras <strong>de</strong> TV. O<br />
inusitado que a pesquisa do Ipar revela é a participação <strong>de</strong> evangélicos, que<br />
têm tradição <strong>de</strong> combate ao culto mariano. Des<strong>de</strong> os anos 90, algumas<br />
<strong>de</strong>nominações evangélicas afixam outdoors contra o <strong>Círio</strong> em aveni<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />
Belém. Os evangélicos tentam dissuadir romeiros que chegam para a festa,<br />
pregando no terminal rodoviário e, durante a procissão, distribuem panfletos<br />
com citações bíblicas.<br />
Durante a quinzena <strong>da</strong> festa é freqüente a polêmica entre católicos e<br />
evangélicos nas colunas <strong>de</strong> cartas dos jornais. Membros <strong>da</strong> hierarquia, como<br />
padres e pastores, discutem em artigos assinados.<br />
Por causa <strong>de</strong>ssa surpreen<strong>de</strong>nte participação o Ipar cunha o termo<br />
ciriano, aquele que não é nem <strong>de</strong>voto nem romeiro, não tem ligação religiosa<br />
com o <strong>Círio</strong>, mas nele se envolve <strong>de</strong> alguma forma.<br />
18
A Santa <strong>da</strong> floresta<br />
Um mito está na origem do <strong>Círio</strong>: em outubro <strong>de</strong> 1700 um caçador<br />
chamado Plácido <strong>de</strong> Souza 9 encontrou uma imagem <strong>da</strong> Virgem, com o Menino<br />
Jesus nos braços, às margens do igarapé Murutucú, perto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> hoje se<br />
ergue a Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, no bairro mais nobre <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, então uma<br />
floresta.<br />
Na época, o núcleo urbano <strong>de</strong> Belém se resumia praticamente ao atual<br />
bairro <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> Velha, às proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do Forte do Castelo, on<strong>de</strong> a ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
fora fun<strong>da</strong><strong>da</strong>. Plácido morava na mata, na estra<strong>da</strong> do Utinga ou do Maranhão<br />
e, como o igarapé atravessava a estra<strong>da</strong>, a imagem po<strong>de</strong>ria ter sido escondi<strong>da</strong><br />
ou esqueci<strong>da</strong> por algum viajante. Autores como Dubois (1953 ) e Rocque<br />
(1981) lembram outra versão, segundo a qual a imagem po<strong>de</strong>ria ter sido<br />
perdi<strong>da</strong>, esqueci<strong>da</strong> ou escondi<strong>da</strong> por algum <strong>de</strong>voto <strong>da</strong> Vigia, município que<br />
iniciara, no Pará, o culto à Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, trazido pelos<br />
portugueses, no século XVII.<br />
Segundo a len<strong>da</strong>, Plácido levou a santinha para casa. De noite, ela<br />
<strong>de</strong>sapareceu, sendo encontra<strong>da</strong> no dia seguinte, no mesmo nicho <strong>de</strong> pedras do<br />
igarapé on<strong>de</strong> surgira. As fugas se repetiram até que o próprio governador <strong>da</strong><br />
época (cujo nome a len<strong>da</strong> não registra) mandou trancar a imagem no palácio<br />
9 Há controvérsias sobre Plácido, apresentado ora como pardo, humil<strong>de</strong>, “inculto mas honesto” (Vianna,<br />
1905:21), ora como filho <strong>de</strong> um português e sobrinho <strong>de</strong> um capitão-general do Grão Pará, dono <strong>de</strong><br />
terras e <strong>de</strong> gado (Rocque, 1981). Não há dúvi<strong>da</strong>, entretanto, <strong>de</strong> que ele foi um “dono <strong>de</strong> santo”, uma<br />
categoria <strong>de</strong> <strong>de</strong>votos proprietários <strong>de</strong> imagens conheci<strong>da</strong>s como milagrosas, comum no interior<br />
paraense, bem caracteriza<strong>da</strong> por Maués (1995), que registra a importância assumi<strong>da</strong> por <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s<br />
imagens <strong>de</strong> santos: embora tenham um “dono”, passam a ser proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> simbólica <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
são usa<strong>da</strong>s em festas públicas, e não raro incorporam os nomes dos proprietários, como o São<br />
Benedito <strong>da</strong> dona Fuluca, o São Benedito do seu Zizi e o São Pedro do finado Palheta, todos do<br />
município <strong>da</strong> Vigia. A imagem encontra<strong>da</strong> por Plácido passou à Irman<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong><br />
Nazareth do Desterro, que já existia quando aconteceu o primeiro <strong>Círio</strong>, e finalmente à Igreja.<br />
19
do governo. No dia seguinte, os guar<strong>da</strong>s encontraram a sala vazia: a imagem<br />
voltara ao igarapé, on<strong>de</strong> foi novamente acha<strong>da</strong>, com marcas <strong>de</strong> orvalho e<br />
carrapichos no manto, testemunhos <strong>da</strong> caminha<strong>da</strong> noturna através <strong>da</strong> floresta.<br />
O governador, então, mandou erigir uma cabana no local. O próprio<br />
Plácido ergueu sua casa ao lado, e a imagem passou a receber a veneração<br />
popular, com romarias, la<strong>da</strong>inhas e novenas, doações <strong>de</strong> ex-votos e mesmo<br />
bens materiais como as terras on<strong>de</strong> hoje está edifica<strong>da</strong> a Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>.<br />
Quando Plácido morreu, a guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> imagem e dos bens passou a seu amigo<br />
Antônio Agostinho. Nessa época, a <strong>de</strong>voção estava solidifica<strong>da</strong> em Belém. A<br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong> passara pelo <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> três gran<strong>de</strong>s epi<strong>de</strong>mias (varíola em 1728,<br />
bexiga em 1745 e sarampo em 1749) e, sem assistência médica, corria a pedir<br />
aju<strong>da</strong> à Virgem <strong>da</strong>s Pedras (Rocque, 1981).<br />
A len<strong>da</strong> em torno <strong>da</strong> origem <strong>da</strong> imagem encontra<strong>da</strong> por Plácido tem<br />
similari<strong>da</strong><strong>de</strong>s com a construção <strong>de</strong> outras crenças religiosas no Brasil e no<br />
exterior: o achado maravilhoso por uma pessoa humil<strong>de</strong>, a imagem fujona que<br />
caminha na noite, os primeiros milagres divulgados pelo povo, as<br />
conseqüentes romarias para o local <strong>de</strong> veneração, até que a Igreja e o Estado<br />
oferecem seu referendo ao culto espontâneo que já reúne milhares <strong>de</strong> <strong>de</strong>votos.<br />
Em Belém, o apoio do governo vem apenas complementar o caráter<br />
popular <strong>da</strong> <strong>de</strong>voção que já existia. Moreira (1971) chama atenção para o<br />
predomínio que logo teria o <strong>Círio</strong>, uma romaria <strong>de</strong> origem popular, sobre as<br />
procissões e festas existentes à época, impostas pelas Or<strong>de</strong>nações do Reino e<br />
custea<strong>da</strong>s pela Câmara, como as do Corpo <strong>de</strong> Deus, Santa Isabel e do Anjo<br />
20
Custódio 10 . Para o autor, essa extrema populari<strong>da</strong><strong>de</strong> é a nota mais<br />
característica do <strong>Círio</strong> como fato regional.<br />
Naquele tempo era preciso obter permissão do papa e <strong>da</strong> Coroa <strong>de</strong><br />
Portugal para realizar festa pública em homenagem aos santos. Dois bispos já<br />
haviam visitado a ermi<strong>da</strong> e pedido essa permissão, concedi<strong>da</strong> somente em<br />
1790. Três anos <strong>de</strong>pois, em 8 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1793, aconteceu o primeiro<br />
<strong>Círio</strong>, criado por <strong>de</strong>creto do governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão,<br />
Francisco <strong>de</strong> Souza Coutinho, que logo após a romaria lançou a pedra<br />
fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> uma nova ermi<strong>da</strong> para a Santa.<br />
Esse governador, fi<strong>da</strong>lgo e oficial português, passou à História do Pará<br />
como um bom administrador, voltado para o progresso <strong>da</strong> terra, embora<br />
<strong>de</strong>spótico – mandou torturar e afogar três parteiras muito populares em Belém,<br />
atribuindo-lhes a morte <strong>da</strong> esposa (Cruz,1952). Com seu tino administrativo,<br />
ele cuidou do aspecto mercantil e profano <strong>da</strong> festa, agregando à romaria uma<br />
feira <strong>de</strong> produtos agrícolas – origem do famoso arraial <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> – or<strong>de</strong>nando<br />
aos diretores <strong>da</strong>s vilas e povoações do interior que man<strong>de</strong>m pessoas e<br />
produtos para Belém no final <strong>de</strong> agosto, garantindo-lhes barracas para<br />
alojamento e ven<strong>da</strong> dos artigos. As índias solteiras só po<strong>de</strong>riam vir na<br />
companhia dos pais e as casa<strong>da</strong>s, com os maridos, <strong>de</strong>terminava o governador.<br />
Essa <strong>de</strong>terminação é um bom exemplo <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia do controle que marca a<br />
origem do <strong>Círio</strong> e que perpassa to<strong>da</strong> sua história.<br />
A feira, além <strong>de</strong> aquecer a economia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, proporcionou rara<br />
oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> divertimento na Belém <strong>da</strong>quela época, contribuindo<br />
<strong>de</strong>cisivamente para o sucesso <strong>da</strong> festa. Segundo Vianna (1905:28), a<br />
10 Só a <strong>de</strong> Corpus Christi ain<strong>da</strong> se realiza atualmente em Belém.<br />
21
animação e o enthusiasmo ultrapassaram to<strong>da</strong>s as expectativas; o commercio<br />
applaudiu mais que todos a execução d´aquella feliz idéa.<br />
O formato do cortejo foi <strong>de</strong>terminado pelo governador num <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong><br />
1792:(...) Insinúa á Confraria nesta Ermi<strong>da</strong> constituí<strong>da</strong> que d' alli por diante <strong>de</strong>ve solemnizar a<br />
festa do seu Orago com Novena, Missa canta<strong>da</strong> e Procissaõ; e que a Imagem <strong>da</strong> Senhora na<br />
vespera do primeiro dia <strong>da</strong> Novena será <strong>de</strong>posita<strong>da</strong> na Capella do Palacio do Governo a fim <strong>de</strong><br />
ser transferi<strong>da</strong> no dia seguinte <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> em uma berlin<strong>da</strong> para a sua Ermi<strong>da</strong>, e neste momento<br />
precedi<strong>da</strong> por <strong>de</strong>votos <strong>de</strong> ambos os sexos concertados em alas, uma <strong>de</strong> mulheres em seges, e<br />
duas <strong>de</strong> homens a cavallo, e que elle pessoalmente se adunaria a este religioso sequito indo<br />
também a cavallo logo após do vehiculo <strong>da</strong> Imagem. (Baena, 1969: 227).<br />
Estima-se o acompanhamento do primeiro <strong>Círio</strong> em <strong>de</strong>z mil pessoas,<br />
praticamente to<strong>da</strong> a população <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Vianna (1905),<br />
verifica-se que a primeira romaria já foi precedi<strong>da</strong> pela Trasla<strong>da</strong>ção, revivendo-<br />
se o mito formado em torno <strong>da</strong> aparição <strong>da</strong> imagem e <strong>de</strong> suas fugas. Na noite<br />
<strong>da</strong> véspera, a Santa seguiu <strong>da</strong> ermi<strong>da</strong> ao palácio do governo 11 , cerca<strong>da</strong> por<br />
uma multidão, que se reencontrou no <strong>Círio</strong>:<br />
No dia seguinte, á tar<strong>de</strong>, com todo o esplendor possivel a uma estréa, <strong>de</strong>sfilou<br />
do palacio a romaria; na frente e no couce marchava to<strong>da</strong> a tropa <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, os<br />
esquadrões <strong>de</strong> cavallaria em primeiro logar, os batalhões <strong>de</strong> infantaria <strong>de</strong>pois e atraz<br />
as baterias <strong>da</strong> artilheria; a<strong>de</strong>ante do carro <strong>da</strong> santa seguiram uma fila <strong>de</strong> séges,<br />
palanques e serpentinas, com senhoras, e duas linhas <strong>de</strong> cavalleiros, trajando vestes<br />
<strong>de</strong> gala; a turba cercava o carro, e logo após este, <strong>de</strong>stacava-se o governador e os<br />
membros <strong>da</strong>s suas casas civil e militar, em primeiro uniforme e cavalgando bons<br />
cavallos. (Vianna, 1905: 31).<br />
Outra <strong>de</strong>scrição, mais <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>, é a do cônego Castro Nery:<br />
A força militar era segui<strong>da</strong> pelos vereadores <strong>da</strong> Câmara, pelas autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s, e<br />
pelo palanquim a cujos lados iam o capitão-mór e o vigário geral. Bem no centro,<br />
cavaleiros fi<strong>da</strong>lgos <strong>de</strong> casacão preto e chapéus <strong>de</strong> três bicos, formavam alas por <strong>de</strong>ixar<br />
passar as seges-palanque, na almofa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s quais com manto <strong>de</strong> tafetá, roupetilha e<br />
vasquinha <strong>de</strong> veludo alaranjado as gran<strong>de</strong>s <strong>da</strong>mas paraenses ondulavam à mercê dos<br />
solavancos. No fecho do imenso cortejo, acompanhado pelo Capitão Geral e todos os<br />
membros <strong>da</strong> casa civil e militar, bem como <strong>de</strong> uma enorme massa <strong>de</strong> brancos, cafusos<br />
e índios, vinha o velho coche do bispo, on<strong>de</strong> o Arcipreste José Monteiro Noronha, com<br />
11 Com a Proclamação <strong>da</strong> República o <strong>Círio</strong> passou a sair <strong>da</strong> Catedral <strong>de</strong> Belém.<br />
22
a gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> conveniente a tal ato, carregava a Imagem <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>,<br />
que ia ser solenemente entroniza<strong>da</strong> na Ermi<strong>da</strong> (Castro Nery apud Dubois, 1953: 59).<br />
Vianna e Dubois relatam que 1.932 sol<strong>da</strong>dos acompanharam esse<br />
primeiro <strong>Círio</strong> 12 . Das <strong>de</strong>scrições emerge um espetáculo marcado pela exibição<br />
do po<strong>de</strong>r e <strong>da</strong> elite, pela nota marcial, pelo or<strong>de</strong>namento, pela distribuição<br />
hierarquiza<strong>da</strong> <strong>de</strong> lugares no espaço <strong>da</strong> manifestação.<br />
Segundo Coelho (1998), o cortejo criado pelo governador em Belém foi<br />
<strong>de</strong>calcado no <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> <strong>da</strong> Prata Gran<strong>de</strong>, que se<br />
realizava em Portugal, no século XVIII e que ele certamente conhecia. Era um<br />
círio rico, do qual participavam eventualmente até os reis, com ban<strong>da</strong>s, carros<br />
para foguetes e fogos e para conduzir crianças vesti<strong>da</strong>s <strong>de</strong> anjinhos, berlin<strong>da</strong><br />
com a imagem <strong>da</strong> Santa. Na subi<strong>da</strong> ao alto do sítio on<strong>de</strong> ficava a igreja <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong>, havia ca<strong>de</strong>iras e liteiras para conduzir as pessoas mais importantes,<br />
enquanto a maioria dos peregrinos seguia a pé. O <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> Prata Gran<strong>de</strong> era<br />
sustentado por um compromisso escrito que, em 1732, reuniu 17 freguesias em<br />
confraria. A ca<strong>da</strong> ano, uma <strong>da</strong>s freguesias tinha a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar<br />
a procissão.<br />
Já estava supera<strong>da</strong>, então, a espontanei<strong>da</strong><strong>de</strong> dos primitivos círios<br />
portugueses do início do século XVII, dos quais <strong>de</strong>ixou um rico relato o padre<br />
Manuel <strong>de</strong> Brito Alão, (apud Penteado, 1998). Eles juntavam grupos <strong>de</strong><br />
pessoas em peregrinação ao santuário <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, a maioria camponeses.<br />
Posteriormente, as velas <strong>de</strong> cera que levavam, os círios, passaram a<br />
<strong>de</strong>nominá-los.<br />
12 O que mostra como era forte a presença militar em Belém, reflexo <strong>da</strong> posição estratégica <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, base <strong>da</strong><br />
conquista lusitana na Amazônia, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no século anterior para consoli<strong>da</strong>r a <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> região contra o assédio <strong>de</strong><br />
expedições inglesas, francesas , espanholas e holan<strong>de</strong>sas.<br />
23
Nas feiras e tabernas em volta do santuário <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> havia muita<br />
diversão e transgressão, especialmente nos festejos profanos noturnos: jogos,<br />
toura<strong>da</strong>s, mascarados, fogos e sensuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, fartura <strong>de</strong> comi<strong>da</strong> e bebi<strong>da</strong>.<br />
E, segundo Penteado, embora o padre Brito Alão dissesse que não havia<br />
representações profanas no interior do templo, isso foi confirmado pelo<br />
visitador do Arcebispado <strong>de</strong> Lisboa que, em 1638, falava do gran<strong>de</strong> escân<strong>da</strong>lo<br />
que resultou <strong>de</strong> se fazerem <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> igreja comedias profanas com gran<strong>de</strong><br />
estrondo e <strong>de</strong>scomposição e arranquamento <strong>de</strong> espa<strong>da</strong>s (Penteado, 1998:<br />
180).<br />
Só no século XVIII os círios <strong>de</strong> Portugal passariam a conduzir imagens<br />
<strong>da</strong> Virgem. Nos primórdios, as ofertas eram bolos, trigo, as primícias <strong>da</strong><br />
colheita, e a Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> era associa<strong>da</strong> aos ritos <strong>de</strong> fertili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
origem pagã (Coelho, 1998). Já existia também o costume <strong>de</strong> peregrinar<br />
<strong>de</strong>scalço e <strong>de</strong> levar ao santuário muletas, mortalhas, tábuas <strong>de</strong> naufrágios e<br />
também partes do corpo feitas <strong>de</strong> cera, os ex-votos, que podiam ser <strong>de</strong> prata,<br />
caso o miraculado fosse pessoa <strong>de</strong> posses.<br />
Vários <strong>de</strong>sses hábitos dos círios lusitanos do século XVII po<strong>de</strong>m ser<br />
encontrados no <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> Belém do Pará, especialmente o pé <strong>de</strong>scalço como<br />
forma <strong>de</strong> penitência ou promessa e os ex-votos. Outros, como a oferen<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
tábuas votivas com pinturas que reproduziam os milagres, não se tornaram<br />
expressivos aqui, embora Kid<strong>de</strong>r (1972) se refira a uma pintura tosca<br />
registrando aparição <strong>da</strong> Virgem a um doente, vista por ele na igreja <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong> 13 .<br />
13 Esse hábito aparece em outras ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s brasileiras, como em Angra dos Reis, Estado do Rio, on<strong>de</strong> 75<br />
pinturas representando milagres foram recentemente recupera<strong>da</strong>s para compor o acervo do Museu <strong>de</strong><br />
24
A mu<strong>da</strong>nça nos círios portugueses, verifica<strong>da</strong> no século XVIII,<br />
especialmente o cerceamento <strong>de</strong> suas manifestações profanas, representou<br />
uma vitória dos controles religioso e civil que, segundo Coelho (1998) foram<br />
constantes e produziram efeitos diretos e profundos. Também esse embate<br />
her<strong>da</strong>mos: na história do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> Belém verificam-se reações dos meios<br />
eclesiásticos, intelectuais e governamentais contra formas <strong>de</strong> expressão <strong>da</strong><br />
religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> popular.<br />
Moreira (1971), num pequeno e significativo ensaio, inaugura o estudo<br />
do <strong>Círio</strong> como fenômeno social e mostra como as culturas do colonizador e do<br />
colonizado se amalgamaram na festa:<br />
(...) tanto o <strong>Círio</strong> como a festivi<strong>da</strong><strong>de</strong> foram originariamente “caboclos”, como<br />
“cabocla” foi também a Cabanagem 14 , o maior movimento <strong>de</strong> reivindicação político-<br />
social do Estado. Mas enquanto na Cabanagem esse caboclismo tomou uma feição<br />
ferozmente anti-lusitana, no <strong>Círio</strong> ele se traduziu apenas em termos <strong>de</strong> fé, adotando<br />
inclusive o que o português trouxe em reforço <strong>de</strong>ssa fé. O mesmo caboclismo que se<br />
revelou hostil ao colonizador no plano político, mostrou-se receptivo à sua influência no<br />
plano religioso. (Moreira, 1971: 7-8).<br />
Muitos dos elementos do <strong>Círio</strong> se modificaram ou <strong>de</strong>sapareceram nos<br />
dois séculos <strong>de</strong> existência. O mais recente acréscimo à romaria é o Carro <strong>de</strong><br />
Plácido, uma alegoria ao achado <strong>da</strong> imagem, para comemorar os 300 anos do<br />
início <strong>da</strong> <strong>de</strong>voção, comemorados em 2000.<br />
Rocque (1981) registra, cronologicamente, a introdução e a retira<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
diversos elementos <strong>da</strong> romaria <strong>de</strong> Belém do Pará, quase todos <strong>de</strong> inspiração<br />
portuguesa, como se verifica pelas <strong>de</strong>scrições dos círios portugueses dos<br />
Artes Sacras e reuni<strong>da</strong>s numa publicação (Pessoa, José, org. Milagres : Os ex-votos <strong>de</strong> Angra dos Reis.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>da</strong> Palavra, 2001).<br />
14 A Cabanagem foi um movimento que reivindicava basicamente a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e marcou a história do Pará<br />
durante o período <strong>da</strong> In<strong>de</strong>pendência do Brasil, tendo sido a única insurreição popular brasileira que<br />
chegou ao po<strong>de</strong>r. Eclodiu em 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1835 e foi ferozmente reprimi<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> 1836 pelo<br />
25
séculos XVII e XVIII. O governador Souza Coutinho inaugurou o costume <strong>de</strong><br />
levar um gran<strong>de</strong> círio aceso, importado <strong>de</strong> Portugal. Até hoje, <strong>de</strong>votos levam<br />
velas acesas na Trasla<strong>da</strong>ção e, na romaria do domingo, carregam círios, que<br />
raramente acen<strong>de</strong>m, entregando-os nos carros <strong>de</strong> promessas ou na igreja, ao<br />
final <strong>da</strong> romaria.<br />
Em 1803 a romaria ganhou o primeiro carro, alegórico ao milagre <strong>de</strong><br />
dom Fuas Roupinho, nobre português que <strong>de</strong>ra gran<strong>de</strong> impulso à <strong>de</strong>voção<br />
nazarena em Portugal, ao ser salvo, por intercessão <strong>da</strong> Virgem, <strong>de</strong> cair num<br />
penhasco quando perseguia um veado, que seria o <strong>de</strong>mônio, atraindo-o para a<br />
morte. Esse episódio é uma espécie <strong>de</strong> milagre fun<strong>da</strong>dor na crônica dos<br />
milagres <strong>da</strong> Virgem <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> e sua alegoria foi introduzi<strong>da</strong> por or<strong>de</strong>m <strong>da</strong><br />
rainha <strong>de</strong> Portugal, d. Maria I, para lembrar a origem lusitana do culto que se<br />
<strong>de</strong>senvolvia na colônia. O Carro dos Milagres, como é chamado, sai às ruas<br />
até hoje.<br />
Em 1826, aconteceu outra intervenção oficial na romaria. O presi<strong>de</strong>nte<br />
<strong>da</strong> província <strong>de</strong>terminou que um carro, imitando um castelo com ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong><br />
nações católicas, abrisse o <strong>Círio</strong>, soltando fogos <strong>de</strong> artifício, para anunciar a<br />
aproximação do cortejo e guiar os que conduziam a berlin<strong>da</strong>, quanto à posição<br />
do início <strong>da</strong> romaria ou cabeça do <strong>Círio</strong>. Esse carro, puxado por bois, substituiu<br />
os clarins marciais. Foi suprimido em 1983, por razões <strong>de</strong> segurança.<br />
O <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 1855, ano <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> cólera em Belém,<br />
trouxe o hoje <strong>de</strong>saparecido anjo Custódio, a filha <strong>de</strong> um vice-presi<strong>de</strong>nte que<br />
po<strong>de</strong>r central, num genocídio que <strong>de</strong>ixou 30 mil mortos. É rara e escassamente menciona<strong>da</strong> nos<br />
livros <strong>de</strong> História do Brasil.<br />
26
pagava promessa monta<strong>da</strong> em um cavalo branco, la<strong>de</strong>a<strong>da</strong> por dois cavaleiros<br />
vestidos à romana.<br />
A nota marinha, reflexo remoto <strong>da</strong> influência lusitana, segundo Moreira<br />
(1971) 15 , surgiu também naquele ano, quando o escaler <strong>de</strong> um brigue<br />
português, o São João Batista, no qual se salvaram 12 náufragos na rota <strong>de</strong><br />
Belém a Lisboa, nove anos antes, é conduzido na romaria. Esse escaler<br />
transportara a imagem <strong>da</strong> Santa para o navio, quando foi a Portugal para ser<br />
encarna<strong>da</strong>. Os náufragos prometeram carregá-lo na romaria, mas, por<br />
proibição <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s civis, militares e eclesiásticas, limitaram-se a<br />
<strong>de</strong>positá-lo na ermi<strong>da</strong>. Para o povo, a epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> cólera foi um castigo pelo<br />
voto não cumprido. Por or<strong>de</strong>m do novo presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> província, o bote foi<br />
incorporado à procissão, com 12 crianças vesti<strong>da</strong>s <strong>de</strong> marinheiros a bordo e<br />
<strong>de</strong>pois substituído por uma miniatura do brigue.<br />
Desse escaler originou-se a maruja<strong>da</strong>, filas <strong>de</strong> homens vestidos <strong>de</strong><br />
marinheiros, que conduziam canoas como a "Arara", "Chiquinha", "Esperança"<br />
e outras, cheias <strong>de</strong> crianças, <strong>de</strong>slocando-se ao apito <strong>de</strong> um "chefe", gingando<br />
como se estivessem no mar. A maruja<strong>da</strong> <strong>de</strong>sapareceu em 1926, no segundo<br />
gran<strong>de</strong> conflito do <strong>Círio</strong>, mas permanece na procissão o costume <strong>da</strong>s barcas,<br />
que hoje são cinco, conduzem crianças vesti<strong>da</strong>s <strong>de</strong> anjo e recolhem ex-<br />
votos. Crianças assim caracteriza<strong>da</strong>s seguem também no Carro dos Anjos,<br />
alegoria cria<strong>da</strong> especialmente para elas, mas os “anjinhos” são incontáveis em<br />
to<strong>da</strong> a romaria, geralmente bem pequenos, até <strong>de</strong> colo.<br />
15 Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> é protetora dos homens do mar. <strong>Nazaré</strong>, em Portugal, centro irradiador do<br />
culto, é uma al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pescadores. Esse aspecto <strong>da</strong> <strong>de</strong>voção se conservou na Amazônia, on<strong>de</strong> o rio é<br />
um caminho natural.<br />
27
A cor<strong>da</strong> dos promesseiros surgiu por acaso e em <strong>da</strong>ta incerta 16 . Sua<br />
primeira função foi utilitária: a berlin<strong>da</strong>, espécie <strong>de</strong> pequeno coche envidraçado<br />
on<strong>de</strong> é conduzi<strong>da</strong> a imagem, substituíra o carro primitivo, mas ain<strong>da</strong> era<br />
puxa<strong>da</strong> por bois. Vencer o trecho do Ver-o-Peso 17 , inun<strong>da</strong>do pela enchente <strong>da</strong><br />
baía <strong>de</strong> Guajará, era sempre um problema, naquele ano resolvido com a idéia<br />
<strong>de</strong> envolver a berlin<strong>da</strong> numa gran<strong>de</strong> cor<strong>da</strong>, puxa<strong>da</strong> pelo povo, no lugar dos<br />
bois, transpondo-se mais facilmente o atoleiro. A cor<strong>da</strong>, contribuição<br />
genuinamente popular à romaria, só foi oficializa<strong>da</strong> pela diretoria <strong>da</strong> festa em<br />
1868, numa reforma <strong>da</strong> romaria que incluiu a retira<strong>da</strong> <strong>de</strong>finitiva dos bois e<br />
também a restrição a cavaleiros, carros e foguetes.<br />
As medi<strong>da</strong>s agra<strong>da</strong>ram ao povo, mas <strong>de</strong>sagra<strong>da</strong>ram aos que viram<br />
nelas um empobrecimento do cortejo. Noticiário <strong>de</strong> O Diário do Gram-Pará <strong>de</strong><br />
12 <strong>de</strong> outubro <strong>da</strong>quele ano (apud Rocque, 1981:46-47), <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a nova feição<br />
<strong>da</strong> romaria, criticando os <strong>da</strong>ndis <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>, esforçando-se para agra<strong>da</strong>r pela<br />
elegância as bel<strong>da</strong><strong>de</strong>s que costumavam exibir-se no <strong>Círio</strong>.<br />
A Figura 2 mostra o <strong>Círio</strong> a partir do atrelamento <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> à berlin<strong>da</strong>.<br />
Mas o que a figura retrata é, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, um posicionamento que só se verifica<br />
nessa representação i<strong>de</strong>al, porque o volume <strong>de</strong> acompanhantes <strong>da</strong> romaria<br />
subverte o <strong>de</strong>senho or<strong>de</strong>nado. No esquema apresentado, a cabeça do <strong>Círio</strong><br />
está mais ou menos na meta<strong>de</strong> <strong>da</strong> aveni<strong>da</strong> Presi<strong>de</strong>nte Vargas, quando a<br />
berlin<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> se encontra no início do Boulevard. O que acontece, a partir dos<br />
anos 90, quando o <strong>Círio</strong> registra enorme crescimento, é que o início <strong>da</strong><br />
procissão chega ao ponto final com até quatro horas <strong>de</strong> antecedência <strong>da</strong><br />
16 Rocque (1981) dá como marco do uso <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> o ano <strong>de</strong> 1855.<br />
28
erlin<strong>da</strong>. Como a imagem <strong>da</strong> santa é segui<strong>da</strong> por gran<strong>de</strong> multidão, po<strong>de</strong>-se<br />
afirmar que, <strong>da</strong> cabeça do <strong>Círio</strong> ao começo <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, concentra-se apenas 1/3<br />
dos acompanhantes <strong>da</strong> romaria.<br />
Esse 1/3 tem uma participação marcante <strong>de</strong> jovens, estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong><br />
colégios <strong>de</strong> Belém, que seguem uniformizados conduzindo ban<strong>de</strong>iras ou em<br />
pelotões que, apesar do nome, não tem formação militariza<strong>da</strong>. Os estu<strong>da</strong>ntes<br />
também seguem com os carros <strong>da</strong> romaria, recebendo ex-votos e assistindo<br />
as crianças que vão nos carros dos anjos. Também é consi<strong>de</strong>rável, nesse<br />
segmento, o número <strong>de</strong> pessoas idosas ou com dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção e<br />
famílias com crianças, que evitam as proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, lugar <strong>de</strong> perigo,<br />
não apenas simbólico, ritual, mas o perigo real, iminente (Maués, 1995:451).<br />
17 O Ver-o-Peso, no centro <strong>de</strong> Belém, é um conjunto que reúne prédios históricos, mercados e a maior<br />
feira ao ar livre <strong>da</strong> América Latina, com duas mil barracas on<strong>de</strong> são vendidos alimentos e produtos<br />
naturais e industrializados <strong>da</strong> Amazônia.<br />
29
FIGURA 2<br />
30
O carnaval <strong>de</strong>voto<br />
Puxar a cor<strong>da</strong> <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> é, entre as formas <strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong><br />
promessas, a que mais exprime sacrifício e <strong>de</strong>spojamento, e, como lugar<br />
sagrado <strong>de</strong> penitência e gratidão, é que ela persiste até hoje. O sentido prático<br />
<strong>da</strong> origem não existe mais, pois a berlin<strong>da</strong> é facilmente maneja<strong>da</strong> pela Guar<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> 18 quando <strong>de</strong>satrela<strong>da</strong> <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, o que tem sido<br />
bastante freqüente, em especial nos últimos <strong>de</strong>z anos (ver Capítulo 5).<br />
Também não se po<strong>de</strong> mais dizer que, a rigor, ela seja a separação<br />
entre o núcleo <strong>da</strong> romaria formado pelos que vão próximos à berlin<strong>da</strong>, ou seja,<br />
o clero e os convi<strong>da</strong>dos, e a massa <strong>de</strong> acompanhantes, como registra Alves<br />
(1980) num estudo antropológico sobre o <strong>Círio</strong> 19 . Alves observou os <strong>Círio</strong>s <strong>de</strong><br />
1974 a 1976 e, naqueles anos, constituía-se sinal <strong>de</strong> status acompanhar o <strong>Círio</strong><br />
no interior <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, com o crachá <strong>de</strong> convi<strong>da</strong>do que i<strong>de</strong>ntificava autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e<br />
pessoas bem posiciona<strong>da</strong>s socialmente.<br />
As autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s militares <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> acompanhar a romaria nesse núcleo em 1981. A<br />
presença oficial no acompanhamento <strong>da</strong> romaria diminuiu e o último gran<strong>de</strong> afluxo <strong>de</strong><br />
autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s foi em 1985, quando o presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República José Sarney e o governador Ja<strong>de</strong>r<br />
Barbalho acompanharam o <strong>Círio</strong> com as respectivas esposas. A partir <strong>de</strong>sse ano, as<br />
autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s raramente acompanham to<strong>da</strong> a romaria, preferindo assistir à passagem <strong>de</strong>la,<br />
<strong>de</strong> pontos bem situados no trajeto. Em 1988, a diretoria <strong>da</strong> festa eliminou os crachás <strong>de</strong><br />
convi<strong>da</strong>dos especiais na cor<strong>da</strong>.<br />
Por causa do gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> acompanhantes <strong>da</strong> procissão e <strong>de</strong><br />
promesseiros na cor<strong>da</strong>, que mais comprimem do que protegem os que vão no<br />
interior <strong>de</strong>la, mesmo membros do clero nem sempre fazem integralmente o<br />
18 A Guar<strong>da</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> foi cria<strong>da</strong> em 1974 e <strong>de</strong>la só po<strong>de</strong>m fazer parte homens<br />
maiores <strong>de</strong> 20 anos, reconheci<strong>da</strong>mente católicos. Ela atua na Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> e em todos os atos<br />
religiosos <strong>da</strong> Festa <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. Sua criação afastou dos atos <strong>de</strong> culto os pais <strong>de</strong> santo que até então<br />
participavam, inclusive puxando a berlin<strong>da</strong> (Alves, 1980).<br />
19 A dissertação <strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong> Alves foi a primeira sobre o <strong>Círio</strong>. A segun<strong>da</strong> <strong>de</strong> que tenho conhecimento<br />
foi <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong> em 1999, pelo paraense Carlos Teixeira, na PUC <strong>de</strong> São Paulo, no Mestrado em<br />
Comunicação e Semiótica, sob o título "<strong>Círio</strong>: a construção <strong>de</strong> um texto cultural através <strong>da</strong> semiosfera<br />
amazônica".<br />
31
percurso. Em 1989, o então arcebispo <strong>de</strong> Olin<strong>da</strong> e Recife, dom Hél<strong>de</strong>r Câmara,<br />
quase foi esmagado na saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> Sé e isso já aconteceu com outros religiosos<br />
idosos, o que, segundo o padre José Ramos Mercês, em um <strong>de</strong> seus<br />
comentários durante a transmissão do <strong>Círio</strong> pela TV Liberal em 2000,<br />
<strong>de</strong>sencoraja a Arquidiocese a convi<strong>da</strong>r religiosos <strong>de</strong> fora do Estado para o<br />
<strong>Círio</strong>.<br />
Tudo isso mostra a falta <strong>de</strong> funcionali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> e tudo isso ressalta<br />
seu significado simbólico, uma vez que ela se apresenta, a ca<strong>da</strong> ano, mais<br />
toma<strong>da</strong> por promesseiros:<br />
Simbólica e materialmente, a Cor<strong>da</strong> encerra gran<strong>de</strong> significação no<br />
contexto <strong>da</strong> procissão, pois é o traço <strong>de</strong> união entre o povo e a imagem <strong>da</strong> Santa,<br />
razão pela qual, não obstante as tentativas <strong>de</strong> suprimi-la, ela continua sendo uma <strong>da</strong>s<br />
constantes <strong>da</strong> procissão. É nela que resi<strong>de</strong> o ponto crítico <strong>da</strong>s relações entre as<br />
autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s eclesiásticas e os <strong>de</strong>votos. (Moreira, 1971: 20)<br />
Mesmo quando a cor<strong>da</strong> é <strong>de</strong>sliga<strong>da</strong> <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>, a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> ligação<br />
material não implica na per<strong>da</strong> <strong>da</strong> ligação simbólica, tanto que ela é conduzi<strong>da</strong><br />
até o ponto final <strong>da</strong> romaria 20 . Quando a cor<strong>da</strong> é <strong>de</strong>posta no altar <strong>da</strong> Santa, há<br />
sempre em clima triunfal, com "vivas" e orações. Os promesseiros se dão as<br />
mãos e rezam o Padre<br />
Nosso antes <strong>de</strong> cortar pe<strong>da</strong>ços <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> que levam como lembranças e aos<br />
quais muitos atribuem proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s curativas.<br />
A penitência <strong>de</strong>sses promesseiros começa às 2 ou 3 horas <strong>da</strong><br />
madruga<strong>da</strong>, quando é preciso estar no local on<strong>de</strong> a cor<strong>da</strong> é atrela<strong>da</strong> à berlin<strong>da</strong><br />
20 Parece-me bastante significativo o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Carlos Alberto Ramos Lacer<strong>da</strong>, que ouvi em 1999,<br />
quando a cor<strong>da</strong> chegou ao CAN duas horas após o encerramento do <strong>Círio</strong> Há 22 anos ele paga<br />
promessa e faz parte do grupo Amigos <strong>da</strong> Cor<strong>da</strong>, um dos muitos que se encontram no <strong>Círio</strong>: Esses<br />
prédios todinhos não abandonaram a gente. Jogavam papel e balão, aplaudiam, cantavam Nossa<br />
32
(ver Fig. 2) para conseguir um lugar. Homens e mulheres, <strong>de</strong>scalços,<br />
concentram-se ao lado <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> circular <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 400 metros e duas<br />
polega<strong>da</strong>s <strong>de</strong> espessura, coloca<strong>da</strong> no meio <strong>da</strong> rua e vigia<strong>da</strong> pela Polícia<br />
Militar. A rua estreita dificulta a movimentação dos promesseiros e não adianta<br />
tentar marcar lugares, porque antes <strong>da</strong> romaria sair, às 7 <strong>da</strong> manhã, a cor<strong>da</strong> já<br />
está sendo disputa<strong>da</strong> por milhares <strong>de</strong> pessoas. Quando é ergui<strong>da</strong>, oscila<br />
violentamente nas mãos <strong>da</strong> multidão. Há choro, gritos, discussões. Muitos<br />
per<strong>de</strong>m a batalha lá mesmo: caem, são pisoteados, <strong>de</strong>smaiam, são retirados.<br />
Quando finalmente a caminha<strong>da</strong> começa, os promesseiros já estão banhados<br />
<strong>de</strong> suor, machucados, <strong>de</strong>scompostos.<br />
Esses promesseiros, reconhecidos pela população como uma categoria<br />
especial <strong>de</strong> <strong>de</strong>votos, possuem sentimentos como a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>, coragem, fé<br />
e o orgulho <strong>de</strong> estar ligado simbolicamente à Santa e cumprir promessa no<br />
“local <strong>de</strong> perigo”, com extremo <strong>de</strong>sgaste físico, sendo portanto credores do<br />
respeito, <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> admiração que lhes testemunham os <strong>de</strong>mais<br />
acompanhantes do <strong>Círio</strong>, como é confirmado por Alves (1980).<br />
É na cor<strong>da</strong>, também, que se expressa o mito <strong>da</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nela, ocorre<br />
uma momentânea suspensão <strong>da</strong>s diferenças sociais na mistura dos corpos<br />
penitentes que participam do ritual. Os promesseiros se <strong>de</strong>spojam não apenas<br />
dos sapatos, mas principalmente <strong>de</strong> seus títulos e funções na vi<strong>da</strong> civil. Essa<br />
igual<strong>da</strong><strong>de</strong> permite o contato e a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> entre pessoas <strong>de</strong> mundos<br />
separados no dia-a-dia, o que remete a Bakhtin (1999: 8-9) quando ele vê o<br />
carnaval e outras festas populares e públicas como o único lugar on<strong>de</strong> se dá a<br />
Senhora para nós. A gente dizia uns para os outros: 'A nossa fé é a Santa e a cor<strong>da</strong>. A Santa nós<br />
per<strong>de</strong>mos, mas a cor<strong>da</strong> não vamos per<strong>de</strong>r, não!<br />
33
elação <strong>da</strong> festa com os fins superiores <strong>da</strong> existência humana (do mundo dos<br />
i<strong>de</strong>ais), a ressurreição e a renovação.<br />
Como analisa o autor, a festa popular era, na I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média, a forma que<br />
o povo encontrava <strong>de</strong>, temporariamente, penetrar na utopia <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
igual<strong>da</strong><strong>de</strong> e abundância, rompendo com a <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> consagra<strong>da</strong> na festa<br />
oficial, on<strong>de</strong> a hierarquia persistia. A percepção carnavalesca do mundo, na<br />
visão <strong>de</strong> Bakhtin, permite a experiência <strong>de</strong> um autêntico humanismo, no qual o<br />
indivíduo parecia dotado <strong>de</strong> uma segun<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que lhe permitia estabelecer<br />
relações novas, ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente humanas, com os seus semelhantes.<br />
A partir dos anos 80 do século XX, a cor<strong>da</strong> tem sido acusa<strong>da</strong> como fator<br />
<strong>de</strong> atraso <strong>da</strong> romaria, e inclusive <strong>de</strong> impedir o <strong>de</strong>slocamento <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>. A<br />
Igreja <strong>de</strong>sencoraja o extremo sacrifício físico e recomen<strong>da</strong> promessas que não<br />
envolvam tanto <strong>de</strong>sgaste para os fiéis. Padre Francisco Silva, pároco <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong> e presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> diretoria <strong>da</strong> Festa, mesmo afirmando que a Igreja não<br />
preten<strong>de</strong> acabar com a cor<strong>da</strong>, disse, em entrevista à revista Troppo<br />
(Neto,1999:16-21)), que o esforço que se faz ali é, muitas vezes, sobre-<br />
humano. E a Igreja não quer que seus fiéis se machuquem. Temos que ter<br />
sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> com os que se exaurem na cor<strong>da</strong>. Ele afirma, ain<strong>da</strong>, que os<br />
promesseiros vão enten<strong>de</strong>r que a cor<strong>da</strong>, <strong>de</strong>vido à quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> exagera<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
pagadores <strong>de</strong> promessas, um dia vai per<strong>de</strong>r sua finali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A cor<strong>da</strong> é do povo<br />
e a ele cabe a <strong>de</strong>cisão.<br />
No ano <strong>de</strong> 2001, o novo coor<strong>de</strong>nador do <strong>Círio</strong>, João Maroja (2001:6),<br />
com base na observação e cronometragem realiza<strong>da</strong>s pela diretoria <strong>da</strong> Festa<br />
durante o <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 2000, absolve a cor<strong>da</strong> <strong>da</strong>s acusações, apontando, em<br />
entrevista ao jornal O Liberal, um novo fator para a lentidão <strong>da</strong> romaria:<br />
34
(...) a cor<strong>da</strong> é o que menos contribui para este resultado, já que o gran<strong>de</strong><br />
problema para o <strong>de</strong>senvolvimento regular <strong>da</strong> romaria pren<strong>de</strong>-se, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, às<br />
homenagens, e <strong>de</strong> modo especial às pessoas que se postam diante <strong>da</strong>s<br />
instituições para assisti-las, funcionando como uma barreira humana que impe<strong>de</strong> e<br />
dificulta o fluxo normal <strong>da</strong> procissão.<br />
A título <strong>de</strong> esclarecimento, <strong>de</strong>ve-se assinalar que às tradicionais<br />
homenagens com queimas <strong>de</strong> fogos à passagem <strong>da</strong> Santa, pelos sindicatos<br />
ligados à área marítima, no Ver-o-Peso, juntaram-se <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> outras, em<br />
especial a partir dos anos 90 do século XX. Essas homenagens são presta<strong>da</strong>s<br />
por bancos <strong>da</strong> aveni<strong>da</strong> Presi<strong>de</strong>nte Vargas, centro financeiro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, e<br />
outras instituições públicas e priva<strong>da</strong>s, com chuvas <strong>de</strong> papel picado, balões,<br />
apresentações <strong>de</strong> cantores e músicos, flores joga<strong>da</strong>s <strong>de</strong> helicópteros e, <strong>de</strong><br />
2000 para cá, até com equipes <strong>de</strong> rappel que abrem faixas alusivas ao <strong>Círio</strong> na<br />
pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> um prédio quando a Santa passa.<br />
Essas iniciativas, naturalmente, contêm o <strong>de</strong>sejo <strong>da</strong> visibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
institucional proporciona<strong>da</strong> pela romaria, mas, por outro lado, po<strong>de</strong>m ser vistas<br />
como acréscimos ao espetáculo, típicos do contemporâneo. São atrações<br />
paralelas apenas no sentido estrito do termo, porque, acontecendo durante a<br />
passagem <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>, passam a integrar o <strong>Círio</strong>. A romaria, que incluía<br />
batalhões <strong>de</strong> ciclistas, bombeiros e carruagens, no início do século, hoje é<br />
quase somente multidão e qualquer acréscimo ou performance só tem espaço<br />
no alto ou lateralmente, nos prédios do trajeto, como acontece com essas<br />
homenagens.<br />
O <strong>de</strong>staque à questão <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, neste texto, tem a ver com sua<br />
reconheci<strong>da</strong> importância <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> romaria mas principalmente porque é<br />
através <strong>de</strong>la que se materializam hoje os principais conflitos do <strong>Círio</strong>, na<br />
35
atualização <strong>da</strong>s tentativas <strong>de</strong> controle eclesiástico ou social sobre as<br />
manifestações <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> popular.<br />
Verifica-se a centrali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> em todo o material veiculado sobre o<br />
<strong>Círio</strong>. Em 1999, a diretoria <strong>da</strong> Festa colocou à ven<strong>da</strong> como souvenir, na<br />
Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, pe<strong>da</strong>ços <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> montados sobre um suporte <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
com um texto que a classifica como um dos maiores símbolos do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong>. A pesquisa do Ipar atesta que, após a berlin<strong>da</strong>, a cor<strong>da</strong> é o elemento<br />
mais essencial no <strong>Círio</strong> para 85,9% dos entrevistados.<br />
Sempre se verificaram restrições ao comportamento popular no <strong>Círio</strong>,<br />
não apenas por parte <strong>da</strong> hierarquia religiosa, mas também <strong>de</strong> intelectuais como<br />
Arthur Vianna e José Veríssimo. Vianna (1905:32-33) aponta o atropelo e a<br />
aglomeração pouco <strong>de</strong>centes dos homens e mulheres <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> e a terrível<br />
maruja<strong>da</strong> que invadiu o préstito, como uma on<strong>da</strong> formidável. Veríssimo<br />
(1970:69) chega a <strong>de</strong>clarar que ar<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>seja a extinção do <strong>Círio</strong> para<br />
honra <strong>de</strong> nossa civilização.<br />
Como mostra Bakhtin (1999:4), já na I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média havia nas festas um<br />
entrelaçamento entre o religioso e o profano, entre o religioso e o carnavalesco.<br />
O autor afirma que quase to<strong>da</strong>s as festas religiosas <strong>da</strong>quele período possuíam<br />
um aspecto cômico, popular e público, consagrado também pela tradição.<br />
A relação entre <strong>Círio</strong> e carnaval surge pela primeira vez na ficção, num<br />
romance do paraense Dalcídio Jurandir :<br />
36
Na manhã do <strong>Círio</strong>, à janela, viu aquela massa meio infrene, numa<br />
espécie <strong>de</strong> carnaval <strong>de</strong>voto, tirando a Santa do seu bom sono na Sé, trazendo-a<br />
na Berlin<strong>da</strong>, como num carro <strong>de</strong> terça-feira gor<strong>da</strong>”(Jurandir, 1960:330-331). 21<br />
37<br />
Ao estu<strong>da</strong>r as festas brasileiras, Da Matta (1997)<br />
inaugura uma perspectiva <strong>de</strong> análise on<strong>de</strong> elementos presentes<br />
na linguagem <strong>de</strong> festas aparentemente opostas, como o<br />
carnaval, as festas <strong>de</strong> santos e cívicas, po<strong>de</strong>m aparecer<br />
combinados numa mesma festa. É o que acontece numa<br />
celebração como o <strong>Círio</strong>, on<strong>de</strong> coexistem a <strong>de</strong>voção, a<br />
informali<strong>da</strong><strong>de</strong> e a <strong>de</strong>scontração, com o sagrado e o profano<br />
operando simultaneamente e sem que o <strong>de</strong>voto os separe. Isso<br />
não quer dizer que o "carnaval <strong>de</strong>voto" paraense se caracterize<br />
por uma inversão total: a festa é religiosa na essência e se volta<br />
para o santo homenageado.<br />
Nessa perspectiva, ao estu<strong>da</strong>r o catolicismo popular no município<br />
paraense <strong>da</strong> Vigia, Maués (1995) observa modos <strong>de</strong> festejar Santo Antônio e<br />
<strong>de</strong> acompanhar o <strong>Círio</strong> local que certamente não são ortodoxos: os pescadores<br />
salvos <strong>de</strong> naufrágios seguem molhados e com vestes sumárias, bebendo,<br />
dizendo palavrões. Nessa mesma linha, Alves (1980) constata no <strong>Círio</strong> <strong>de</strong><br />
Belém a discussão, o “bate-boca” , a conversa informal, a atitu<strong>de</strong> jocosa, o<br />
<strong>de</strong>srespeito à autori<strong>da</strong><strong>de</strong> militar ou policial, o palavrão e o traje “simples” <strong>de</strong><br />
quem vai na cor<strong>da</strong>.<br />
Mas essas atitu<strong>de</strong>s, como observam os dois autores, não comprometem<br />
o sentido maior <strong>da</strong> manifestação religiosa. Segundo Maués:<br />
Essas atitu<strong>de</strong>s são con<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s por muitos, mas, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, são também<br />
espera<strong>da</strong>s como parte dos festejos do santo, assim como as rezas, as la<strong>da</strong>inhas,<br />
as missas, as procissões, o arraial, a festa <strong>da</strong>nçante, as brigas, os namoros e tudo<br />
o mais que compõe uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira festa <strong>de</strong> santo. O catolicismo popular<br />
apresenta, assim, um componente lúdico que lhe é inseparável e que, a <strong>de</strong>speito<br />
<strong>da</strong>s tensões que provoca na sua manifestação, permanece sempre presente, o<br />
que confere à categoria festa uma importância to<strong>da</strong> especial (Maués, 1995: 169).<br />
21 O romance on<strong>de</strong> surge a expressão foi editado cinco anos antes <strong>da</strong> publicação, na Rússia, <strong>da</strong> tese <strong>de</strong><br />
Mikhail Bakhtin sobre Rabelais, que introduz o conceito <strong>de</strong> carnavalização, amplamente usado em<br />
diversas áreas <strong>de</strong> estudo e pesquisa.
Os festejos profanos do <strong>Círio</strong>, concentrados na feira, extinta em 1855, e<br />
mais intensos ain<strong>da</strong> no arraial que a suce<strong>de</strong>u (Salles,1994), sofreram gran<strong>de</strong><br />
modificação. A programação do arraial <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> era veicula<strong>da</strong> com <strong>de</strong>staque<br />
pela imprensa (Montarroyos, [199-]) e, no final do século XIX, fazia Belém<br />
dormir bem mais tar<strong>de</strong> do que hoje em dia no encerramento dos festejos:<br />
Eram 4 ½ <strong>da</strong> manhã quando o largo ficou <strong>de</strong> todo <strong>de</strong>serto. A or<strong>de</strong>m não foi<br />
perturba<strong>da</strong> e inúmeras foram as diversões a que o povo se entregava com<br />
entusiasmo e alegria. É digna <strong>de</strong> encômios a diretoria <strong>da</strong> festivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, que não<br />
poupou esforços para <strong>da</strong>r-lhe todo o brilhantismo possível (Diário <strong>de</strong> Notícias, 10<br />
<strong>de</strong> nov <strong>de</strong> 1891 apud Montarroyos, [199-]: 202)<br />
As diversões visavam crianças, mas principalmente adultos, pelo que se<br />
recolhe <strong>da</strong>s notas <strong>de</strong> cronistas que falavam <strong>da</strong> jogatina no arraial. Havia<br />
<strong>da</strong>nças <strong>de</strong> caráter ou inspiração folclórica, como cordões <strong>de</strong> índios, <strong>de</strong> negros,<br />
<strong>de</strong> mulatas, circos, retretas nos coretos, além do comércio, principalmente <strong>de</strong><br />
comi<strong>da</strong>s típicas.<br />
O arraial é também o berço do chamado teatro nazareno, que chegou a<br />
contar com nove casas <strong>de</strong> exibição para artistas locais e <strong>de</strong> fora. Salles<br />
(1994:404) diz que o teatro passou a fazer parte do arraial em meados do<br />
século XIX e registra seu final em 1970, quando o prefeito <strong>de</strong> Belém, Mauro<br />
Porto, mandou retirar os coretos do Largo <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> 22 , limpar os restos do<br />
Pavilhão <strong>de</strong> Vesta (on<strong>de</strong> aconteciam representações) e manifestou-se contra o<br />
teatro nazareno, que foi extinto por imposição do arbítrio do po<strong>de</strong>r.<br />
Em 1982, a Igreja inaugurou, no lugar do antigo Largo <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> on<strong>de</strong><br />
se instalava o arraial, o Conjunto Arquitetônico <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, uma praça-<br />
santuário, cerca<strong>da</strong> por um gradil, que passou a ser o ponto <strong>de</strong> chega<strong>da</strong> do<br />
38
<strong>Círio</strong> e centro <strong>de</strong> celebrações religiosas, sepultando a memória <strong>de</strong> um espaço<br />
cultural e <strong>de</strong> lazer que teve gran<strong>de</strong> significação na vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> Belém. Hoje,<br />
durante a quadra nazarena, funciona um parque <strong>de</strong> diversões infantis, ao lado<br />
<strong>da</strong> Basílica.<br />
As Questões do <strong>Círio</strong><br />
As tensões no <strong>Círio</strong> foram marca<strong>da</strong>s por três momentos mais agudos no<br />
final do século XIX: a Questão Nazarena (ou <strong>Círio</strong> Civil) em 1877; a Questão <strong>da</strong><br />
Cor<strong>da</strong> (ou <strong>Círio</strong> Reformado) <strong>de</strong> 1926 a 1931; a Questão dos Padres e<br />
Posseiros do Araguaia no início dos anos 80 do século XX,.<br />
A primeira <strong>de</strong>las aconteceu quando o bispo do Pará, dom Antônio <strong>de</strong><br />
Macedo Costa, cancelou o programa religioso <strong>da</strong> festa, por notícias sobre<br />
representações in<strong>de</strong>centes no arraial, veicula<strong>da</strong>s pela imprensa <strong>de</strong> Belém.<br />
Apesar <strong>da</strong> proibição, <strong>de</strong>votos, com apoio <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, abriram a<br />
igreja e entoaram uma la<strong>da</strong>inha que, segundo Rocque (1981) foi<br />
acompanha<strong>da</strong>, em gran<strong>de</strong> recolhimento, por fiéis ajoelhados até na rua, em<br />
frente à ermi<strong>da</strong>.<br />
Os jornais liberais tomaram posição contra o bispo e aconteceu uma<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira "guerra impressa" entre os <strong>de</strong>fensores <strong>da</strong>s duas facções. Em 1878,<br />
a Irman<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> e o presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> província<br />
rebelaram-se contra a proibição do <strong>Círio</strong> por dom Macedo Costa. A procissão e<br />
as novenas na igreja foram realiza<strong>da</strong>s sem a presença <strong>de</strong> padre. Como pano<br />
<strong>de</strong> fundo, a disputa pela posse <strong>da</strong> igreja <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, cuja guar<strong>da</strong> a irman<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
queria manter.<br />
22 Os coretos <strong>de</strong>sapareceram <strong>de</strong> Belém e nem uma ação popular impetra<strong>da</strong> por um advogado paraense<br />
39
O chamado <strong>Círio</strong> Civil continuou, sem registro <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes, e com<br />
apoio do governo provincial, até 1880, quando, com a mediação do próprio<br />
presi<strong>de</strong>nte que havia apoiado anteriormente a irman<strong>da</strong><strong>de</strong>, a diocese ganhou a<br />
posse <strong>da</strong> igreja, que passou a ser oficialmente matriz.<br />
A segun<strong>da</strong> crise aconteceu em 1926, quando dom Irineu Joffily,<br />
arcebispo recém-chegado, reformou o <strong>Círio</strong>, enquadrando a romaria nas<br />
normas <strong>da</strong> Sagra<strong>da</strong> Congregação dos Ritos. Ele assistira à romaria em 1925,<br />
chocado com a “carnavalização” que o povo imprimia ao cortejo. O arcebispo<br />
provocou gran<strong>de</strong> revolta popular ao suprimir a berlin<strong>da</strong> (passando a imagem <strong>da</strong><br />
Santa a ser transporta<strong>da</strong> em andor), a maruja<strong>da</strong> e suas canoas, e<br />
principalmente a cor<strong>da</strong>.<br />
Mais uma vez houve polêmica, violentíssima, pelos jornais. O <strong>Círio</strong><br />
aconteceu como queria o arcebispo, com o apoio do governador Dionísio<br />
Bentes e <strong>de</strong> todos os que sempre haviam con<strong>de</strong>nado os “excessos” do povo. O<br />
próprio chefe <strong>de</strong> polícia foi às ruas coman<strong>da</strong>r a operação para garantir a<br />
procissão, mas houve choques com os romeiros e muitos feridos.<br />
Pela <strong>de</strong>scrição do jornal Folha do Norte (edição <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
1926), verifica-se que o <strong>Círio</strong> per<strong>de</strong>ra suas "louçanias", tornando-se uma<br />
procissão tradicional, com sacerdotes rezando o terço em voz alta, estu<strong>da</strong>ntes<br />
<strong>de</strong> colégios católicos em alas, irman<strong>da</strong><strong>de</strong>s e ligas católicas entoando hinos<br />
religiosos. Com o intuito <strong>de</strong> evitar aglomeração em torno do andor <strong>da</strong> Santa, a<br />
guar<strong>da</strong> civil estabeleceu um cordão <strong>de</strong> isolamento, diz o jornal, registrando a<br />
presença <strong>de</strong> senhoras e cavalheiros e <strong>de</strong> famílias do escol social nas saca<strong>da</strong>s<br />
conseguiu uma explicação oficial sobre o assunto.<br />
40
dos prédios do trajeto, como espectadores <strong>da</strong> romaria (Festa <strong>de</strong> Nazareth...,<br />
1926:1)<br />
Apesar <strong>de</strong> iniciar o texto qualificando a romaria como "majestosa" e logo<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> afirmar que o povo paraense provou mais uma vez <strong>de</strong> maneira<br />
exhuberante, o seu respeito à crença religiosa dos nossos antepassados e o<br />
seu espirito or<strong>de</strong>iro, o jornal narra, <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>mente, correrias estabeleci<strong>da</strong>s no<br />
<strong>de</strong>curso do cirio, causa <strong>de</strong> muitos atropelamentos, contusões, ataques e<br />
syncopes em senhoras e moças, ferimentos, pessoas pisotea<strong>da</strong>s e <strong>de</strong>sistência<br />
<strong>de</strong> acompanhantes fazendo com que o cortejo chegasse mutilado ao arraial <strong>de</strong><br />
Nazareth, sem a concorrencia habitual.<br />
Os espancamentos repercutiram no Senado, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, o que<br />
ajudou a ampliar a luta pela volta do <strong>Círio</strong> tradicional. Mas ela só aconteceu em<br />
1931, no bojo <strong>da</strong>s transformações advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Revolução dos Tenentes, que<br />
mudou muitas estruturas <strong>da</strong> Velha República e também o governo do Pará,<br />
entregue a um interventor, tenente Joaquim Cardoso <strong>de</strong> Magalhães Barata,<br />
que assim iniciava um longo ciclo <strong>de</strong> dominação política no Estado.<br />
Barata, que se tornaria o maior símbolo do mandonismo e do populismo<br />
no Pará, começou sua administração com atos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> alcance popular,<br />
como o congelamento dos aluguéis e a <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong> latifúndios urbanos<br />
e rurais. A volta do <strong>Círio</strong> tradicional foi uma excelente ban<strong>de</strong>ira e ele recusou-<br />
se a usar a polícia para continuar garantindo o <strong>Círio</strong> reformado. Também<br />
comandou gestões com o governo central e o núncio apostólico, capitalizando<br />
a capitulação do arcebispo: voltaram a berlin<strong>da</strong> e a cor<strong>da</strong>, mais curta e<br />
reserva<strong>da</strong> a apenas 50 promesseiros escolhidos pelo interventor e pelo vigário,<br />
homens e mulheres em lados opostos. A maruja<strong>da</strong> <strong>de</strong>sapareceu.<br />
41
A terceira situação <strong>de</strong> conflito no <strong>Círio</strong> aconteceu na transição <strong>da</strong><br />
ditadura militar para a Nova República, tendo como pano <strong>de</strong> fundo a grave<br />
questão agrária na Amazônia. Em 1981, a Polícia Fe<strong>de</strong>ral pren<strong>de</strong>u, em São<br />
Geraldo do Araguaia, os padres franceses Aristi<strong>de</strong>s Camio e Francisco Gouriou<br />
acusados <strong>de</strong> insuflar posseiros (também presos) a uma embosca<strong>da</strong> contra<br />
agentes e funcionários do Getat (Grupo Executivo <strong>de</strong> Terras do Araguaia-<br />
Tocantins).<br />
Os presos vieram transferidos para Belém, on<strong>de</strong> religiosos e leigos<br />
formaram o MLPA (Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia), que<br />
fez uma manifestação silenciosa no <strong>Círio</strong> <strong>da</strong>quele ano, <strong>de</strong>sfilando com faixas e<br />
cartazes na romaria. Ao final do <strong>Círio</strong>, no CAN, houve tumulto quando as faixas<br />
e cartazes foram arrancados e alguns manifestantes espancados pela polícia.<br />
Naquele ano, as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s civis e militares recusaram-se a acompanhar o<br />
<strong>Círio</strong> na cor<strong>da</strong> e até as ban<strong>da</strong>s militares não participaram do cortejo. O<br />
promotor militar Demócrito Noronha, encarregado <strong>da</strong> acusação aos padres e<br />
posseiros, per<strong>de</strong>u o cargo que ocupava na diretoria <strong>da</strong> Festa, <strong>de</strong>stituído pelo<br />
arcebispo <strong>de</strong> Belém, dom Alberto Ramos.<br />
A crise entre a Igreja e o governo teve <strong>de</strong>sdobramentos que incluíram a<br />
<strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> mais religiosos e leigos em São Geraldo. O julgamento dos padres<br />
e posseiros, em 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1982 (todos con<strong>de</strong>nados a penas diversas)<br />
trouxe à ci<strong>da</strong><strong>de</strong> 16 bispos, políticos e sindicalistas, e provocou a ocupação<br />
militar <strong>da</strong>s principais praças <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, com prisão <strong>de</strong> manifestantes e<br />
jornalistas.<br />
No <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 1983, o MLPA continuou seu <strong>de</strong>sfile silencioso (ver 5) e<br />
repetiram-se os confrontos com a Polícia Militar na chega<strong>da</strong> ao CAN. O jornal<br />
42
O Liberal registra que, no sermão ao final <strong>da</strong> romaria, o arcebispo <strong>de</strong> Belém,<br />
dom Alberto Ramos, foi muito aplaudido pela multidão ao mencionar o novo<br />
julgamento dos presos do Araguaia, marcado para o dia 20 <strong>de</strong> outubro <strong>da</strong>quele<br />
ano: Vamos rezar para que Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> ilumine os juizes para<br />
que os nossos inocentes irmãos do Araguaia sejam libertados (D. Alberto pe<strong>de</strong><br />
oração..., 1983,cad. especial:5)<br />
O <strong>Círio</strong> entra no terceiro milênio com a perspectiva <strong>de</strong> ser oficialmente<br />
<strong>de</strong>cretado Patrimônio Cultural do Brasil pelo Ministério <strong>da</strong> Cultura. O Instituto<br />
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional está reunindo a documentação<br />
para o projeto, que po<strong>de</strong> tornar o <strong>Círio</strong> o primeiro evento <strong>de</strong> importância para a<br />
formação cultural do país reconhecido oficialmente pelo governo.<br />
A romaria nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> se realizar em mais <strong>de</strong> dois séculos, apesar<br />
<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as crises, mesmo à revelia <strong>da</strong> Igreja, evi<strong>de</strong>nciando a sua profun<strong>da</strong><br />
inserção na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> paraense, que transcen<strong>de</strong> o aspecto religioso. A<br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> paraense, espezinha<strong>da</strong> em diversos momentos <strong>da</strong> história do<br />
Estado, como registra Valente (1996) ao <strong>da</strong>tar na repressão à Cabanagem o<br />
fim do sentimento <strong>de</strong> paraensismo, (re) afirma-se no <strong>Círio</strong>:<br />
"É um acontecimento para o povo, que ao festejar está expondo nossa<br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. É uma maneira <strong>de</strong> mostrar ' eis a nossa festa, esses são os paraenses,<br />
vejam nossa culinária, nossos hábitos, somos nós' . Não estamos simplesmente<br />
festejando a Santa, estamos festejando nossa própria socie<strong>da</strong><strong>de</strong>" (Maués, 1999).<br />
43
3<br />
A taba e a al<strong>de</strong>ia<br />
global<br />
44
Num livro sugestivamente intitulado O Carnaval <strong>da</strong>s Imagens, Michèle e<br />
Armand Mattelart analisam a formação <strong>da</strong> TV comercial brasileira e a<br />
telenovela, gênero que se torna seu principal produto <strong>de</strong> exportação. Ao<br />
exemplificar a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> relação <strong>da</strong> TV com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira,<br />
através <strong>da</strong> on<strong>da</strong> <strong>de</strong> entusiasmo provoca<strong>da</strong> em setores <strong>da</strong> intelligentsia nacional<br />
pela exibição <strong>de</strong> Roque Santeiro 23 , os autores fazem um preciso comentário:<br />
Se preciso fosse, aí teríamos uma vez mais a prova do espaço social<br />
<strong>de</strong>smedido que ocupa o dispositivo televisivo num país como o Brasil. Esta<br />
competência exorbitante faz com que se possa legitimamente ter a impressão <strong>de</strong><br />
que um <strong>de</strong>terminado Brasil exige hoje <strong>de</strong> sua televisão bem mais do que ela<br />
estruturalmente po<strong>de</strong> oferecer, e ain<strong>da</strong>, que a televisão se encontra invadi<strong>da</strong> por<br />
pedidos e <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong>masiado incomensuráveis para sua condição <strong>de</strong> instituição<br />
do espetáculo com as características políticas, econômicas e técnicas inerentes<br />
(Mattelart, Mattelart: 1989: 131).<br />
Homero Icaza Sanches, iniciador <strong>da</strong> era <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> pesquisas para<br />
audiência na TV Globo, cruzando-as com outras <strong>de</strong> cunho social e cultural para<br />
<strong>de</strong>cidir rumos e sobrevivência <strong>de</strong> programas, especialmente telenovelas, faz<br />
comentário similar ao constatar as expectativas quanto à TV no Brasil:<br />
Num país sub<strong>de</strong>senvolvido, a televisão é culpa<strong>da</strong> e responsabiliza<strong>da</strong><br />
por tudo. Esperamos que ela seja a Igreja, a moral e até a polícia, já que entra em<br />
23 A exibição <strong>de</strong> Roque Santeiro, às vésperas <strong>da</strong> Constituinte e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitos inci<strong>de</strong>ntes com a<br />
Censura, promoveu uma on<strong>da</strong> <strong>de</strong> otimismo em relação à TV, o que fez um intelectual como Muniz<br />
Sodré falar <strong>de</strong> injeção <strong>de</strong> civismo e um escritor como Roberto Drumond dizer que a novela discutia o<br />
que <strong>de</strong>ve ser discutido na Constituinte, segundo os autores, na mesma obra. O otimismo seria frustrado<br />
quando propostas avança<strong>da</strong>s para reduzir po<strong>de</strong>r dos monopólios <strong>de</strong> comunicação fossem <strong>de</strong>rrota<strong>da</strong>s na<br />
Constituinte.<br />
45
todo lugar e é vista por todo mundo. No entanto, esquecemos que ela po<strong>de</strong> ser<br />
<strong>de</strong>sliga<strong>da</strong>, como<br />
ensinou Borjalo... (Sanches Icaza, 2000: 113)<br />
O Brasil lutava para escapar do concerto <strong>da</strong>s nações sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s<br />
quando aqui chegou a televisão, em 1950. Às vésperas <strong>de</strong> inaugurar a primeira<br />
emissora nacional, a PRF-3-TV Difusora <strong>de</strong> São Paulo, Assis Chateaubriand,<br />
alertado <strong>de</strong> que não havia o básico, os receptores, resolveu a questão<br />
patrocinando o contrabando <strong>de</strong> 200 aparelhos dos Estados Unidos (Morais,<br />
1994). Parte foi presentea<strong>da</strong>, parte foi coloca<strong>da</strong> à ven<strong>da</strong> nas lojas e, para que o<br />
paulistano pu<strong>de</strong>sse provar a novi<strong>da</strong><strong>de</strong>, alguns aparelhos foram instalados em<br />
pontos estratégicos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Apesar do impacto, as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s técnicas,<br />
inclusive o pequeno número <strong>de</strong> aparelhos, confinaram a TV, em seus<br />
primórdios, aos dois gran<strong>de</strong>s centros – e mercados - nacionais: Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
e São Paulo.<br />
Na introdução <strong>de</strong> seu clássico História <strong>da</strong> imprensa no Brasil, Nelson<br />
Werneck Sodré (1977:1) afirma que a história <strong>da</strong> imprensa é a própria história<br />
do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalista Essa linha <strong>de</strong> análise seria<br />
retoma<strong>da</strong> por Caparelli (1982: 7) que, ao estu<strong>da</strong>r a TV com base em ampla<br />
pesquisa nacional 24 , <strong>de</strong>fine-a como agente e reflexo <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalista,<br />
uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalista <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, no caso brasileiro. Ao situar a gênese<br />
<strong>da</strong> TV brasileira no momento histórico e econômico mundial, o autor mostra a<br />
emergência <strong>da</strong> atuação <strong>de</strong> multinacionais e conglomerados norte-americanos<br />
nos mercados formados pelos países sub<strong>de</strong>senvolvidos, após a Segun<strong>da</strong><br />
24 Em 1978 a Associação Brasileira <strong>de</strong> Ensino e Pesquisa <strong>da</strong> Comunicação (ABEPEC) juntou 350<br />
pesquisadores em todo o país, numa gran<strong>de</strong> pesquisa sobre as emissoras <strong>de</strong> TV, que abrangia <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
questões <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> e vinculações com grupos diversos até produção <strong>de</strong> programas, questões<br />
técnicas e publicitárias, entre outras, para, finalmente, analisar a significação cultural dos programas<br />
nacionais. O seminário <strong>da</strong> pesquisa não foi realizado, mas os <strong>da</strong>dos são encontrados no livro “Televisão<br />
e capitalismo no Brasil”, <strong>de</strong> Sérgio Caparelli, um dos coor<strong>de</strong>nadores nacionais do trabalho.<br />
46
Guerra Mundial, sendo o Brasil um dos primeiros países <strong>da</strong> América Latina a<br />
reconhecer essa hegemonia.<br />
Ao surgir no Brasil 25 , a televisão copiou não só a legislação do rádio –já<br />
instalado no país <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 20 – mas também seus programas, inserindo<br />
publici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> produtos e adotando o sistema comercial <strong>de</strong> radiodifusão<br />
imitado dos Estados Unidos. Também foi o rádio sua principal fonte <strong>de</strong> mão <strong>de</strong><br />
obra.<br />
Caparelli (1982) divi<strong>de</strong> a evolução <strong>da</strong> TV no Brasil em duas fases,<br />
ambas marca<strong>da</strong>s por oligopólios. A primeira vai do surgimento <strong>da</strong> TV até 1964<br />
e é a fase <strong>de</strong> Assis Chateaubriand e seus Diários e Emissoras Associados. A<br />
segun<strong>da</strong>, <strong>de</strong> 1964 em diante, é a fase <strong>da</strong> TV Globo. As duas fases tiveram<br />
representantes no Pará: a TV Marajoara (Re<strong>de</strong> Tupi) e a TV Liberal (Re<strong>de</strong><br />
Globo).<br />
Chateaubriand, que já possuía vários títulos <strong>de</strong> jornais e a revista <strong>de</strong><br />
maior circulação <strong>da</strong> América Latina, O Cruzeiro, quando fundou a TV entre nós,<br />
administrava suas empresas ao velho estilo empresarial-familiar brasileiro e<br />
com capital nacional. Era um estilo personalista, que misturava <strong>de</strong>cisões<br />
arroja<strong>da</strong>s com lances <strong>de</strong> puro coronelismo, como mostra Morais (1994) na<br />
biografia do empresário que fundou o primeiro império nacional <strong>de</strong><br />
comunicações.<br />
A subversão pela imagem<br />
25 Muitos autores afirmam que o Brasil foi o primeiro país a ter televisão na América Latina. Rixa (2000)<br />
afirma que existem documentos <strong>da</strong> inauguração <strong>da</strong> TV mexicana a 1 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1950, 18 dias<br />
antes <strong>da</strong> TV Tupi portanto.<br />
47
Os Diários e Emissoras Associados apresentavam-se sob a égi<strong>de</strong> do<br />
pioneirismo, <strong>da</strong> integração nacional, do <strong>de</strong>senvolvimento e do nacionalismo.<br />
Numa cerimônia marca<strong>da</strong> por improviso e contratempos que se tornaria<br />
emblemática dos “tempos heróicos” <strong>da</strong> TV 26 , Chateaubriand inaugurou a TV<br />
Tupi-Difusora <strong>de</strong> São Paulo em 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1950. No discurso <strong>de</strong><br />
inauguração, classificou a TV como o mais subversivo <strong>de</strong> todos os veículos <strong>de</strong><br />
comunicação do século. (Morais, 1994:502)<br />
Herz (1987) situa no governo <strong>de</strong> Juscelino Kubitschek, quando a<br />
economia brasileira se abriu ao capital estrangeiro, o domínio do mercado<br />
publicitário pelas agências <strong>de</strong> outros países, especialmente norte-americanas.<br />
Na segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> dos anos 50 instalou-se uma nova configuração nesse<br />
mercado, que nunca mais seria reverti<strong>da</strong>, com a tendência <strong>de</strong> que<strong>da</strong> na verba<br />
<strong>de</strong>stina<strong>da</strong> ao rádio e aumento <strong>da</strong>s aplica<strong>da</strong>s na televisão.<br />
Segundo Jordão (1978, apud Herz, 1987) em 1950 o rádio captava em<br />
torno <strong>de</strong> 24% <strong>da</strong> verba publicitária e, em 1960, esse percentual caiu para 14%.<br />
Com apenas <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, a TV já participava com 9% <strong>de</strong> verba<br />
publicitária, apesar <strong>de</strong> existirem apenas um milhão <strong>de</strong> receptores <strong>de</strong> televisão,<br />
aproxima<strong>da</strong>mente, contra seis milhões <strong>de</strong> receptores <strong>de</strong> rádio (Ortiz, 1988).<br />
Ortiz (1988) chama atenção para o fato <strong>de</strong> que as agências <strong>de</strong><br />
publici<strong>da</strong><strong>de</strong> interferiam diretamente no processo <strong>de</strong> produção dos programas<br />
que patrocinavam, interpenetração <strong>de</strong> esferas que po<strong>de</strong> ser observa<strong>da</strong><br />
inclusive nos nomes <strong>de</strong> programas como Teatro Good-Year e Telenovela<br />
26 Uma <strong>da</strong>s câmeras sofreu pane, comprometendo as outras duas e a operação técnica era tão arrisca<strong>da</strong><br />
que o diretor <strong>da</strong> NBC-TV, que viera supervisionar a inauguração, mandou cancelar a transmissão e<br />
retirou-se para o hotel. Foi <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cido pelos técnicos brasileiros e, com uma hora e meia <strong>de</strong> atraso,<br />
eles conseguiram colocar no ar um programa impecável, que teria emocionado o incrédulo Walther<br />
Obermüller.<br />
48
Nescafé. O autor ressalta a significação <strong>de</strong>ssa mistura <strong>de</strong> papéis, que fazia<br />
com que os anunciantes e as agências <strong>de</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> não fossem apenas<br />
ven<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> produtos, mas também produtores <strong>de</strong> cultura:<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente uma cultura popular <strong>de</strong> massa, mas que produzi<strong>da</strong> no<br />
contexto do pioneirismo brasileiro conferia aos produtos anunciados uma aura que<br />
certamente eles <strong>de</strong>sconheciam nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s avança<strong>da</strong>s. A estratégia dos<br />
fabricantes não era vista meramente como uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> mercantil e <strong>de</strong> fato não<br />
era, mas como um ´esforço heróico´ em concretizar o sonho <strong>de</strong> uma televisão<br />
brasileira (Ortiz, 1988: 61) 27 .<br />
Pilotando esse sonho, Assis Chateaubriand chegou, na fase áurea dos<br />
Diários e Emissoras Associados, a contabilizar a posse <strong>de</strong> 18 canais <strong>de</strong><br />
televisão (que se somam a 36 emissoras <strong>de</strong> rádio e 34 jornais). Po<strong>de</strong> parecer<br />
uma quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> irrisória quando se pensa nas dimensões atuais <strong>da</strong> Re<strong>de</strong><br />
Globo 28 , mas era um volume <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> comunicação<br />
jamais visto no país. As primeiras emissoras fora <strong>de</strong> Rio e São Paulo<br />
começaram a ser implanta<strong>da</strong>s a partir <strong>de</strong> 1959, uma segun<strong>da</strong> etapa na história<br />
do oligopólio dos Diários e Emissoras Associados, quando Chateaubriand fez<br />
uma ciran<strong>da</strong> <strong>de</strong> inaugurações do Sul ao Nor<strong>de</strong>ste do Brasil.<br />
Naquele momento, as emissoras estaduais/regionais <strong>de</strong>tinham a<br />
produção <strong>de</strong> seu próprio conteúdo, pelas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação e pela<br />
própria inexistência do vi<strong>de</strong>oteipe. Caparelli assim vê esse momento <strong>de</strong><br />
produção <strong>de</strong>scentraliza<strong>da</strong> que logo se per<strong>de</strong>ria:<br />
27 No livro 50 anos <strong>de</strong> TV no Brasil, Carlos Alberto <strong>da</strong> Nóbrega relata que, quando trabalhava na TV<br />
Paulista, ele, Walter Avancini e Sílvio Santos foram vetados pela agência <strong>de</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> do patrocinador<br />
<strong>de</strong> um programa dominical. Na mesma obra, o <strong>de</strong>poimento do publicitário Jorge Adib confirma que as<br />
agências atuavam como produtoras <strong>de</strong> programas e lembra que Tarcísio Meira foi lançado no programa<br />
“Gessy às 21h30min.<br />
28 A Re<strong>de</strong> Globo tem 113 emissoras, entre geradoras e afilia<strong>da</strong>s e cobre praticamente todo o Brasil,<br />
atingindo 99,84% dos 5.043 municípios. Tem 74% <strong>de</strong> audiência no horário nobre, 56% no matutino,<br />
59% no vespertino e 69% no noturno. Sua participação no mercado publicitário correspon<strong>de</strong> a 75% do<br />
total <strong>de</strong> verbas <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s à mídia televisão. (Fonte: home page oficial <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Globo)<br />
49
É claro que a mitologia regional, normas, comportamentos, cosmovisão,<br />
<strong>de</strong> certa forma já passavam por uma incipiente padronização na forma e no<br />
conteúdo. Mas a inexistência <strong>de</strong> normas, ain<strong>da</strong> se criando, a par <strong>de</strong> uma<br />
improvisação, impedia o esquema estruturado mais tar<strong>de</strong>, no momento <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>pendência regional aos centros <strong>de</strong> produção constituídos pelo Rio <strong>de</strong> Janeiro e<br />
São Paulo e, em escala internacional, aos centros hegemônicos <strong>da</strong> indústria<br />
cultural internacional (Caparelli, 1982: 23)<br />
O vi<strong>de</strong>oteipe começou a ser usado no Brasil em 1960. Ele iria permitir o<br />
surgimento <strong>da</strong>s centrais <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> programas no Rio <strong>de</strong> Janeiro e,<br />
posteriormente, em São Paulo. Essa máquina, usa<strong>da</strong> para gravar,<br />
magneticamente, áudio e ví<strong>de</strong>o, foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> pela companhia Ampex e o<br />
investimento nas pesquisas que possibilitaram sua criação foi motivado pelo<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>da</strong>s emissoras norte-americanas <strong>de</strong> ajustarem suas gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
programação, permitindo a criação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s nacionais. Com isso, mesmo com<br />
fusos horários diferentes, um mesmo show po<strong>de</strong>ria ser visto costa à costa num<br />
horário <strong>de</strong>terminado, pela existências <strong>de</strong> cópias em fita do programa em ca<strong>da</strong><br />
estação (Rixa, 2000).<br />
A primeira <strong>de</strong>monstração do vi<strong>de</strong>oteipe aconteceu em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
1959, pela TV Continental, num show dirigido por Haroldo Costa no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. O espetáculo, que entrou no ar às 21:00, mostrava o relógio <strong>de</strong> pulso<br />
do apresentador marcando 15:00 (Rixa, 2000). A estréia oficial foi na<br />
inauguração <strong>de</strong> Brasília, 21 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1960, quando a TV Rio e a TV Tupi,<br />
numa complica<strong>da</strong> operação <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> fitas e <strong>de</strong> sinais, conseguiram<br />
mostrar o evento para cariocas e paulistas.<br />
A partir <strong>da</strong>í <strong>de</strong>cresceu gra<strong>da</strong>tivamente a produção local, inclusive porque<br />
o advento do vi<strong>de</strong>oteipe coincidia com a chega<strong>da</strong> dos enlatados, séries,<br />
<strong>de</strong>senhos e filmes, quase a maioria norte-americanos, tecnicamente melhores<br />
50
do que o incipiente produto televisivo nacional, invadindo as telinhas brasileiras<br />
numa veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> esmagadora.<br />
2.<br />
É nesse contexto que surge, em Belém do Pará, a TV Marajoara Canal<br />
O milagre <strong>da</strong> TV no Pará<br />
Assis Chateaubriand tinha paixão pelos índios brasileiros e por isso <strong>da</strong>va<br />
nomes indígenas às emissoras <strong>de</strong> rádio e TV que inaugurava pelo Brasil<br />
(Morais, 1994). Em Belém, on<strong>de</strong> a Taba Associa<strong>da</strong>, como ele chamava sua<br />
re<strong>de</strong>, já incluía a Rádio Marajoara (instala<strong>da</strong> em 1954), surgiu, em 30 <strong>de</strong><br />
setembro <strong>de</strong> 1961, a TV Marajoara Canal 2, a primeira do Pará.<br />
Os Associados também mantinham dois jornais no Estado. Através do<br />
noticiário do matutino A Província do Pará, na semana que antece<strong>de</strong> a<br />
inauguração <strong>da</strong> TV Marajoara, verifica-se que o evento não teve o <strong>de</strong>staque<br />
que seria <strong>de</strong> se esperar, consi<strong>de</strong>rando-se sua carga <strong>de</strong> noticiabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Em<br />
contraparti<strong>da</strong>, comprova-se a importância <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> e, principalmente, dos<br />
patrocinadores <strong>de</strong> programas que seriam levados ao ar, pela freqüência e<br />
edição nas páginas nobres (as capas e contracapas <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>rnos) <strong>de</strong> textos-<br />
legen<strong>da</strong> registrando a assinatura <strong>de</strong> contratos com anunciantes e<br />
patrocinadores <strong>de</strong> programas. Na edição <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> setembro, véspera <strong>da</strong><br />
inauguração, por exemplo, dois <strong>de</strong>sses textos aparecem em <strong>de</strong>staque na<br />
contracapa do primeiro ca<strong>de</strong>rno.<br />
A inauguração <strong>da</strong> TV só seria matéria <strong>de</strong> primeira página <strong>de</strong> A Província<br />
no dia 29 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>1961, num anúncio <strong>de</strong> um quarto <strong>de</strong> página,<br />
<strong>de</strong>stacando o programa especial Noite cheia <strong>de</strong> estrelas, que seria levado ao ar<br />
51
<strong>da</strong>s 19h30 às 22h30, após a transmissão <strong>da</strong> cerimônia inaugural, inicia<strong>da</strong> às 17<br />
horas. O anúncio bem ilustra a observação <strong>de</strong> Renato Ortiz (1988) sobre a<br />
junção do “erudito” e do popular, este oriundo do rádio, na programação do<br />
novo meio: números dos bailarinos clássicos Eleonora Oliosi e David Dupré ; a<br />
ex-estrela dos musicais <strong>de</strong> Carlos Machado agora atuando na TV, Márcia <strong>de</strong><br />
Windsor; Al<strong>da</strong> Perdigão, cantora do cast brasileiro <strong>da</strong> Tupi <strong>de</strong> São Paulo;<br />
Dorinha Duval e Hugo Santana, dupla <strong>de</strong> cômicos <strong>da</strong> TV Tupi paulista e Gilvan<br />
Chaves (com repertório nor<strong>de</strong>stino). Os talentos locais e a cultura regional,<br />
como se vê, não tinham <strong>de</strong>staque nesse primeiro contato entre a TV e a<br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
O lançamento <strong>da</strong> TV Marajoara mereceu chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> primeira página,<br />
com duas fotos <strong>da</strong>s instalações <strong>da</strong> emissora, no dia <strong>da</strong> inauguração (Surge<br />
hoje a TV Marajoara. 1961, cad. 1: 1). O texto <strong>de</strong>staca que a emissora vinha<br />
contribuir para o progresso <strong>da</strong> capital paraense e a chega<strong>da</strong> dos convi<strong>da</strong>dos e<br />
artistas do Sul. A chama<strong>da</strong> remete para uma longa matéria em página nobre, a<br />
contracapa do segundo ca<strong>de</strong>rno do jornal, na qual Péricles Leal, diretor <strong>da</strong><br />
emissora, um veterano profissional <strong>de</strong> 11 anos <strong>de</strong> trabalho em outras TVs<br />
associa<strong>da</strong>s, explica o que seria a Marajoara. A TV contava com uma estrutura<br />
<strong>de</strong> produção que incluía oficinas <strong>de</strong> cenários e a<strong>de</strong>reços para teleteatro e um<br />
grupo <strong>de</strong> cem pessoas, consi<strong>de</strong>rável para a época, entre equipe permanente e<br />
elenco. Praticamente todos foram recrutados e treinados em Belém, inclusive<br />
três “anunciadoras” <strong>de</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> ao vivo (Inaugura-se hoje...., 1961, cad.<br />
2:10).<br />
Péricles Leal, escritor e realizador, também tivera um papel formador na<br />
televisão brasileira, integrando a equipe <strong>da</strong> TV Tupi do Rio <strong>de</strong> Janeiro que<br />
52
treinava profissionais para as estações que seriam inaugura<strong>da</strong>s no período <strong>de</strong><br />
expansão dos Associados. Produtores, re<strong>da</strong>tores, operadores <strong>de</strong> câmera, eram<br />
selecionados nos Estados e faziam cursos no Rio, durante três meses. No<br />
“exame final”, os programas produzidos pelos alunos iam ao ar no Canal 6<br />
carioca, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> meia noite. Esses<br />
cursos foram <strong>de</strong>pois ministrados nos próprios Estados on<strong>de</strong> seriam<br />
inaugura<strong>da</strong>s as novas emissoras ( Castro, 2000). 29<br />
Em Belém, o pessoal do jornalismo e do esporte vinha <strong>da</strong> Rádio<br />
Marajoara, principalmente, e o grupo <strong>de</strong> realizadores do teleteatro incluía pelo<br />
menos uma diretora já experiente, Maria Sylvia Nunes, que nos anos 50, com o<br />
Norte Teatro Escola do Pará, a<strong>da</strong>ptara e dirigira a primeira versão para teatro<br />
<strong>de</strong> Morte e Vi<strong>da</strong> Severina, aprova<strong>da</strong> pelo próprio autor, João Cabral <strong>de</strong> Melo<br />
Neto. Só no final dos anos 60 aconteceria a famosa a<strong>da</strong>ptação do TUCA<br />
(Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo), musica<strong>da</strong> por Chico Buarque<br />
<strong>de</strong> Holan<strong>da</strong> e premia<strong>da</strong> no Festival <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Nancy, na França.<br />
Mantendo uma tradição do rádio, a TV também abria um estúdio com<br />
capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> para 700 pessoas, que podiam assistir, gratuitamente, a<br />
espetáculos como Luvas <strong>de</strong> ouro, boxe, e Aí vem o circo, infantil. O jornalismo<br />
era contemplado na Seção <strong>de</strong> Telejornais, com dois jornais noturnos <strong>de</strong><br />
segun<strong>da</strong> a sábado, reportagens e esportes. A linha do jornalismo, enuncia<strong>da</strong><br />
por Péricles Leal, seria a <strong>de</strong> informar sem comentar.<br />
29 O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Castro, um pioneiro <strong>da</strong> Tupi que também ministrou esses treinamentos,<br />
mostra que, nesta fase, a TV já se preocupava em formar profissionais, em vez <strong>de</strong> simplesmente<br />
recrutá-los em outros meios, como o rádio ou o cinema, o que também po<strong>de</strong> indicar um estágio <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma linguagem que pelo menos já permitia a transmissão <strong>de</strong> um corpo <strong>de</strong><br />
conhecimentos.<br />
53
Na entrevista, Péricles Leal atribui claramente à televisão uma função<br />
social <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> hábitos:<br />
O advento <strong>da</strong> televisão, on<strong>de</strong> quer se registre ele, transforma inteiramente<br />
a fisionomia local. Essa transformação se verifica muito especialmente nos hábitos<br />
e costumes <strong>da</strong> própria família.<br />
Para ele, a TV teria uma função agregadora no meio familiar:<br />
[...] realiza como que uma reaproximação <strong>da</strong> família, reunindo-a a quase<br />
to<strong>da</strong>s as horas em torno dos aparelhos receptores.<br />
Família que <strong>de</strong>scobria, com a TV, um admirável mundo novo <strong>de</strong><br />
produtos a consumir:<br />
A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> recebe um impulso extraordinário, nas promoções, pelo<br />
duplo impacto <strong>de</strong> som e <strong>da</strong> imagem. Em to<strong>da</strong> parte, por isso mesmo, abrem-se, com<br />
ela, novos mercados e perspectivas bem mais largas para o comércio e a indústria,<br />
tanto o som, associado à imagem, conduzem a uma bem mais fun<strong>da</strong> e segura<br />
penetração<br />
O publicitário e jornalista Oswaldo Men<strong>de</strong>s (1961,cad.2:8), em sua<br />
coluna Propagan<strong>da</strong> & Negócios, em A Província do Pará, saudou o advento <strong>da</strong><br />
TV no Pará como propiciador <strong>de</strong> uma sensação <strong>de</strong> maiori<strong>da</strong><strong>de</strong> em assuntos <strong>de</strong><br />
publici<strong>da</strong><strong>de</strong> pois já não nos falta sequer um órgão <strong>de</strong> propagan<strong>da</strong>. E, ao<br />
<strong>de</strong>stacar o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> persuasão e penetração do novo veículo, Oswaldo<br />
Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stacava a atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> como fator <strong>de</strong> prestígio e força <strong>da</strong> TV, que<br />
mostra os fatos à medi<strong>da</strong> que os fatos se fazem, no presente, nunca no<br />
passado.<br />
A TV chegava a Belém para inserir a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> na mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>, igualando-<br />
a aos mais adiantados centros artísticos do mundo mo<strong>de</strong>rno, como prometia<br />
um anúncio dos televisores Empire publicado em A Província. Em outras peças<br />
publicitárias, <strong>de</strong> ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> aparelhos ou <strong>de</strong> sau<strong>da</strong>ção à emissora, a TV era<br />
54
apresenta<strong>da</strong> como marco <strong>de</strong> progresso citadino e instrumento educacional e<br />
mesmo como um milagre, expressão que surge também no discurso <strong>de</strong><br />
Augusto Azevedo Antunes, padrinho <strong>da</strong> nova emissora e presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Icomi,<br />
cuja associação com a multinacional Bethlehem Steel para explorar o<br />
manganês do Amapá até o ano 2003 era combati<strong>da</strong> pelos nacionalistas.<br />
O discurso <strong>de</strong> Azevedo Antunes, publicado em A Provincia do Pará<br />
(Chateaubriand..., 1961, cad. 3:8) reforça a imagem <strong>da</strong> Amazônia como<br />
permanente e fascinante <strong>de</strong>safio ao espírito pioneiro:<br />
[...]região tão rica <strong>de</strong> tesouros naturais, mas à qual tem faltado a<br />
assistência e a compreensão dos que não conseguem ver no <strong>de</strong>nôdo dos<br />
brasileiros que aqui labutam as sentinelas avança<strong>da</strong>s <strong>de</strong> uma civilização em<br />
marcha.<br />
Vaticinando a emergência <strong>de</strong> um mundo ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente novo que um<br />
dia surgiria para redimir as <strong>de</strong>sditas <strong>da</strong> Amazônia, Azevedo Antunes<br />
classificava a TV que chegava como uma nova e mo<strong>de</strong>rna arma capaz, pela<br />
geração <strong>de</strong> educação e <strong>de</strong> cultura, <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>r o paraense a encontrar o caminho<br />
do progresso.<br />
Chateaubriand, já acometido <strong>de</strong> trombose, enviou <strong>de</strong> Nova Iorque um<br />
discurso <strong>de</strong> estilo ufanista (relacionando empreendimentos bem sucedidos <strong>da</strong><br />
iniciativa priva<strong>da</strong> nacional, inclusive o capitaneado por Azevedo Antunes),<br />
apresentava à ci<strong>da</strong><strong>de</strong> um termo que não sobreviveu (televisionário, o mo<strong>de</strong>rno<br />
telespectador) e, 11 anos <strong>de</strong>pois, recuperava as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s iniciais <strong>da</strong> TV:<br />
Em nenhum outro ponto do país as empresas associa<strong>da</strong>s encontraram<br />
sucesso maior do que aqui. Compara<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> que temos tido em Belém, com a<br />
agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que nos primeiros tempos enfrentamos em outros pontos do<br />
território nacional, a metrópole do Pará é um mundo balsâmico acabado em<br />
horizontes cor <strong>de</strong> rosa. ("DA" espectadores..., 1961, cad. 1:1)<br />
55
O <strong>de</strong>sabafo <strong>de</strong> Chateaubriand remete a Ortiz (1988) que, ao analisar o<br />
discurso do jornalista na inauguração <strong>da</strong> primeira TV, mostra que o tom<br />
triunfalista não escondia a precarie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um empreendimento que lutava<br />
com dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s para se transformar em meio <strong>de</strong> massa. Na ocasião, a TV se<br />
anunciava em tom interpelativo, em contraste com a sedução veicula<strong>da</strong> nos<br />
comerciais <strong>de</strong> Belém. Dizem os anúncios pioneiros:<br />
Você quer ou não quer a televisão? Para tornar a televisão uma<br />
reali<strong>da</strong><strong>de</strong> no Brasil, um consórcio radiojornalístico inverteu milhões <strong>de</strong> cruzeiros.<br />
Agora é a sua vez – qual será a sua contribuição para sustentar tão grandioso<br />
empreendimento? Do seu apoio <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá o progresso, em nossa terra, <strong>de</strong>ssa<br />
maravilha <strong>da</strong> ciência eletrônica. Bater palmas e aclamar admirativamente é<br />
louvável, mas não basta – seu apoio só será efetivo quando você adquirir um<br />
televisor. (Simões apud Ortiz, 1988: 60)<br />
No Pará, a tarefa <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r o aparelho já seria dos publicitários. A TV<br />
vendia auto-estima, como se verifica no discurso do diretor geral dos Diários<br />
Associados no Pará, jornalista Fre<strong>de</strong>rico Barata, ao inaugurar a Marajoara:<br />
E nas plagas distantes, neste Brasil imenso, ninguém mais po<strong>de</strong>rá<br />
menosprezar a nossa cultura e o nosso <strong>de</strong>senvolvimento, porque, quando alguém<br />
quiser apoucar-nos, logo re<strong>da</strong>rgüiremos com orgulho que somos uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> em<br />
tão franco progresso que até televisão já possuímos [...] Está inaugura<strong>da</strong> no Pará<br />
a era <strong>da</strong> televisão. (Momento histórico para...,1961, cad. 3:8)<br />
A programação <strong>da</strong> TV Marajoara era publica<strong>da</strong>, diariamente, na<br />
primeira página <strong>de</strong> A Província do Pará. Quando a emissora paraense surgiu já<br />
havia ligação por microon<strong>da</strong>s entre as emissoras <strong>de</strong> Belo Horizonte, Brasília,<br />
São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro e uma maior oferta <strong>de</strong> enlatados. Mas uma<br />
expressiva quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> programas ain<strong>da</strong> era produzi<strong>da</strong> localmente. O grupo<br />
<strong>de</strong> teleatro, seguindo a tendência nacional <strong>de</strong> a<strong>da</strong>ptação <strong>de</strong> peças teatrais,<br />
levou ao ar <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> autores até então inéditos em Belém, como<br />
Bertolt Brecht e Edward Albee, e dramatizou textos <strong>de</strong> ficção do próprio<br />
56
Péricles Leal e <strong>de</strong> Carlos Rocque, autor local. Muitas produções eram<br />
apresenta<strong>da</strong>s em capítulos.<br />
A ci<strong>da</strong><strong>de</strong> dormia cedo e a TV, também. As transmissões começavam às<br />
18h30 e encerravam na faixa <strong>de</strong> 22:00. O jornalismo contava com reportagens<br />
em 16 mm, sli<strong>de</strong>s e fotos e muitas entrevistas ao vivo no estúdio, com a<br />
participação do ouvinte pelo telefone. Havia programas infantis e também do<br />
gênero revista <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, além <strong>de</strong> musicais e shows com talentos locais e<br />
artistas <strong>de</strong> passagem pela ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Um <strong>de</strong>les, o estreante Roberto Carlos,<br />
lançou em Belém uma nova composição, O Calhambeque, que se tornaria um<br />
marco <strong>de</strong> sua carreira. Algum tempo <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> inauguração <strong>da</strong> TV, duplas <strong>de</strong><br />
cinegrafista e repórter começaram a fazer viagens para reportagens no interior<br />
do Pará, apesar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação e acesso à maioria dos<br />
municípios na época. Eles partiam com a importante função <strong>de</strong>, pela primeira<br />
vez, mostrar ao telespectador <strong>da</strong> capital aspectos do interior do Estado.<br />
O jornalismo preocupava-se com a atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> do noticiário e por isso<br />
veiculava edições extras com narração do locutor <strong>de</strong> cabine, usando notícias<br />
que chegavam pelo teletipo. Assim, em 1964, o golpe militar foi noticiado em<br />
edição extraordinária, num “furo” <strong>da</strong> TV Marajoara, como relembra Abílio<br />
Couceiro 30 , que fez a leitura do texto.<br />
O Brasil via satélite<br />
É exatamente em 1964, com o golpe militar, que se acentua a<br />
<strong>de</strong>cadência <strong>da</strong>s emissoras associa<strong>da</strong>s e inicia-se a segun<strong>da</strong> era <strong>da</strong> TV<br />
brasileira. A característica mais importante <strong>de</strong>ssa era, segundo Caparelli<br />
30 Entrevista concedi<strong>da</strong> à autora.<br />
57
(1982:32) é a absorção dos padrões <strong>de</strong> administração, produção e<br />
programação pelas emissoras, quando acontece a norte-americanização <strong>da</strong><br />
televisão nacional, segundo o autor. Nesse momento as empresas <strong>de</strong> TV <strong>de</strong><br />
Rio e São Paulo reforçam o papel <strong>de</strong> intermediárias entre a indústria cultural<br />
multinacional e o mercado brasileiro, amealhando, através <strong>da</strong>s re<strong>de</strong>s, um<br />
mercado cativo para seus produtos.<br />
que, em<br />
O golpe militar foi a culminância <strong>da</strong> crise política, econômica e social<br />
1961 tivera um episódio <strong>de</strong> muita tensão com a renúncia do presi<strong>de</strong>nte<br />
Jânio Quadros e a posse do vice João Goulart, que se concretizou no meio do<br />
embate entre os setores populares – que cobravam reformas <strong>de</strong> base – e a<br />
burguesia nacional. Nesse momento houve que<strong>da</strong> no investimento <strong>de</strong> capital<br />
nos principais setores <strong>da</strong> economia, por barreiras políticas e institucionais.<br />
As barreiras institucionais impediam a plena execução dos contratos<br />
entre as Organizações Globo e o grupo norte-americano Time-Life, assinados<br />
em 1962. A Constituição vetava proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> e mesmo interferência intelectual<br />
ou administrativa <strong>de</strong> estrangeiros nas empresas <strong>de</strong> comunicação, o que<br />
dificultava o acordo. Por ele, segundo Caparelli (1982), o Time <strong>da</strong>ria à Globo<br />
assistência técnica, administrativa, na programação, noticiário, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e<br />
controles financeiros, orçamentários e contábeis, na engenharia <strong>de</strong> prédio e<br />
equipamento, na gestão <strong>de</strong> pessoal, no aspecto comercial e <strong>de</strong> operação, além<br />
<strong>de</strong> treinar pessoal. O Grupo Time-Life também aju<strong>da</strong>ria a Globo a obter<br />
programas e, em casos especiais, até anúncios, em Nova Iorque. A TV Globo<br />
58
eceberia ain<strong>da</strong> uma quantia equivalente a mais <strong>de</strong> cinco milhões <strong>de</strong> dólares,<br />
em valores <strong>da</strong> época.<br />
A TV Globo organizou-se como corporação, profissionalmente,<br />
buscando o aumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r econômico e político <strong>de</strong> suas empresas, contra<br />
o velho mo<strong>de</strong>lo representado pelos Associados, <strong>de</strong> escasso investimento<br />
tecnológico e com as distorções <strong>de</strong> empreendimento que crescera à sombra<br />
dos governos populistas (Caparelli, 1982). Para conquistar audiência, a Globo<br />
investiu na telenovela e nos programas <strong>de</strong> auditório, através dos quais, mais<br />
fortemente que as outras emissoras, procurou atrair as gran<strong>de</strong>s massas <strong>de</strong><br />
excluídos do mercado consumidor no Rio e em São Paulo, numa aliança<br />
simbólica singular estu<strong>da</strong><strong>da</strong> por Sodré (1981).<br />
Nessa segun<strong>da</strong> fase, a indústria <strong>da</strong> informação era um dos setores mais<br />
avançados do capitalismo em expansão. Com as limitações contorna<strong>da</strong>s<br />
quando os militares <strong>de</strong>puseram Goulart, o acordo Time-Life passaria a ser<br />
plenamente cumprido. Com isso, a Globo, inaugura<strong>da</strong> no Rio <strong>de</strong> Janeiro em<br />
1965, superava a fase <strong>de</strong> improviso inicial e encaminhava-se para a<br />
consoli<strong>da</strong>ção do que ficaria conhecido como o Padrão Globo <strong>de</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, sob<br />
o comando <strong>de</strong> profissionais como Joe Wallach, assessor <strong>da</strong> Time-Life<br />
<strong>de</strong>stacado para a emissora, ao qual se juntariam Walter Clark e José Bonifácio<br />
<strong>de</strong> Oliveira Sobrinho, o Boni.<br />
Segundo Wallach (2000:124), houve muita resistência dos brasileiros<br />
quanto à implantação <strong>de</strong> controles <strong>de</strong> planejamento e orçamento. Mas <strong>de</strong>pois<br />
que seu sistema <strong>de</strong> administração foi finalmente aceito, o orçamento se tornou<br />
sagrado, e a Globo se equilibrou financeiramente, em 1970. A emissora crescia<br />
com a estrutura <strong>de</strong> comunicação monta<strong>da</strong> pelo Estado que, a partir <strong>de</strong> 1964,<br />
59
aseou, como nunca fizera antes, o <strong>de</strong>senvolvimento do país no capital e na<br />
tecnologia estrangeiros. No processo <strong>de</strong> expansão e mo<strong>de</strong>rnização do sistema<br />
produtivo, criaram-se as condições tecnológicas para uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira explosão<br />
<strong>da</strong> radiodifusão e <strong>da</strong>s telecomunicações, diante do novo papel atribuído aos<br />
meios <strong>de</strong> comunicação, a serviço <strong>da</strong> integração e <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> Segurança<br />
Nacional.<br />
Ortiz classifica a idéia <strong>de</strong> integração nacional como central para a<br />
realização <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> Segurança Nacional, motivando to<strong>da</strong> a<br />
transformação nas comunicações promovi<strong>da</strong> pelos militares. Os frutos <strong>de</strong>sse<br />
investimento foram colhidos pelos grupos empresariais televisivos, como<br />
assinala o autor:<br />
Não se po<strong>de</strong> esquecer que a noção <strong>de</strong> integração estabelece uma<br />
ponte entre os interesses dos empresários e dos militares, muito embora ela seja<br />
interpreta<strong>da</strong> pelos industriais em termos diferenciados. Ambos os setores vêem<br />
vantagens em integrar o território nacional, mas enquanto os militares propõem a<br />
unificação política <strong>da</strong>s consciências, os empresários sublinham o lado <strong>da</strong><br />
integração do mercado. (Ortiz, 1988: 118)<br />
Em 1965 foi cria<strong>da</strong> a Empresa Brasileira <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
(Embratel) e, em 1967, um Ministério <strong>da</strong>s Comunicações. O ano <strong>de</strong> 1969<br />
trouxe os primeiros gran<strong>de</strong>s resultados <strong>da</strong> política <strong>de</strong> expansão do setor: com<br />
a inauguração <strong>da</strong> estação terrestre Tanguá I, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, a TV brasileira<br />
entrava na era <strong>da</strong> comunicação via satélite, e a primeira imagem transmiti<strong>da</strong> foi<br />
a <strong>de</strong> Hilton Gomes, <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Globo, direto <strong>de</strong> Roma, via Intelsat III, em<br />
fevereiro. No mesmo ano, a 20 <strong>de</strong> julho, as TVs Globo e Tupi, em pool,<br />
transmitiam, via Embratel, a chega<strong>da</strong> do homem à Lua. Em 1 º <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />
1970 estreava o Jornal Nacional <strong>da</strong> TV Globo, o primeiro telejornal para todo o<br />
país, inaugurando oficialmente a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> microon<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Embratel. Em junho do<br />
60
mesmo ano, o país pô<strong>de</strong> ver o Brasil vencer a Copa do México, inclusive em<br />
cores, pelos aparelhos já a<strong>da</strong>ptados. As transmissões em cores,<br />
experimentalmente inicia<strong>da</strong>s com a Festa <strong>da</strong> Uva em Caxias do Sul, em<br />
fevereiro <strong>de</strong> 72, seriam oficialmente inaugura<strong>da</strong>s em 31 <strong>de</strong> março do mesmo<br />
ano.<br />
A re<strong>de</strong> básica do Sistema Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações – com o tronco<br />
Porto Velho /Manaus – foi concluí<strong>da</strong> em outubro <strong>de</strong> 1972.<br />
Isso tudo significava a superação dos entraves dos primórdios <strong>da</strong><br />
televisão e, finalmente, o suporte tecnológico para a criação do sistema <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong>s, essencial para o funcionamento <strong>da</strong> industria cultural. Podiam, então,<br />
surgir as re<strong>de</strong>s nacionais <strong>de</strong> TV e, registra Caparelli (1982), os canais<br />
localizados fora dos pólos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> programas (Rio e São Paulo) se<br />
transformam mais em meios <strong>de</strong> difusão que <strong>de</strong> produção. Em 1966, à época<br />
<strong>da</strong>s <strong>de</strong>núncias sobre o acordo Time-Life, feitas principalmente pelos Diários<br />
Associados, já havia sido divulgado que a Globo tinha o projeto <strong>de</strong> criar uma<br />
re<strong>de</strong> nacional <strong>de</strong> televisão e outra <strong>de</strong> rádio (Caparelli, 1982). Agora, a Globo<br />
não tinha mais dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s técnicas para expandir o que se tornaria a quarta<br />
re<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> televisão.<br />
Nova TV, velhas esperanças<br />
Nesse clima <strong>de</strong> Brasil gran<strong>de</strong>, a Amazônia estava sendo mais uma vez<br />
coloniza<strong>da</strong>. Agora com a "pata do boi", os chamados gran<strong>de</strong>s projetos e a<br />
abertura <strong>de</strong> estra<strong>da</strong>s como a Transamazônica, on<strong>de</strong> uma nova leva <strong>de</strong> colonos,<br />
<strong>de</strong>sta vez do Sul do país, vinha ocupar agrovilas cria<strong>da</strong>s em função <strong>da</strong> rodovia.<br />
No Sul do Pará também surgiam povoados e vilas, on<strong>de</strong> imperavam o sotaque<br />
61
e os costumes <strong>de</strong> goianos, mineiros e nor<strong>de</strong>stinos. Instalava-se uma forte<br />
presença militar na região, boa parte <strong>da</strong>s terras era fe<strong>de</strong>raliza<strong>da</strong> e municípios<br />
importantes como Santarém, no Oeste do Pará, e Marabá, no Sul, passaram a<br />
ser consi<strong>de</strong>rados área <strong>de</strong> segurança nacional, impedidos <strong>de</strong> eleger os próprios<br />
prefeitos. O slogan <strong>de</strong>sse novo processo colonizatório <strong>da</strong> região era Integrar<br />
para não entregar.<br />
Um exemplo ilustrativo <strong>de</strong>sse quadro está na primeira página do jornal O<br />
Liberal <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1976. A manchete, em oito colunas, anuncia que Às<br />
19 horas, Quandt inaugura TV Liberal. Uma foto do prédio especialmente<br />
construído para a TV, na aveni<strong>da</strong> mais nobre <strong>de</strong> Belém, aparece em seis<br />
colunas, ao lado <strong>de</strong> uma coluna <strong>de</strong> texto, que anuncia a inauguração <strong>da</strong> nova<br />
TV pelo ministro <strong>da</strong>s Comunicações, Eucli<strong>de</strong>s Quandt <strong>de</strong> Oliveira, num tempo<br />
consi<strong>de</strong>rado recor<strong>de</strong>, já que se antecipou em 14 meses o cronograma previsto<br />
na outorga do canal. A chama<strong>da</strong> também anuncia duas gran<strong>de</strong>s novi<strong>da</strong><strong>de</strong>s: o<br />
horário dilatado <strong>da</strong> programação e um equipamento voltado para a transmissão<br />
em cores.<br />
Ao lado <strong>de</strong>ssa chama<strong>da</strong>, em uma coluna, o título Belém liga<strong>da</strong> à Europa<br />
por DDI, hoje (1976, cad. 1 :1), encima a notícia <strong>de</strong> que o ministro aproveitaria<br />
a esta<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> para entregar localmente o sistema <strong>de</strong> Discagem Direta<br />
Internacional, já inaugurado na véspera com um telefonema <strong>de</strong>le para o<br />
presi<strong>de</strong>nte Ernesto Geisel, então em visita oficial a Paris.<br />
Uma outra chama<strong>da</strong>, sobre a visita <strong>de</strong> Geisel, <strong>de</strong>staca, no segundo<br />
parágrafo, que um membro <strong>da</strong> comitiva, o ministro <strong>da</strong>s Minas e Energia<br />
Shigeaki Ueki, negociava em Paris a implantação <strong>de</strong> alguns gran<strong>de</strong>s projetos<br />
no Pará: fábrica <strong>de</strong> alumínio, exploração do minério <strong>de</strong> ferro <strong>da</strong> Serra dos<br />
62
Carajás e a construção <strong>da</strong> hidrelétrica <strong>de</strong> Tucurui (Declaração conjunta...,1976,<br />
cad 1:1)<br />
Nessa mesma edição <strong>de</strong> O Liberal, aparece o reverso do quadro <strong>de</strong><br />
euforia e progresso <strong>da</strong> primeira página: uma notícia em quatro colunas sobre o<br />
estudo do governo para normatizar a campanha política no rádio e na TV<br />
antecipa que já está confirma<strong>da</strong> a proibição dos candi<strong>da</strong>tos apresentarem suas<br />
plataformas <strong>de</strong> campanha nesses meios, nos quais po<strong>de</strong>riam apenas <strong>de</strong>clinar<br />
seu nome, partido e o número no Tribunal Eleitoral (Campanha <strong>de</strong> rádio-<br />
TV...,1976, cad.1:3).<br />
Quando a TV Liberal surgiu em Belém, havia duas outras emissoras no<br />
ar: a pioneira TV Marajoara e a TV Guajará, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1967. A primeira<br />
continuava fazendo parte <strong>da</strong> Ca<strong>de</strong>ia Associa<strong>da</strong> e exibia a programação <strong>da</strong><br />
Re<strong>de</strong> Tupi. A Guajará, que retransmitia a Globo, pertencia e era administra<strong>da</strong><br />
pelo político paraense Lopo <strong>de</strong> Castro e sua família.<br />
As duas TVs entravam no ar somente à tar<strong>de</strong>, a Marajoara às 14h10, a<br />
Guajará às 15h15, e saiam por volta <strong>de</strong> meia noite. Ambas praticamente só<br />
produziam noticiários. Neste período os Associados já mostravam acentuados<br />
sinais <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, sem mo<strong>de</strong>rnizar a administração e reinvestir em<br />
equipamentos. A TV Guajará também repetia o velho mo<strong>de</strong>lo <strong>da</strong> empresa<br />
familiar e não correspondia às exigências do padrão <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> que se<br />
implantava na Re<strong>de</strong> Globo. A relutância em mo<strong>de</strong>rnizar a base tecnológica foi<br />
fatal para a emissora: ela per<strong>de</strong>u o direito <strong>de</strong> retransmitir a programação <strong>da</strong><br />
Globo para a Liberal, que passou a exibi-la a partir <strong>de</strong> 1 º <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1976.<br />
63
Não é <strong>de</strong> estranhar, assim, que os temas recorrentes do discurso com<br />
que se anunciava a nova TV, através <strong>de</strong> O Liberal, 31 fossem o dinamismo, a<br />
mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e a integração.<br />
O dinamismo expresso, emblematicamente, pela rapi<strong>de</strong>z com que se<br />
concluiu a obra do prédio, entregue 14 meses antes do prazo fixado pelo<br />
governo, informação que será reitera<strong>da</strong> ao longo do farto noticiário pré e pós-<br />
inauguração publicado em O Liberal. Também as entrevistas <strong>de</strong> diretores<br />
publica<strong>da</strong>s em O Liberal ressaltam a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dora como marca<br />
do processo <strong>de</strong> instalação <strong>da</strong> TV e a corri<strong>da</strong> contra o tempo venci<strong>da</strong>, com<br />
sucesso, tanto para se habilitar ao edital <strong>da</strong> concessão quanto na montagem<br />
<strong>da</strong> emissora, a cargo <strong>de</strong> um diretor <strong>de</strong> engenharia <strong>da</strong> TV Globo.<br />
A TV Liberal se anunciava como a emissora mais mo<strong>de</strong>rna <strong>da</strong> América<br />
Latina, monta<strong>da</strong> com a última palavra na tecnologia eletrônica com<br />
equipamentos <strong>da</strong> RCA e antena Bogner, norte-americanos, voltados<br />
inteiramente para transmissão em cores, o que beneficiava inclusive quem<br />
ain<strong>da</strong> tinha aparelho em preto e branco, pelo maior contraste <strong>de</strong> quadros.<br />
Contra o improviso e as ações heróicas dos velhos tempos <strong>da</strong> TV, a nova<br />
emissora também se apresentava como paradigma <strong>de</strong> eficiência, <strong>de</strong> história<br />
marca<strong>da</strong> pelo rigoroso cumprimento <strong>de</strong> todos os prazos previstos nos<br />
contratos, nos três anos que <strong>de</strong>mandou sua implantação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a outorga do<br />
canal (TV Liberal inaugura com...,1976,cad.3:4)<br />
Quanto à integração, a TV comemorava o fato <strong>de</strong> seu sinal <strong>de</strong> 20 kw <strong>de</strong><br />
potência chegar a recantos do Pará ain<strong>da</strong> não atingidos por outras emissoras,<br />
31 O Grupo Liberal já possuía também uma rádio, além do jornal. Nos anos 90 o Grupo passou a chamar-<br />
se Organizações Romulo Maiorana.<br />
64
incorporando suas populações ao universo <strong>de</strong> telespectadores, como assinala<br />
o jornalista Romulo Maiorana, proprietário do Grupo Liberal:<br />
O importante não é que o sinal experimental <strong>da</strong> TV Liberal esteja alto e<br />
claro e o nosso padrão <strong>de</strong> cores excelente. O importante é que estamos sendo<br />
vistos e ouvidos por milhares <strong>de</strong> brasileiros que nunca na vi<strong>da</strong> souberam sequer o<br />
que era um aparelho <strong>de</strong> televisão ( A TV e a integração, 1976, cad.1: 5).<br />
Esse diferencial terá como alvo certo a publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. A TV Liberal, como<br />
representante, em nível local, <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rna empresa <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> fase <strong>da</strong> TV<br />
brasileira, disputava o mercado publicitário como sua gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> recursos.<br />
O nome do patrocinador não mais aparecia ao lado <strong>da</strong>s atrações <strong>da</strong> TV, na<br />
programação que os jornais veiculam, como era costume nos primeiros tempos<br />
<strong>da</strong> televisão, mas, em 1976, ela já contava com 40,23% do investimento<br />
publicitário, contra 20,08% <strong>de</strong>stinado aos jornais, 10,47% às revistas e 19,53%<br />
ao rádio (Anuário Brasileiro <strong>de</strong> Propagan<strong>da</strong> 1976/1977 apud Caparelli, 1982)<br />
Em contraste com o discurso vigente à época do surgimento <strong>da</strong><br />
Marajoara, quando os velhos “reclames” anunciavam o maravilhoso e o<br />
milagroso <strong>da</strong> TV para induzir à aquisição <strong>de</strong> aparelhos, a TV Liberal, quando já<br />
existiam 11 milhões e 603 mil televisores no Brasil (Abinee apud Caparelli,<br />
1982) dirigia-se diretamente aos anunciantes em peça institucional <strong>de</strong> uma<br />
página, publica<strong>da</strong> em O Liberal <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1976. O texto No ar, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
alguns instantes, mais um veículo para seu produto conquistar o mercado <strong>da</strong><br />
Amazônia surge em cima <strong>da</strong> logomarca <strong>da</strong> nova TV, que domina o espaço. E<br />
sob a "logo", em tipo menor, um texto <strong>de</strong>staca o po<strong>de</strong>r ampliado <strong>de</strong><br />
publicização com o novo meio:<br />
Com esta emissora <strong>de</strong> televisão, está forma<strong>da</strong> a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comunicação<br />
do Grupo Liberal. Isso é muito bom para a Amazônia e muito melhor para você.<br />
65
Agora, seu produto tem mais um veículo para entrar e conquistar o mercado <strong>da</strong><br />
Amazônia.<br />
O novo veículo proporcionava, assim, novos contingentes <strong>de</strong><br />
telespectadores que seriam atingidos pelas mensagens <strong>da</strong> TV, inclusive<br />
publicitárias, em horários ampliados. A TV Liberal ampliava a faixa <strong>de</strong><br />
programação – basea<strong>da</strong> no tripé entretenimento, informação e lazer - entrando<br />
no ar pela manhã (<strong>de</strong> segun<strong>da</strong> a sexta às 10h30; no sábado às 10 h e aos<br />
domingos às 9h30m) e iniciando o longa-metragem <strong>de</strong> encerramento às<br />
23h55m diariamente, na certeza <strong>de</strong> ter proporcionado aos anunciantes a<br />
comunicação com novas faixas <strong>de</strong> mercado, antes inteiramente <strong>de</strong>scobertas.<br />
Mas ao lado <strong>da</strong> apologia do novo, <strong>da</strong> afirmação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnas práticas<br />
televisivas, algo <strong>de</strong> antigo persiste no discurso com que se anuncia a TV<br />
Liberal. É a expectativa <strong>de</strong>posita<strong>da</strong> na televisão, que remete às citações <strong>de</strong><br />
Mattelart e Mattelart (1989) e Icaza Sanches (2000) que iniciam este capítulo.<br />
Um <strong>de</strong>terminado Brasil, no caso a Amazônia, almeja, simbolicamente,<br />
mais uma vez, a salvação pela magia do tubo catódico. A condição do<br />
sub<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> que fala Icaza Sanches, acentua<strong>da</strong> pelo isolamento e<br />
pelo colonialismo interno <strong>da</strong>s relações com o Sul e o Su<strong>de</strong>ste do país que<br />
tradicionalmente marcam a região e o Pará, faz <strong>da</strong> “instituição do espetáculo” o<br />
receptáculo <strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s e <strong>de</strong>sejos observados nas falas por ocasião <strong>da</strong><br />
inauguração <strong>da</strong> TV Marajoara, já há 15 anos, e que no entanto se repetem<br />
quando surge a TV Liberal. Em algumas <strong>de</strong>ssas falas está expresso o mal<br />
disfarçado sentimento <strong>da</strong> própria exclusão. O mesmo sentimento que fazia<br />
Fre<strong>de</strong>rico Barata, há 15 anos, brandir a televisão como arma e como álibi<br />
66
contra os que quisessem apoucar-nos (Momento histórico para...1961, cad.3<br />
:8)<br />
Isso também está expresso, por exemplo, na fala do crítico <strong>de</strong> televisão<br />
<strong>de</strong> O Liberal, quando comenta que o fato <strong>da</strong> TV paraense ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> a<br />
mais mo<strong>de</strong>rna <strong>da</strong> América do Sul seria um privilégio realmente difícil para<br />
quem vive neste canto <strong>de</strong> país (grifo meu) e vislumbra que todo esse potencial<br />
técnico e humano estaria direcionado para a valorização cultural do homem<br />
amazôni<strong>da</strong> (Martins, 1976, cad.2 :5)<br />
Assim, o gesto do ministro Quandt <strong>de</strong> Oliveira ao apertar o botão que<br />
colocou a TV no ar assumiu, para alguns, dimensões re<strong>de</strong>ntoras:<br />
[...] ele não estará colocando no ar apenas mais uma emissora. Estará<br />
participando <strong>de</strong> um momento histórico, um agigantado passo para a integração<br />
amazônica, no mais amplo sentido que o termo po<strong>de</strong> significar (A TV e a<br />
integração. 1976, cad. 1: 5)<br />
E, no discurso do dono <strong>da</strong> emissora, ao entregá-la ao Pará, a certeza <strong>de</strong><br />
que a região havia superado o isolamento:<br />
Não tem sido fácil – antes difícil e penoso – o acesso e a assimilação, pela<br />
Amazônia, <strong>da</strong>s maravilhosas conquistas <strong>de</strong>sse fabuloso final <strong>de</strong> século. Há<br />
séculos isola<strong>da</strong>, distante, confina<strong>da</strong>, inacessível, a região hoje dispõe <strong>de</strong> um<br />
impressionante e sofisticado sistema <strong>de</strong> comunicações que a coloca<br />
permanentemente em contato com to<strong>da</strong>s as partes do país, integrando-as e<br />
integrando-se ao contexto nacional e tornando, assim, mais íntimos e fortalecidos<br />
os laços <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> fraterni<strong>da</strong><strong>de</strong> entre os brasileiros (Uma emissora<br />
volta<strong>da</strong>..., 1976, cad. 1: 8)<br />
Esse sistema <strong>de</strong> comunicações seria usado não apenas para receber<br />
imagens e informações, mas para gerar imagens regionais, na promessa feita<br />
pela TV Liberal <strong>de</strong> acrescentar à programação <strong>da</strong> Globo uma consi<strong>de</strong>rável<br />
presença local<br />
67
e regional, no jornalismo e em programas especiais, divulgando e valorizando<br />
os fatos, as pessoas, os temas, as tradições e a cultura <strong>da</strong> Amazônia (TV<br />
Liberal Canal 7...,1976, cad.3:2).<br />
Como to<strong>da</strong>s as emissoras afilia<strong>da</strong>s à Re<strong>de</strong> Globo na segun<strong>da</strong> fase <strong>da</strong><br />
TV brasileira, a TV Liberal formulava uma promessa praticamente impossível<br />
<strong>de</strong> cumprir, porque tal promessa vinha na contramão dos rumos <strong>da</strong> Re<strong>de</strong><br />
Globo. Des<strong>de</strong> 1969, após o incêndio <strong>de</strong> sua uni<strong>da</strong><strong>de</strong> em São Paulo, a Globo<br />
implantara com êxito a produção centraliza<strong>da</strong> no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Sua filosofia<br />
era a homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> na programação, volta<strong>da</strong> para a conquista <strong>da</strong> gran<strong>de</strong><br />
massa <strong>de</strong> telespectadores, logicamente privilegiando o nacional e não o<br />
regional. Não é gratuita a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> sua principal atração jornalística,<br />
surgi<strong>da</strong> em 1969, o Jornal Nacional.<br />
A TV Liberal contava com <strong>de</strong>z horas semanais <strong>de</strong> programação local.<br />
Mas, em 1976, o Padrão Globo <strong>de</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> que se consoli<strong>da</strong>ria <strong>de</strong> forma<br />
plena no início dos anos 80, já atingia fortemente o telejornalismo, para o qual<br />
almejava-se a padronização <strong>da</strong> linguagem, na produção <strong>de</strong> textos, que<br />
<strong>de</strong>sembocou no famoso Manual <strong>de</strong> Jornalismo <strong>da</strong> TV Globo. Esse manual<br />
tornou-se a bíblia <strong>de</strong> gerações <strong>de</strong> telerepórteres <strong>de</strong> todo país, com seus rígidos<br />
critérios <strong>de</strong> permissões e proibições, atingindo até mesmo a fala e a<br />
apresentação visual <strong>de</strong> repórteres e apresentadores. Com auxílio <strong>de</strong><br />
fonoaudiólogas e consultores <strong>de</strong> vestuário, muitos <strong>de</strong>sses profissionais abriram<br />
mão <strong>de</strong> suas características regionais, a começar pelo sotaque, para aten<strong>de</strong>r à<br />
representação <strong>de</strong> um Brasil que a política <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rna emissora pretendia<br />
único.<br />
68
A linha <strong>de</strong> jornalismo anuncia<strong>da</strong> como o carro-forte <strong>da</strong> produção local <strong>da</strong><br />
TV Liberal surgiu sob o signo <strong>da</strong> a<strong>de</strong>quação ao mo<strong>de</strong>lo global. Assim, em O<br />
Liberal <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1976, a TV anunciava que to<strong>da</strong> a programação<br />
jornalística local – <strong>de</strong>z horas semanais - manteria o mesmo padrão <strong>de</strong><br />
quali<strong>da</strong><strong>de</strong> e esquema <strong>de</strong> apresentação <strong>da</strong>s <strong>de</strong>mais atrações do gênero em<br />
re<strong>de</strong> nacional.<br />
Os mínimos <strong>de</strong>talhes para isso já foram observados, inclusive no que diz<br />
respeito ao próprio cenário e recursos eletrônicos. As mesas dos locutores, por<br />
exemplo, são exatamente iguais às usa<strong>da</strong>s nos noticiários em re<strong>de</strong>, com <strong>de</strong>staque,<br />
nesse particular, para as mesas do jornal Amanhã, que na parte local são também<br />
<strong>de</strong> acrílico (Veja o que o Canal...,1976,cad.3:7)<br />
A TV Liberal anunciava também blocos locais <strong>de</strong> telejornais <strong>de</strong> re<strong>de</strong>,<br />
antece<strong>de</strong>ndo o Jornal Hoje, o Jornal Nacional e o Amanhã; Jornalismo<br />
Eletrônico, A Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> na TV, um informativo noturno <strong>de</strong> cinco minutos; <strong>de</strong><br />
segun<strong>da</strong> a sábado o informativo Bolso do Repórter; o Domingo Liberal, às 20<br />
hs, do domingo 32 , jornalístico e musical; Liberalzinho, infantil, e noticiário <strong>de</strong><br />
esportes todos os dias, junto ao Esporte Espetacular.<br />
Essa programação era realiza<strong>da</strong> por uma equipe que misturava<br />
profissionais experientes, formados principalmente na escola <strong>da</strong> TV Marajoara,<br />
a jovens apresentadores, repórteres cinematográficos, repórteres e pessoal<br />
técnico, recrutados e treinados na própria Liberal, alguns com passagens por<br />
jornal impresso e rádio.<br />
A participação local se tornaria mais restrita a medi<strong>da</strong> que a Re<strong>de</strong> Globo<br />
aperfeiçoava sua gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação, estreitando os horários livres para<br />
exibição <strong>de</strong> produtos locais. É importante ressaltar que existe uma lógica<br />
32 Por problemas <strong>da</strong> Embratel, o Fantástico era apresentado às 22 horas em Belém.<br />
69
mercadológica na origem <strong>de</strong>ssa prática, que preserva o cumprimento <strong>da</strong><br />
exibição dos comerciais programados nacionalmente.<br />
Por outro lado, a produção local significa investimento em equipamentos<br />
e mão-<strong>de</strong>-obra que nem sempre as empresas estaduais e regionais <strong>de</strong>sejam<br />
ou têm condições <strong>de</strong> absorver, especialmente se o mercado publicitário não é<br />
significativo o suficiente para oferecer retorno.<br />
Diante <strong>de</strong>ssas condições, tem-se, em 1978, o quadro <strong>de</strong>tectado na<br />
anteriormente cita<strong>da</strong> pesquisa <strong>da</strong> Abepec, no qual se verifica que a<br />
programação exibi<strong>da</strong> na TV brasileira <strong>da</strong>quela época tinha a seguinte origem:<br />
48% estrangeira; 34% nacional; 14% local e 4% regional. Quando se <strong>de</strong>sce ao<br />
<strong>de</strong>talhe por regiões, verifica-se que a produção a que a região Norte assistia<br />
era 49% <strong>de</strong> origem estrangeira; 44% nacional; 6% local e apenas 1% regional.<br />
No caso do Pará, o Estado assistia a apenas 125 horas semanais <strong>de</strong><br />
programação local (2%), contra 2.896 horas semanais <strong>de</strong> programação<br />
nacional (42%) e 3.821 horas semanais <strong>de</strong> programação estrangeira (56%).<br />
Nos anos seguintes aconteceria o bem sucedido esforço <strong>da</strong> TV Globo<br />
para nacionalizar a programação. Mas nessa nacionalização o pólo produtor<br />
não se <strong>de</strong>sloca <strong>da</strong> região su<strong>de</strong>ste e aos Estados periféricos, como o Pará,<br />
continua reserva<strong>da</strong> a condição <strong>de</strong> receptores. Um <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> José<br />
Bonifácio <strong>de</strong> Oliveira Sobrinho, o Boni, dá a medi<strong>da</strong> do colonialismo interno<br />
embutido na lógica <strong>da</strong> re<strong>de</strong>:<br />
Houve um momento em que o governo militar queria implantar uma<br />
programação local e regional fazendo cumprir uma velha lei do governo Jânio<br />
Quadros. Isso significaria o fim <strong>da</strong> nossa re<strong>de</strong> e o fim <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
(Oliveira Sobrinho, 2000:319-320).<br />
70
Boni conseguiu reverter a situação mostrando que, nos anos 60, os<br />
filmes estrangeiros dominavam a programação, o que havia sido superado<br />
quando a Globo produziu 90% <strong>de</strong> programas brasileiros. Ele cunhou a<br />
expressão Produto <strong>de</strong> Origem Nacional, argumentando que o importante era<br />
que o produto fosse brasileiro, fosse ele nacional, regional ou local, é evi<strong>de</strong>nte,<br />
com a obrigatorie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> jornalismo local e programas comunitários.<br />
A afirmação <strong>de</strong> que tal programação significaria o fim <strong>da</strong> produção <strong>de</strong><br />
quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, formula<strong>da</strong> pelo então principal executivo <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Globo, permite<br />
chegar-se ao entendimento <strong>de</strong> que a produção <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> só po<strong>de</strong>ria ter<br />
origem nos pólos tradicionais, Rio e São Paulo. Para o regional e o local os<br />
espaços são <strong>de</strong>limitados ao jornalismo e aos programas comunitários.<br />
A esses espaços <strong>de</strong>finidos pela Re<strong>de</strong> Globo foi se confinando a<br />
produção local <strong>da</strong> TV Liberal, seja ela pré-grava<strong>da</strong>, ou ao vivo. A sofisticação<br />
do controle dos horários <strong>da</strong> gra<strong>de</strong> se aprimora com a exibição em tempo real.<br />
Só existe um momento, durante o ano, em que essa hegemonia é <strong>de</strong>safia<strong>da</strong> e<br />
a gra<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser subverti<strong>da</strong> pelo imprevisível: a transmissão ao vivo do <strong>Círio</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>.<br />
71
AO VIVO E EM CORES<br />
72
O tempo presente é, por excelência, o tempo <strong>da</strong> TV. É assim que ela<br />
surge, transmitindo ao vivo, mesmo precariamente, eventos como os Jogos<br />
Olímpicos <strong>de</strong> Berlim, em 1936. No Brasil, a operação ao vivo será a marca <strong>da</strong><br />
TV mesmo quando, nos Estados Unidos, os filmes já tinham invadido a telinha,<br />
no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 40. É que aqui não existia uma indústria<br />
cinematográfica como a <strong>de</strong> Hollywood, nem a indústria <strong>de</strong> fabricação <strong>de</strong> filmes<br />
que, uni<strong>da</strong>s, usaram as leis antitruste para forçar o <strong>de</strong>slocamento <strong>da</strong> produção<br />
<strong>de</strong> teledramaturgia, que acontecia ao vivo em Nova Iorque, para a Costa<br />
Oeste, on<strong>de</strong> estavam os estúdios <strong>de</strong> cinema (Ortiz, 1988).<br />
No Brasil, pelo custo <strong>de</strong> importação, o filme só chegaria no final dos<br />
anos 50, e seu uso seria restrito principalmente aos programas <strong>de</strong> jornalismo e<br />
à publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, que, mesmo tendo verba para bancar esse custo, consagrou a<br />
primeira déca<strong>da</strong> <strong>da</strong> TV brasileira como a <strong>da</strong> garota-propagan<strong>da</strong>, que anunciava<br />
produtos e serviços ao vivo (Ortiz, 1988).<br />
Machado (2000: 125) enfatiza que a operação em tempo presente<br />
constitui a principal novi<strong>da</strong><strong>de</strong> introduzi<strong>da</strong> pela televisão <strong>de</strong>ntro do campo <strong>da</strong>s<br />
imagens técnicas, lembrando que, antes <strong>de</strong>la, as únicas formas expressivas<br />
que operavam ao vivo eram as artes performáticas, nas quais os artistas<br />
encenavam diante <strong>da</strong> platéia.<br />
73
Com a TV, o evento não apenas po<strong>de</strong> ser registrado pela câmera no<br />
momento em que ocorre, como sua recepção po<strong>de</strong> se verificar<br />
simultaneamente, por parte <strong>de</strong> audiência amplia<strong>da</strong> para além do espaço físico<br />
on<strong>de</strong> está ocorrendo a cena.<br />
A transmissão ao vivo talvez seja, <strong>de</strong>ntre to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
televisão, aquela que marca mais profun<strong>da</strong>mente a experiência <strong>de</strong>sse meio, diz<br />
Machado (2000:125-126), e talvez por isso mesmo, segundo o autor, tenha se<br />
tornado alvo privilegiado dos ataques <strong>de</strong> todos os críticos <strong>da</strong> televisão, o bo<strong>de</strong><br />
expiatório <strong>de</strong> todos os males <strong>da</strong> televisão e do mundo. Para ele, isso se dá<br />
porque o ataque a qualquer outro recurso expressivo ou tecnológico do meio<br />
po<strong>de</strong>ria atingir meios que são vizinhos, porém consi<strong>de</strong>rados mais nobres, como<br />
o cinema. Para exemplificar o mal estar, ou a má vonta<strong>de</strong>, em relação à TV,<br />
Machado chama em causa três ilustres inimigos <strong>da</strong> telinha, Jean Baudrillard,<br />
Paul Virilio e Pierre Bourdieu.<br />
As invectivas <strong>de</strong> Baudrillard e Virilio têm como motivação próxima a<br />
cobertura televisual <strong>da</strong> Guerra do Golfo. Baudrillard afirma que,<br />
[...] a uma veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>, a <strong>da</strong> informação, as coisas per<strong>de</strong>m<br />
seu sentido e que a guerra implo<strong>de</strong> em tempo real, a história implo<strong>de</strong> em tempo<br />
real, to<strong>da</strong> comunicação, todo significado implo<strong>de</strong>m em tempo real. (Baudrillard<br />
apud Machado, 2000:127)<br />
Virilio (apud Machado, 2000) consi<strong>de</strong>ra a TV nociva, entre outras coisas,<br />
porque ao operar fun<strong>da</strong>mentalmente ao vivo ela não permite distância crítica e<br />
reflexão. À <strong>de</strong>núncia <strong>da</strong> passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do espectador diante <strong>da</strong> avalanche <strong>de</strong><br />
74
imagens em tempo real, Machado contrapõe os gran<strong>de</strong>s movimentos <strong>de</strong> massa<br />
em vários países 33 pedindo o final <strong>da</strong> guerra.<br />
O libelo <strong>de</strong> Pierre Bourdieu (1997) contra a TV afirma que o meio não<br />
favorece o pensamento porque é construído sob o signo <strong>da</strong> urgência, <strong>da</strong><br />
veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> simultanei<strong>da</strong><strong>de</strong> do tempo presente. Bourdieu (1997:39-41)<br />
ironiza os pensadores "preferidos" pela televisão, aqueles que supostamente<br />
pensam em veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> acelera<strong>da</strong>, criando a categoria do fast-thinker, que<br />
pensa mais rápido que sua sombra, mas só propõe fast-food cultural. Machado<br />
classifica o livro <strong>de</strong> Bourdieu, Sobre a televisão (1997), como <strong>de</strong>sastroso e<br />
consi<strong>de</strong>ra perigoso o parti pris platônico, expresso na afirmativa do pensador<br />
francês, <strong>de</strong> que o pensamento exige certo afastamento temporal e distância,<br />
enquanto na urgência só se po<strong>de</strong> repetir conhecimento já cristalizado e lugar<br />
comum. Isso implica em dizer que quem pensa não está em condições <strong>de</strong> agir,<br />
ou quem age não está em condições <strong>de</strong> pensar (Machado, 2000:127).<br />
Na outra ponta <strong>de</strong>ssa corrente estão os governos <strong>de</strong> diversos matizes<br />
i<strong>de</strong>ológicos, que também têm razões, principalmente fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s no discurso <strong>da</strong><br />
segurança, para estigmatizar a transmissão ao vivo, impedindo-a sempre que<br />
possível, como aconteceu no Brasil durante o regime militar 34 e como<br />
aconteceu em Amã, na Jordânia, durante a Guerra do Golfo, on<strong>de</strong> o rei<br />
Hussein censurava o sinal <strong>da</strong> CNN (Bial, 1996).<br />
Nociva aos olhos dos intelectuais, perigosa aos olhos oficiais, a<br />
transmissão direta, pela simultanei<strong>da</strong><strong>de</strong>, é o momento <strong>de</strong> rasgar o script, o<br />
33 Inclusive nos Estados Unidos, on<strong>de</strong> se chegou a falar <strong>de</strong> um revival do movimento pacifista contra a<br />
guerra do Vietnã.<br />
34 É recorrente o exemplo <strong>da</strong> votação <strong>da</strong> emen<strong>da</strong> <strong>da</strong>s diretas pelo Congresso, em 1984, quando a<br />
transmissão foi proibi<strong>da</strong> e Brasília se tornou uma praça <strong>de</strong> guerra, inclusive com <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> jornalistas.<br />
75
momento em que tudo po<strong>de</strong> acontecer, sem plenas condições <strong>de</strong> controle por<br />
parte dos protagonistas e dos emissores <strong>da</strong>s notícias. Qualquer controle,<br />
lembra Machado, será perceptível ao telespectador, porque está sendo<br />
efetivado no ar. O tempo presente não mata o pensamento, mas o <strong>de</strong>safia a<br />
operar em condições <strong>de</strong> atuação e atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Diz o autor:<br />
A transmissão direta requer um pensamento vivo e em ação – aliás, o<br />
único pensamento possível, pois o contrário é mera erudição, enclausura<strong>da</strong> em<br />
bibliotecas ou aca<strong>de</strong>mias e volta<strong>da</strong> apenas para a sua própria preservação (<br />
Machado, 2000:130).<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista técnico, a operação ao vivo ain<strong>da</strong> é uma operação <strong>de</strong><br />
risco, mesmo com todo o avanço tecnológico <strong>da</strong> TV. Se isso persiste nos dias<br />
<strong>de</strong> hoje, po<strong>de</strong>-se imaginar o quanto a imprevisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e o acaso integravam o<br />
dia-a-dia <strong>da</strong> TV pré-vi<strong>de</strong>oteipe, quando só o filme era exceção na rotina do ao<br />
vivo. Cenários ruindo, atores esquecendo falas ou até aci<strong>de</strong>ntando-se à vista<br />
do público, que via o que não <strong>de</strong>via, numa involuntária exposição <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> um meio ain<strong>da</strong> marcado por gafes e atropelos.<br />
Quando a TV chegou a Belém, em 1961, já existiam os enlatados, mas<br />
boa parte <strong>de</strong> sua produção ain<strong>da</strong> seria ao vivo, o que justificava o investimento<br />
consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> recrutar e treinar cerca <strong>de</strong> cem profissionais. Como foi comum<br />
na chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> TV em to<strong>da</strong>s as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s brasileiras, aqui também se repetiram<br />
as gafes e os atropelos, recorrentes nos <strong>de</strong>poimentos prestados 40 anos<br />
<strong>de</strong>pois, mas o principal é que emerge <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>poimentos um momento muito<br />
fértil, na avaliação <strong>de</strong> Abílio Couceiro, repórter e apresentador <strong>de</strong> vários<br />
programas <strong>da</strong> TV Marajoara, no qual [...] tudo era novi<strong>da</strong><strong>de</strong>, tudo era<br />
improvisação e tudo <strong>da</strong>va certo.(Couceiro, 2001)<br />
76
Ortiz (1988), comentando <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> pioneiros <strong>da</strong> TV brasileira,<br />
mostra que a iniciativa individual é fun<strong>da</strong>mental nessa fase, é parte integrante<br />
<strong>da</strong>s estruturas que funcionam mal, a improvisação é uma exigência <strong>da</strong> época e<br />
possui, para além <strong>da</strong> luta contra dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s materiais, econômicas ou<br />
técnicas, a dimensão <strong>da</strong> criativi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Como já havia acontecido com o rádio, as<br />
pessoas que faziam TV aprendiam a construir a linguagem do novo meio na<br />
prática. As dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, pelos <strong>de</strong>poimentos coletados neste trabalho, também<br />
parecem ter sido o cimento <strong>de</strong> relações que ultrapassavam o acúmulo <strong>de</strong><br />
trabalho, a remuneração, e as condições materiais.<br />
A característica <strong>de</strong> trabalho em equipe certamente se conserva na TV,<br />
até porque não existe outro meio <strong>de</strong> chegar a bons resultados, seja no<br />
telejornalismo, seja nos <strong>de</strong>mais setores <strong>de</strong> produção. Mas a evolução <strong>da</strong><br />
técnica, especialmente o advento do vi<strong>de</strong>oteipe, com sua frieza e capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
tecnológica (Ortiz, 1988:100-101) introduziria uma <strong>de</strong>formação do real, que em<br />
princípio seria <strong>de</strong>scrito na sua essência quando trabalhado ´ao vivo´, na sua<br />
espontanei<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Ortiz frisa que faz pouco sentido buscar-se a explicação <strong>da</strong><br />
impessoali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s relações entre os homens no tipo <strong>de</strong> tecnologia usa<strong>da</strong>,<br />
mas constata, a partir <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> profissionais que viveram a transição do ao<br />
vivo para o vi<strong>de</strong>oteipe, a transformação <strong>da</strong> forma <strong>de</strong> se relacionar com a<br />
produção cultural:<br />
O espaço <strong>da</strong> criativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, que em última instância <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> precarie<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
momento, é substituído por novas exigências que, como veremos, são agora atributos<br />
<strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> industrial que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> lado a sua incipiência. (Ortiz, 1988:101)<br />
77
Um dos <strong>de</strong>poimentos citados por Ortiz (1988) é o <strong>de</strong> Geraldo Vietri que<br />
assim fala do vi<strong>de</strong>oteipe:<br />
Aqui termina a televisão brasileira. Em primeiro lugar o ator não precisa<br />
mais ter talento para interpretar, po<strong>de</strong> ser fabricado. [...] O vi<strong>de</strong>oteipe foi para a<br />
televisão brasileira um gran<strong>de</strong> mal irreparável. Achei pavoroso aquele invento<br />
maldito. (Vietri apud Ortiz, 1988: 100)<br />
De fato, uma certa televisão termina ali. A TV se consoli<strong>da</strong> como<br />
indústria cultural e uma <strong>de</strong> suas principais metas será trabalhar para reduzir o<br />
índice <strong>de</strong> falhas, reduzir a margem do acaso e isso está em consonância com a<br />
criação <strong>de</strong> formatos que, ao eliminar o improviso, <strong>de</strong> certo também limitam a<br />
criativi<strong>da</strong><strong>de</strong>. As marcas <strong>de</strong> espontanei<strong>da</strong><strong>de</strong> e do lúdico <strong>da</strong> primeira era <strong>da</strong><br />
televisão são substituí<strong>da</strong>s, na segun<strong>da</strong> fase, pelo Padrão Globo <strong>de</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
formalista e homogeneizador, que será disseminado pelo Brasil a fora.<br />
É essa passagem <strong>da</strong> TV feita a machado 35 para o vi<strong>de</strong>oteipe que marca<br />
a narrativa televisiva do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>.<br />
Emoções em preto e branco<br />
Em outubro <strong>de</strong> 1961, o móvel <strong>da</strong> televisão na sala era um raro sinal <strong>de</strong><br />
status em Belém e muitos dos privilegiados proprietários ligavam o aparelho às<br />
18h30 e passavam meia hora vendo apenas o indiozinho que marcava o<br />
padrão <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> TV Marajoara no ar, até as 19 horas, quando começava<br />
o primeiro programa 36 . Poucos telespectadores escapavam <strong>de</strong> compartilhar o<br />
serão com algum “televizinho”, termo que se tornou comum à época e só<br />
<strong>de</strong>sapareceu <strong>de</strong> todo quando a ampliação do crediário e o crescimento <strong>da</strong><br />
35<br />
Expressão <strong>de</strong> Jurandir Miran<strong>da</strong>, técnico <strong>da</strong> Marajoara, para classificar as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> TV dos anos<br />
60.<br />
36<br />
Prática relembra<strong>da</strong> no <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Rubens Onetti, repórter-cinematográfico <strong>da</strong> TV Marajoara.<br />
78
indústria eletro-eletrônica nacional contribuíram para a popularização dos<br />
receptores 37 .<br />
Des<strong>de</strong> os primeiros dias do mês, as anunciadoras <strong>da</strong> TV Marajoara<br />
prometiam uma gran<strong>de</strong> novi<strong>da</strong><strong>de</strong> para o <strong>Círio</strong> que se aproximava: a emissora ia<br />
fazer, no domingo 8 <strong>de</strong> outubro, sua primeira externa, a transmissão do <strong>Círio</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>.<br />
O paraense já estava acostumado a “ouvir” o <strong>Círio</strong> pelo rádio. As<br />
transmissões <strong>da</strong> Rádio Marajoara, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1954, e <strong>da</strong> pioneira, a PRC-5<br />
Rádio Clube do Pará, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 22 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1928, atingiam o interior do<br />
Estado na voz<br />
dos melhores locutores <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>las, que se esmeravam em<br />
narrar a grandiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> e as emoções <strong>da</strong> procissão. Além <strong>de</strong> postos fixos, os<br />
locutores percorriam o trajeto em carros <strong>da</strong>s rádios, o que lhes <strong>da</strong>va a<br />
oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> reportar <strong>de</strong>talhes do percurso e fazer entrevistas com pessoas<br />
que acompanhavam a procissão. Des<strong>de</strong> os anos 50 as rádios já faziam<br />
externas, usando uma gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fios, toma<strong>da</strong>s, microfones e linhas<br />
telefônicas bloquea<strong>da</strong>s para entrar no ar. Moreira (2001:81) registra que, nessa<br />
déca<strong>da</strong>, a presença <strong>de</strong> repórteres transmitindo o som real dos acontecimentos,<br />
direto <strong>da</strong>s ruas, era uma experiência marcante para o rádio brasileiro que, nos<br />
anos 60, começava a contar com os gravadores portáteis minicassetes,<br />
favorecendo a agili<strong>da</strong><strong>de</strong> no trabalho <strong>de</strong> externa.<br />
37 O Censo do IBGE <strong>de</strong> 1970, citado por Caparelli (1982) registra que em 1970 cerca <strong>de</strong> 23% dos<br />
domicílios brasileiros tinham TV e o percentual sobe para 43% em 1974. O autor registra, ain<strong>da</strong>, a<br />
prática <strong>de</strong> famílias do interior que, logo após adquirir o aparelho, cobravam ingresso dos vizinhos que<br />
queriam assistir algum programa.<br />
79
Já a TV brasileira dos anos 60 ain<strong>da</strong> era uma TV <strong>de</strong> escassa mobili<strong>da</strong><strong>de</strong>:<br />
equipamentos muito pesados (uma câmera chegava a 70 quilos) e com poucos<br />
recursos técnicos, carros <strong>de</strong> externa valvulados, pois ain<strong>da</strong> não existia o<br />
transistor, enfim, limitações que <strong>de</strong>sencorajavam a ação extra-estúdios, restrita<br />
a eventos muito especiais. Essas condições eram mais precárias numa TV <strong>da</strong><br />
Amazônia. Mas a TV Marajoara tentaria bater o rádio, pelo menos em seu raio<br />
<strong>de</strong> alcance, Belém, usando a gran<strong>de</strong> e nova arma, a imagem, e os recursos <strong>de</strong><br />
áudio que o próprio rádio lhe proporcionava. A emissora era beneficia<strong>da</strong>,<br />
também, pela localização <strong>de</strong> sua se<strong>de</strong>, no Largo <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, on<strong>de</strong> instalou o<br />
caminhão <strong>de</strong> externa, que só transmitia por cabos conectados à emissora (não<br />
existia link <strong>de</strong> microon<strong>da</strong>s) enquanto outra câmera fazia toma<strong>da</strong>s do ângulo<br />
oposto.<br />
O vi<strong>de</strong>oteipe RCA, usado nessa externa, media dois metros <strong>de</strong> altura e<br />
pesava em torno <strong>de</strong> 800 quilos. Era usado para exibir os teipes enviados do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro pela Tupi, através <strong>de</strong> um “pombo-correio”, um funcionário que<br />
praticamente morava nos aviões, entregando teipes pelo Brasil. Belém era o<br />
ponto final <strong>da</strong> rota, que começava em Recife e passava por Fortaleza.<br />
Infelizmente o registro <strong>de</strong>ssa primeira transmissão se per<strong>de</strong>u 38 . Só é<br />
possível reconstitui-la com o testemunho <strong>de</strong> quem nela trabalhou ou através do<br />
noticiário <strong>de</strong> A Província do Pará, obtendo relatos fragmentados, como<br />
fragmenta<strong>da</strong> foi a cobertura.<br />
38 Quando a Marajoara foi fecha<strong>da</strong>, em 1980, a TV Guajará comprou o prédio, equipamento e acervo.<br />
Esse incluía filmes telecinados em U-Matic e transmissões dos <strong>Círio</strong>s, <strong>de</strong> 1961 a 1979. José Paulo<br />
Costa, radialista que trabalhou na Guajará, informa que em 1987, por or<strong>de</strong>m <strong>da</strong> direção <strong>da</strong> emissora, as<br />
fitas foram reutiliza<strong>da</strong>s para gravação <strong>de</strong> novelas, per<strong>de</strong>ndo-se totalmente os primeiros registros<br />
televisuais do <strong>Círio</strong>.<br />
80
Destes relatos emerge a criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> quem fazia TV naquele tempo<br />
para driblar os obstáculos advindos <strong>da</strong>s condições técnicas ain<strong>da</strong> incipientes.<br />
Às 7 <strong>da</strong> manhã, Rubens Onetti, o repórter cinematográfico <strong>da</strong> Marajoara<br />
filmava a saí<strong>da</strong> do <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> Catedral <strong>de</strong> Belém, usando uma câmera Paillard<br />
Bolex <strong>de</strong> 16mm. Ele usava 100 pés <strong>de</strong> filme (capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do chassis <strong>da</strong><br />
câmera), o equivalente a 30 metros, e filmava os takes escolhendo-os<br />
cui<strong>da</strong>dosamente, <strong>de</strong> modo a garantir já uma pré-montagem. Feito isso, redigia<br />
uma <strong>de</strong>cupagem do material filmado e <strong>de</strong>spachava-o para a emissora, on<strong>de</strong> o<br />
filme era revelado e imediatamente colocado no ar. Todo o esforço rendia<br />
apenas dois minutos e meio <strong>de</strong> imagens, que é o tempo que se obtém <strong>de</strong> 100<br />
pés <strong>de</strong> filme bem aproveitados.<br />
A operação se repetia, sempre com 100 pés <strong>de</strong> filme, na peregrinação<br />
do repórter cinematográfico por mais cinco pontos do percurso <strong>da</strong> procissão,<br />
com direito a imagens aéreas do foguetório dos estivadores à passagem <strong>da</strong><br />
berlin<strong>da</strong>, que a câmera registrava do alto <strong>de</strong> um prédio próximo. No Largo <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong>, as duas únicas câmeras do estúdio estavam no ar, com repórteres<br />
posicionados próximos a elas, atentos à movimentação do largo, informando a<br />
posição <strong>da</strong> romaria e entrevistando autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e romeiros. Os repórteres<br />
entravam no ar a chamado do narrador principal <strong>da</strong> transmissão, que ficava<br />
perto <strong>da</strong> câmera, até mesmo em cima do carro <strong>de</strong> externa, protegido <strong>da</strong><br />
multidão. Ele funcionava como o fio condutor <strong>da</strong> transmissão, inclusive<br />
anunciando a entra<strong>da</strong> dos filmes no ar.<br />
Ain<strong>da</strong> não se contava com a lente zoom, mas uma <strong>da</strong>s câmeras RCA<br />
era equipa<strong>da</strong> com uma torre <strong>de</strong> lentes com uma teleobjetiva <strong>de</strong> 300mm, uma<br />
81
lente gran<strong>de</strong> angular <strong>de</strong> 23mm e uma teleobjetiva <strong>de</strong> 500mm, que permitia<br />
mostrar a procissão quando a três quadras <strong>de</strong> distância.<br />
O filme era mudo e o primeiro <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> TV só não foi ao ar assim <strong>de</strong>vido<br />
aos sonoplastas treinados na escola <strong>da</strong>s radionovelas <strong>da</strong> Rádio Marajoara, que<br />
trilharam as imagens usando músicas e ruídos, como os <strong>de</strong> fogos, por<br />
exemplo, para que a homenagem do sindicato dos estivadores à Santa<br />
conservasse, na telinha, um pouco <strong>da</strong> vibração do ao vivo. Essa técnica <strong>de</strong><br />
efeitos sonoros, consagra<strong>da</strong> pelo rádio, permitia o reforço dramático às<br />
imagens <strong>da</strong>quela época, principalmente se observado que esses filmes não<br />
contavam com texto em off do repórter. A sonoplastia não foi a única herança<br />
do rádio na primeira transmissão do <strong>Círio</strong> pela TV: os repórteres – que vinham<br />
do rádio – <strong>de</strong>screviam as cores <strong>da</strong>s flores <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>, do manto <strong>da</strong> Virgem,<br />
para os telespectadores que só podiam ver um <strong>Círio</strong> em preto e branco.<br />
A Marajoara, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, só mostrou ao vivo os momentos finais <strong>da</strong><br />
romaria. Na matéria jornalística, na programação e no anúncio publicados em<br />
páginas nobres <strong>de</strong> A Província do Pará <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1961, a emissora<br />
anunciava o início <strong>de</strong> sua transmissão às 10 horas, quando a romaria, inicia<strong>da</strong><br />
às 7 horas, já estava quase chegando à Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. Os 15 minutos dos<br />
flashes do repórter cinematográfico não eram ao vivo, não tinham<br />
simultanei<strong>da</strong><strong>de</strong> com o que estava se <strong>de</strong>senrolando no espetáculo <strong>de</strong><br />
referência. Logo, externa, que pressupõe tempo presente, ou tempo real, só<br />
aconteceu quando as câmeras fixas, uma <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> lado <strong>da</strong> aveni<strong>da</strong> <strong>Nazaré</strong>,<br />
mostraram a expectativa <strong>da</strong> chega<strong>da</strong>, a partir <strong>da</strong>s 10 <strong>da</strong> manhã. E, para <strong>de</strong>ixar<br />
isso bem claro, a programação do Canal 2, publica<strong>da</strong> na primeira página do<br />
82
jornal, diz, textualmente, que iria ao ar uma transmissão externa <strong>de</strong> aspectos<br />
do <strong>Círio</strong> (grifo meu)<br />
A programação também mostra que aquele foi o primeiro dia em que a<br />
TV ampliou seu horário, entrando com o padrão no ar excepcionalmente às<br />
9h30. À noite foi exibi<strong>da</strong> uma reportagem sobre o <strong>Círio</strong>, <strong>de</strong> 19h30 às 20 horas,<br />
antes do segundo capítulo <strong>de</strong> Memórias <strong>de</strong> Winston Churchill, série <strong>de</strong> sucesso<br />
patrocina<strong>da</strong> pela Shell, parte do primeiro pacote <strong>de</strong> enlatados enviado pela TV<br />
Tupi.<br />
A matéria jornalística, edita<strong>da</strong> na contracapa do terceiro ca<strong>de</strong>rno do<br />
jornal, <strong>de</strong>staca a externa em si, no título 1 ª reportagem externa <strong>da</strong> TV-<br />
Marajoara, hoje e, no subtítulo, esclarece que será o <strong>Círio</strong> o objeto <strong>da</strong><br />
transmissão, anunciando que à noite seria apresenta<strong>da</strong> uma filmagem<br />
retrospectiva <strong>da</strong> romaria <strong>da</strong>quela manhã e <strong>de</strong> anos anteriores, enfatizando,<br />
ain<strong>da</strong>, que se tratava <strong>de</strong> um "brin<strong>de</strong>" <strong>da</strong>s três lojas RM 39 ao povo cristão do<br />
Pará.<br />
O lead <strong>da</strong> matéria reforça o brin<strong>de</strong> especial e exclusivo do<br />
patrocinador 40 , mencionado também no sublead quando é anuncia<strong>da</strong> a<br />
apresentação <strong>da</strong> retrospectiva, com os <strong>de</strong>talhes mais interessantes ou mais<br />
comoventes do <strong>Círio</strong>. O terceiro e último bloco <strong>da</strong> matéria explicita quem era o<br />
público alvo <strong>da</strong> externa: aqueles que não pu<strong>de</strong>rem sair <strong>de</strong> casa e aqueles que<br />
assistirem <strong>de</strong> casa à passagem do <strong>Círio</strong>, classificado como impressionante<br />
espetáculo <strong>de</strong> fé cristã, que pela primeira vez será mostrado numa tela <strong>de</strong> Tv.<br />
39 RM eram as iniciais <strong>de</strong> Romulo Maiorana, empresário que 15 anos mais tar<strong>de</strong> inauguraria a TV Liberal.<br />
40 A transmissão do <strong>Círio</strong> era muito importante na captação <strong>de</strong> recursos publicitários para a emissora.<br />
Essa importância é ressalta<strong>da</strong> por diversos entrevistados que fizeram as primeiras transmissões na<br />
Marajoara.<br />
83
A exibição noturna do que hoje se chamaria <strong>de</strong> compacto ou <strong>de</strong><br />
melhores momentos do <strong>Círio</strong>, permitia que os participantes <strong>da</strong> festa matinal<br />
pu<strong>de</strong>ssem revivê-la, em novo e inédito nível <strong>de</strong> participação e presença, como<br />
telespectadores, até se reconhecendo nas imagens, quem sabe?<br />
Verifica-se, então, que a TV se apressava a reivindicar para si a<br />
condição <strong>de</strong> principal mediadora do espetáculo que já era consi<strong>de</strong>rado<br />
impressionante, embora, no discurso <strong>da</strong> notícia, ain<strong>da</strong> restrito aos cristãos. Os<br />
que professam a fé cristã eram os <strong>de</strong>stinatários do "brin<strong>de</strong>," a transmissão,<br />
reconhecendo-se nas cenas que se <strong>de</strong>senrolavam ao longo do <strong>Círio</strong> duas<br />
quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s essenciais para que o espetáculo atraísse o olhar do telespectador,<br />
mesmo não-cristão: interesse e emoção, proporcionados amplamente pelas<br />
características que faziam e fazem do <strong>Círio</strong> uma romaria ímpar.<br />
No anúncio publicado pelas Lojas RM na página 3 do primeiro ca<strong>de</strong>rno<br />
do jornal, sob o título RM e TV se associam para que todos vejam o <strong>Círio</strong>, o<br />
patrocinador classificava a transmissão como um serviço <strong>de</strong> utili<strong>da</strong><strong>de</strong> pública<br />
em homenagem à Padroeira do paraense.<br />
Nesse anúncio, mais claramente do que na matéria jornalística, a TV<br />
exprimia, com relação ao <strong>Círio</strong>, sua promessa <strong>de</strong> (con)fundir/abolir os espaços<br />
<strong>da</strong> casa, on<strong>de</strong> estava retido o fiel, e <strong>da</strong> rua on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senrolava a festa,<br />
teletransportando, ao mesmo tempo, o evento para a cena <strong>da</strong> casa e o fiel para<br />
a cena <strong>da</strong> rua, “milagre” possível por sua conversão em telespectador <strong>de</strong> um<br />
espetáculo que ele estaria privado <strong>de</strong> ver <strong>de</strong> outro modo. Veja-se o segundo<br />
parágrafo, do anúncio:<br />
É a primeira vez na história do Pará que, todos os que aqui moram, po<strong>de</strong>m<br />
vêr o <strong>Círio</strong>. Mesmo os enfêrmos, mesmo os que não po<strong>de</strong>m caminhar, mesmo os<br />
84
anciãos que não mais saem à rua, todos vão ver o <strong>Círio</strong> – e comungar com os<br />
romeiros do mesmo sentimento <strong>de</strong> fé que, neste dia, é o <strong>de</strong>nominador comum <strong>da</strong><br />
gente paraense.<br />
A TV passava a conferir ao <strong>Círio</strong> uma visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> inédita: todos vão ver o<br />
<strong>Círio</strong>. A inédita experiência do <strong>Círio</strong> televisual era anuncia<strong>da</strong> como uma nova<br />
possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> para todos os que aqui moram, mesmo que o recorte posterior do<br />
texto admitisse que somente a doença, a invali<strong>de</strong>z e a velhice po<strong>de</strong>riam,<br />
naquele dia tão especial, afastar o <strong>de</strong>voto <strong>da</strong> convivência com a Santa, que se<br />
dá no espaço <strong>da</strong> rua.<br />
A TV firma a promessa <strong>de</strong> que essa convivência, até então impossível a<br />
não ser na reali<strong>da</strong><strong>de</strong> contígua, po<strong>de</strong>ria ser reconfigura<strong>da</strong> na televivência 41 ,<br />
permitindo a inclusão do telespectador à comunhão dos romeiros que ele via<br />
<strong>de</strong>sfilarem na tela, restituindo-lhe <strong>de</strong>ssa forma o pertencimento à sua gente,<br />
integrando-o ao mais forte discurso i<strong>de</strong>ntitário <strong>da</strong> gente paraense, que se<br />
expressa na fé.<br />
Naquele <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 1961 instalou-se a mediação do aparato técnico <strong>da</strong> TV<br />
entre o acontecimento e sua formulação simbólica. A simultanei<strong>da</strong><strong>de</strong> entre a<br />
romaria e sua apresentação na tela faz <strong>da</strong> mediação <strong>da</strong> TV um marco na<br />
história do <strong>Círio</strong>. Até então, só era possível assistir a filmes do <strong>Círio</strong>, sem som<br />
direto, ou seja, sem áudio-ambiente, nos cine-jornais locais que Milton<br />
Mendonça, um pioneiro do cinema paraense, exibia nas casas do circuito<br />
Severiano Ribeiro.<br />
O primeiro registro que a TV fez do <strong>Círio</strong> foi incompleto, pelo que se<br />
<strong>de</strong>preen<strong>de</strong> dos relatos, mas através <strong>de</strong>les também se percebe que já existia,<br />
41 Expressão cria<strong>da</strong> por Rubim (2000) para caracterizar o tipo <strong>de</strong> vivência à distância, que ca<strong>da</strong> vez mais<br />
faz parte do cotidiano contemporâneo, que junta à convivência a televivência dos fatos.<br />
85
nessa primeira aproximação, a tentativa <strong>de</strong> narrar o <strong>Círio</strong> na perspectiva <strong>de</strong> um<br />
gênero televisual, a transmissão direta, quando a TV trabalha para construir um<br />
espetáculo sobre o espetáculo <strong>de</strong> referência, ou seja, operando sobre ele,<br />
tentando construir um <strong>Círio</strong> sob a égi<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas leis. A TV captura aspectos do<br />
<strong>Círio</strong>, que são <strong>de</strong>scontextualizados e recontextualizados através <strong>da</strong> montagem<br />
e <strong>da</strong> junção entre o material filmado e o ao vivo, buscando construir um sentido<br />
nessa narrativa através <strong>da</strong> intervenção do narrador principal. Um processo que,<br />
em essência, é seguido até hoje.<br />
Nesse primeiro contato com o <strong>Círio</strong>, a TV se aproximou do evento, ain<strong>da</strong><br />
que com <strong>de</strong>bili<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica, mas exercendo a escolha do que seria mostrado,<br />
do mais interessante ou do mais emocionante. Ela não hesitou, por exemplo,<br />
em “produzir” som sobre o silêncio do filme para que esse fosse exibido <strong>de</strong><br />
forma mais atraente e a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong> às características do meio. Nessa externa<br />
evi<strong>de</strong>nciou-se a marca que até hoje permanece nas transmissões televisuais<br />
do evento: a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica <strong>da</strong> emissora dita o que é possível fazer e isso<br />
faz com que essas transmissões sejam marcos <strong>de</strong> evolução tecnológica para<br />
as TVs <strong>de</strong> Belém.<br />
A compra <strong>de</strong> equipamentos mais mo<strong>de</strong>rnos permitiu à TV Marajoara<br />
agregar novos elementos à sua narrativa do <strong>Círio</strong>. A partir <strong>da</strong> terceira<br />
transmissão, em 1963, Rubens Onetti já usava filme sonoro, o que permitiu a<br />
entra<strong>da</strong> do repórter também nos trechos filmados <strong>da</strong> romaria. Formou-se a<br />
dupla repórter e cinegrafista, embora, como o chassis <strong>da</strong> câmera continuasse<br />
limitado a 100 pés, o repórter só pu<strong>de</strong>sse participar do filme por no máximo 40<br />
segundos.<br />
86
Pouco <strong>de</strong>pois, a TV passou a contar com uma câmera Aurikon, com<br />
dois chassis <strong>de</strong> 400 pés. Com isso, a autonomia <strong>de</strong> filmagem subiu para 20<br />
minutos, o que permitiu, naturalmente, um alongamento <strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s e a<br />
cobertura <strong>de</strong> um maior número <strong>de</strong> pontos, embora continuasse sendo<br />
necessário <strong>de</strong>spachar os filmes para a TV, on<strong>de</strong> eram revelados e montados<br />
antes <strong>de</strong> ir ao ar. Esse sistema perdurou enquanto foram usa<strong>da</strong>s as câmeras<br />
<strong>de</strong> cinema.<br />
Os testemunhos dos que trabalharam nas transmissões dos anos 60 na<br />
TV Marajoara apontam - como é comum em <strong>de</strong>poimentos sobre os primeiros<br />
tempos <strong>da</strong> TV on<strong>de</strong> quer que ela tenha se instalado - para o primado do<br />
improviso, técnico e jornalístico, inclusive porque, no segundo caso, ain<strong>da</strong> não<br />
existiam a produção e o script.<br />
Para falar <strong>da</strong> história do <strong>Círio</strong>, os repórteres <strong>da</strong> época, segundo<br />
Couceiro (2001) recorriam ao resumo publicado no jornal impresso do dia, que<br />
muitas vezes liam textualmente. O curto raio <strong>de</strong> ação permitido pelas câmeras,<br />
microfones e cabos <strong>de</strong> áudio e ví<strong>de</strong>o e, ain<strong>da</strong>, a falta <strong>da</strong> figura do produtor<br />
para auxiliar os repórteres, faziam com que os entrevistados fossem os que<br />
estivessem mais próximos: cientista, antropólogo, o povo, os que estavam<br />
an<strong>da</strong>ndo, estavam passando (Couceiro, 2001).<br />
A partir <strong>de</strong> meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60, a TV já contava com uma<br />
microon<strong>da</strong>s 42 e era possível mostrar ao vivo a saí<strong>da</strong> do <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> Catedral,<br />
lincando essa microon<strong>da</strong>s <strong>da</strong> igreja para a torre <strong>da</strong> TV Marajoara. Assim que a<br />
procissão saía do alcance <strong>da</strong> câmera, o sistema era <strong>de</strong>smontado e<br />
transportado para o Largo <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, on<strong>de</strong> a TV mostraria a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
87
omaria. Os filmetes continuavam a ser o registro possível dos outros pontos do<br />
percurso. Por causa <strong>de</strong> problemas na microon<strong>da</strong>s, aconteciam que<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />
áudio ou <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o e, no primeiro caso, havia o recurso <strong>de</strong> jogar o áudio <strong>da</strong><br />
Rádio Marajoara sobre as imagens <strong>da</strong> TV, o que<br />
resultava, algumas vezes, em falta <strong>de</strong> sincronismo entre a fala do locutor e as<br />
imagens mostra<strong>da</strong>s na tela. Mesmo sendo o <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60 bem menos<br />
concorrido em relação ao <strong>de</strong> hoje, a cobertura já apresentava uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
que se ampliou muito, a <strong>da</strong> segurança <strong>de</strong> equipamentos e profissionais, que<br />
po<strong>de</strong>riam ser arrastados pela multidão, especialmente em momentos como o<br />
<strong>da</strong> chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> romaria à Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. Naqueles anos, os promesseiros<br />
<strong>da</strong> cor<strong>da</strong> entravam na basílica para <strong>de</strong>positar a cor<strong>da</strong> aos pés do altar e essa<br />
entra<strong>da</strong> era muito tumultua<strong>da</strong>.<br />
O jornalismo, por sua vez, passava a contar com a figura do<br />
comentarista, quase sempre um religioso, que se juntava ao narrador, no<br />
estúdio. O <strong>de</strong>partamento técnico trabalhava com pelo menos um mês <strong>de</strong><br />
antecedência, preparando gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> multicabos (cabos com muitos<br />
fios) para as câmeras que seriam usa<strong>da</strong>s no <strong>Círio</strong>.<br />
No início dos anos 70 a Marajoara recebeu reforço <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong><br />
outras emissoras associa<strong>da</strong>s, especialmente para o <strong>Círio</strong>. Junto com as<br />
primeiras câmeras <strong>de</strong> TV portáteis <strong>da</strong> marca Sony já adquiri<strong>da</strong>s, a TV passou a<br />
contar com uma microon<strong>da</strong>s empresta<strong>da</strong> pela TV Tupi, que permitiu a<br />
instalação <strong>de</strong> um novo ponto <strong>de</strong> transmissão e proporcionou as primeiras<br />
imagens colori<strong>da</strong>s <strong>da</strong> queima <strong>de</strong> fogos promovi<strong>da</strong> pelos estivadores, mostra<strong>da</strong>s<br />
do alto do mesmo prédio on<strong>de</strong> se postava, na primeira externa <strong>de</strong> 1961, o<br />
42 Um TV1 <strong>da</strong> RCA, o primeiro mo<strong>de</strong>lo usado no Brasil, ain<strong>da</strong> valvulado.<br />
88
cinegrafista com sua câmera. Essa microon<strong>da</strong>s adicional permitiu a ampliação<br />
dos “aspectos” do <strong>Círio</strong> que a TV mostrava ao vivo. Já era possível manter por<br />
mais tempo as imagens <strong>da</strong> saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> romaria, sem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>smontar o<br />
equipamento às pressas, obter imagens <strong>da</strong> queima <strong>de</strong> fogos e <strong>de</strong> um outro<br />
gran<strong>de</strong> trecho <strong>da</strong> procissão e, finalmente, mostrar a chega<strong>da</strong>. O corte em<br />
pingue pongue entre as três câmeras era usado, então, não apenas para <strong>da</strong>r<br />
ritmo, mas principalmente para cobrir claros <strong>da</strong> transmissão, já que havia<br />
poucas câmeras.<br />
Os pontos <strong>de</strong> transmissão ao vivo ampliaram-se para cinco quando, na<br />
meta<strong>de</strong> dos anos 70, formava-se, apenas no dia do <strong>Círio</strong>, a Re<strong>de</strong> Paraense <strong>de</strong><br />
Televisão, um pool que reunia a TV Marajoara e a TV Guajará, esta oferecendo<br />
o que era, até então, a visão mais verticaliza<strong>da</strong> do <strong>Círio</strong>, pois montava uma<br />
câmera no terraço <strong>de</strong> sua se<strong>de</strong>, no 25 o an<strong>da</strong>r do edifício mais alto <strong>de</strong> Belém,<br />
num dos pontos mais críticos do percurso, quando a romaria enfrentava a<br />
curva <strong>da</strong> praça <strong>da</strong> República para entrar na aveni<strong>da</strong> <strong>Nazaré</strong>, sendo freqüentes<br />
- como ain<strong>da</strong> são - atropelos e que<strong>da</strong>s <strong>de</strong> romeiros.<br />
Alguns anos <strong>de</strong>pois, chegava ao fim o tempo <strong>da</strong> TV Marajoara. Ela era<br />
uma exceção na Taba Associa<strong>da</strong>, on<strong>de</strong> a maioria <strong>da</strong>s emissoras – começando<br />
pela Tupi do Rio - vivia às voltas com dívi<strong>da</strong>s na Previdência Social, salários<br />
atrasados e falta <strong>de</strong> anunciantes, mas mesmo assim acabou fechando, na<br />
esteira <strong>da</strong> cassação <strong>de</strong> concessões <strong>da</strong> Tupi pelo governo do presi<strong>de</strong>nte João<br />
Batista Figueiredo, em julho <strong>de</strong> 1980. A Re<strong>de</strong> Tupi conservou poucas<br />
emissoras e a maioria foi ratea<strong>da</strong> entre o Grupo Bloch Editores, originando-se a<br />
Re<strong>de</strong> Manchete, que opera <strong>de</strong> 1983 a 1999, e a TV SBT Sílvio Santos Lt<strong>da</strong>,<br />
que ficou com a Marajoara, entrando no ar a partir <strong>de</strong> 1981.<br />
89
No final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60, seguindo a tendência nacional, a TV<br />
Marajoara <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> produzir programas para receber apenas enlatados e<br />
teipes <strong>da</strong> Tupi. Ao fechar, após uma gran<strong>de</strong> mobilização <strong>de</strong> seus funcionários<br />
que comoveu a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, a Marajoara só mantinha, como programação local, o<br />
jornalismo e a transmissão ao vivo do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>.<br />
As cores <strong>da</strong> festa explo<strong>de</strong>m no ar<br />
Em 1976, quatro anos antes do fechamento <strong>da</strong> Marajoara, a recém-<br />
inaugura<strong>da</strong> TV Liberal fez sua estréia na transmissão do <strong>Círio</strong>. O proprietário,<br />
Romulo Maiorana, que havia patrocinado a primeira externa do <strong>Círio</strong> em 1961,<br />
ia oferecer um novo “brin<strong>de</strong>” ao telespectador, <strong>de</strong>sta vez com sua própria<br />
emissora, mostrando a romaria totalmente em cores. Isso foi possível, mais<br />
uma vez, pelos avanços tecnológicos dos equipamentos <strong>de</strong> TV. Naquela<br />
transmissão a Liberal usou as câmeras TK <strong>da</strong> RCA, as primeiras profissionais<br />
colori<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Belém. Esses equipamentos permitiam também imagens <strong>de</strong><br />
estúdio em cores gera<strong>da</strong>s pela Liberal, não apenas as recebi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> TV Globo.<br />
Nos cinco meses entre a inauguração <strong>da</strong> TV Liberal e o <strong>Círio</strong>, o<br />
<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Jornalismo se preparou para o evento produzindo um<br />
documentário sobre a festa, O <strong>Círio</strong>, uma história <strong>de</strong> fé, exibido no sábado<br />
véspera <strong>da</strong> romaria, em horário nobre, 20h30. Ele foi anunciado na primeira<br />
página do jornal O Liberal do sábado 9 <strong>de</strong> outubro, prometendo ultrapassar o<br />
enfoque meramente <strong>de</strong>scritivo sobre a festa ao respon<strong>de</strong>r a duas perguntas:<br />
Como nasceu o <strong>Círio</strong>?, Um hábito ou uma procissão religiosa? Os outros três<br />
<strong>de</strong>staques eram as alegorias e a cor<strong>da</strong>, o cumprimento <strong>de</strong> promessas e a festa<br />
no arraial, então já <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte.<br />
90
Ao lado do anúncio do documentário, outra peça <strong>da</strong> TV Liberal avisava<br />
que a emissora não sairia do ar do sábado para o domingo, contando para isso<br />
com uma programação especial pré-grava<strong>da</strong> <strong>de</strong> filmes, antece<strong>de</strong>ndo sete<br />
horas <strong>de</strong> um trabalho jornalístico jamais feito com imagens a cores pela<br />
primeira vez na TV, a partir <strong>da</strong>s 6h30.<br />
A TV Liberal trabalhava com três TK e um gran<strong>de</strong> avanço <strong>de</strong>ssas<br />
câmeras é que eram transistoriza<strong>da</strong>s. Isso fazia muito diferença na hora <strong>de</strong> um<br />
ao vivo. O equipamento valvulado, ain<strong>da</strong> usado pelas suas concorrentes, além<br />
<strong>de</strong> mais pesado, era projetado para estúdio, não para externas, porque<br />
freqüentemente <strong>de</strong>salinhava com elevação <strong>de</strong> temperatura e trepi<strong>da</strong>ção, dois<br />
problemas impossíveis <strong>de</strong> evitar no <strong>Círio</strong>. Com isso a câmera ficava fora <strong>de</strong><br />
convergência, <strong>da</strong>ndo o efeito “fantasma” no ar, com imagem <strong>de</strong>sfoca<strong>da</strong> e sem<br />
clareza. Para ser realinha<strong>da</strong>, a câmera tinha que ficar fora do ar <strong>de</strong> 10 minutos<br />
a meia hora. É fácil imaginar a per<strong>da</strong> <strong>de</strong> imagens que isso significava na<br />
externa.<br />
A Liberal pô<strong>de</strong> exibir, então, um sinal limpo e colorido do início ao fim <strong>da</strong><br />
externa, que contou, entretanto, com o velho recurso do cinema. A emissora<br />
tinha uma equipe <strong>de</strong> jovens repórteres cinematográficos treina<strong>da</strong> e<br />
supervisiona<strong>da</strong> por Milton Mendonça, o mesmo que tinha sido mestre <strong>de</strong><br />
Rubens Onetti, o câmera do primeiro <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> TV Marajoara. No dia do <strong>Círio</strong>,<br />
Milton Mendonça operou uma <strong>da</strong>s três CPs 16mm (chassis <strong>de</strong> 400 pés, apenas<br />
cinco quilos <strong>de</strong> peso) <strong>da</strong> Liberal e, com aju<strong>da</strong> <strong>de</strong> um motorista-auxiliar, um<br />
fusquinha e uma esca<strong>da</strong> <strong>de</strong> mão que armava rente à pare<strong>de</strong> para obter<br />
melhores ângulos, percorreu o trajeto <strong>da</strong> romaria, levando filme para a TV a<br />
ca<strong>da</strong> 800 pés operados.<br />
91
Os filmes <strong>de</strong> Milton e <strong>da</strong>s outras duas CPs complementavam as<br />
imagens ao vivo do estúdio - on<strong>de</strong> um narrador, sem script, falava basicamente<br />
<strong>da</strong> história <strong>da</strong> romaria e entrevistava religiosos e estudiosos do <strong>Círio</strong> - e <strong>de</strong><br />
outras duas câmeras no trajeto, uma <strong>de</strong>las instala<strong>da</strong> em uma frondosa<br />
mangueira à porta <strong>da</strong> TV Liberal que, como as TVs Marajoara e Guajará,<br />
contava com a vantagem <strong>de</strong> estar sedia<strong>da</strong> na aveni<strong>da</strong> <strong>Nazaré</strong>, por on<strong>de</strong> passa<br />
a procissão. As câmeras <strong>da</strong> rua, liga<strong>da</strong>s à emissora por cabos, já que ela ain<strong>da</strong><br />
não tinha microon<strong>da</strong>s, garantiam o áudio ambiente, usando-se LPs (linha<br />
telefônica permanente, aluga<strong>da</strong> para o evento). Esse áudio, àquela altura, era<br />
precário pela falta <strong>de</strong> sonorização no trajeto do <strong>Círio</strong>.<br />
A TV Liberal não contava com mesa <strong>de</strong> corte para externa, o que<br />
impossibilitava alternar imagens <strong>da</strong>s câmeras no ar. Segundo testemunho <strong>de</strong><br />
Francisco César, que narrou o <strong>Círio</strong> na emissora <strong>de</strong> 1976 a 1984, em 1976 já<br />
se tentava <strong>da</strong>r uma dinâmica que a procissão, em si, não tem, mas o<br />
jornalismo tinha escassa presença nas transmissões <strong>da</strong> TV Liberal na déca<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong> 70. Os repórteres contavam essencialmente, o que presenciavam na<br />
romaria, pouco acrescentando ao que o telespectador também estava vendo<br />
no ví<strong>de</strong>o.<br />
Em 1977, o <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> TV Liberal contou com o primeiro carro <strong>de</strong> externa<br />
<strong>da</strong> emissora. Como era comum acontecer, ele tinha sido vendido pela TV<br />
Globo do Rio, que o usara na produção <strong>de</strong> telenovelas e o substituíra por um<br />
outro mais mo<strong>de</strong>rno, já que ain<strong>da</strong> era valvulado e suas duas câmeras em preto<br />
e branco. Isso provocou uma curiosa regressão à externa <strong>da</strong> emissora que, em<br />
1977, recuou <strong>da</strong> cor total para transmitir o <strong>Círio</strong> parte em cores e parte em<br />
preto e branco. Tal fato aconteceu, por exemplo, na saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> procissão,<br />
92
quando pela primeira vez duas câmeras foram usa<strong>da</strong>s simultaneamente: a do<br />
interior <strong>da</strong> igreja (que mostrava a missa anterior ao cortejo) em preto e branco<br />
e a externa, que focalizava o início <strong>da</strong> romaria, em cor.<br />
O carro <strong>de</strong> externa trazia compensações importantes: dois pares <strong>de</strong><br />
microon<strong>da</strong>s, que permitiam cobrir ao vivo a saí<strong>da</strong> e a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> procissão, e<br />
uma mesa <strong>de</strong> corte que possibilitava, pela primeira vez, o uso <strong>de</strong> efeitos,<br />
embora restritos ao corte com fa<strong>de</strong> e à fusão, que se tornaria a marca<br />
registra<strong>da</strong> <strong>da</strong>s transmissões do <strong>Círio</strong>, em to<strong>da</strong>s as emissoras.<br />
O som continuava sendo feito pelas LPs, porque o áudio <strong>da</strong>s microon<strong>da</strong>s<br />
falhava tanto que era mais confiável usá-las para enviar somente ví<strong>de</strong>o à<br />
emissora.<br />
Em 1978, o <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> Liberal voltou a ser totalmente colorido, graças a<br />
três câmeras JVC <strong>da</strong> Sony. As JVC eram câmeras para TV, para estúdio, mas<br />
portáteis, com um ví<strong>de</strong>oteipe externo portátil que permitia mais mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> nas<br />
externas. Com elas foi possível instalar mais um ponto <strong>de</strong> transmissão para<br />
mostrar, ao vivo, a homenagem dos fogos do sindicato dos estivadores. A<br />
ampliação do número <strong>de</strong> câmeras também permitiu mais efeitos, pela maior<br />
possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> corte.<br />
No ano seguinte a TV Liberal já possuía seis câmeras <strong>de</strong> externa e três<br />
no estúdio. Com isso, a emissora manteve o padrão <strong>da</strong> transmissão até que,<br />
em fevereiro <strong>de</strong> 1981, foram troca<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> uma só vez, to<strong>da</strong>s as câmeras <strong>de</strong><br />
externa, <strong>de</strong> cinema para o vi<strong>de</strong>oteipe. Foi uma revolução para a técnica, mas<br />
especialmente para o jornalismo: repórter e repórter-cinematográfico estavam<br />
93
livres <strong>da</strong> tirania dos "pés" <strong>de</strong> filme e podiam ousar experimentar, graças à<br />
possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> reutilização <strong>da</strong> fita <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o.<br />
Isso se refletiu na transmissão do <strong>Círio</strong> <strong>da</strong>quele ano, que é lembra<strong>da</strong> por<br />
técnicos <strong>da</strong> Liberal como a primeira sem falha técnica, <strong>de</strong> áudio ou <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o.<br />
Foi também a primeira a recompensar os esforços dos jornalistas <strong>da</strong> Liberal<br />
para <strong>da</strong>r visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> à festa fora do Estado: uma nota coberta foi gera<strong>da</strong> via<br />
Embratel no final <strong>da</strong> tar<strong>de</strong> <strong>da</strong> romaria e entrou no Fantástico <strong>da</strong>quela noite. No<br />
dia seguinte, o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Jornalismo recebeu um telex do Centro <strong>de</strong><br />
Produção Nacional, o CPN <strong>da</strong> TV Globo-Rio, elogiando as belas imagens<br />
gera<strong>da</strong>s pela afilia<strong>da</strong> <strong>de</strong> Belém.<br />
94
5O CÍRIO PELO OLHAR DA<br />
TV<br />
96
Os acontecimentos midiáticos, segundo a teoria <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> por Daniel<br />
Dayan e Elihu Katz (1999), são momentos históricos televisionados ao vivo que<br />
atingem amplas audiências nacionais ou mesmo mundiais. São<br />
acontecimentos tão diversos como a chega<strong>da</strong> do homem à Lua, os Jogos<br />
Olímpicos, o funeral do presi<strong>de</strong>nte John Kennedy, a viagem a Jerusalém <strong>de</strong><br />
Anuar Sa<strong>da</strong>t, as peregrinações do papa João Paulo II ou o casamento <strong>de</strong><br />
Charles e Diana, para citar algumas coberturas estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos dois autores.<br />
Com to<strong>da</strong> a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> entre eles, esses acontecimentos dão forma a um novo<br />
gênero <strong>de</strong> narrativa:<br />
[...] que emprega o potencial único dos media electrónicos para exigir uma<br />
atenção universal e simultânea, com o objetivo <strong>de</strong> a fixar numa história que está a ser<br />
conta<strong>da</strong> sobre a actuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Estes são os acontecimentos que envolvem o aparelho<br />
<strong>de</strong> televisão numa espécie <strong>de</strong> aura e que transformam o acto <strong>de</strong> assistir” (Dayan, Katz,<br />
1999: 17).<br />
Os exemplos estu<strong>da</strong>dos por Dayan e Katz (1999) são emissões<br />
internacionais, mas os autores ressalvam que ca<strong>da</strong> nação tem as suas. Ao<br />
telespectador brasileiro po<strong>de</strong>m ocorrer, entre outras, as jorna<strong>da</strong>s pelas eleições<br />
diretas em 1984, os funerais do presi<strong>de</strong>nte Tancredo Neves e do piloto Ayrton<br />
Senna e o maior espetáculo <strong>da</strong> terra, o <strong>de</strong>sfile <strong>da</strong>s escolas <strong>de</strong> samba do<br />
carnaval do Rio <strong>de</strong> Janeiro. No Pará, é inevitável pensar no <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, o<br />
carnaval <strong>de</strong>voto que apresenta os elementos do gênero <strong>de</strong> emissão que Dayan<br />
e Katz <strong>de</strong>finem como acontecimento mediático.<br />
97
A transmissão do <strong>Círio</strong> foge completamente <strong>da</strong> rotina televisual e se<br />
configura no que os autores chamam <strong>de</strong> interrupções <strong>de</strong>ssa rotina, intervindo<br />
no fluxo normal <strong>da</strong>s emissões e na nossa vi<strong>da</strong>. É, ain<strong>da</strong>, antecipa<strong>da</strong> através <strong>de</strong><br />
uma série <strong>de</strong> anúncios e prelúdios que transformam a vi<strong>da</strong> do dia-a-dia em algo<br />
especial, quando o acontecimento termina, a emissão conduz-nos <strong>de</strong> novo à<br />
normali<strong>da</strong><strong>de</strong>. (Dayan, Katz, 1999:20-23). No caso do <strong>Círio</strong>, que acontece no<br />
segundo domingo <strong>de</strong> outubro, a cobertura jornalística <strong>da</strong> TV Liberal começa em<br />
agosto e se intensifica gra<strong>da</strong>tivamente, passando a ser diária e em todos os<br />
telejornais na semana que antece<strong>de</strong> à romaria. As chama<strong>da</strong>s publicitárias <strong>da</strong><br />
transmissão também começam a ser veicula<strong>da</strong>s em agosto, intensificando-se<br />
essa veiculação na semana que antece<strong>de</strong> ao <strong>Círio</strong>. Existe um período activo <strong>de</strong><br />
expectativa, quando tanto emissores quanto audiência se preparam para o<br />
evento. A interrupção acontece <strong>de</strong> forma quase monopolista: só duas TVs <strong>de</strong><br />
Belém, que pertencem a re<strong>de</strong>s evangélicas, não transmitem o <strong>Círio</strong> ao vivo.<br />
Como to<strong>da</strong> transmissão ao vivo, a do <strong>Círio</strong> contém o elemento <strong>de</strong> tensão<br />
que <strong>de</strong>corre <strong>da</strong> imprevisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, inclusive, e principalmente, quanto à sua<br />
duração, fator <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância na emissão. De uma maneira geral, esses<br />
acontecimentos não são organizados por quem os transmite e assim acontece<br />
com o <strong>Círio</strong>, organizado “fora” <strong>da</strong> TV, por uma instituição bem inseri<strong>da</strong> no<br />
sistema, no caso em estudo a Igreja Católica, com autori<strong>da</strong><strong>de</strong> para orientar as<br />
atenções.<br />
O nível <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica necessário para a transmissão <strong>de</strong>sses<br />
eventos, que acontecem fora dos estúdios, e o cerimonial neles envolvido<br />
fazem que as emissões <strong>de</strong>sse tipo sejam sau<strong>da</strong><strong>da</strong>s como milagres, não só pela<br />
audiência mas pelos próprios canais, que celebram sua própria capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
98
levar ao ar o evento. Essa é uma prática rotineira na transmissão do <strong>Círio</strong>,<br />
quando o telespectador é “levado”, antes (com freqüência pelo jornal impresso<br />
também) e mesmo durante a emissão, aos “bastidores” <strong>da</strong> cobertura, sendo<br />
informado, inclusive sobre a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, especialmente se há<br />
alguma inovação, do equipamento utilizado. 43<br />
Os acontecimentos midiáticos são apresentados com reverência e<br />
cerimônia. Os autores assinalam que os jornalistas que os relatam suspen<strong>de</strong>m<br />
a sua perspectiva crítica normal e tratam o tema com respeito, e até com<br />
veneração. Po<strong>de</strong>ria acrescentar, com base na observação direta, nos<br />
<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> jornalistas e técnicos entrevistados e na experiência pessoal<br />
em várias transmissões <strong>da</strong> TV Liberal que, para além <strong>da</strong> veneração e do<br />
respeito, existe emoção e mesmo um sentimento <strong>de</strong> inserção e participação,<br />
em gran<strong>de</strong> parte do pessoal envolvido na cobertura do <strong>Círio</strong>.<br />
São acontecimentos que celebram a reconciliação e não o conflito – ao<br />
contrário do que acontece no telejornalismo diário – e que têm seus heróis, que<br />
po<strong>de</strong>m ser John Kennedy ou Sa<strong>da</strong>t, mas também a Santa, o povo <strong>de</strong>voto, os<br />
promesseiros <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>.<br />
Para Dayan e Katz (1999:23) esses acontecimentos mobilizam enormes<br />
audiências e caracterizam-se por uma obrigatorie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> assistir, resultando<br />
numa celebração <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> telespectadores reunidos em torno do aparelho.<br />
Para os autores, transmissões <strong>de</strong>sta natureza integram as socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s num<br />
43 No caso em estudo, a publicização do aparato que a emissora utiliza na cobertura tem ain<strong>da</strong><br />
importante função <strong>de</strong> marketing, no convencimento dos anunciantes <strong>de</strong> que oferece maior e melhor<br />
retorno ao investimento do patrocínio, como se verifica pelo plano <strong>de</strong> mídia distribuído anualmente pela<br />
TV Liberal a agências e anunciantes.<br />
99
pulsar colectivo e invocam uma renovação <strong>da</strong> leal<strong>da</strong><strong>de</strong> para com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />
com a sua autori<strong>da</strong><strong>de</strong> legítima.<br />
100<br />
Os autores agrupam esses elementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição citados nas<br />
categorias mais amplas <strong>da</strong> sintaxe, semântica e pragmática, para melhor ain<strong>da</strong><br />
afirmá-los como gênero, diferenciando-o <strong>de</strong> outros gêneros televisuais.<br />
No primeiro caso, são componentes <strong>da</strong> gramática <strong>da</strong> transmissão os<br />
elementos <strong>de</strong> interrupção, monopólio, transmissão direta e <strong>de</strong> local remoto. Há<br />
formas especiais <strong>de</strong> retórica, as imagens e palavras são <strong>de</strong>sacelera<strong>da</strong>s para<br />
que alcancem o ritmo cerimonial e as imagens assumem maior peso do que as<br />
palavras.<br />
A dimensão semântica, o significado do acontecimento, é normalmente<br />
proposto pelos organizadores e partilhado pelas estações emissoras. O evento<br />
é apresentado com reverência cerimonial e sua principal mensagem é <strong>de</strong><br />
reconciliação.<br />
Sob o ponto <strong>de</strong> vista pragmático, o acontecimento captura enormes<br />
audiências: são experiências partilha<strong>da</strong>s, unindo os telespectadores uns aos<br />
outros e às suas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, numa celebração ativa que inclui até o preparo <strong>de</strong><br />
comi<strong>da</strong> especial.<br />
Uma observação dos autores, quando se referem a acontecimentos<br />
midiáticos que se distinguem por não terem atores individuais, mas<br />
protagonistas coletivos, é bastante aplicável à transmissão do <strong>Círio</strong>: O caso<br />
extremo – mas ca<strong>da</strong> vez mais visto – é quando meta<strong>de</strong> <strong>da</strong> população, em casa,<br />
está a assistir à outra meta<strong>de</strong>, a ser filma<strong>da</strong> em directo (Dayan, Katz, 1999:57)
101<br />
Não é objetivo <strong>de</strong>ste trabalho estu<strong>da</strong>r recepção ou efeitos <strong>da</strong><br />
transmissão do <strong>Círio</strong> pela TV Liberal, mas é preciso esclarecer que, no que<br />
tange à audiência, há várias <strong>de</strong>ssemelhanças entre a teoria <strong>de</strong> Dayan e Katz e<br />
o que se observa empiricamente no comportamento do público <strong>da</strong> transmissão,<br />
sendo a principal <strong>de</strong>las a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> real <strong>de</strong> alternar papéis que se apresenta<br />
à maioria <strong>da</strong> audiência localiza<strong>da</strong> em Belém. É comum que o telespectador <strong>da</strong><br />
transmissão seja, também, espectador do <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> rua e inclusive participante,<br />
em momentos diversos <strong>da</strong> romaria. A TV Liberal, mesmo sem nenhuma<br />
pesquisa sobre isso, ca<strong>da</strong> vez mais consi<strong>de</strong>ra essa alternância ao projetar sua<br />
emissão, reconhecendo a importância <strong>de</strong> informar ao telespectador em que<br />
ponto do trajeto está a berlin<strong>da</strong>, para que ele possa escolher o momento <strong>de</strong> ir à<br />
rua para vê-la passar.<br />
Mas também existem semelhanças e a maior <strong>de</strong>las parece ser a<br />
celebração em torno do aparelho, que tem interessantes exemplos<br />
documentados, como na matérias produzi<strong>da</strong>s pela TV Liberal <strong>de</strong> Marabá,<br />
exibi<strong>da</strong>s pelo Jornal Liberal 2 ª edição na véspera e no dia seguinte ao <strong>Círio</strong> <strong>de</strong><br />
1998. A primeira mostra uma família <strong>de</strong> Itupiranga, a 715km <strong>de</strong> Belém, na<br />
expectativa <strong>de</strong> assistir ao <strong>Círio</strong> pela TV, inclusive com <strong>de</strong>poimento <strong>da</strong> matriarca<br />
sobre a comodi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> não ter mais <strong>de</strong> enfrentar a viagem a Belém e, ao<br />
mesmo tempo, a alegria <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r “participar <strong>da</strong> festa” pela transmissão direta<br />
via satélite que a TV Liberal inaugurava naquele ano para aquela região.<br />
Na segun<strong>da</strong> matéria, a equipe volta à casa <strong>da</strong> mesma família, então já<br />
reuni<strong>da</strong> em frente à TV. A família está contrita e acompanha a liturgia <strong>da</strong><br />
romaria, cantando e rezando. Um <strong>de</strong>talhe interessante é que vários membros<br />
do grupo têm nas mãos, além dos terços, as conheci<strong>da</strong>s ventarolas com o hino
<strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, largamente distribuí<strong>da</strong>s por empresas nas ruas<br />
<strong>de</strong> Belém, para amenizar o calor, proteger os olhos do sol e acenar durante a<br />
procissão.<br />
102<br />
Como registram Dayan e Katz (1999:14) os acontecimentos midiáticos<br />
implicam a transposição <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> (“para o ?”) e a <strong>de</strong>slocação do<br />
espaço público (“para casa?”).<br />
Os autores enfatizam as distinções marcantes entre os acontecimentos<br />
midiáticos e os outros gêneros <strong>da</strong>s noites televisivas. É importante ressaltar<br />
isso no momento atual <strong>da</strong> televisão, quando têm sido ca<strong>da</strong> vez mais freqüentes<br />
os investimentos em coberturas ao vivo <strong>de</strong> longa duração, mas especialmente<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s acontecimentos noticiosos, que, na <strong>de</strong>finição dos autores, falam <strong>de</strong><br />
aci<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, enquanto os gran<strong>de</strong>s cerimoniais celebram a or<strong>de</strong>m e a<br />
restauração. Assim, as transmissões ao vivo do cerco policial à casa do<br />
apresentador Sílvio Santos, mantido como refém pelo seqüestrador que na<br />
véspera libertara a filha <strong>de</strong>le e, no dia 11 <strong>de</strong> setembro, dos atentados<br />
terroristas nos Estados Unidos, dramáticos e recentes exemplos, são gran<strong>de</strong>s<br />
acontecimentos noticiosos mas não acontecimentos midiáticos, na acepção <strong>de</strong><br />
Dayan e Katz, embora apresentem várias <strong>da</strong>s características <strong>da</strong>queles, como a<br />
mobilização <strong>de</strong> enormes audiências, por exemplo.<br />
Para melhor seguir os movimentos <strong>da</strong> construção do <strong>Círio</strong> televisual, é<br />
importante verificar como os autores distinguem espetáculo, festa e cerimônia,<br />
em função <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> do centro <strong>de</strong> interesse e <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />
resposta e <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> interação entre participantes e espectadores.
103<br />
No espetáculo, o que há para ver é claramente mostrado, atores e<br />
espectadores estão separados por papéis diferenciados; aos segundos pe<strong>de</strong>-<br />
se resposta cognitiva ou emotiva, sua reação po<strong>de</strong> influenciar a representação,<br />
como por vezes no teatro. No caso do cinema, a interação chega a ser<br />
irrelevante, segundo os autores.<br />
A festa é difusa, proporciona diversos focos <strong>de</strong> interesse, nela não se<br />
impõe imagem ou exibição monopolisticamente aos participantes. Os papéis do<br />
ator e do público são reversíveis, o que permite respostas diversas e bem<br />
vin<strong>da</strong>s, já que existe um apelo à interação e o resultado <strong>da</strong> atuação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
<strong>da</strong> resposta dos espectadores.<br />
Na cerimônia há elementos <strong>da</strong>s duas outras noções anteriores: ela tem<br />
um foco <strong>de</strong> interesse claramente <strong>de</strong>finido, distinção clara entre atores e<br />
espectadores, a reposta que se espera <strong>de</strong>stes é específica e geralmente<br />
tradicional, mas sua existência traduz-se na interação entre ator e espectador,<br />
cuja resposta integra as características constitutivas <strong>da</strong> cerimônia, que sem<br />
essa resposta torna-se vazia.<br />
Se se organiza um acontecimento que contenha elementos quer <strong>da</strong><br />
cerimónia, quer <strong>da</strong> festa, é razoável admitir que a sua transmissão televisiva<br />
só po<strong>de</strong> traduzir-se num espectáculo; o seu foco <strong>de</strong> interesse fica<br />
irremediavelmente reduzido, as reacções estão extremamente limita<strong>da</strong>s,<br />
não po<strong>de</strong>ndo afectar a representação. Mas isto será realmente assim? A<br />
televisão nega-o – ou, pelo menos, tenta negá-lo. O espectador dos<br />
acontecimentos mediáticos, argumenta a televisão, possui melhor acesso;<br />
o acontecimento é `tridimensional´; a audiência po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r resposta. (Dayan,<br />
Katz: 1999: 96)<br />
A romaria "no ar"
104<br />
Passo agora a seguir a romaria do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> construí<strong>da</strong> “no ar”,<br />
através <strong>de</strong> um corpus constituído por 42 fitas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o (sistema VHS) que<br />
registram as transmissões <strong>da</strong> TV Liberal, <strong>de</strong> 1983 a 2000, num total <strong>de</strong> 83<br />
horas <strong>de</strong> gravação, aproxima<strong>da</strong>mente. A série histórica está <strong>de</strong>sfalca<strong>da</strong> do ano<br />
<strong>de</strong> 1986, que não existe no arquivo <strong>da</strong> emissora. As fitas correspon<strong>de</strong>ntes a<br />
1983, 1984, 1985 e 1987 não contêm a íntegra <strong>da</strong> transmissão, apresentando<br />
falhas especialmente no início <strong>da</strong> gravação, mas isso não impe<strong>de</strong> a análise<br />
porque o que está preservado representa uma amostra muito significativa. Não<br />
foi possível resgatar scripts e <strong>de</strong>mais textos referentes às transmissões, como<br />
textos <strong>de</strong> matérias veicula<strong>da</strong>s e material elaborado pelo setor <strong>de</strong> produção e<br />
pauta, a não ser dos anos <strong>de</strong> 1999 e 2000, o que resulta insignificante para<br />
efeito <strong>de</strong> exame, motivo pelo qual <strong>de</strong>cidi não inclui-los na análise, embora a<br />
eles tenha recorrido como material <strong>de</strong> apoio.<br />
No ano <strong>de</strong> 2000 foi realiza<strong>da</strong> a pesquisa <strong>de</strong> campo, com observação<br />
direta do planejamento <strong>da</strong> transmissão direta do <strong>Círio</strong> e <strong>da</strong> própria transmissão,<br />
do switch <strong>da</strong> emissora. Esse trabalho foi complementado por entrevistas com<br />
informantes <strong>da</strong> TV Liberal. Tanto a observação quanto as entrevistas<br />
contribuíram para a análise <strong>da</strong>s fitas, inclusive reconstituindo coberturas<br />
passa<strong>da</strong>s.<br />
Para efeito <strong>de</strong> análise estabeleci uma periodização <strong>da</strong> série <strong>de</strong> fitas, em<br />
função <strong>de</strong> momentos <strong>de</strong> alterações significativas no percurso <strong>da</strong> transmissão<br />
ao vivo do <strong>Círio</strong> pela TV Liberal:<br />
1 º bloco :1983 a 1990<br />
2 º bloco: 1991 a 1996
3 º bloco: 1997 a 2000<br />
105<br />
Essas alterações significativas, <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>s mais adiante, são<br />
movimentos <strong>da</strong> TV que remetem ao que Dayan e Katz (1999:95) chamam <strong>de</strong><br />
estética <strong>da</strong> compensação: a televisão esforça-se para ir além do papel <strong>de</strong><br />
testemunha, tenta compensar os telespectadores pela inexistência <strong>de</strong><br />
interativi<strong>da</strong><strong>de</strong> e atreve-se a <strong>da</strong>r-lhes a sensação <strong>de</strong> que estão lá, insistindo em,<br />
pelo menos, tentar simular uma participação cerimonial.<br />
O Quadro 1, na página seguinte, resume as principais características do<br />
<strong>Círio</strong> e <strong>de</strong> suas transmissões ao vivo pela TV Liberal, no período em estudo.<br />
Quadro 1 - Características do <strong>Círio</strong> e <strong>da</strong> transmissão, no período <strong>de</strong> 1983 a<br />
2000<br />
Blocos<br />
1983 – 1990<br />
1991–-1996<br />
1997 – 2000<br />
Características<br />
Do <strong>Círio</strong> Da transmissão<br />
Forte presença do contexto sóciopolítico<br />
do país<br />
Crescimento <strong>da</strong> cor<strong>da</strong><br />
Dilatação do tempo <strong>de</strong> duração <strong>da</strong><br />
romaria<br />
Mu<strong>da</strong>nça do local <strong>de</strong> atrelamento <strong>da</strong><br />
cor<strong>da</strong> à berlin<strong>da</strong><br />
Corte <strong>da</strong> cor<strong>da</strong><br />
Fonte: Pesquisa <strong>da</strong> autora<br />
Tensão em torno do corte <strong>da</strong> cor<strong>da</strong><br />
Recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> duração <strong>da</strong> romaria<br />
Produção ain<strong>da</strong> incipiente<br />
Introdução <strong>de</strong> imagens aéreas<br />
Roteirização <strong>da</strong> transmissão<br />
Instala-se a espetacularização<br />
Amplia-se a audiência<br />
Surge a preocupação com tempo <strong>de</strong> duração <strong>da</strong><br />
romaria<br />
Críticas ao corte <strong>da</strong> cor<strong>da</strong><br />
Mundialização do <strong>Círio</strong> via internet<br />
Imagem aérea ao vivo<br />
Canal interativo<br />
Afirmação do jornalismo<br />
Críticas ao corte <strong>da</strong> cor<strong>da</strong><br />
Transmissão encerra-se antes do final <strong>da</strong> romaria
106<br />
Antes <strong>de</strong> passar à análise <strong>da</strong>s fitas, é importante registrar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo,<br />
que dois elementos do <strong>Círio</strong> são consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental importância<br />
para a TV na oferta <strong>de</strong> imagens que faz ao telespectador durante a<br />
transmissão: a berlin<strong>da</strong> com a imagem <strong>da</strong> Santa, e a cor<strong>da</strong> dos promesseiros,<br />
exatamente nessa or<strong>de</strong>m. Ter a berlin<strong>da</strong> ao alcance <strong>da</strong>s câmeras durante to<strong>da</strong><br />
a romaria é o <strong>de</strong>sejo <strong>da</strong> TV, mas isso é bastante dificultoso <strong>de</strong> realizar pela<br />
extensão do trajeto, que exige um número <strong>de</strong> câmeras difícil <strong>de</strong> reunir, mesmo<br />
quando várias emissoras operam em pool.<br />
Quando as câmeras não conseguem acompanhar a berlin<strong>da</strong>, a<br />
tela não permanece vazia, por conta <strong>de</strong> outros elementos <strong>da</strong> procissão,<br />
mas as áreas <strong>de</strong>scobertas provocam o que se chama, no jargão<br />
jornalístico, <strong>de</strong> “buracos <strong>de</strong> transmissão”. Cobrir eficientemente esses<br />
“buracos”, para que não aconteçam pontos <strong>de</strong> que<strong>da</strong> no espetáculo<br />
televisual, com a conseqüente per<strong>da</strong> <strong>de</strong> interesse por parte do<br />
telespectador, é essencial na arquitetura <strong>de</strong> uma transmissão<br />
eficiente.<br />
A cor<strong>da</strong> é outra po<strong>de</strong>rosa fonte <strong>de</strong> atração do olhar no espetáculo<br />
televisual, proporcionando imagens e <strong>de</strong>poimentos muito fortes e<br />
emocionantes. Ao mesmo tempo, por sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ditar o ritmo<br />
<strong>da</strong> romaria, a cor<strong>da</strong> é sempre notícia e por isso a TV a acompanha com<br />
particular atenção, especialmente a partir dos anos 90, quando o corte<br />
se tornou mais freqüente.<br />
A Figura 3 mostra como a TV Liberal posicionou seus postos <strong>de</strong><br />
transmissão ao vivo no ano <strong>de</strong> 2000. Nessa transmissão a emissora
operou sozinha, sem formar pool com outras televisões, o que<br />
significou contar com menos câmeras e microon<strong>da</strong>s. Por isso os postos<br />
<strong>de</strong> transmissão se localizaram nos pontos essenciais para mostrar os<br />
momentos consi<strong>de</strong>rados mais importantes do <strong>Círio</strong>. Como se observa,<br />
também não houve gruas ou caminhão munck, que permitem maior<br />
verticalização <strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s. As câmeras foram monta<strong>da</strong>s em<br />
praticáveis, com elevação <strong>de</strong> apenas três a quatro metros. A câmera 2<br />
do posto <strong>da</strong> CDP (Companhia Docas do Pará) foi coloca<strong>da</strong> sobre uma<br />
plataforma, na torre do prédio.<br />
O uso do helicóptero se limita à saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> procissão, ao Boulevard<br />
Castilhos França até a esquina com a Presi<strong>de</strong>nte Vargas e <strong>de</strong>pois à<br />
chega<strong>da</strong> no CAN, porque o restante do trajeto se faz sob os<br />
tradicionais túneis <strong>de</strong> mangueiras <strong>de</strong> Belém, que dificultam boas<br />
toma<strong>da</strong>s aéreas.<br />
107
FIGURA 3<br />
108
109<br />
Nos postos trabalham um diretor <strong>de</strong> imagens que coman<strong>da</strong> os câmeras<br />
e envia imagens para o switch <strong>da</strong> emissora, um coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo que<br />
coman<strong>da</strong> o produtor e o repórter (os dois na rua, buscando material para os<br />
flashes), e dois ou três técnicos que cui<strong>da</strong>m do bom funcionamento do posto.<br />
Isso tem se tornado ca<strong>da</strong> vez mais difícil por causa <strong>da</strong> multidão, não sendo<br />
raros os problemas com equipamentos provocados pelo empurra-empurra. Os<br />
postos têm mesas <strong>de</strong> corte <strong>de</strong> imagem e <strong>de</strong> áudio e um equipamento <strong>de</strong><br />
comunicação que inclui intercom, “caixa <strong>de</strong> sapato”, rádios walk talk, telefone<br />
(LPs) e celulares.<br />
O posto <strong>da</strong> Sé mostra a saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> romaria e a doca do Ver-o-Peso, on<strong>de</strong><br />
acontece a queima <strong>de</strong> fogos dos geleiros, peixeiros e balanceiros <strong>da</strong>quele<br />
mercado, até o início do Boulevard Castilhos França. Essas câmeras não têm<br />
alcance para mostrar o atrelamento <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> à berlin<strong>da</strong> e há um pequeno<br />
“buraco <strong>de</strong> transmissão” ali, até que a berlin<strong>da</strong> chegue ao alcance <strong>da</strong>s câmeras<br />
do posto <strong>da</strong> CDP.<br />
O posto <strong>da</strong> CDP 44 tem ângulos para mostrar a berlin<strong>da</strong> já atrela<strong>da</strong> no<br />
Boulevard e as duas gran<strong>de</strong>s e tradicionais queimas <strong>de</strong> fogos que se realizam<br />
nessa aveni<strong>da</strong>, a dos sindicatos dos estivadores, com apoio <strong>da</strong>s Organizações<br />
Romulo Maiorana, e dos arrumadores. Mostram, ain<strong>da</strong>, a subi<strong>da</strong> <strong>da</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />
Vargas. A câmera 4 é importante porque focaliza a homenagem do Banco do<br />
Brasil, sempre com resultados <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> plastici<strong>da</strong><strong>de</strong>, e “segura” a imagem <strong>da</strong><br />
berlin<strong>da</strong>, mesmo <strong>de</strong> costas, até a esquina <strong>da</strong> praça <strong>da</strong> República, quando ela<br />
sai do ví<strong>de</strong>o, para voltar apenas na segun<strong>da</strong> quadra <strong>da</strong> aveni<strong>da</strong> <strong>Nazaré</strong>.<br />
44 To<strong>da</strong>s as TVs montam postos no alto <strong>de</strong>sse prédio, que também é o ponto do qual o governador e<br />
autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s estaduais e fe<strong>de</strong>rais assistem ao <strong>Círio</strong>.
Liberal.<br />
110<br />
A recuperação na aveni<strong>da</strong> <strong>Nazaré</strong> é feita pela câmera do posto <strong>da</strong> TV<br />
Esse posto não requer link, pois se conecta à emissora por um cabo. As<br />
microon<strong>da</strong>s que aparecem no mapa estão na TV Liberal e são os pares <strong>de</strong><br />
recepção <strong>da</strong>s microon<strong>da</strong>s <strong>de</strong> transmissão monta<strong>da</strong>s nos outros postos. Além<br />
dos técnicos, nesse posto ficam apenas um repórter e um produtor, por isso a<br />
entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> flashes e a câmera são coman<strong>da</strong>dos diretamente pelo switch <strong>da</strong><br />
emissora.<br />
O posto do CAN tem dois repórteres e é o único posto que permanece<br />
em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> do início ao fim <strong>da</strong> transmissão. Retoma a imagem <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> a<br />
partir <strong>da</strong> quadra imediatamente anterior ao CAN.<br />
Além dos postos, há duas equipes móveis, sem possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> entrar<br />
ao vivo, porque suas câmeras não estão conecta<strong>da</strong>s a pontos <strong>de</strong> microon<strong>da</strong>s.<br />
Uma <strong>de</strong>las é encarrega<strong>da</strong> <strong>de</strong> fazer flashes pré-gravados durante a<br />
transmissão. Essa equipe não entra na romaria, porque a experiência <strong>de</strong> anos<br />
anteriores mostrou que é impossível transpor a multidão e chegar à TV para<br />
entregar o material.<br />
A outra equipe móvel trabalha no lugar central <strong>da</strong> romaria, ao lado <strong>da</strong><br />
berlin<strong>da</strong> e <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, produzindo para os telejornais do dia seguinte. A priori,<br />
essa equipe não <strong>de</strong>veria se preocupar com a transmissão. Como se verá na<br />
análise <strong>da</strong> gravação <strong>de</strong> 2000, essa expectativa foi completamente reverti<strong>da</strong>.
O <strong>Círio</strong> visto do céu: 1983 - 1990<br />
111<br />
O Quadro 2, na página seguinte, apresenta uma síntese, ano a ano, <strong>da</strong>s<br />
características do <strong>Círio</strong> e <strong>da</strong>s transmissões no primeiro período a ser analisado,<br />
<strong>de</strong> 1983 a 1990.<br />
A análise geral do primeiro recorte <strong>da</strong>s fitas <strong>da</strong> transmissão mostra a TV<br />
Liberal evoluindo <strong>de</strong> uma cobertura que, em muitos momentos, ain<strong>da</strong> se limita<br />
realmente ao registro dos fatos que acontecem diante <strong>da</strong>s câmeras, para a<br />
construção <strong>de</strong> seu espetáculo, que experimenta uma narrativa com a<br />
autonomia possível sobre o evento, elaborando-o <strong>de</strong> acordo com a gramática<br />
televisual.
Quadro 2 - Evolução do <strong>Círio</strong> e <strong>da</strong> cobertura <strong>da</strong> TV Liberal, <strong>de</strong> 1983 a 1990<br />
Ano<br />
1983<br />
1984<br />
1985<br />
1986<br />
1987<br />
1988<br />
1989<br />
1990<br />
Do <strong>Círio</strong><br />
Eliminação do carro dos fogos<br />
Crise Igreja X Estado<br />
Protesto político<br />
Cor<strong>da</strong> me<strong>de</strong> 50m<br />
Características<br />
Tancredo Neves, em campanha pelas Diretas-Já,<br />
participa do <strong>Círio</strong>.<br />
Cor<strong>da</strong> dobra <strong>de</strong> tamanho<br />
Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República acompanha a romaria<br />
Crescimento do <strong>Círio</strong><br />
Sem registro gravado<br />
Novo protesto político<br />
Instalação do sistema único <strong>de</strong> sonorização <strong>da</strong><br />
romaria<br />
Eliminação dos crachás <strong>de</strong> convi<strong>da</strong>dos especiais<br />
na cor<strong>da</strong><br />
Cor<strong>da</strong> me<strong>de</strong> 350m<br />
Mário Covas, em campanha para a presidência<br />
<strong>da</strong> República, participa do <strong>Círio</strong>.<br />
Cor<strong>da</strong> me<strong>de</strong> 420m<br />
Fonte: Pesquisa <strong>da</strong> autora<br />
Da transmissão<br />
Improviso narrativo<br />
Introdução <strong>da</strong> imagem aérea<br />
Problemas técnico-operacionais<br />
Censura<br />
Tom político nos comentários<br />
Transmissão para Brasília<br />
Aperfeiçoa-se a captação <strong>de</strong> imagens<br />
Amplia-se o espaço do comentário<br />
VT gravado do helicóptero<br />
Maior esforço jornalístico<br />
Transmissão para Brasília<br />
Relevância para a cor<strong>da</strong><br />
Uso <strong>de</strong> efeitos nas imagens<br />
Transmissão para o interior do Estado<br />
Sem registro gravado<br />
Pool com TV Cultura<br />
Amplia-se a cobertura visual do trajeto<br />
Pool com TV Cultura<br />
Surge a produção jornalística<br />
A cor<strong>da</strong> como personagem<br />
TV mostra entorno <strong>da</strong> festa<br />
Jornalismo mais ágil<br />
Uso do close e do big close<br />
Não há pool<br />
Amplia-se o papel do produtor<br />
Repetem-se as fórmulas do ano anterior<br />
Pool com TVs Cultura e SBT<br />
Imagens buscam <strong>de</strong>talhes na romaria<br />
Amplia-se a audiência estadual<br />
Destaque para a cor<strong>da</strong><br />
Repetem-se as fórmulas do ano anterior<br />
112<br />
Já se verifica o esforço <strong>da</strong> Televisão Liberal para cobrir visualmente o<br />
máximo possível do trajeto <strong>da</strong> romaria e dinamizar a transmissão, inserindo<br />
elementos capazes <strong>de</strong> <strong>da</strong>r ao telespectador não apenas a melhor visão do
acontecimento, mas também a visão que só a TV po<strong>de</strong> proporcionar, como as<br />
imagens feitas por uma câmera instala<strong>da</strong> num helicóptero. Um processo que<br />
será marcado por avanços e recuos, <strong>de</strong>vido a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s técnicas e<br />
operacionais.<br />
113<br />
A análise <strong>da</strong>s fitas <strong>de</strong>ixa evi<strong>de</strong>nte que no período <strong>de</strong> 1983 a 1987 não<br />
existe uma pré-produção especial para o evento. As reportagens exibi<strong>da</strong>s nas<br />
transmissões são reprises do que tinha sido veiculado nos telejornais 45 . Há<br />
carência <strong>de</strong> equipamentos e <strong>de</strong> material humano. Não há uma equipe especial<br />
para cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> transmissão, e essa fica a cargo do próprio chefe do Jornalismo.<br />
A esse profissional cabe escalar o narrador principal, repórteres e repórteres<br />
cinematográficos (até 1988 não existe produtor), convi<strong>da</strong>r comentaristas e<br />
provi<strong>de</strong>nciar apoio logístico (transporte, alimentação), e tudo isso é feito<br />
apenas poucos dias antes do evento. Até a meta<strong>de</strong> dos anos 80, é, <strong>de</strong> certa<br />
forma, o Departamento Técnico que <strong>de</strong>fine a cobertura, dizendo ao Jornalismo<br />
o que é possível fazer, em que pontos po<strong>de</strong> colocar links e câmeras (postos <strong>de</strong><br />
reportagens).<br />
Nas fitas <strong>de</strong> 1983 a 1985 são evi<strong>de</strong>ncia<strong>da</strong>s as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s técnicas e<br />
operacionais <strong>da</strong> transmissão. O narrador e os repórteres não conseguem se<br />
ouvir em vários momentos e acabam por ir ao ar alguns <strong>de</strong>slizes <strong>da</strong> esfera<br />
priva<strong>da</strong> <strong>da</strong> transmissão, o que permite ao telespectador um <strong>de</strong>svelamento dos<br />
bastidores <strong>da</strong> operação e <strong>de</strong> suas imperfeições.<br />
A partir <strong>de</strong> 1984 percebe-se o empenho para realizar uma transmissão<br />
mais jornalística, o que fica evi<strong>de</strong>nte a partir <strong>de</strong> 1988, quando também o<br />
45 As informações sobre as condições <strong>de</strong> produção <strong>da</strong>s transmissões nesse período são <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos<br />
à autora, feitos por jornalistas e técnicos que <strong>de</strong>las participaram.
narrador recebe fichas com textos sintéticos sobre os principais elementos do<br />
<strong>Círio</strong>, organizando sua participação, já que, até então, tanto ele quando os<br />
repórteres recorriam aos resumos históricos distribuídos pela diretoria <strong>da</strong> Festa<br />
<strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> e ao material publicado nos ca<strong>de</strong>rnos especiais dos jornais no dia<br />
<strong>da</strong> romaria. Também é a partir <strong>de</strong> 1988 que se avoluma a produção <strong>de</strong><br />
reportagens, que trazem a novi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser produzi<strong>da</strong>s, edita<strong>da</strong>s e exibi<strong>da</strong>s<br />
durante a transmissão, quando também inaugura-se um elemento <strong>de</strong><br />
atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e serviço nos VTs 46 levados ao ar. A participação do jornalista<br />
Wianey Pinheiro, <strong>da</strong> TV Globo, na coor<strong>de</strong>nação, e um pool com a TV Cultura<br />
do Pará, que permite melhores condições técnicas, fazem com que 1988 seja<br />
um divisor <strong>de</strong> águas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa primeira fase <strong>da</strong> transmissão.<br />
114<br />
É necessário lembrar que nesse primeiro período o país vivia mu<strong>da</strong>nças<br />
importantíssimas, com a transição do regime militar para a <strong>de</strong>mocracia e,<br />
<strong>de</strong>pois, com a instalação <strong>da</strong> Nova República. Isso terá efeitos no <strong>Círio</strong>, que vive<br />
a terceira <strong>de</strong> suas gran<strong>de</strong>s crises políticas (ver capítulo 2), reflexo <strong>de</strong> uma crise<br />
maior entre Igreja e Estado que se <strong>de</strong>senrolou no país em 1981 e que no Pará<br />
assumiu proporções dramáticas pela prisão e processo contra dois padres<br />
franceses e posseiros <strong>da</strong> região do Araguaia.<br />
As fitas mostram, ain<strong>da</strong>, um <strong>Círio</strong> que se agiganta e a cor<strong>da</strong> assumindo<br />
um lugar ca<strong>da</strong> vez mais importante: com 50 metros em 1983, ela terá 350 no<br />
final do período, per<strong>de</strong> a função <strong>de</strong> proteger autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e convi<strong>da</strong>dos<br />
especiais e passa a ter ca<strong>da</strong> vez mais <strong>de</strong>staque nas transmissões. A TV<br />
também amplia a visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
46 VT, abreviatura <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>oteipe, será usado a partir <strong>de</strong> agora para <strong>de</strong>signar reportagens grava<strong>da</strong>s<br />
inseri<strong>da</strong>s na transmissão.
<strong>Círio</strong>: em 1990, mais <strong>de</strong> 20 municípios paraenses po<strong>de</strong>m ver a romaria ao vivo pela<br />
TV.<br />
115<br />
O tempo <strong>de</strong> duração <strong>da</strong> procissão, que <strong>de</strong>pois seria uma <strong>da</strong>s maiores<br />
fontes <strong>de</strong> tensão na cobertura <strong>da</strong> TV, ain<strong>da</strong> é <strong>de</strong> cinco horas, em média,<br />
consi<strong>de</strong>rado a<strong>de</strong>quado pela televisão, em virtu<strong>de</strong> <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> preservar<br />
a gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Globo. Mesmo assim, existe a evi<strong>de</strong>nte<br />
preocupação com o cronômetro, expressa pelo horário no canto direito do<br />
monitor em alguns anos e nos comentários do narrador e repórteres, em todos<br />
os anos, sobre o ritmo <strong>da</strong> romaria, com recorrentes previsões e estimativas <strong>da</strong><br />
chega<strong>da</strong> ao ponto final. Esse é um <strong>de</strong>staque que se explica, ain<strong>da</strong>, por uma<br />
<strong>da</strong>s tradições <strong>da</strong> festa, o almoço do <strong>Círio</strong>. Ao prever a hora <strong>de</strong> encerramento, a<br />
TV informa os que estão em casa sobre a provável chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> família e<br />
convi<strong>da</strong>dos.<br />
Passo à análise do registro <strong>da</strong> transmissão do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 1983, que,<br />
marca<strong>da</strong> por muitas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s técnicas, apresenta dois gran<strong>de</strong>s momentos: a<br />
“irrupção” <strong>da</strong> cena política explícita no <strong>Círio</strong> e a inédita verticalização do olhar,<br />
pelas imagens feitas com uso <strong>de</strong> um helicóptero.<br />
A cobertura é conduzi<strong>da</strong> por um narrador 47 , Francisco César,<br />
apresentador <strong>de</strong> telejornais <strong>da</strong> emissora. Do estúdio, o narrador, uma espécie<br />
<strong>de</strong> mestre <strong>de</strong> cerimônia, <strong>de</strong>sempenha a função <strong>de</strong> encaminhar o olhar do<br />
telespectador, ao enfatizar aspectos <strong>da</strong> romaria e imagens que consi<strong>de</strong>ra mais<br />
importantes; ilustrar a audiência sobre os aspectos históricos do <strong>Círio</strong>, e<br />
introduzir a participação <strong>de</strong> repórteres e <strong>de</strong> um comentarista, o sociólogo e<br />
padre casado Lisbino do Carmo.
116<br />
Esta é uma transmissão praticamente em off. O narrador e os repórteres<br />
não aparecem no ví<strong>de</strong>o, com exceção <strong>da</strong> repórter do posto <strong>da</strong> TV Liberal,<br />
quando entrevista alguém, e do comentarista, que faz uma entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> saca<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, como se fora repórter, aparentemente uma tentativa <strong>de</strong><br />
dinamizar a transmissão.<br />
A gravação começa com um VT sobre a <strong>de</strong>voção à Virgem <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> e<br />
a Catedral. A seguir, inicia-se a transmissão ao vivo, com a câmera para<strong>da</strong> na<br />
imagem <strong>da</strong> Virgem, no interior <strong>da</strong> Catedral <strong>de</strong> on<strong>de</strong> sairia a procissão. O tom<br />
do narrador é solene, recuperando vocábulos pouco usuais, como “préstito”.<br />
Ele chama a repórter posiciona<strong>da</strong> na igreja, que fala sobre a <strong>de</strong>voção à Virgem,<br />
conta o que está se passando no exterior – lá fora o número <strong>de</strong> pessoas é<br />
gran<strong>de</strong>, a cor<strong>da</strong> está lota<strong>da</strong> – e antecipa o que <strong>de</strong>ve acontecer na romaria, mas<br />
a câmera só focaliza a imagem <strong>da</strong> Santa e o movimento <strong>de</strong> fiéis na igreja. O<br />
telespectador po<strong>de</strong> apenas imaginar o que está acontecendo “lá fora”, como<br />
nas emissões <strong>de</strong> rádio. Isso se repetirá em vários momentos <strong>da</strong> transmissão,<br />
mostrando a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> apreensão visual do evento, por falta <strong>de</strong> câmeras<br />
ou por falta <strong>de</strong> mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> e alcance <strong>da</strong>s existentes. Em 1983, a julgar pelo<br />
registro gravado, houve postos apenas na Sé, na TV Liberal e no CAN.<br />
O improviso que marca a narrativa <strong>da</strong> primeira repórter será a tônica <strong>da</strong><br />
atuação também <strong>de</strong> seus colegas, que narram o que vêem e, muitas vezes,<br />
falam do que viram, do que já passou pelo ponto on<strong>de</strong> estão posicionados e<br />
não foi mostrado aos telespectadores, ou antecipam o que ain<strong>da</strong> irá acontecer<br />
na romaria.<br />
47 Conservo o termo narrador, usado pela emissora para <strong>de</strong>signar esta função.
117<br />
Após <strong>de</strong>z minutos, a câmera finalmente mostra o exterior <strong>da</strong> igreja, com<br />
a cor<strong>da</strong> já ondulando, pronta para puxar a berlin<strong>da</strong>. Mas, enquanto não é<br />
inicia<strong>da</strong> a romaria, instala-se o que será freqüente na transmissão, um exemplo<br />
do que Machado (2000) chama <strong>de</strong> tempos mortos, em que 'na<strong>da</strong> está<br />
acontecendo' do ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> coerência estrutural ou <strong>da</strong> consistência<br />
narrativa. É o que a TV consi<strong>de</strong>ra um “buraco na transmissão”, solucionado<br />
pela entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> um VT sobre a berlin<strong>da</strong>, conforme mostra a fita em análise.<br />
A transmissão volta, com falhas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o e <strong>de</strong> áudio (além <strong>de</strong> falhas no<br />
microfone dos repórteres, inexiste o som ambiente e a trilha sonora vem do<br />
estúdio, com o hino <strong>da</strong> Virgem, que vai perdurar por quase to<strong>da</strong> a romaria).<br />
Quando se consegue captar o som ambiente, sobe a temperatura emocional <strong>da</strong><br />
transmissão, com os cantos e aplausos dos fiéis quando a imagem <strong>da</strong> Santa<br />
sai <strong>da</strong> igreja. Em plano geral, vê-se a berlin<strong>da</strong> no meio <strong>da</strong> multidão, mas a<br />
saí<strong>da</strong> <strong>de</strong>mora e a repórter é socorri<strong>da</strong> pelo narrador, que conta a história do<br />
<strong>Círio</strong> e registra a retira<strong>da</strong> do tradicional carro dos fogos, puxado por bois, que<br />
anunciava o <strong>Círio</strong>, naquele ano substituído por clarins. A <strong>de</strong>cisão, <strong>da</strong> diretoria<br />
<strong>da</strong> Festa, comprova a verticalização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, porque visava à segurança,<br />
diante do crescimento do número <strong>de</strong> edifícios no trajeto <strong>da</strong> procissão.<br />
O comentarista, especialista convocado para solenizar e <strong>da</strong>r<br />
credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> à narrativa, também dá o tom político à transmissão. Ele fala<br />
sobre a fé popular expressa na celebração e <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s econômicas do<br />
país: A religião não é o ópio do povo, como dizia Marx. São Tomás <strong>de</strong> Aquino<br />
dizia que é preciso um mínimo <strong>de</strong> conforto para erguer as mãos e rezar. Essa<br />
era uma fala inusita<strong>da</strong> para a TV <strong>da</strong> época e, segundo registra mais adiante o
próprio comentarista, valeu-lhe telefonemas <strong>de</strong> congratulações durante a<br />
transmissão.<br />
118<br />
Mas o principal fato político do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 1983 será marcado por um<br />
divórcio intencional entre áudio e ví<strong>de</strong>o. O cortejo caminha pela aveni<strong>da</strong><br />
<strong>Nazaré</strong> e o narrador fala sobre o manto <strong>da</strong> Santa e as saca<strong>da</strong>s enfeita<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong>quele ponto do trajeto, quando irrompem no ví<strong>de</strong>o, focaliza<strong>da</strong>s pela câmera<br />
instala<strong>da</strong> à frente <strong>da</strong> TV Liberal, as faixas vermelhas e negras <strong>de</strong>sfral<strong>da</strong><strong>da</strong>s por<br />
religiosos e leigos do Movimento Pela Libertação dos Presos do Araguaia, o<br />
MPLA, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1981 <strong>de</strong>sfilam no <strong>Círio</strong>, protestando silenciosamente contra a<br />
prisão dos padres e posseiros. O narrador e o comentarista não falam sobre as<br />
imagens que estão no ar. A câmera dá uma panorâmica <strong>de</strong> quase dois minutos<br />
nas faixas, que pe<strong>de</strong>m à Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> a libertação dos prisioneiros,<br />
fecha um pouco em uma <strong>de</strong>las (Julgando os 15 do Araguaia estão julgando o<br />
povo e a Igreja) e <strong>de</strong>pois, quando a manifestação já se adiantou, gira no eixo<br />
para capturar o <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong> uma enxa<strong>da</strong> com a inscrição MLPA, na ponta <strong>de</strong><br />
uma cruz.<br />
Machado:<br />
Esse é um exemplo típico dos insertos imprevisíveis <strong>de</strong> que fala<br />
O melhor <strong>da</strong> televisão ao vivo acontece quando o impon<strong>de</strong>rável se impõe sobre o<br />
programado e isso po<strong>de</strong> se <strong>da</strong>r <strong>de</strong> duas maneiras diferentes. De um lado, o acaso ou o não<br />
previsto po<strong>de</strong>m se impor com tal eloqüência, que todo controle resulta inútil; <strong>de</strong> outro lado, a<br />
impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um total controle sobre a operação em tempo presente, por parte <strong>da</strong>queles<br />
que fazem televisão, torna possível, paradoxalmente, a intervenção planeja<strong>da</strong>, seja <strong>de</strong> grupos<br />
organizados externos à televisão, seja dos próprios acontecimentos, que, a partir <strong>de</strong> um certo<br />
nível <strong>de</strong> magnitu<strong>de</strong>, se impõem às câmeras como temas inevitáveis”. (Machado, 2000:141)<br />
A questão dos presos do Araguaia era trata<strong>da</strong> nos telejornais locais,<br />
mas as manifestações durante o <strong>Círio</strong> eram proibi<strong>da</strong>s e reprimi<strong>da</strong>s pelas
autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s militares e, por isso, a TV se eximia <strong>de</strong> comentá-las, embora tenha<br />
aproveitado a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrá-las 48 .<br />
119<br />
Após esse momento, o protesto some do ví<strong>de</strong>o. A crise entre a Igreja e o<br />
Estado é recupera<strong>da</strong> no registro aparentemente casual <strong>de</strong> uma repórter que,<br />
após mencionar a presença do governador (do PMDB, então partido <strong>de</strong><br />
oposição ao governo fe<strong>de</strong>ral) e sua mulher, além <strong>de</strong> dois <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais<br />
paraenses, diz que nenhuma autori<strong>da</strong><strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral participa do cortejo (o que<br />
acontecia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1981). Outra repórter mostra o CAN tomado por 400 sol<strong>da</strong>dos<br />
do Exército, explicando que a segurança é para evitar “tumultos” quando os<br />
romeiros tentarem entrar na praça. O subliminar fazia parte, então, dos<br />
manuais não escritos <strong>de</strong> jornalismo.<br />
Neste ano, a transmissão sai do ar com freqüência, várias vezes os<br />
repórteres não conseguem entrar quando acionados pelo narrador, ou entram<br />
sem áudio. O VT sobre a berlin<strong>da</strong> é exibido mais uma vez, para cobrir um novo<br />
“tempo morto” durante a transmissão. A julgar pelas que merecem <strong>de</strong>staque,<br />
as promessas <strong>da</strong>quele ano não primam pelo insólito e um senhor que carrega<br />
uma pequena imagem <strong>da</strong> Virgem orna<strong>da</strong> <strong>de</strong> flores acaba sendo entrevistado.<br />
Passado o momento <strong>de</strong> saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> Catedral, a cor<strong>da</strong> não tem mais gran<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>staque nas imagens. As câmeras trabalham praticamente todo o tempo com<br />
o plano aberto, e a multidão enche o ví<strong>de</strong>o, <strong>da</strong>ndo a dimensão <strong>da</strong> romaria. O<br />
close é mais freqüente na câmera instala<strong>da</strong> na se<strong>de</strong> <strong>da</strong> TV, on<strong>de</strong> a<br />
proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> permite também as melhores imagens <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>. Essa câmera,<br />
48 Por experiência, os jornalistas <strong>da</strong> época sabiam que po<strong>de</strong>riam explicar as imagens como um “acaso”<br />
típico <strong>de</strong> transmissão ao vivo e do qual não conseguiram “livrar-se” cortando para outra câmera por<br />
problemas técnicos, conforme entrevista <strong>de</strong> Wal<strong>de</strong>mar Feitosa, que comandou essa transmissão, à<br />
autora.
instala<strong>da</strong> sobre um praticável, atrai o olhar dos romeiros e muitos <strong>de</strong>les<br />
acenam festivamente.<br />
120<br />
Como há poucas câmeras, a berlin<strong>da</strong> sai do ví<strong>de</strong>o por longos períodos.<br />
Nesse caso, a estratégia mais comum é manter no ar a multidão que segue<br />
atrás <strong>da</strong> Santa ou então intervir na seqüência e na temporali<strong>da</strong><strong>de</strong> natural do<br />
evento <strong>de</strong> referência, cortando para o CAN ain<strong>da</strong> vazio, on<strong>de</strong> os repórteres<br />
alimentam agora outra expectativa, a do final <strong>da</strong> peregrinação.<br />
A dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> manter a berlin<strong>da</strong> no ví<strong>de</strong>o não é escamotea<strong>da</strong>. Num<br />
<strong>de</strong>sses momentos é introduzi<strong>da</strong> a gran<strong>de</strong> novi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> transmissão. O narrador<br />
diz que enquanto não chega próximo à nossa câmera a berlin<strong>da</strong>, vamos<br />
ver imagens exclusivas feitas <strong>de</strong> helicóptero, <strong>da</strong> homenagem dos estivadores<br />
à Virgem <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. É um interessante paradoxo que a TV, no exato momento<br />
em que confessa a limitação <strong>de</strong> uma câmera fixa, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> aproximação<br />
do objeto para exibi-lo, em vez <strong>de</strong> partir a sua busca, apresente o reverso, com<br />
a câmera que sobe aos céus para verticalizar e ampliar o olhar, mostrando um<br />
<strong>Círio</strong> majestoso, visto assim do alto, levando o espectador a um lugar inédito<br />
<strong>de</strong> visão espetacular.<br />
A tradicional queima <strong>de</strong> fogos do Sindicato dos Estivadores é um<br />
momento <strong>de</strong> apoteose na romaria, e a emoção do espetáculo é reforça<strong>da</strong> pela<br />
voz do narrador. É um momento <strong>de</strong> auto-celebração <strong>da</strong> TV, reafirmado pelo<br />
narrador, que fala sobre os ângulos inéditos, diferentes e novos. O helicóptero<br />
sobrevoa o Boulevard Castilhos França e o início <strong>da</strong> aveni<strong>da</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />
Vargas, ponto dos mais importantes <strong>da</strong> romaria, on<strong>de</strong> acontecem gran<strong>de</strong>s
queimas <strong>de</strong> fogos, permitindo belas panorâmicas e zoons, que traduzem a<br />
amplitu<strong>de</strong> do cortejo.<br />
121<br />
São impressionantes imagens, mesmo sem áudio ambiente. Um belo<br />
zoom introduz uma seqüência <strong>de</strong> planos gerais com a explosão dos fogos no<br />
céu, a fumaça, a berlin<strong>da</strong> no meio <strong>da</strong> multidão, as copas <strong>da</strong>s árvores e o rio,<br />
marca presente tanto na paisagem amazônica quanto na própria simbologia do<br />
<strong>Círio</strong>.<br />
É uma visão especial e exclusiva do telespectador. Mais adiante, por<br />
causa do gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> telefonemas para a TV, as imagens são<br />
novamente mostra<strong>da</strong>s, com uma fala enfática do narrador:<br />
[ ...] para você, telespectador, ver <strong>de</strong> novo as imagens obti<strong>da</strong>s através<br />
<strong>de</strong> uma angulação nova, através <strong>de</strong> uma novi<strong>da</strong><strong>de</strong> que nós este ano, sempre no<br />
intuito <strong>de</strong> mostrar o melhor, <strong>de</strong> oferecer o melhor trabalho a você que nos dá o<br />
privilégio <strong>de</strong> sua audiência, levamos há pouco ao ar. São imagens obti<strong>da</strong>s<br />
através <strong>de</strong> um helicóptero.<br />
Em segui<strong>da</strong>, as imagens entram no ar com o áudio dos fogos, o que as<br />
valoriza muito mais, e legen<strong>da</strong><strong>da</strong>s: exclusivo. Também há novos takes, alguns<br />
<strong>de</strong>les permitindo ao telespectador “invadir” o espaço proibido e perigoso on<strong>de</strong><br />
se dá a queima, para ver, num ângulo realmente novo, os fogos no momento<br />
mesmo em que explo<strong>de</strong>m nas armações <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />
A partir <strong>da</strong>s imagens aéreas, o <strong>Círio</strong> segue com rapi<strong>de</strong>z, mas a<br />
transmissão se arrasta. O repertório jornalístico parece ter se esgotado. O<br />
narrador e a repórter do posto <strong>da</strong> TV arriscam palpites sobre a hora que a<br />
procissão vai terminar. O pessoal do CAN relata <strong>de</strong>smaios <strong>de</strong> fiéis, mas a<br />
câmera não os mostra, e os repórteres reivindicam sua cota <strong>de</strong> participação
cerimonial no evento (Dayan, Katz, 2000) confessando-se também contritos<br />
nessa fé <strong>de</strong> todos os paraenses.<br />
122<br />
A atitu<strong>de</strong> diante do evento ain<strong>da</strong> é essencialmente tími<strong>da</strong>, quase se<br />
limita a um registro do espetáculo que se <strong>de</strong>senrola na rua. Esse registro é<br />
prejudicado pela falta dos meios técnicos. Naquele momento, por mais que<br />
fosse gera<strong>da</strong> para a TV Nacional <strong>de</strong> Brasília via Embratel, a transmissão do<br />
<strong>Círio</strong> ain<strong>da</strong> não ultrapassava os limites <strong>de</strong> um evento local.<br />
Em 1984, a câmera tenta se aproximar mais do <strong>Círio</strong>, mas ain<strong>da</strong> não há<br />
closes. A transmissão cresce no uso <strong>da</strong> lente zoom, nas panorâmicas e nos<br />
planos gerais, especialmente do alto, porque ao helicóptero se agrega um<br />
munck, um caminhão com uma cestinha on<strong>de</strong> se posiciona o repórter<br />
cinematográfico e que possibilita não só verticalização como movimentos <strong>de</strong><br />
câmera estáveis, sem que as imagens “balancem”, um eterno problema nas<br />
transmissões. O munck merece registro do narrador, pois a TV, que preza a<br />
surpresa, não valoriza o segredo, publicizando todos as suas estratégias para<br />
fornecer novos ângulos ao telespectador. Essa posição <strong>de</strong> câmera, instala<strong>da</strong><br />
num posto próximo ao local <strong>da</strong> queima <strong>de</strong> fogos dos estivadores, vai permitir<br />
uma visão extraordinária, <strong>de</strong> plástica extraordinária, vibra Francisco César, o<br />
narrador, quando a câmera abre um plano geral dos fogos começando a<br />
explodir. Ela faz um zoom e consegue um ótimo ângulo, com a fumaça e o<br />
brilho dos fogos enchendo o ví<strong>de</strong>o, como se viessem na direção <strong>da</strong> lente – e do<br />
telespectador, e essa sensação <strong>de</strong> proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> complementa a amplitu<strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />
imagens do helicóptero.<br />
O helicóptero volta a ser usado em 1984, com uma novi<strong>da</strong><strong>de</strong>: o repórter<br />
Emanuel Villaça aparece em on, num VT gravado que prioriza o caráter
jornalístico e <strong>de</strong> serviço. Fugindo do trajeto <strong>da</strong> romaria, o helicóptero sobrevoa<br />
ruas <strong>de</strong>sertas <strong>de</strong> Belém e o repórter se dirige a você, que está saindo <strong>de</strong> casa<br />
agora para assistir à passagem do <strong>Círio</strong>, <strong>da</strong>ndo sugestões <strong>de</strong> itinerário e<br />
conselhos em tom bastante coloquial e até com uso <strong>de</strong> gírias, o que não era –<br />
nem é – usual na linguagem dos telejornais:<br />
123<br />
[...] o motorista <strong>de</strong>ve ter atenção porque há romeiros do interior<br />
<strong>de</strong>sacostumados com o trânsito <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> gran<strong>de</strong> e po<strong>de</strong> haver atropelamento. Se<br />
não quiser esquentar a cabeça, pegue ônibus, to<strong>da</strong>s as linhas estão circulando<br />
normalmente. É uma boa pegar ônibus, mas tenha cui<strong>da</strong>do quanto a ladrões.<br />
Os repórteres dos postos também tentam <strong>da</strong>r um tom mais jornalístico à<br />
transmissão, procuram fugir <strong>da</strong> simples narração sobre o que acontece frente a<br />
seus olhos, informam sobre as novi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> procissão <strong>da</strong>quele ano e do<br />
“entorno” <strong>da</strong> romaria, como os espectadores que sobem nas árvores para ver a<br />
berlin<strong>da</strong> e entrevistam mais promesseiros, mas persistem em falar sobre o que<br />
já passou pelo posto sem que a câmera mostre. Eles continuam em off e<br />
percebe-se que a comunicação e as condições técnicas continuam precárias,<br />
pelas freqüentes falhas nas entra<strong>da</strong>s <strong>de</strong> repórteres, vazamento <strong>de</strong> áudio e<br />
que<strong>da</strong>s <strong>de</strong> áudio e ví<strong>de</strong>o.<br />
Há um avanço nos comentários <strong>da</strong> transmissão, que nesse ano conta<br />
com o antropólogo Heraldo Maués, além do sociólogo do ano anterior. A<br />
participação <strong>de</strong>sse novo comentarista permite que se instale a análise dos<br />
aspectos do <strong>Círio</strong>, em tom mais acessível ao não-especialista. É a fala do<br />
antropólogo, aliás, que ressalta a televivência do <strong>Círio</strong>. Um dos repórteres<br />
comenta a imagem <strong>de</strong> uma árvore apinha<strong>da</strong> <strong>de</strong> pessoas que aguar<strong>da</strong>m para<br />
ver a passagem <strong>da</strong> Santa e pergunta ao comentarista se essa seria uma forma<br />
<strong>de</strong> participação. O antropólogo diz que sim: ver o <strong>Círio</strong> é uma forma <strong>de</strong>
participar, sobretudo agora que nós temos a TV que man<strong>da</strong> imagem para todo<br />
interior do Estado.<br />
124<br />
O <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 1985 é histórico: pela última vez um presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República,<br />
José Sarney, acompanha a romaria, ao lado do governador do Estado e <strong>de</strong><br />
outras autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>de</strong> paletó e gravata sob o sol tropical, protegidos pela<br />
cor<strong>da</strong>, que naquele ano dobra <strong>de</strong> tamanho, passando <strong>de</strong> 50 para 100 metros.<br />
Na amostra grava<strong>da</strong> em análise, a presença oficial não se sobrepõe aos<br />
elementos <strong>da</strong> romaria, embora seja possível inferir que garante uma maior<br />
visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> à festa, a julgar pelo exército consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> câmeras fotográficas<br />
e <strong>de</strong> TV que a TV Liberal mostra atropelando-se no altar, no encerramento <strong>da</strong><br />
romaria, tentando mostrar o presi<strong>de</strong>nte assistindo à missa. Além <strong>da</strong> TV<br />
Nacional <strong>de</strong> Brasília, 70 municípios paraenses recebem a emissão completa ao<br />
vivo.<br />
A cor<strong>da</strong> irrompe na tela com <strong>de</strong>staque inusitado, numa forte seqüência<br />
<strong>de</strong> imagens, que começa fecha<strong>da</strong> na berlin<strong>da</strong>, com gritos em BG, e abre para o<br />
sacrifício dos promesseiros que a puxam. A cor<strong>da</strong> terá <strong>de</strong>staque durante to<strong>da</strong> a<br />
transmissão, na fala dos repórteres, nas imagens e nas entrevistas com seus<br />
promesseiros.<br />
Na transmissão <strong>de</strong> 1985 surgem os efeitos, principalmente nos cortes <strong>de</strong><br />
posto para posto. Efeitos constróem, manipulam e alteram imagens, mas,<br />
nesse caso, funcionam como simples ornamentos. Eles não sofisticam a<br />
imagem e, em alguns momentos, seu uso excessivo produz uma certa<br />
banalização. No geral, não acrescentam quali<strong>da</strong><strong>de</strong> à imagem, valendo mais<br />
pelo registro <strong>da</strong> interferência e como um esforço <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> linguagem<br />
para a transmissão que, naquele ano, enfatiza o gran<strong>de</strong> crescimento <strong>da</strong>
omaria. É a primeira vez que o <strong>Círio</strong> transbor<strong>da</strong> <strong>de</strong> seu leito original: Os alto-<br />
falantes estão pedindo que os romeiros caminhem <strong>de</strong>vagar e ocupem as<br />
calça<strong>da</strong>s, mas está tudo lotado!, diz a repórter.<br />
125<br />
Em 1987,o pool com a TV Cultura amplia a cobertura visual do trajeto.<br />
Os repórteres são mostrados nos postos, ao lado dos cinegrafistas, num<br />
<strong>de</strong>svelamento intencional dos bastidores <strong>da</strong> cobertura, que registra um novo<br />
protesto: um grupo <strong>de</strong> ecologistas com faixas e cartazes contra a ameaça <strong>de</strong><br />
construção <strong>de</strong> um <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> lixo atômico no Pará 49 .<br />
A associação com a TV Cultura se mantém em 1988, envolvendo mais<br />
<strong>de</strong> 100 profissionais e seis postos. O jornalista Wianey Pinheiro, <strong>da</strong> TV Globo,<br />
com gran<strong>de</strong> experiência na produção <strong>da</strong> cobertura dos <strong>de</strong>sfiles <strong>de</strong> carnaval do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, participa <strong>da</strong> coor<strong>de</strong>nação. A primeira marca que ele imprime à<br />
transmissão é um top com a contagem regressiva, que remete imediatamente<br />
ao padrão <strong>de</strong> abertura <strong>da</strong>s produções <strong>da</strong> TV Globo. Mas a marca principal, sem<br />
dúvi<strong>da</strong>, é o investimento na produção jornalística, que resulta na cobertura<br />
mais organiza<strong>da</strong> e criativa realiza<strong>da</strong> até então. A TV constrói um discurso<br />
próprio sobre o <strong>Círio</strong>, ao produzir textos, formatados para suas especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />
libertando-se <strong>da</strong> reprodução <strong>de</strong> discursos <strong>de</strong> outros meios, como o jornal<br />
impresso que os repórteres utilizavam até então.<br />
Ain<strong>da</strong> que aconteçam falhas técnicas, como vazamento <strong>de</strong> áudio que<br />
coloca no ar a comunicação interna entre o estúdio e os repórteres, por<br />
exemplo, é a primeira transmissão na qual se percebe o trabalho <strong>de</strong><br />
coor<strong>de</strong>nação e a tentativa mais bem sucedi<strong>da</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>svencilhar do papel <strong>de</strong>
“testemunha”, do registro. Para isso faz muita diferença a produção prévia <strong>de</strong><br />
VTs curtos que são usados durante a emissão e, especialmente, a novi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma equipe móvel que, durante o <strong>Círio</strong>, percorre a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> mostrando aspectos<br />
curiosos, como a dona-<strong>de</strong>-casa preparando almoço para 200 convi<strong>da</strong>dos, a<br />
chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> romeiros retar<strong>da</strong>tários e a periferia <strong>de</strong>serta, que não só expressa a<br />
centrali<strong>da</strong><strong>de</strong> do espaço geográfico do <strong>Círio</strong>, como também a centralização do<br />
pulsar <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, naquele dia.<br />
126<br />
Essa equipe representa o uso do que a TV tem <strong>de</strong> melhor, a<br />
capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar não só o evento, mas o que acontece em torno <strong>de</strong>le,<br />
ampliando o olhar do telespectador para um outro ângulo, o dos bastidores <strong>da</strong><br />
festa inclusive, com a vantagem <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois os VTs são produzidos,<br />
gravados, editados e emitidos durante a transmissão. Esses VTs são exemplos<br />
do que Dayan e Katz (2000:103) classificam como subúrbios textuais do<br />
acontecimento, ou seja, produções que registram pormenores <strong>de</strong>sse<br />
acontecimento, histórias <strong>de</strong> interesse humano, entrevistas, que sublinham o<br />
significado do evento que está sendo transmitido. Ao mesmo tempo, esses<br />
espetáculos laterais permitem à TV exercer uma in<strong>de</strong>pendência na forma como<br />
propõe e reforça sua leitura do evento.<br />
No início <strong>da</strong> transmissão, os repórteres aparecem nos postos. É o<br />
chamado "carrossel" ou “varredura” dos postos, que tem a função não só <strong>de</strong><br />
antecipar as notícias para o telespectador, mas também <strong>de</strong> afirmar o<br />
compromisso <strong>de</strong> cobrir os principais pontos <strong>da</strong> romaria. Alguns <strong>de</strong>les, pela<br />
primeira vez com aju<strong>da</strong> <strong>de</strong> produtores, fazem entra<strong>da</strong>s significativas e com um<br />
49 A campanha contra o lixo atômico perdurou até o arquivamento <strong>da</strong> idéia <strong>de</strong> construção <strong>da</strong> usina e<br />
provocou o ressurgimento do sentimento <strong>de</strong> exclusão do paraense em relação às <strong>de</strong>cisões do po<strong>de</strong>r<br />
central.
toque sutil <strong>de</strong> humor, a exemplo <strong>da</strong> repórter Leni Sampaio, que, <strong>de</strong>pois <strong>da</strong><br />
saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> romaria, mostra a pilha <strong>de</strong> sapatos que ficaram para trás <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
início <strong>da</strong> caminha<strong>da</strong> dos fiéis. Ou ain<strong>da</strong> a entrevista feita pelo repórter Douglas<br />
Dinelli com um emblemático <strong>de</strong>voto que, enquanto aguar<strong>da</strong> o Carro dos<br />
Milagres, toma sua cerveja com amigos e enfatiza o lado profano <strong>da</strong> festa.<br />
127<br />
Nesta cobertura também é marcante a forma como o narrador dirige-se<br />
ao amigo telespectador com insistência –você, que não pô<strong>de</strong> vir – e dá notícias<br />
e informações <strong>de</strong> utili<strong>da</strong><strong>de</strong> pública ao lado dos textos, pela primeira vez pré-<br />
produzidos, sobre a romaria. O comentarista <strong>de</strong>ste ano, o historiador Ubiratan<br />
Rosário, tem participação secundária diante do maior peso jornalístico <strong>da</strong><br />
cobertura, com freqüentes entra<strong>da</strong>s <strong>de</strong> repórteres ao vivo e <strong>de</strong> VTs, inclusive<br />
com o registro <strong>da</strong> Trasla<strong>da</strong>ção, a romaria noturna que acontece na véspera do<br />
<strong>Círio</strong> e nunca tinha sido mostra<strong>da</strong> durante a transmissão.<br />
Fica evi<strong>de</strong>nte uma segura direção <strong>de</strong> imagens que usa fusões suaves e<br />
corte seco. Essa direção transforma Belém em personagem <strong>da</strong> cobertura,<br />
revelando ângulos novos <strong>da</strong> parte antiga <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. A câmera do munck, agora<br />
na saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> procissão, proporciona belas panorâmicas, zoons e planos gerais<br />
<strong>da</strong> área do Ver-o-Peso, quando mostra a baia do Guajará, as torres e telhados<br />
<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> Velha, entre as mangueiras. A cor<strong>da</strong>, agora com 350 metros,<br />
apinha<strong>da</strong> <strong>de</strong> promesseiros, também se consoli<strong>da</strong> como personagem, mostra<strong>da</strong><br />
em planos gerais e <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes, inclusive dos pés <strong>de</strong>scalços e do povo <strong>da</strong>ndo<br />
água aos <strong>de</strong>votos. A sonorização única do trajeto <strong>da</strong> romaria aju<strong>da</strong> a<br />
transmissão a usar o som ambiente como BG e sobe som, mas a TV faz uma<br />
interferência no áudio, usando a gravação do hino <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong> pela cantora Leila Pinheiro, em diversos momentos.
128<br />
Mesmo sem helicóptero, o aproveitamento <strong>da</strong> câmera do munck e <strong>de</strong><br />
outras câmeras em praticáveis verticaliza, mas aproxima, a romaria do olhar do<br />
telespectador: é o ano do close e do big close, inclusive dos rostos <strong>de</strong><br />
promesseiros <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, permitidos pelo uso <strong>da</strong> lente gran<strong>de</strong> angular. As<br />
câmeras adquirem mobili<strong>da</strong><strong>de</strong>, o que permite à TV mostrar o mínimo <strong>de</strong>talhe, o<br />
que é capaz <strong>de</strong> emocionar e provocar no telespectador a sensação <strong>de</strong><br />
proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> com a romaria. Essa aproximação do olhar cumpre importante<br />
função na construção do espetáculo televisivo do <strong>Círio</strong>, resgatando o indivíduo<br />
na multidão <strong>de</strong> romeiros e acentuando a emoção.<br />
Ao escapar do curso <strong>da</strong> romaria, a câmera se <strong>de</strong>tém no seu entorno.<br />
São as saca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> edifícios lota<strong>da</strong>s e enfeita<strong>da</strong>s, o vaivém <strong>da</strong>s macas que<br />
transportam as pessoas <strong>de</strong>smaia<strong>da</strong>s, as lágrimas <strong>da</strong> velhinha <strong>de</strong>vota, ou "Seu"<br />
Euzébio, que acompanha a procissão com um rádio <strong>de</strong> pilha, para saber on<strong>de</strong><br />
está a Santa. A missa transforma-se numa seqüência <strong>de</strong>sassossega<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
planos gerais e <strong>de</strong>talhes.<br />
As fórmulas introduzi<strong>da</strong>s em 1988 funcionam tanto que se repetem nos<br />
anos <strong>de</strong> 1989 e 1990, a tal ponto que os repórteres chegam a mostrar<br />
novamente o rescaldo <strong>de</strong> sapatos abandonados no Largo <strong>da</strong> Sé e a entrevistar<br />
um ecologista que já havia falado em 1988, no mesmo ponto do trajeto.<br />
Em 1989, entre as casinhas <strong>de</strong> miriti e ma<strong>de</strong>ira, pedras na cabeça,<br />
cruzes, anjinhos, mortalhas e barcos, surge a insólita performance <strong>de</strong> um<br />
promesseiro que acompanha a procissão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma gela<strong>de</strong>ira sem motor.<br />
Não se vê seu rosto e ele narra ao repórter que agra<strong>de</strong>cia uma graça<br />
alcança<strong>da</strong> em 1973, no Recife, on<strong>de</strong> mora. A entra<strong>da</strong> <strong>de</strong>sse promesseiro no ar<br />
mostra a importância crescente do trabalho do produtor no <strong>Círio</strong>. O repórter <strong>de</strong>
um dos postos fala sobre ele no ar, sem mostrá-lo, porque não conseguira<br />
<strong>de</strong>tê-lo. Pouco <strong>de</strong>pois, nas imagens <strong>da</strong> câmera <strong>da</strong> TV Liberal em <strong>Nazaré</strong>, vê-se<br />
a produtora <strong>da</strong> emissora que caminha ao lado <strong>da</strong> gela<strong>de</strong>ira, conduzindo-a ao<br />
repórter, que aguar<strong>da</strong> no posto, limitado pelo alcance do cabo do microfone. O<br />
<strong>de</strong>staque concedido ao promesseiro mostra o interesse <strong>da</strong> TV pelo insólito,<br />
pelo espetacular.<br />
129<br />
Em 1990, quando o <strong>Círio</strong> é ain<strong>da</strong> maior e a cor<strong>da</strong> já me<strong>de</strong> 400 metros, a<br />
magnitu<strong>de</strong> dos planos gerais é freqüentemente corta<strong>da</strong> por closes, big closes,<br />
mãos <strong>de</strong> fiéis e, pela primeira vez, o pé ferido <strong>de</strong> um promesseiro ocupa todo o<br />
ví<strong>de</strong>o. Nesse ano, ao top <strong>de</strong> abertura junta-se um clip produzido pela TV<br />
Cultura, uma celebração <strong>de</strong> paisagens e manifestações culturais do Pará, num<br />
prenúncio <strong>da</strong> transformação que a cobertura sofreria no ano seguinte.<br />
A cerimônia televisual: 1991-1996<br />
O Quadro 3, na página seguinte, apresenta a síntese <strong>da</strong>s principais<br />
características do <strong>Círio</strong> e <strong>da</strong>s transmissões <strong>de</strong> 1991 a 1996. Este bloco começa<br />
por uma mu<strong>da</strong>nça conceitual na transmissão e termina com um <strong>de</strong>safio: narrar<br />
o mais longo dos <strong>Círio</strong>s até então realizados, com sete horas <strong>de</strong> duração. Um<br />
resultado do crescimento <strong>da</strong> procissão e <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, que volta a provocar<br />
polêmica e terá forte presença nas imagens, nas intervenções dos jornalistas e,<br />
especialmente, dos comentaristas. Das seis transmissões <strong>de</strong>sse bloco, quatro<br />
são realiza<strong>da</strong>s em pool, o que garante condições para ampliar a cobertura <strong>da</strong><br />
procissão.<br />
Nesse bloco a transmissão passa a ser roteiriza<strong>da</strong>, com um script<br />
previamente redigido que, mesmo possibilitando liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> improviso ao
narrador e sendo modificado durante a cobertura pelo coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong><br />
jornalismo para respon<strong>de</strong>r aos acontecimentos não previstos, funciona como<br />
um fio condutor. Esse script é o resultado material do trabalho <strong>de</strong> pré-produção<br />
e produção que se institui como rotina a partir <strong>de</strong>sse período, quando a<br />
cobertura começa a ser pensa<strong>da</strong> e prepara<strong>da</strong> com antecedência ca<strong>da</strong> vez<br />
maior.<br />
Quadro 3 - Evolução do <strong>Círio</strong> e <strong>da</strong> transmissão <strong>da</strong> TV Liberal no período <strong>de</strong><br />
1991 a 1996<br />
Anos<br />
1991<br />
1992<br />
1993<br />
1994<br />
1995<br />
1996<br />
Fonte: Pesquisa <strong>da</strong> autora<br />
Do <strong>Círio</strong><br />
Aumento substancial <strong>de</strong> romeiros na<br />
cor<strong>da</strong><br />
Duzentos anos <strong>de</strong> <strong>Círio</strong><br />
Imagem “original” na romaria após 50<br />
anos<br />
Aumento <strong>da</strong>s homenagens à Santa no<br />
percurso<br />
Igreja apressa saí<strong>da</strong> do <strong>Círio</strong><br />
Romaria encerra após as 12 horas<br />
Mu<strong>da</strong>nça do local <strong>de</strong> atrelamento <strong>da</strong><br />
cor<strong>da</strong> à berlin<strong>da</strong><br />
Tumulto na cor<strong>da</strong><br />
Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong>sliga<strong>da</strong> <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> no<br />
início <strong>da</strong> romaria<br />
Romaria encerra às 10h37m<br />
Romaria dura sete horas<br />
Cor<strong>da</strong> chega atrela<strong>da</strong> à berlin<strong>da</strong><br />
Características<br />
Da transmissão<br />
Pool com a TV Guajará<br />
Roteirização como espetáculo televisual<br />
Crescimento do jornalismo<br />
Reiteração <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> paraense<br />
Não há pool<br />
Crescimento <strong>da</strong> audiência<br />
Redução <strong>de</strong> postos<br />
130<br />
Não há pool<br />
Cobertura repete fórmulas dos anos anteriores<br />
Pool com TVs RBA e SBT<br />
Surge a preocupação com tempo <strong>de</strong> duração <strong>da</strong><br />
romaria<br />
Cobertura atinge quase todo Estado<br />
Pool com TVs RBA,SBT e Cultura<br />
Críticas ao corte <strong>da</strong> cor<strong>da</strong><br />
Defesa <strong>da</strong>s tradições do <strong>Círio</strong> e <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
popular<br />
TV mostra <strong>Círio</strong>s do interior<br />
Relevância para o tempo <strong>de</strong> duração <strong>da</strong> romaria<br />
Pool com TVs RBA,SBT e Cultura<br />
Utilização do satélite<br />
Mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong> equipamentos<br />
Cor<strong>da</strong> e tempo como temas dominantes<br />
O pool será sempre li<strong>de</strong>rado pela TV Liberal, que dita o mo<strong>de</strong>lo <strong>da</strong><br />
cobertura, no qual se verifica a preocupação em afirmar a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> paraense,
no momento em que o <strong>Círio</strong> rompe novas fronteiras geográficas, graças ao<br />
satélite, que leva as imagens <strong>da</strong> transmissão direta para todo o Brasil e países<br />
vizinhos como o Paraguai e a Guiana Francesa, em 1996. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
transmissão implantado em 1991 se repetirá nas coberturas seguintes, com<br />
poucas variações, até o quase total esgotamento <strong>da</strong>s fórmulas.<br />
131<br />
Em 1991, a TV Liberal contrata um novo diretor <strong>de</strong> Jornalismo, o<br />
jornalista Afonso Klautau, que traz a experiência <strong>de</strong> coman<strong>da</strong>r a implantação<br />
<strong>da</strong> TV Cultura do Pará on<strong>de</strong>, reatualizando a experiência <strong>da</strong> velha TV<br />
Marajoara, revivera a produção local, implantando onze programas, entre<br />
jornalísticos, musicais e <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s. É importante mencionar o background<br />
<strong>de</strong>sse profissional, que já <strong>de</strong>ra uma contribuição criativa no pool formado para<br />
o <strong>Círio</strong> em 1988. Ele formata a transmissão do evento como um programa <strong>de</strong><br />
televisão, ou melhor, como um espetáculo <strong>de</strong> televisão, indo além do registro<br />
jornalístico, ain<strong>da</strong> que extraordinário, aproveitando os avanços <strong>da</strong>s<br />
transmissões anteriores, principalmente quanto à captação <strong>de</strong> imagens, e<br />
adicionando novos elementos.<br />
Isso significa uma interferência inédita na cobertura do <strong>Círio</strong>, com a<br />
implantação <strong>de</strong> um roteiro <strong>de</strong> transmissão, que contempla o peso do<br />
impon<strong>de</strong>rável no <strong>Círio</strong> e na emissão ao vivo, mas se recusa a ce<strong>de</strong>r ao acaso,<br />
estruturando-se para enfrentar os contratempos e os “tempos mortos” através<br />
<strong>de</strong> elementos como a música, a poesia, orações e reflexões dos comentaristas,<br />
que passam a ter função cerimonial na cobertura. Sim, porque o conceito que<br />
se instala é o <strong>de</strong> uma cerimônia televisual, na qual a TV passa a tematizar o<br />
seu <strong>Círio</strong> e trabalha, com inédita ousadia, para <strong>da</strong>r ao telespectador mais do<br />
que a ilusão <strong>de</strong> proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> com os acontecimentos mostrados no ví<strong>de</strong>o,
convocando-o, explicitamente, a uma participação cerimonial, por ela media<strong>da</strong><br />
no novo papel <strong>de</strong> oficiante.<br />
132<br />
Pela primeira vez a abertura <strong>da</strong> transmissão é feita do estúdio, e não <strong>da</strong><br />
Igreja <strong>da</strong> Sé. É um pré-gravado. Um apresentador entra no ví<strong>de</strong>o e em chroma-<br />
key aparecem imagens <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> e <strong>da</strong> multidão do <strong>Círio</strong>. Há um BG suave <strong>de</strong><br />
música erudita. Após os cumprimentos iniciais, o apresentador anuncia que<br />
está começando a transmissão e apresenta uma série <strong>de</strong> VTs que mostram a<br />
Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, os elementos e a organização <strong>da</strong> romaria, a mensagem do<br />
papa João Paulo II aos <strong>de</strong>votos do <strong>Círio</strong>, li<strong>da</strong> pelo arcebispo <strong>de</strong> Belém. O<br />
programa elimina a espera <strong>da</strong> saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> romaria, sempre caracteriza<strong>da</strong> pelos<br />
“tempos mortos” e o improviso nem sempre bem sucedido do repórter e do<br />
narrador para preenchê-los.<br />
Entra no ar o clip com as manifestações e paisagens paraenses do ano<br />
anterior e há um corte para o Largo <strong>da</strong> Sé. O narrador anuncia uma equipe <strong>de</strong><br />
100 profissionais e 13 câmeras em cinco postos. Há 20 municípios na<br />
audiência <strong>da</strong>quele ano. Pela primeira vez na história <strong>da</strong>s transmissões, ele<br />
convi<strong>da</strong> à integração, à reflexão, à celebração diante <strong>da</strong> telinha:<br />
Nossa intenção é que nossos telespectadores, as pessoas que por um<br />
motivo ou outro não pu<strong>de</strong>ram ir às ruas e estão em casa assistindo, nos hospitais,<br />
<strong>de</strong> serviço, possam, portanto, se integrar à procissão. Rezem com o povo, cantem<br />
em louvor à Virgem <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. A transmissão <strong>de</strong> hoje é também uma homenagem<br />
à Padroeira dos Paraenses. Uma maneira que a TV Liberal e a TV Guajará<br />
encontraram para sau<strong>da</strong>r a Virgem Padroeira. É também um momento <strong>de</strong> reflexão,<br />
<strong>de</strong> pensamento positivo em torno <strong>da</strong>s questões <strong>da</strong> fé. Por essa razão escolhemos<br />
oito temas e convi<strong>da</strong>mos você, telespectador, a refletir conosco. Veja quais são os<br />
temas que, durante a procissão, refletiremos juntos.
133<br />
Os temas são inseridos em caracteres no ví<strong>de</strong>o. São interpelações,<br />
provocações ao telespectador, que serão discuti<strong>da</strong>s pelos comentaristas, o<br />
sociólogo Emanuel Matos, o mestre em Comunicação Social Edson Berbary e<br />
o padre biblista Francisco Ribeaux. Não se trata <strong>de</strong> convi<strong>da</strong>dos, como nos<br />
outros anos. Os três trabalharam com o diretor <strong>de</strong> Jornalismo, concebendo a<br />
transmissão. A reflexão se volta para o próprio <strong>Círio</strong>, nos aspectos religioso,<br />
cultural e político. Alguns exemplos: O que representa o <strong>Círio</strong> na cultura<br />
paraense?; Por que ain<strong>da</strong> hoje se pagam promessas?; Há uma dimensão<br />
política nos fenômenos <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> popular como o <strong>Círio</strong>?<br />
Na primeira entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> repórter o assunto é a cor<strong>da</strong>, neste ano com 400<br />
metros. A câmera faz closes <strong>de</strong> promesseiros e mostra uma cena que se<br />
tornaria comum na cor<strong>da</strong> <strong>da</strong>í por diante: quem não conseguiu agarrar-se a ela,<br />
agarra-se em quem conseguiu, fazendo com que ela cresça para os lados e<br />
ondule ca<strong>da</strong> vez mais. A cor<strong>da</strong> passa a ser um Olimpo popular, um lugar <strong>de</strong><br />
visibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, e os promesseiros sabem que são personagens: com a mão livre,<br />
acenam para a TV, presença perfeitamente naturaliza<strong>da</strong> na romaria.<br />
As forças produtivas <strong>da</strong> TV estão organiza<strong>da</strong>s e há uma clara divisão <strong>de</strong><br />
trabalho, que garante um melhor rendimento dos profissionais. Na<br />
apresentação dos repórteres nos postos, verifica-se claramente essa<br />
racionalização: a eles cabe noticiar e, como ficará patente na transmissão,<br />
entram no ar apenas quando têm informações a <strong>da</strong>r.<br />
A câmera também está mais informativa e essa opção fortalece o<br />
espetáculo. Ela mostra o gran<strong>de</strong> crescimento <strong>de</strong> participantes <strong>da</strong> romaria,<br />
traduzido nos planos gerais, fornece closes e <strong>de</strong>talhes, corre em busca <strong>de</strong><br />
ação: PMs trabalhando na cor<strong>da</strong>, gente <strong>de</strong>smaiando, pessoas que se dirigem
apressa<strong>da</strong>s para a Sé, a inédita e emociona<strong>da</strong> comemoração dos fogueteiros<br />
que se abraçam ao final <strong>de</strong> uma homenagem à Santa. A cor<strong>da</strong> será mostra<strong>da</strong><br />
repeti<strong>da</strong>mente na transmissão, assim como a berlin<strong>da</strong>, exibi<strong>da</strong> <strong>de</strong> ângulos mais<br />
próximos, que permitem aos telespectadores ver muito bem a imagem e<br />
apreciar <strong>de</strong>talhes <strong>da</strong> <strong>de</strong>coração <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>, que se modifica a ca<strong>da</strong> ano e é<br />
sempre motivo <strong>de</strong> expectativa e comentários para os <strong>de</strong>votos.<br />
134<br />
Pela escolha <strong>da</strong>s imagens, pelo corte seguro e fusões suaves, verifica-<br />
se que a direção <strong>de</strong> imagens está integra<strong>da</strong> ao espírito <strong>da</strong> transmissão.<br />
Procura-se casar as imagens com a fala dos comentaristas, <strong>da</strong>s músicas, <strong>da</strong>s<br />
poesias e orações. Nem sempre isso é possível e há falhas <strong>de</strong> áudio, que vão<br />
se repetir algumas vezes ao longo <strong>da</strong> transmissão. O uso eficaz <strong>de</strong> som<br />
ambiente e <strong>da</strong> sonorização do trajeto transmite a vibração dos romeiros quando<br />
aclamam a Santa e também possibilita que a TV se aproprie dos cânticos,<br />
orações e pregações dos encarregados <strong>da</strong> liturgia do <strong>Círio</strong>, integrando-os como<br />
texto <strong>de</strong> suporte às suas imagens.<br />
Com as imagens <strong>da</strong> romaria e a voz <strong>de</strong> Leila Pinheiro, a TV saú<strong>da</strong> a<br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e a Virgem. Leila canta Bom dia, Belém e também Lírio Mimoso, o hino<br />
<strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, celebrando um reencontro com a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e com<br />
um <strong>de</strong> seus ícones mais amados. É a primeira vez que a transmissão tem uma<br />
trilha sonora, que mistura cantos sacros e MPB, com gravações <strong>de</strong> Ellis<br />
Regina, Maria Bethânia, Carmem Costa. A música vai ser, também, um texto,<br />
assim como poesias, passagens bíblicas e orações pré-grava<strong>da</strong>s. Esses<br />
elementos contribuem para criar um clima emocional, mas se verifica, em<br />
vários momentos, um interessante – e quase certamente involuntário - jogo<br />
brechtiano por parte <strong>da</strong> direção <strong>de</strong> imagens, quando a câmera corta o
envolvimento que está sendo tentado pelo áudio, durante a emissão <strong>da</strong>s<br />
canções, com imagens que remetem ao lado jornalístico <strong>da</strong> cobertura, como as<br />
<strong>de</strong> bombeiros trabalhando, pessoas <strong>de</strong>smaia<strong>da</strong>s atendi<strong>da</strong>s pela Cruz<br />
Vermelha, por exemplo.<br />
135<br />
Esse corte também acontece pelo impon<strong>de</strong>rável que ron<strong>da</strong> a operação<br />
ao vivo. Enquanto a cantora Leila Pinheiro interpretava Lírio Mimoso em um<br />
tablado na praça <strong>da</strong> República, no centro <strong>de</strong> Belém, durante a passagem <strong>da</strong><br />
berlin<strong>da</strong>, um erro na queima <strong>de</strong> fogos do hotel promotor <strong>da</strong> homenagem<br />
provoca tumulto e feridos. A homenagem, várias vezes anuncia<strong>da</strong> durante a<br />
transmissão, é encerra<strong>da</strong> abruptamente. A câmera abandona a cantora para<br />
mostrar a correria, pessoas <strong>de</strong>smaia<strong>da</strong>s e queima<strong>da</strong>s. O repórter entra em<br />
ação rapi<strong>da</strong>mente, para explicar o que houve e tranqüilizar a audiência quanto<br />
ao estado dos feridos. O clima <strong>de</strong> emoção esboçado com a performance <strong>da</strong><br />
cantora está perdido.<br />
O inusitado também aparece através <strong>da</strong> câmera do posto <strong>da</strong> TV Liberal.<br />
Ela captura um grupo <strong>de</strong> filhos-<strong>de</strong>-santo que acompanham o <strong>Círio</strong> em trajes <strong>de</strong><br />
culto. Eles explicam à repórter o sincretismo entre a Santa católica e a Oxum<br />
do candomblé e confi<strong>de</strong>nciam que também pe<strong>de</strong>m graças à Padroeira dos<br />
Paraenses.<br />
O narrador introduz as músicas e poesias e comenta o sentido <strong>de</strong>las,<br />
<strong>de</strong>stacando valores como a fé. Mas, quando se trata <strong>da</strong>s orações, o<br />
telespectador é diretamente convocado a rezar conosco. Há uma prece<br />
especial para os doentes. Os comentaristas também se dirigem ao<br />
telespectador e falam com segurança sobre os temas, afinados numa linha <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> expressão <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> popular e suas manifestações no <strong>Círio</strong>, a
exemplo <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>. Nessas intervenções – com exceção do padre, europeu–<br />
está presente o discurso <strong>de</strong> valorização <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>: É impossível ser um<br />
Estado sem i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural clara, diz um <strong>de</strong>les.<br />
136<br />
A cor<strong>da</strong> proporciona as imagens mais fortes do final <strong>da</strong> transmissão. A<br />
câmera capta o momento em que os promesseiros encerram a penitência,<br />
separando-se <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> e correndo para o altar do CAN, on<strong>de</strong> o celebrante<br />
pe<strong>de</strong> para todos os que nos acompanham aqui ao vivo, para aqueles que nos<br />
acompanham por rádio e TV em todo o Brasil, que ela abençoe a todos. Uma<br />
fala que traduz claramente a sintonia do padre com as novas configurações do<br />
mundo midiático contemporâneo, no qual as instituições mais tradicionais<br />
legitimam a televivência.<br />
Apesar <strong>da</strong> soleni<strong>da</strong><strong>de</strong> e quase unção <strong>de</strong> alguns momentos, no geral a<br />
transmissão consegue um tom <strong>de</strong> leveza que, em televisão, costuma ser o<br />
resultado visível <strong>de</strong> um duro trabalho <strong>de</strong> pré-produção e <strong>de</strong> bastidores. Há<br />
equilíbrio entre o cerimonial e o jornalístico, entre a reflexão e a informação. A<br />
experiência se tornará o paradigma dos próximos cinco anos, sofrendo poucas<br />
alterações mesmo com a mu<strong>da</strong>nça do narrador em 1993 e do diretor <strong>da</strong><br />
transmissão, em 1994.<br />
<strong>de</strong>staque.<br />
Alguns eventos nas transmissões dos anos seguintes merecem<br />
Em 1992, 200 anos <strong>de</strong> <strong>Círio</strong>, a imagem que vai às ruas é a “ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira”,<br />
a encontra<strong>da</strong> por Plácido 50 . A transmissão começa com falhas <strong>de</strong> áudio<br />
(vazamento <strong>de</strong> comunicação interna no ar) mas se recupera com a carinhosa<br />
50 Esta imagem não participava <strong>da</strong> procissão há 50 anos. A que é conduzi<strong>da</strong> no <strong>Círio</strong> é uma réplica.
poesia que Manuel Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>dicou a Belém. O tema <strong>da</strong>s reflexões é a<br />
memória e os questionamentos vão ser feitos pelos mesmos comentaristas do<br />
ano anterior, salvo o padre, substituído por outro. O narrador comemora quase<br />
dois milhões <strong>de</strong> telespectadores – Belém mais 50 municípios – mas a<br />
transmissão foi reduzi<strong>da</strong> para os quatro postos tradicionais: Sé, subi<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
Presi<strong>de</strong>nte Vargas, TV Liberal e praça-Santuário. O discurso i<strong>de</strong>ntitário está<br />
ain<strong>da</strong> mais forte nesse ano, com a inclusão <strong>de</strong> músicas e poesias <strong>de</strong> autores<br />
paraenses que, a rigor, na<strong>da</strong> têm a ver com o <strong>Círio</strong> ou a fé, mas sim com o<br />
cotidiano <strong>da</strong> região. As músicas e orações do ano anterior se repetem.<br />
137<br />
Os repórteres procuram fugir do lugar comum e buscam até o exótico.<br />
Um <strong>de</strong>les encontra "Seu" João, que leva um burro, companheiro <strong>de</strong> trabalho, à<br />
romaria, e não pe<strong>de</strong> pouco à Santa: Alumine os homens que estão lá em cima<br />
pra ver se não castigam muito os pobres, que a gente está sofrendo muito.<br />
Em 1993, a TV discute a fome e a fé. Pessoas conheci<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> são<br />
chama<strong>da</strong>s a respon<strong>de</strong>r sobre esses temas e aparecem em VTs pré-gravados<br />
durante a transmissão. Há alguns acréscimos ao repertório <strong>de</strong> poesias e<br />
orações, mas a repetição sinaliza que esse recurso está perigosamente<br />
próximo do esgotamento.<br />
Em 1994, mais <strong>de</strong> cem municípios paraenses recebem as imagens. Na<br />
apresentação inicial dos repórteres, há muita informação sobre o que acontece<br />
na romaria e no entorno. Repetem-se as tradicionais entrevistas com os<br />
promesseiros e também as falhas <strong>de</strong> áudio. O repórter Paschoal Gemaque<br />
registra a preocupação <strong>da</strong> Igreja com a duração <strong>da</strong> romaria e conta que um<br />
padre interrompeu a comunhão na Sé para apressar a saí<strong>da</strong> do <strong>Círio</strong>.
138<br />
Há uma tentativa <strong>de</strong> fazer um “bom dia” diferente, com um VT pré-<br />
gravado <strong>de</strong> um violeiro cego que canta uma toa<strong>da</strong> sobre o <strong>Círio</strong>, sentado na<br />
porta, fecha<strong>da</strong>, <strong>da</strong> Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. Esse material, gravado sem produção,<br />
apenas com uma câmera e iluminação “chapa<strong>da</strong>” <strong>de</strong> jornalismo, termina por<br />
esmagar o canto simples do violeiro frente ao dinamismo <strong>da</strong> apresentação dos<br />
repórteres e a gran<strong>de</strong>za <strong>da</strong>s imagens <strong>da</strong> romaria e <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, que se agita sob<br />
milhares <strong>de</strong> mãos. O <strong>Círio</strong> é ca<strong>da</strong> vez maior; a cor<strong>da</strong> também. O tempo <strong>de</strong><br />
duração <strong>da</strong> romaria, que chega após meio dia ao ponto final, produz os mais<br />
diversos questionamentos.<br />
A transmissão <strong>de</strong> 1995 é <strong>de</strong>dica<strong>da</strong> aos irmãos do interior do Estado e<br />
<strong>de</strong>z círios <strong>de</strong> municípios são mostrados ao longo <strong>da</strong> emissão. O interior se vê e<br />
se mostra à capital, através <strong>da</strong> sua religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> e cultura, irrompendo em<br />
rápidos VTs <strong>de</strong> círios singelos, que entrecortam a cobertura do <strong>Círio</strong><br />
monumental <strong>de</strong> Belém. Nesse ano, o atrelamento <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> à berlin<strong>da</strong> passa a<br />
ser feito <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> Igreja <strong>da</strong> Sé, no Boulevard Castilhos França, numa tentativa<br />
<strong>de</strong> acelerar a procissão. Por causa disso, uma câmera é <strong>de</strong>sloca<strong>da</strong> para esse<br />
ponto.<br />
A berlin<strong>da</strong> chega ao ponto final às 10h37, <strong>de</strong>satrela<strong>da</strong> <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> por<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>da</strong> diretoria <strong>da</strong> Festa <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, ain<strong>da</strong> no início <strong>da</strong> romaria. Como<br />
resultado, formam-se duas cor<strong>da</strong>s, uma à frente e outra atrás <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>, há<br />
tumultos na curva perigosa <strong>da</strong> Presi<strong>de</strong>nte Vargas, on<strong>de</strong> promesseiros caem e<br />
são pisoteados. Uma repórter dá essas informações numa entra<strong>da</strong> em off.<br />
Apesar <strong>da</strong>s 20 câmeras existentes na transmissão, não há imagens dos fatos<br />
que ela narra, porque nenhuma <strong>de</strong>las está próxima o suficiente dos<br />
acontecimentos para registrá-los.
139<br />
O <strong>de</strong>sligamento <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> fará com que a cor<strong>da</strong> domine o ví<strong>de</strong>o e a<br />
fala dos comentaristas. Todos eles criticam duramente a <strong>de</strong>cisão <strong>da</strong> diretoria<br />
<strong>da</strong> Festa, especialmente o padre Ribeaux, que está <strong>de</strong> volta à transmissão e<br />
classifica o <strong>de</strong>sligamento como um crime e uma blasfêmia. O narrador repete<br />
que se está fugindo completamente às tradições do <strong>Círio</strong> e os comentaristas<br />
cobram respeito à manifestação <strong>de</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> popular. Durante os<br />
comentários, a câmera captura um exemplo <strong>de</strong>ssa manifestação: o pescador<br />
Raimundo Santos, que faz sua entra<strong>da</strong> no <strong>Círio</strong> com a promessa mais<br />
inusita<strong>da</strong> registra<strong>da</strong> até então – acompanha a romaria usando uma longa<br />
túnica on<strong>de</strong> estão presos cem caranguejos vivos, que se movem enquanto ele<br />
dá entrevista à TV, contando que é <strong>de</strong> São Caetano <strong>de</strong> Odivelas, município<br />
paraense on<strong>de</strong> a coleta <strong>de</strong> caranguejos é uma <strong>da</strong>s principais fontes <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, e<br />
quase per<strong>de</strong>u um filho. A imagem corre o país, pelas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> TV.<br />
Em conseqüência do <strong>de</strong>sligamento <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, o tempo <strong>de</strong> duração <strong>da</strong><br />
romaria também passa a ser uma questão central nas discussões. Os<br />
comentaristas con<strong>de</strong>nam a tentativa <strong>de</strong> racionalizar o tempo <strong>da</strong> relação com o<br />
sagrado e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m o <strong>Círio</strong> como caminha<strong>da</strong> e não corri<strong>da</strong>. As afirmações<br />
tornam-se mais interessantes pelo lugar <strong>de</strong> fala dos comentaristas, a TV, que<br />
racionaliza e “compartimentaliza” o tempo na gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação. No ano<br />
seguinte, a emissora enfrentará o paradoxo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r as tradições do <strong>Círio</strong>,<br />
sob a pressão do tempo <strong>de</strong> duração <strong>da</strong> romaria, que se tornará ca<strong>da</strong> vez mais<br />
difícil <strong>de</strong> conter nos limites <strong>de</strong>sejáveis para a operação em re<strong>de</strong>.<br />
A transmissão <strong>de</strong> 1996 é histórica, pela duração <strong>de</strong> sete horas e pela<br />
visibili<strong>da</strong><strong>de</strong>: via satélite, o <strong>Círio</strong> po<strong>de</strong> ser captado nas antenas parabólicas <strong>de</strong><br />
todo país e vizinhos, como Paraguai, Bolívia e Guiana Francesa. Há 20
câmeras e nove repórteres. No equipamento <strong>da</strong> TV Liberal estão agora os VTs<br />
Betacam, que melhoram a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> captação <strong>da</strong> imagem e do som.<br />
140<br />
O tema dos VTs exibidos durante a transmissão é, ain<strong>da</strong>, o interior do<br />
Estado, representado agora por suas igrejas. Repetem-se músicas, poesias e<br />
orações grava<strong>da</strong>s nos anos anteriores, mas essa cobertura do <strong>Círio</strong> marca uma<br />
mu<strong>da</strong>nça na fala do narrador. Ele está preocupado em situar a romaria, fazer<br />
comparações com referências <strong>de</strong> outras ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, como a aveni<strong>da</strong> Paulista, por<br />
exemplo, e explicar o significado <strong>da</strong>s imagens para uma nova audiência, que<br />
não partilha a experiência <strong>da</strong> festa no território geográfico nem os códigos<br />
culturais paraenses. O narrador registra muitos telefonemas dos novos<br />
telespectadores para a emissora e o padre-comentarista explica a função ritual<br />
<strong>da</strong> cor<strong>da</strong> no <strong>Círio</strong>, a pedido <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>les.<br />
A cor<strong>da</strong> e o tempo são os dois pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque do <strong>Círio</strong> e <strong>da</strong><br />
transmissão. A cor<strong>da</strong> aparece <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras imagens, pelas quais se vê<br />
que aquele é um <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> proporções nunca vistas. Essa cobertura não tem<br />
imagens aéreas, mas os planos gerais mostram a berlin<strong>da</strong> cerca<strong>da</strong> pela<br />
multidão, próxima <strong>de</strong>la como nunca tinha acontecido antes.<br />
Nesse ano, a berlin<strong>da</strong> segue com a cor<strong>da</strong>. É um <strong>Círio</strong> lento, e a TV<br />
mostra que é marcado por incontáveis pagadores <strong>de</strong> promessas – o pescador<br />
Raimundo volta, agora com 200 caranguejos na túnica - gran<strong>de</strong> vibração e<br />
participação popular. O narrador ressalta que as pessoas não mostram<br />
cansaço, mesmo quando já passa do meio-dia.<br />
O tempo <strong>da</strong> procissão fornece um novo ângulo para as câmeras, que<br />
passam a mostrar e a ouvir os espectadores que esperam a romaria,
pacientemente, nas calça<strong>da</strong>s e nas saca<strong>da</strong>s do trajeto. Na chega<strong>da</strong> ao CAN,<br />
às 14 horas, a TV registra a vibração <strong>de</strong> <strong>de</strong>votos e o triunfo dos promesseiros<br />
<strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, que a conduzem, ergui<strong>da</strong>, ao altar.<br />
O <strong>Círio</strong> na I<strong>da</strong><strong>de</strong> Mídia: 1997 - 2000<br />
141<br />
Na terceira fase, <strong>de</strong> 1997 a 2000, a transmissão do <strong>Círio</strong> pela TV Liberal<br />
passa a ser exibi<strong>da</strong> simultaneamente pela internet. A re<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong><br />
computadores vai proporcionar, virtualmente, o acesso <strong>de</strong> todos ao <strong>Círio</strong>,<br />
rompendo-se a restrição geográfica coloca<strong>da</strong> pelo texto do anúncio <strong>da</strong> primeira<br />
transmissão <strong>da</strong> TV Marajoara, em 1961, quando a televivência do <strong>Círio</strong> foi pela<br />
primeira vez garanti<strong>da</strong>, mas apenas a todos os que aqui moram . O material<br />
publicitário <strong>da</strong> transmissão <strong>de</strong> 1998 anuncia a globalização <strong>da</strong> festa: Qualquer<br />
pessoa, em qualquer lugar do mundo, po<strong>de</strong>rá assistir ao <strong>Círio</strong> pelo site <strong>da</strong> TV<br />
Liberal.<br />
No Quadro 4, observa-se que a cor<strong>da</strong> ocupa um lugar ca<strong>da</strong> vez mais<br />
central, tanto na romaria do espaço geográfico quanto na do espaço midiático,<br />
mesmo tendo seu <strong>de</strong>sligamento <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> se tornado praticamente rotineiro:<br />
em apenas um <strong>Círio</strong> <strong>de</strong>sse período a cor<strong>da</strong> chegou até o final do trajeto<br />
atrela<strong>da</strong> à berlin<strong>da</strong>.<br />
Quadro 4 - Evolução do <strong>Círio</strong> e <strong>da</strong> transmissão <strong>da</strong> TV Liberal no período <strong>de</strong><br />
1997 - 2000
Anos<br />
1997<br />
1998<br />
1999<br />
2000<br />
Do <strong>Círio</strong><br />
Características<br />
Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong>sliga<strong>da</strong> <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong><br />
Confronto entre promesseiros <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> e PM<br />
Apelos <strong>da</strong> organização para apressar a romaria<br />
Exército fecha aveni<strong>da</strong> Portugal no início <strong>da</strong> romaria<br />
Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong>sliga<strong>da</strong> <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong><br />
Cor<strong>da</strong> reduzi<strong>da</strong> para 400m<br />
Cor<strong>da</strong> <strong>de</strong>sliga<strong>da</strong> <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> e fora <strong>da</strong> romaria<br />
Cor<strong>da</strong> permanece liga<strong>da</strong> à berlin<strong>da</strong><br />
<strong>Círio</strong> dura nove horas<br />
Introdução do carro <strong>de</strong> Plácido na romaria<br />
Fonte: Pesquisa <strong>da</strong> autora<br />
Da transmissão<br />
142<br />
Pool com TV Cultura<br />
Uso <strong>da</strong> internet<br />
Espaço para manifestação do<br />
telespectador<br />
Mais e melhores equipamentos<br />
Imagens aéreas ao vivo<br />
Narrativa preocupa<strong>da</strong> com globalização<br />
<strong>da</strong> audiência<br />
Oscilação acentua<strong>da</strong> entre informação e<br />
emoção<br />
Pool com TV Cultura<br />
Reportagens em Portugal<br />
Canal interativo<br />
Cor<strong>da</strong> e tempo dominam fala <strong>de</strong><br />
comentaristas<br />
Recursos <strong>de</strong> mídia digital<br />
Re<strong>de</strong> Vi<strong>da</strong> retransmite sinal <strong>da</strong> TV<br />
Liberal<br />
Reportagens na Terra Santa<br />
Consoli<strong>da</strong>-se o espetáculo jornalístico<br />
Impedimento técnico <strong>de</strong> mostrar cor<strong>da</strong><br />
até o final <strong>da</strong> romaria<br />
Críticas ao corte <strong>da</strong> cor<strong>da</strong><br />
Não há pool<br />
Predomina o ritmo jornalístico<br />
Interrupção antes do final <strong>da</strong> romaria<br />
Ao falar sobre a função interpretativa <strong>da</strong> briga <strong>de</strong> galos em Bali, Geertz<br />
(1978) classificou-a como uma estória sobre eles que eles contam a si<br />
mesmos. Cabe fazer a paráfrase para o <strong>Círio</strong> até 1997, só que, a partir <strong>de</strong>sse<br />
ano, po<strong>de</strong>-se afirmar que a TV, através <strong>da</strong> internet, terá a tarefa <strong>de</strong> contá-lo,<br />
mais do que nunca, também para o outro. A convergência <strong>de</strong>ssas duas mídias<br />
faz com que o <strong>Círio</strong> se <strong>de</strong>sterritorialize, ganhando a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />
televivenciado por audiências diversas <strong>de</strong>sterritorialmente localiza<strong>da</strong>s, as<br />
audiências <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> Mídia, ambienta<strong>da</strong> e estrutura<strong>da</strong> pela<br />
comunicação (Rubim, 2000).
143<br />
Isso tem gran<strong>de</strong>s reflexos nas transmissões <strong>de</strong>sse período, que<br />
visivelmente oscilam entre o local e o global. Afirma-se um movimento <strong>de</strong><br />
valorização do povo do Pará através do <strong>Círio</strong>. Povo que a TV apresenta na sua<br />
melhor face: capaz <strong>de</strong> celebrar, por mais <strong>de</strong> dois séculos, a própria fé,<br />
construindo uma festa on<strong>de</strong> tudo é gigantesco e espetacular, cultivando valores<br />
como a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e a gratidão.<br />
Por outro lado, as tensões internas <strong>da</strong> festa, como o antigo confronto<br />
entre a religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> popular e as diversas formas <strong>de</strong> controle, não são<br />
escamotea<strong>da</strong>s pela cobertura, on<strong>de</strong> o jornalismo, paulatinamente, ganha mais<br />
espaço. Essa conquista se dá tanto nas fronteiras espaço-temporais do próprio<br />
evento quanto pelo seu rompimento, quando as equipes <strong>de</strong> jornalismo realizam<br />
duas viagens internacionais, a Portugal e a Israel, para produzir material que<br />
irá enriquecer as transmissões do <strong>Círio</strong>.<br />
As músicas, poesias e orações acrescenta<strong>da</strong>s à transmissão no período<br />
anterior são manti<strong>da</strong>s, mas a notícia e a reportagem, sem dúvi<strong>da</strong>, passam a ter<br />
um peso bem maior, tanto pela mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> linha editorial quanto por pressão<br />
dos jornalistas <strong>de</strong>stacados para os postos, como se verifica na observação<br />
realiza<strong>da</strong> durante o período preparatório <strong>da</strong> transmissão <strong>de</strong> 2000.<br />
A cobertura <strong>de</strong> 1997 começa com um plano geral do Largo <strong>da</strong> Sé, on<strong>de</strong><br />
o povo aguar<strong>da</strong> a saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> romaria. Pela primeira vez, a TV Liberal é<br />
apresenta<strong>da</strong> em sua inserção nacional, afilia<strong>da</strong> à TV Globo no Pará e a TV<br />
Cultura também, como emissora educativa liga<strong>da</strong> à Re<strong>de</strong> Brasil. A transmissão<br />
atinge 77 municípios paraenses e to<strong>da</strong> a Amazônia, pelo Amazonsat 51 . O <strong>Círio</strong><br />
estréia na internet, em transmissão simultânea com a TV Liberal. Há 19
câmeras 52 , seis postos, sete repórteres e mais <strong>de</strong> 200 profissionais envolvidos<br />
no evento.<br />
144<br />
As câmeras mostram a chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> romeiros, as imediações <strong>da</strong><br />
Catedral, o Ver-o-Peso, os promesseiros já segurando a cor<strong>da</strong>, e to<strong>da</strong>s as<br />
imagens merecem explicações do narrador, que se preocupa em <strong>de</strong>screver o<br />
espaço geográfico do <strong>Círio</strong>, <strong>da</strong>ndo os nomes <strong>da</strong>s ruas do trajeto, chamando<br />
atenção para o que está no ví<strong>de</strong>o (ao fundo você vê a Doca do Ver-o-Peso, um<br />
cartão postal <strong>de</strong> Belém; esta é a Baia <strong>de</strong> Guajará, que banha a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Belém), como se apresentasse a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> ao mundo. Paralelamente à <strong>de</strong>scrição<br />
dos cartões postais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, fala também do povo, <strong>da</strong> sua cultura e fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
à fé, explicando o sentido <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> para os promesseiros, que estão ali <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
três horas <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong>.<br />
Um VT mostra imagens inéditas, inclusive para os telespectadores<br />
paraenses: a cor<strong>da</strong> <strong>de</strong> 420 metros ain<strong>da</strong> sendo fabrica<strong>da</strong>, no interior <strong>da</strong><br />
Paraíba. Inéditas também são as imagens aéreas <strong>da</strong> saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> procissão, pela<br />
primeira vez vistas ao vivo, graças a uma microon<strong>da</strong>s instala<strong>da</strong> no helicóptero.<br />
Há uma preocupação didática em explicar os aspectos <strong>da</strong> Festa <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong> – que é como se fosse o Natal – e do <strong>Círio</strong>, inclusive situando sua<br />
origem e resgatando a len<strong>da</strong> do achado <strong>de</strong> Plácido. O almoço que se segue à<br />
procissão, os brinquedos coloridos <strong>de</strong> miriti 53 que os artesãos ven<strong>de</strong>m na<br />
51 Satélite <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Amazônica <strong>de</strong> Televisão, afilia<strong>da</strong> à Re<strong>de</strong> Globo no Amazonas.<br />
52 Na ante-véspera do <strong>Círio</strong> realizou-se um jogo <strong>da</strong> Seleção Brasileira em Belém. Isso trouxe equipes e<br />
equipamentos <strong>da</strong> TV Globo para a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, inclusive um caminhão <strong>de</strong> externas <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Amazônica <strong>de</strong><br />
Televisão equipado com cinco câmeras, que aguar<strong>da</strong>ram para trabalhar no <strong>Círio</strong>.<br />
53 Esculpidos por artesãos do município <strong>de</strong> Abaetetuba, no caule do miriti, palmeira amazônica. Além dos<br />
tradicionais barcos e animais <strong>da</strong> região, hoje eles fabricam TVs, aviões, carros e celulares <strong>de</strong> miriti.<br />
São vendidos apenas durante a Festa <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, em girândolas também <strong>de</strong> miriti.
omaria, as homenagens com queimas <strong>de</strong> fogos e o manto <strong>da</strong> Santa, ofertado<br />
anualmente por pagadores <strong>de</strong><br />
promessas que geralmente permanecem no anonimato, são também<br />
lembrados pelo narrador.<br />
145<br />
A câmera, mais solta, busca novos ângulos, como <strong>de</strong>talhes <strong>da</strong><br />
arquitetura <strong>da</strong> Sé, dá closes dos promesseiros <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> e procura, no meio <strong>da</strong><br />
multidão, romeiros com promessas cujo sentido o narrador explica aos<br />
telespectadores, como a infini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> casas e barquinhos. A procissão é<br />
apresenta<strong>da</strong> com indisfarçável orgulho: Esta é uma romaria que acontece há<br />
204 anos e que reúne mais <strong>de</strong> um milhão <strong>de</strong> pessoas na principal ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
norte do país.<br />
Mas a principal fala sobre o significado do <strong>Círio</strong> vem dos promesseiros,<br />
que naquele ano têm muito <strong>de</strong>staque na transmissão, convocados para<br />
comprovar o discurso sobre a romaria que a TV constrói com imagens e as<br />
falas <strong>de</strong> seus profissionais e comentaristas. Há um <strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> pessoas<br />
emociona<strong>da</strong>s, alegres, agra<strong>de</strong>ci<strong>da</strong>s, esperançosas. Recorta<strong>da</strong>s<br />
momentaneamente do anonimato <strong>da</strong> multidão, elas contam suas histórias,<br />
exibem objetos e indumentárias que testemunham as graças alcança<strong>da</strong>s. Uma<br />
senhora conseguiu comprar apartamento no Rio e trouxe uma maquete do<br />
prédio. Um homem, amortalhado, carrega uma cruz <strong>de</strong> 50 quilos, como<br />
agra<strong>de</strong>cimento por ter escapado <strong>de</strong> um bombar<strong>de</strong>io na guerra do Iraque. Outro<br />
traz uma motoserra na cabeça. A partir <strong>de</strong>la, conseguiu um pe<strong>da</strong>ço <strong>de</strong> terra<br />
para trabalhar (e <strong>da</strong> terra <strong>de</strong>ixou um punhado no carro dos milagres). Outra
senhora, com os filhos, leva uma caixa <strong>de</strong> palmito <strong>da</strong> produção familiar, que<br />
estava ameaça<strong>da</strong>, para ofertar à Santa. Ações que são apropria<strong>da</strong>s e<br />
sintetiza<strong>da</strong>s pelo narrador: Estes somos nós, esta é nossa fé.<br />
146<br />
As câmeras confirmam a grandiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> fé <strong>da</strong>quele povo, com as<br />
imagens aéreas, que mostram um gran<strong>de</strong> trecho do centro <strong>de</strong> Belém tomado<br />
pela romaria. O uso <strong>de</strong> imagens em primeiro plano aproxima o telespectador<br />
<strong>da</strong>s pessoas em sacrifício - <strong>de</strong> joelhos na procissão - e o uso do slow torna<br />
mais dramáticas e emocionantes as imagens <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>.<br />
O tempo é, <strong>de</strong>finitivamente, um tema recorrente na narrativa. Uma arte<br />
inseri<strong>da</strong> periodicamente no ví<strong>de</strong>o marca o tempo <strong>de</strong> duração na romaria. O<br />
narrador tem o cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> não falar <strong>de</strong> “atraso”, mas lembra as sete horas do<br />
<strong>Círio</strong> anterior, ressalta a lentidão <strong>da</strong> romaria e, em vários momentos, vaticina<br />
que a diretoria <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>cidir pelo <strong>de</strong>sligamento <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>. Na<br />
sonorização <strong>da</strong> romaria, que a TV usa bastante, a organização do <strong>Círio</strong> faz<br />
insistentes apelos para que os fiéis não interrompam a caminha<strong>da</strong>, para que a<br />
procissão possa chegar mais rapi<strong>da</strong>mente ao ponto final.<br />
A preocupação informativa é bem expressa pelo gran<strong>de</strong> volume <strong>de</strong><br />
entra<strong>da</strong>s <strong>de</strong> repórteres. A primeira hora <strong>da</strong> transmissão é basicamente<br />
jornalística, com informações e entrevistas, inclusive sem a participação dos<br />
comentaristas. O tom jornalístico será predominante também na abor<strong>da</strong>gem do<br />
confronto entre promesseiros <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> e policiais militares, quando os<br />
primeiros tentam, sem êxito, vencer a curva <strong>da</strong> Presi<strong>de</strong>nte Vargas. Nesse<br />
momento a soleni<strong>da</strong><strong>de</strong> do evento é corta<strong>da</strong> pelo conflito. As imagens mostram<br />
homens exaltados, à beira do confronto físico, pessoas pedindo calma, um<br />
empurra-empurra que provoca <strong>de</strong>smaios, inclusive <strong>de</strong> dois policiais militares, e
o narrador enfatiza que “a briga” é uma imagem rara no <strong>Círio</strong>. No meio do<br />
tumulto, os músicos <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> <strong>da</strong> Polícia Militar se retiram <strong>da</strong> procissão,<br />
protegendo os instrumentos, mas essa imagem não é <strong>de</strong>staca<strong>da</strong> nem pelo<br />
narrador nem pelos comentaristas, que a essa altura já participam <strong>da</strong><br />
transmissão, discutindo as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>quele ponto do percurso.<br />
147<br />
A tensão do conflito é quebra<strong>da</strong> pela beleza <strong>da</strong>s imagens <strong>de</strong> uma<br />
queima <strong>de</strong> fogos e principalmente <strong>de</strong> uma chuva <strong>de</strong> papel picado, que parece<br />
envolver a berlin<strong>da</strong> numa insólita nevasca tropical. Logo após essas imagens, a<br />
câmera dá um corte para um rápido take <strong>de</strong> promesseiros que cortam pe<strong>da</strong>ços<br />
<strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, mas o replay <strong>da</strong> chuva <strong>de</strong> papel picado proporciona a volta ao clima<br />
festivo.<br />
Esse clima não mais será quebrado, mesmo com a notícia <strong>de</strong> que a<br />
cor<strong>da</strong> foi realmente <strong>de</strong>sliga<strong>da</strong> <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>, e com as imagens que a confirmam,<br />
mostrando a berlin<strong>da</strong> se distanciando dos promesseiros, que permanecem com<br />
a cor<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> assim. Também contribui para o tom festivo a leitura que o<br />
narrador faz <strong>de</strong> mensagens que chegam pela internet e pelo telefone, do Brasil<br />
e do exterior. Entre essas mensagens, algumas são <strong>de</strong> pessoas que pela<br />
primeira vez estão vendo o <strong>Círio</strong>, maravilha<strong>da</strong>s pela gran<strong>de</strong>za <strong>da</strong> procissão,<br />
mas a maioria <strong>de</strong>las vem <strong>de</strong> paraenses saudosos, que inclusive man<strong>da</strong>m<br />
recados afetuosos para parentes e amigos. Mais uma vez, a TV assume – e<br />
amplifica - uma função típica do rádio, e reproduz o tradicional mensageiro do<br />
interior <strong>da</strong> Amazônia.<br />
A quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> câmeras no percurso <strong>da</strong> procissão permite que a<br />
berlin<strong>da</strong> permaneça no ví<strong>de</strong>o até a chega<strong>da</strong> ao ponto final. Enquanto as<br />
câmeras do chão mostram o arcebispo abençoando os fiéis com a imagem <strong>da</strong>
Santa, as imagens aéreas mostram que a cor<strong>da</strong> também chega, conduzi<strong>da</strong><br />
pelos promesseiros. O narrador retoma o tom oficiante e encerra a transmissão<br />
como um "sacerdote midiático": Que Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> abençoe a<br />
to<strong>da</strong>s as famílias do Pará, do Brasil e do mundo.<br />
148<br />
A transmissão <strong>de</strong> 1998 agrega o ineditismo <strong>de</strong> uma cobertura<br />
internacional e <strong>de</strong> um canal interativo. A TV Tapajós, afilia<strong>da</strong> à Re<strong>de</strong> Globo em<br />
Santarém, Oeste do Pará, se une à Liberal e à Cultura na transmissão, que<br />
po<strong>de</strong> ser vista através do Libsat (segmento <strong>da</strong> TV Liberal no Brasilsat) em mais<br />
<strong>de</strong> 100 locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s do Pará e pela internet. Há cinco postos, seis repórteres e<br />
17 câmeras, uma <strong>de</strong>las no helicóptero, pela primeira vez equipa<strong>da</strong> com uma<br />
lente estabilizadora <strong>de</strong> imagens (VAP, <strong>da</strong> Canon), o que garante excelente<br />
quali<strong>da</strong><strong>de</strong> às imagens aéreas ao vivo.<br />
Os problemas <strong>de</strong> áudio, que existem em to<strong>da</strong>s as transmissões ao vivo<br />
do <strong>Círio</strong>, marcam <strong>de</strong>sastrosamente o início <strong>da</strong> cobertura <strong>de</strong> 1998, a tal ponto<br />
que o narrador terá <strong>de</strong> repetir to<strong>da</strong> a introdução, on<strong>de</strong> se verifica que perdura o<br />
cerimonial religioso, com o convite à reflexão (sobre memória e esperança) que<br />
será conduzi<strong>da</strong> pelo sociólogo Emanuel Mattos e pela freira e teóloga Téia<br />
Frigério, mas o jornalismo ganha ain<strong>da</strong> mais espaço e oferece novas<br />
possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s para o telespectador:<br />
Você vai refazer conosco os caminhos históricos <strong>da</strong> <strong>de</strong>voção à Nossa<br />
Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. A TV Liberal enviou uma equipe a Portugal em busca <strong>da</strong>s<br />
origens <strong>de</strong>sse culto, que na Europa sobrevive há mais <strong>de</strong> 800 anos.<br />
Essas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s ampliam a participação, através do canal<br />
interativo, que funciona como uma son<strong>da</strong>gem, solicitando que o telespectador<br />
se manifeste através <strong>de</strong> ligações grátis (do próprio Estado) para respon<strong>de</strong>r a
perguntas, uma <strong>de</strong>las particularmente reveladora <strong>da</strong> dimensão que o problema<br />
do tempo assume na transmissão 54 : Quanto tempo você acha que <strong>de</strong>ve durar a<br />
procissão do <strong>Círio</strong>?<br />
149<br />
Foram recebi<strong>da</strong>s 1.583 ligações <strong>de</strong> 9h33 às 12h45, uma média <strong>de</strong> 8,24<br />
ligações por minuto, com o seguinte resultado:<br />
Quatro horas – 193 ligações (12,2% do total)<br />
Cinco horas – 182 ligações (11,5%)<br />
Não <strong>de</strong>ve ter hora para acabar – 1208 ligações (76,3%)<br />
Em 1998, quando mais uma vez o <strong>de</strong>sligamento <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> ocorre, o<br />
tempo ocupa um lugar central na fala dos comentaristas, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m<br />
veementemente a manutenção <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, e do narrador, que repete o discurso<br />
<strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong> falar em “atraso”, mas ressalta a lentidão. Duas artes são<br />
inseri<strong>da</strong>s periodicamente no ví<strong>de</strong>o: uma reproduz a berlin<strong>da</strong> no cronômetro que<br />
registra a duração <strong>da</strong> romaria e outra, um ro<strong>da</strong>pé, mostra o percentual do<br />
trajeto que já foi percorrido pela berlin<strong>da</strong>.<br />
O <strong>de</strong>sligamento, nesse ano, é “<strong>de</strong>nunciado” também pelos próprios<br />
promesseiros. Ao passar por uma <strong>da</strong>s câmeras, voltam-se para ela, um <strong>de</strong>les<br />
aponta para a extremi<strong>da</strong><strong>de</strong> corta<strong>da</strong>, como a pedir o testemunho <strong>da</strong> imagem, e<br />
todos erguem e balançam a cor<strong>da</strong> que continuam a conduzir, ca<strong>da</strong> vez mais<br />
distanciados <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>, como ressalta o narrador. A cor<strong>da</strong> está se tornando<br />
rito <strong>de</strong> resistência popular, diz o sociólogo comentarista.<br />
54 O problema se acentua a partir <strong>de</strong>sse ano, quando o horário <strong>de</strong> verão é antecipado, atingindo o<br />
domingo do <strong>Círio</strong>. O Pará está fora do HBV, mas a TV não, regi<strong>da</strong> pelo tempo <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Globo.
150<br />
Embora a questão <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, como sempre, introduza o conflito,<br />
quebrando o ritmo cerimonial, a emoção acaba por dominar a cobertura. Para<br />
isso muito contribuem os e-mails lidos durante a transmissão. Eles mostram a<br />
celebração dos que não po<strong>de</strong>m estar em Belém. Pela convergência <strong>da</strong> TV e <strong>da</strong><br />
internet, um paraense, <strong>de</strong> Nova Iorque, conta que no ano anterior estava na<br />
cor<strong>da</strong> e agora está muito feliz <strong>de</strong> participar do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> pelo<br />
computador, emocionado <strong>de</strong> sentir <strong>de</strong> perto a felici<strong>da</strong><strong>de</strong> e a alegria do povo<br />
paraense. Da Inglaterra, outra diz que se sente em casa. Da Alemanha, um<br />
grupo conta que vai se reunir em torno <strong>de</strong> um pato no tucupi, quase como se<br />
estivesse em Belém: embora o pato seja búlgaro, o jambu e o tucupi são<br />
paraenses.<br />
Também há emoção nas belas imagens, sublinha<strong>da</strong>s por uma trilha<br />
sonora musical, dos nove VTs produzidos pela equipe em 20 dias <strong>de</strong> trabalho<br />
em Portugal. Eles mostram as raízes do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> Belém, transportando os<br />
telespectadores para <strong>Nazaré</strong>, on<strong>de</strong> a Capela <strong>da</strong> Memória preserva a narrativa<br />
do milagre <strong>de</strong> dom Fuas Roupinho e o santuário recebe peregrinações <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
século XIV. Os VTs proporcionam um interessante contraste entre os círios<br />
portugueses, que se dirigem a <strong>Nazaré</strong>, e as imagens do <strong>Círio</strong> paraense que<br />
eles entrecortam. Há semelhanças nos fogos do arraial, nas colchas que<br />
enfeitam as saca<strong>da</strong>s do trajeto, mas a berlin<strong>da</strong> <strong>de</strong> Óbidos, lembrança <strong>de</strong> um<br />
círio morto há dois séculos, e a singeleza dos círios que chegam hoje a <strong>Nazaré</strong><br />
(até o século XIX eram centenas) acentuam o quanto a romaria transplanta<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong> Portugal cresceu e se modificou no Pará, recebendo a contribuição popular<br />
nativa, como já assinalara Moreira (1971).
151<br />
Ao mostrar a origem, a TV ressalta a grandiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> do <strong>Círio</strong> paraense e<br />
a criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> expressão popular que ele enseja, bem manifesta em<br />
promessas como a <strong>de</strong> um rapaz, flagrado pela câmera com uma TV <strong>de</strong> isopor<br />
na cabeça. Ele explica que no ano anterior vira o <strong>Círio</strong> pela TV e, como nunca<br />
tinha tido uma, quis ter e consegui por isso fez, ele próprio, a réplica que<br />
conduz.<br />
A grandiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> e as manifestações populares <strong>de</strong> fé emocionam o<br />
historiador português Pedro Penteado, autor <strong>de</strong> um estudo sobre a <strong>de</strong>voção à<br />
Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> em Portugal. Ele está em Belém e assiste à maior<br />
manifestação religiosa do mundo, concluindo, diante do que vê, que é preciso<br />
reanimar os círios lusitanos.<br />
Ao final <strong>de</strong> seis horas <strong>de</strong> <strong>Círio</strong>, mais uma vez a emoção paira acima <strong>de</strong><br />
todos os percalços e contagia a repórter que narra a chega<strong>da</strong> ao CAN – é<br />
emocionante estar aqui – os comentaristas e o narrador: Agora é a gente<br />
sau<strong>da</strong>r a Virgem, agra<strong>de</strong>cer essa transmissão. O <strong>Círio</strong> é nossa manifestação<br />
<strong>de</strong> fé, <strong>de</strong> carinho à nossa padroeira.<br />
Em 1999, a TV Liberal se antecipa à comemoração dos dois mil anos do<br />
cristianismo e volta a percorrer caminhos estrangeiros para adicionar<br />
extensões ao acontecimento ( Dayan, Katz, 1999: 103), viajando a Israel para<br />
mostrar os lugares sagrados on<strong>de</strong> viveram Jesus e Maria. O resultado <strong>da</strong><br />
peregrinação televisual são seis VTs, exibidos durante a transmissão <strong>da</strong><br />
peregrinação <strong>de</strong> Belém, contando as origens do cristianismo e do culto mariano<br />
e mostrando o roteiro religioso mais famoso do mundo, que inclui o mar <strong>da</strong><br />
Galiléia, as igrejas ergui<strong>da</strong>s sobre ruínas em memória <strong>de</strong> passagens <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
Jesus e Maria, o Santo Sepulcro e o Monte <strong>da</strong>s Oliveiras.
152<br />
Naquele ano, a transmissão <strong>da</strong> TV Liberal é também nacional, através<br />
<strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Vi<strong>da</strong>. As imagens chegam a mais <strong>de</strong> 140 municípios do Pará e a mais<br />
<strong>de</strong> 700 outros <strong>de</strong> todo o Brasil. São cinco postos, cinco repórteres e 17<br />
câmeras, uma <strong>de</strong>las no helicóptero. O canal interativo volta a funcionar e, como<br />
os bombeiros tentaram mu<strong>da</strong>r o local <strong>da</strong> queima <strong>de</strong> fogos dos estivadores,<br />
alegando razões <strong>de</strong> segurança, a pergunta é se as tradições do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong>vem<br />
ser mu<strong>da</strong><strong>da</strong>s por causa <strong>da</strong> segurança dos romeiros. Entre o sim e o não há<br />
uma terceira alternativa: manter as tradições a<strong>da</strong>ptando-as para maior<br />
segurança, que será a vencedora com 69,85% <strong>da</strong>s ligações, contra 21,23%<br />
que não querem mu<strong>da</strong>r as tradições e 8,92% que sim.<br />
A equipe móvel volta à transmissão, fazendo uma série <strong>de</strong> VTs que são<br />
inseridos durante a transmissão. Assim, através <strong>da</strong> câmera, a transmissão <strong>de</strong><br />
1999 se <strong>de</strong>senrola como um gran<strong>de</strong> espetáculo jornalístico, no qual o<br />
telespectador acompanha o <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, mas também a procissão <strong>da</strong> via<br />
crucis, que se realiza to<strong>da</strong> sexta-feira em Jerusalém; visita o hospital on<strong>de</strong> os<br />
doentes se reúnem em volta <strong>da</strong> TV para ver o <strong>Círio</strong> e ouve as confidências <strong>da</strong><br />
mãe que, na porta do presídio, fala do almoço festivo que terá com o filho,<br />
fazendo promessas para que ela breve tire ele aí <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro . Como aquela<br />
mãe, muitos <strong>de</strong>votos confiam à câmera as carências e esperanças que os<br />
fazem estar na romaria. A câmera <strong>de</strong>mora-se particularmente nos silenciosos<br />
<strong>de</strong>votos que seguem o trajeto <strong>de</strong> joelhos, acompanhados pelo olhar dos<br />
circunstantes. Um olhar que irmã Téia interpreta como respeitoso: Porque não<br />
temos coragem <strong>de</strong> fazer o que ele faz.<br />
Essa união <strong>de</strong> duas forças po<strong>de</strong>rosas, a imagem e a fé, expressa-se<br />
também nos e-mails lidos pelo narrador que, com uma freqüência ain<strong>da</strong> maior
que nos dois anos anteriores, celebram a emoção <strong>da</strong> proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> através <strong>da</strong><br />
imagem e chegam a pedir graças à Santa via internet.<br />
153<br />
O <strong>Círio</strong> <strong>de</strong>sse ano será marcado por um fato inédito. A cor<strong>da</strong> é<br />
<strong>de</strong>sliga<strong>da</strong> praticamente no início <strong>da</strong> romaria e a berlin<strong>da</strong> segue com muita<br />
veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>, distanciando-se a tal ponto que a cor<strong>da</strong> só chegará ao final <strong>da</strong><br />
procissão às 14h, duas horas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> seu encerramento, consi<strong>de</strong>rado como<br />
o momento em que a imagem <strong>da</strong> Santa chega ao CAN.<br />
Isso faz <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> uma ausência no ví<strong>de</strong>o. Quando ela chega ao alcance<br />
<strong>da</strong>s câmeras, já está <strong>de</strong>satrela<strong>da</strong> <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>, fato que já foi motivo <strong>de</strong><br />
manifestações indigna<strong>da</strong>s dos comentaristas e <strong>de</strong> muitos e-mails, que vêm <strong>de</strong><br />
todo o Brasil e não só <strong>de</strong> paraenses, segundo afirma o narrador. Ele comenta<br />
que esses promesseiros são tratados como heróis nessa procissão, enquanto a<br />
câmera mostra a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> dos que dão água aos que vão na cor<strong>da</strong> e<br />
passa a percorrê-la em <strong>de</strong>talhes, com big closes dos rostos, pés em primeiro<br />
plano e, especialmente, uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos sobre os motivos que levam<br />
ao sacrifício e as queixas contra o corte, porque com a berlin<strong>da</strong> próximo <strong>da</strong><br />
gente a gente tem mais força <strong>de</strong> chegar, diz um dos romeiros.<br />
Ao chegar ao alcance <strong>da</strong> câmera, a cor<strong>da</strong> é acompanha<strong>da</strong> também por<br />
um repórter, que registra a emoção, a persistência e a alegria dos<br />
promesseiros. Eles acenam para a câmera, erguem a cor<strong>da</strong> e, dirigidos pelo<br />
repórter na busca <strong>de</strong> uma melhor performance, cantam Nossa Senhora, a<br />
canção <strong>de</strong> Roberto Carlos que é um dos hinos do <strong>Círio</strong>, particularmente <strong>de</strong>sses<br />
promesseiros. Enquanto os promesseiros cantam, a TV os homenageia com<br />
uma bela fusão entre a imagem <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> que eles erguem e a imagem <strong>da</strong><br />
berlin<strong>da</strong>, realizando uma reaproximação simbólica somente permiti<strong>da</strong> pela
manipulação técnica. Essa homenagem funciona também como uma<br />
<strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>, porque a cor<strong>da</strong> não aparecerá mais naquela transmissão. Isso<br />
acontece porque a TV segue o an<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>, <strong>de</strong>sativando seus<br />
postos antes que a cor<strong>da</strong> passe por eles. À medi<strong>da</strong> que a berlin<strong>da</strong> se distancia<br />
<strong>de</strong>les, esses promesseiros são excluídos do <strong>Círio</strong>, tanto no espaço geográfico,<br />
quanto no eletrônico.<br />
154<br />
O episódio repercute intensamente na imprensa e na socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
paraense. No <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 2000 a Igreja anuncia a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> permitir que a cor<strong>da</strong><br />
chegue ao final com a berlin<strong>da</strong>. Isso colocará a TV na enorme dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
transmitir uma romaria <strong>de</strong> nove horas <strong>de</strong> duração.<br />
Em 2000, a TV Liberal conta com quatro postos, cinco repórteres e 12<br />
câmeras, uma no helicóptero. Nesse ano não há material internacional. Os VTs<br />
inseridos durante a transmissão retiram do anonimato figuras como o regente<br />
<strong>da</strong> ban<strong>da</strong> <strong>da</strong> PM, que faz o último <strong>Círio</strong> antes <strong>da</strong> aposentadoria, um artesão <strong>de</strong><br />
brinquedos <strong>de</strong> miriti, uma <strong>de</strong>vota que vê o <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> janela, a estu<strong>da</strong>nte que<br />
recolhe promessas no carro dos milagres.<br />
Os comentaristas são estreantes. Um <strong>de</strong>les é o padre José Ramos<br />
Mercês, que no ano anterior criticara os comentaristas <strong>da</strong> TV Liberal num artigo<br />
para o jornal O Liberal ( Mercês, 1999: cad. Atual.:2) e o outro é o teólogo<br />
Josimar Azevedo. Ambos inauguram, na transmissão do <strong>Círio</strong>, posições<br />
discor<strong>da</strong>ntes, embora a participação <strong>de</strong>les seja mais informativa e menos<br />
passional. O teólogo acompanhou um <strong>Círio</strong> na cor<strong>da</strong>, quando estu<strong>da</strong>nte, e<br />
acaba <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar uma pesquisa sobre a Festa <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, na qual, para<br />
85,9% dos entrevistados em Belém, a cor<strong>da</strong> é o símbolo mais essencial do
<strong>Círio</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>. O padre Ramos, <strong>de</strong> linha mais conservadora, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />
mu<strong>da</strong>nças na cor<strong>da</strong>.<br />
155<br />
Refém do ritmo lento <strong>da</strong> romaria, a TV é salva pelo ritmo jornalístico que<br />
consegue imprimir à transmissão. Numa cobertura sem muitos recursos<br />
espetaculares, o jornalismo recorre à simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> contar histórias e<br />
consegue isso <strong>de</strong> forma satisfatória. A opção <strong>de</strong> quebrar o tom cerimonial e<br />
mostrar o “lado profano” funciona bem em dois momentos. Num <strong>de</strong>les, o<br />
repórter do primeiro posto mostra o início do trajeto <strong>de</strong>pois que a Santa passa e<br />
a câmera focaliza um casal <strong>da</strong>nçando brega, ritmo popular paraense. Em outro,<br />
uma equipe móvel mostra a praça <strong>da</strong> República transforma<strong>da</strong> em “arraial”,<br />
on<strong>de</strong> o dono <strong>de</strong> uma banca <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> azar proclama sua fé na Santa e a<br />
esperança <strong>de</strong> ganhar muito dinheiro durante a romaria.<br />
A câmera mostra, também, a ampliação do número dos que<br />
acompanham a romaria <strong>de</strong> joelhos. Raimundo, com a túnica <strong>de</strong> caranguejos,<br />
aparece com escolta <strong>de</strong> voluntários <strong>da</strong> Defesa Civil, que o aju<strong>da</strong>m a abrir<br />
caminho e a levantar-se, porque nesse ano incorporou à sua performance ritual<br />
a alternância entre a caminha<strong>da</strong> e as genuflexões. Entre as homenagens<br />
presta<strong>da</strong>s à Santa, uma repartição pública no trajeto <strong>da</strong> romaria inova com uma<br />
dupla que faz rappel no prédio, abrindo uma faixa <strong>de</strong> louvor à Virgem. E a<br />
procissão ganha um novo carro, o carro <strong>de</strong> Plácido, que reproduz a cena do<br />
achado <strong>da</strong> imagem no aniversário <strong>de</strong> 300 anos.<br />
O gran<strong>de</strong> momento jornalístico é, mais uma vez, provocado pela cor<strong>da</strong> e<br />
representa um curioso e eficiente retrocesso à era do rádio. Uma equipe móvel
acompanha a romaria ao lado <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> e <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> principal 55 . A procissão<br />
não consegue avançar e, por isso, diretores <strong>da</strong> festa, membros do clero e<br />
promesseiros discutem o possível corte <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>. O repórter acompanha a<br />
negociação e informa a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> TV usando o telefone celular, único meio<br />
<strong>de</strong> comunicação possível, já que a câmera <strong>de</strong> sua equipe não está linca<strong>da</strong>, ou<br />
seja, não tem como entrar ao vivo. Pelo celular, o repórter informa que a cor<strong>da</strong><br />
seria manti<strong>da</strong> atrela<strong>da</strong> à berlin<strong>da</strong>.<br />
156<br />
Essas informações, inicialmente, são passa<strong>da</strong>s ao coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong><br />
jornalismo, e transmiti<strong>da</strong>s pelo narrador. Somente <strong>de</strong>pois o repórter entra ao<br />
vivo do celular, como é comum no rádio. Isso “levanta” a transmissão, <strong>de</strong>ntro<br />
do clássico conceito <strong>da</strong> informação “em cima do fato”. Em off, o repórter passa<br />
a conversar com o narrador, enquanto as imagens <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> tomam o ví<strong>de</strong>o, em<br />
planos gerais e <strong>de</strong>talhes que mostram uma multidão <strong>de</strong> promesseiros e dois<br />
religiosos, o bispo auxiliar dom Carlos Verzelletti, que não autorizou o corte, e o<br />
capelão <strong>da</strong> PM, padre Eloy Whyat. Os dois seguem ao lado dos promesseiros,<br />
usam microfones para animá-los, orientam o caminhar <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, rezam com<br />
eles, o que é possível acompanhar pelos seguidos sobe sons <strong>da</strong> sonorização<br />
do trajeto.<br />
Enquanto a romaria segue muito lentamente, os promesseiros <strong>da</strong> cor<strong>da</strong><br />
corta<strong>da</strong> chegam festejando ao CAN, proporcionando uma seqüência <strong>de</strong> belas<br />
fusões com imagens <strong>da</strong> chuva <strong>de</strong> papel picado que saú<strong>da</strong> a berlin<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong><br />
nem no meio do trajeto.<br />
as<br />
Apesar <strong>da</strong> lentidão <strong>da</strong> romaria, a transmissão flui com certa leveza e<br />
55 Naquele ano há duas cor<strong>da</strong>s na romaria. Uma <strong>de</strong>las foi corta<strong>da</strong> no início <strong>da</strong> romaria.
imagens, as falas do narrador e as entrevistas conseguem passar o clima <strong>de</strong><br />
alegria que envolve tanto os promesseiros <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> quanto os romeiros e os<br />
que aguar<strong>da</strong>m a passagem <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>. Para isso contribui a atitu<strong>de</strong> mais solta<br />
dos repórteres. Uma <strong>de</strong>las, <strong>da</strong> sucursal <strong>de</strong> Brasília, fica tão impressiona<strong>da</strong> à<br />
passagem <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> que provoca o comentário do narrador: A gente já está<br />
acostumado e a gente se emociona, imagine ela, que pela primeira vez<br />
trabalha aqui. Está se emocionando também.<br />
157<br />
É um <strong>Círio</strong>, finalmente, como <strong>de</strong>fendiam os comentaristas <strong>da</strong> TV nos<br />
cinco anos anteriores, sem limites ao tempo <strong>da</strong> relação com o sagrado. Mas a<br />
TV acusa a tensão e o visível mal-estar com a duração <strong>da</strong> romaria na fala do<br />
narrador, numa <strong>de</strong>spedi<strong>da</strong> antecipa<strong>da</strong>, quando a berlin<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> está a uma<br />
quadra do final do cortejo. Sobre imagens <strong>da</strong> multidão, <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> e <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>,<br />
que no final <strong>da</strong> fala fica fecha<strong>da</strong> em primeiro plano, o narrador se <strong>de</strong>spe<strong>de</strong>:<br />
E nós vamos encerrar a nossa transmissão às 3h45m. Nos 24<br />
anos <strong>da</strong> TV Liberal esta é a primeira vez que vamos encerrar nossa<br />
transmissão no momento em que a berlin<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> está chegando à<br />
Praça-Santuário. A programação nacional, por causa <strong>da</strong> <strong>de</strong>mora <strong>de</strong> mais<br />
<strong>de</strong> oito horas, <strong>de</strong>ve ser segui<strong>da</strong>. É preciso que a diretoria <strong>da</strong> festa atente<br />
para esse importante <strong>de</strong>talhe no próximo ano. Mas ain<strong>da</strong> há tempo <strong>da</strong><br />
gente se <strong>de</strong>spedir, através <strong>da</strong> TV, <strong>de</strong>sses momentos marcantes,<br />
momentos em que os romeiros chegam à praça Santuário, atrelados<br />
naturalmente à berlin<strong>da</strong> com a imagem <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>.<br />
Foi o <strong>Círio</strong> mais longo <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a história. Uma boa tar<strong>de</strong> e um abençoado<br />
domingo a todos.<br />
A transmissão encerra às 15h47min30s, quase cinco <strong>da</strong> tar<strong>de</strong> pelo HBV<br />
(horário brasileiro <strong>de</strong> verão )
158
6<br />
O MANTO ELETRÔNICO<br />
DA SANTA<br />
159
160<br />
No ano <strong>de</strong> 2000, realizei a técnica <strong>da</strong> observação direta do trabalho <strong>de</strong><br />
produção <strong>da</strong> transmissão do <strong>Círio</strong> na TV Liberal. E, no dia do <strong>Círio</strong>, o fiz, do<br />
switch <strong>da</strong> emissora, <strong>da</strong> transmissão propriamente dita. Essa técnica foi<br />
complementa<strong>da</strong> por entrevistas e coleta <strong>de</strong> informações com jornalistas e<br />
técnicos envolvidos 56 .<br />
A coleta <strong>de</strong> informações aconteceu durante os trabalhos <strong>de</strong> preparação,<br />
e durante e após a transmissão. As entrevistas foram feitas com os que<br />
<strong>de</strong>sempenham papéis que i<strong>de</strong>ntifiquei como <strong>de</strong> maior relevância, levando em<br />
conta, como principais fatores, as funções que exercem na transmissão, a<br />
responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões que afetam a cobertura, sua experiência e<br />
importância como fonte <strong>de</strong> informação e esclarecimento <strong>de</strong> episódios do evento<br />
observado. Essas entrevistas foram realiza<strong>da</strong>s nos meses <strong>de</strong> julho a setembro<br />
<strong>de</strong> 2001, nos locais <strong>de</strong> trabalho dos profissionais, ou seja, a re<strong>da</strong>ção, os<br />
Departamentos Técnico e <strong>de</strong> Operações e a sala do switch <strong>da</strong> TV Liberal.<br />
A observação, em primeiro lugar, <strong>de</strong>ixa transparecer que o <strong>Círio</strong><br />
repercute <strong>de</strong> forma significativa sobre o cotidiano <strong>da</strong> TV, provocando a<br />
superposição <strong>de</strong> uma rotina <strong>de</strong> trabalho volta<strong>da</strong> para essa cobertura <strong>de</strong><br />
exceção à rotina diária dos diversos <strong>de</strong>partamentos. No caso <strong>de</strong>ste estudo,<br />
especificamente, à rotina do Departamento <strong>de</strong> Jornalismo.<br />
56 A lista dos profissionais ouvidos consta <strong>da</strong>s fontes consulta<strong>da</strong>s, ao final do trabalho.
161<br />
O Quadro 5 reproduz a seqüência <strong>de</strong> tarefas <strong>de</strong>sempenha<strong>da</strong>s na<br />
produção do <strong>Círio</strong> 2000, relaciona<strong>da</strong>s aos meses em que foram executa<strong>da</strong>s e<br />
aos setores diretamente envolvidos. Para manter o foco, são relaciona<strong>da</strong>s<br />
aquelas diretamente liga<strong>da</strong>s à transmissão <strong>da</strong> romaria, sendo excluí<strong>da</strong>s as<br />
referentes à produção <strong>de</strong> material e cobertura <strong>de</strong> outros eventos <strong>da</strong> Festa <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong>, que também sofrem interferência ou são atribuição do Núcleo do <strong>Círio</strong>.<br />
Pela natureza do estudo, limito a análise às ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do Núcleo do <strong>Círio</strong> e do<br />
Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e a suas conexões com os <strong>de</strong>partamentos<br />
Técnico e <strong>de</strong> Operações, mas recordo que, como já foi mencionado, todos os<br />
setores <strong>da</strong> TV Liberal se envolvem na preparação e na transmissão do <strong>Círio</strong>.<br />
Junho/julho<br />
Agosto<br />
Setembro<br />
Outubro<br />
Mês<br />
Quadro 5 – Produzindo a transmissão<br />
Ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
Criação do projeto<br />
Re<strong>da</strong>ção do projeto<br />
Discussão do projeto<br />
Definição <strong>da</strong> linha editorial <strong>da</strong><br />
transmissão<br />
Instalação do Núcleo do <strong>Círio</strong><br />
Início do noticiário sobre <strong>Círio</strong><br />
nos telejornais<br />
Interação com Núcleo <strong>de</strong><br />
Produção e Pauta do Jornalismo<br />
Coleta <strong>de</strong> informações sobre o<br />
evento<br />
Produção dos VTs <strong>da</strong><br />
transmissão<br />
Gravação, re<strong>da</strong>ção e edição do<br />
Minuto do <strong>Círio</strong> e VTs <strong>da</strong><br />
transmissão<br />
Reuniões preparatórias setoriais<br />
e gerais<br />
Intensificação do noticiário do<br />
<strong>Círio</strong> nos telejornais<br />
Exibição do Minuto do <strong>Círio</strong><br />
Escolha do tema <strong>da</strong> transmissão<br />
e dos comentaristas<br />
Reunião com os comentaristas<br />
Seleção e edição <strong>de</strong> músicas,<br />
orações e poemas<br />
Re<strong>da</strong>ção do roteiro<br />
Última reunião geral<br />
Envolvidos<br />
Coor<strong>de</strong>nador geral <strong>de</strong><br />
jornalismo <strong>da</strong> transmissão<br />
Coor<strong>de</strong>nador geral <strong>de</strong><br />
jornalismo <strong>da</strong> transmissão<br />
Coord. geral e diretor <strong>de</strong><br />
jornalismo<br />
Núcleo do <strong>Círio</strong>, Produção e<br />
Pauta, editores dos telejornais,<br />
equipes <strong>de</strong> externa<br />
Núcleo do <strong>Círio</strong><br />
Departamentos <strong>de</strong> Jornalismo,<br />
Técnico e <strong>de</strong> Operações<br />
Coord. geral e diretor <strong>de</strong><br />
jornalismo<br />
I<strong>de</strong>m<br />
Coor<strong>de</strong>nador geral<br />
I<strong>de</strong>m<br />
Departamentos <strong>de</strong> Jornalismo,<br />
Técnico e <strong>de</strong> Operações
Fonte: Pesquisa <strong>da</strong> autora<br />
162<br />
No ano 2000, a TV optou pela cobertura dos pontos tradicionais do<br />
trajeto – Sé, CDP, TV Liberal e CAN (Fig. 3, p. 103) – e pelo <strong>de</strong>staque ao<br />
factual <strong>da</strong> romaria. Como acontece <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1997, contou com o apoio <strong>da</strong> TV<br />
Globo <strong>de</strong> Recife no envio <strong>da</strong> microon<strong>da</strong>s do helicóptero e dos dois técnicos que<br />
operam esse equipamento.<br />
Como se verifica no Quadro 5, a TV começa a se ocupar do <strong>Círio</strong> quatro<br />
meses antes do início <strong>da</strong> festa, ain<strong>da</strong> que, inicialmente, apenas através do<br />
coor<strong>de</strong>nador geral <strong>de</strong> jornalismo <strong>da</strong> transmissão, que passo a chamar <strong>de</strong><br />
coor<strong>de</strong>nador.<br />
O coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> 2000, Edvan Feitosa Coutinho, é editor <strong>de</strong> telejornais<br />
e cobre o <strong>Círio</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 80, quando ain<strong>da</strong> repórter <strong>de</strong> jornal<br />
impresso; em 1987, passou à TV, trabalhou em diversas funções durante as<br />
transmissões e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1995 exerce a coor<strong>de</strong>nação. Como produtor e diretor,<br />
participou <strong>da</strong>s viagens a Portugal e à Terra Santa. É evangélico (Igreja Batista)<br />
e seu quadro <strong>de</strong> referências sobre o <strong>Círio</strong> foi formado na ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> profissional<br />
e, a partir <strong>de</strong>la, por leituras. Tocado pela grandiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> do evento, consi<strong>de</strong>ra-<br />
se hoje um convertido à cultura paraense do <strong>Círio</strong>. É evi<strong>de</strong>nte que valoriza a<br />
função e tem um gran<strong>de</strong> grau <strong>de</strong> envolvimento com esse trabalho: Costumo<br />
dizer que bordo o manto eletrônico <strong>da</strong> Santa, é um trabalho que começa antes<br />
do <strong>Círio</strong> e é visto durante o <strong>Círio</strong>.<br />
Ao escrever o projeto <strong>da</strong> transmissão, o coor<strong>de</strong>nador procura relacionar<br />
o <strong>Círio</strong> com algum fato atual ou assunto atemporal. Em 2000, opta por mostrar
que a multidão do <strong>Círio</strong> tem rosto, pinçando alguns atores anônimos <strong>da</strong> romaria<br />
e transformando-os em personagens dos VTs exibidos durante a transmissão.<br />
163<br />
Em agosto, o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Jornalismo começa a publicizar a festa<br />
nos noticiários. Essa publicização se intensifica em setembro e nos dias que<br />
antece<strong>de</strong>m o <strong>Círio</strong>, exercendo importante papel na alimentação do clima festivo<br />
que toma conta <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, on<strong>de</strong> as instituições e pessoas que vão participar do<br />
<strong>Círio</strong>, em qualquer nível, já estão tomando providências para tal. Essas ações<br />
também alimentam a TV, gerando notícias para os telejornais, que cobrem atos<br />
preparatórios como a apresentação dos mantos <strong>da</strong> imagem na Trasla<strong>da</strong>ção e<br />
no <strong>Círio</strong> e a ornamentação <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>; anunciam a agen<strong>da</strong> <strong>de</strong> eventos<br />
religiosos e culturais; as <strong>de</strong>cisões <strong>da</strong> diretoria e do clero, especialmente sobre<br />
a cor<strong>da</strong>; homenagens programa<strong>da</strong>s; chega<strong>da</strong> dos romeiros e turistas;<br />
infraestrutura <strong>de</strong> serviços para o período e para o <strong>Círio</strong> em particular; preços <strong>de</strong><br />
ex-votos <strong>de</strong> cera e os preparativos do almoço pós-romaria, com gran<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>staque para variações no custo e na quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> oferta <strong>de</strong> ingredientes<br />
culinários tradicionais como o pato, tucupi, jambu e maniva para a maniçoba.<br />
Ao coor<strong>de</strong>nador cabe um lugar central no trabalho. Durante o período<br />
preparatório <strong>da</strong> transmissão, ele recebe uma <strong>de</strong>legação especial <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no<br />
âmbito <strong>da</strong> hierarquia do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Jornalismo, respon<strong>de</strong>ndo, em última<br />
análise, por todo o conteúdo jornalístico <strong>da</strong> transmissão e atua ain<strong>da</strong> como um<br />
consultor interno sobre <strong>Círio</strong>, centralizando informações, orientando e opinando<br />
sobre matérias dos telejornais, mesmo quando já está <strong>de</strong>dicado<br />
exclusivamente à produção <strong>da</strong> transmissão, o que já acontece cerca <strong>de</strong> 45 dias<br />
antes <strong>da</strong> romaria.
164<br />
O trabalho <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação é balizado por fatores materiais, <strong>de</strong>stacando-<br />
se a disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> orçamento para aquele ano, equipamento e pessoal.<br />
Assim, o coor<strong>de</strong>nador contorna dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s técnicas e operacionais, faz<br />
<strong>de</strong>man<strong>da</strong>s e usa pessoal e serviços dos diversos <strong>de</strong>partamentos <strong>da</strong> emissora,<br />
mas trabalha apenas com um auxiliar direto, um produtor, uma pessoa<br />
basicamente <strong>de</strong> execução, e forma com ela o Núcleo do <strong>Círio</strong>, o que não <strong>de</strong>ixa<br />
<strong>de</strong> ser uma estrutura surpreen<strong>de</strong>ntemente mo<strong>de</strong>sta para a dimensão do<br />
evento. O coor<strong>de</strong>nador também produz, acompanha as gravações, redige,<br />
escolhe a trilha sonora e edita oito programetes <strong>de</strong> 50 segundos, o Minuto do<br />
<strong>Círio</strong>, veiculados durante a semana anterior à romaria. São esses VTs que,<br />
reeditados para ampliar seu tempo, são exibidos durante a transmissão.<br />
No início do trabalho a jorna<strong>da</strong> do Núcleo do <strong>Círio</strong> mantém-se em seis,<br />
sete horas diárias, o que é normal em re<strong>da</strong>ção, mas ela se amplia para até 12<br />
ou 15 horas, à medi<strong>da</strong> que se aproxima o dia do <strong>Círio</strong>. O coor<strong>de</strong>nador organiza<br />
o tempo <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> equipes e equipamentos, preocupado com o <strong>de</strong>adline <strong>da</strong><br />
exibição do Minuto do <strong>Círio</strong> (oito dias antes do <strong>Círio</strong>) que já <strong>de</strong>lineia a linha <strong>da</strong><br />
transmissão <strong>da</strong>quele ano. Ele também divi<strong>de</strong> os recursos <strong>de</strong> edição e pós-<br />
produção com os editores dos telejornais. Na organização <strong>da</strong> transmissão, o<br />
tempo <strong>da</strong> romaria, que nunca po<strong>de</strong> ser previsto com segurança, é uma<br />
preocupação central para o coor<strong>de</strong>nador:<br />
Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, o problema do <strong>Círio</strong> é mostrar uma procissão que é muito<br />
longa e as pessoas que estão em casa po<strong>de</strong>m ter a impressão <strong>de</strong> ser uma coisa<br />
muito estática, então é preciso preencher alguns tempos. Na hora em que não se<br />
consegue mais acompanhar a berlin<strong>da</strong> é preciso que as pessoas tenham em casa<br />
algum tipo <strong>de</strong> material pré-produzido, para que não se sinta tanto a falta <strong>da</strong><br />
imagem <strong>da</strong> Santa (Coutinho, 2001).
165<br />
A discussão <strong>de</strong> conteúdos para a transmissão do <strong>Círio</strong> é feita, em<br />
primeiro lugar, com o diretor <strong>de</strong> Jornalismo e com os colegas que o<br />
coor<strong>de</strong>nador consi<strong>de</strong>ra experientes nessa cobertura. Ao participar <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>s<br />
reuniões entre o coor<strong>de</strong>nador, o diretor <strong>de</strong> Jornalismo e o comentarista Josimar<br />
Azevedo, verifiquei que esse convi<strong>da</strong>do opinou sobre o tema do <strong>Círio</strong> – o<br />
perdão – mas, visivelmente, estava supera<strong>da</strong> a ativa participação que os<br />
comentaristas tinham na produção <strong>da</strong>s transmissões <strong>de</strong> 1991 a 1999. Os<br />
comentaristas são escolhidos pela contribuição analítica e pe<strong>da</strong>gógica que<br />
po<strong>de</strong>m <strong>da</strong>r à transmissão. Depois que ela foi amplifica<strong>da</strong> com o satélite e a<br />
Internet, aumentou a preocupação <strong>de</strong> que eles possam fazer uma leitura<br />
religiosa e cultural do <strong>Círio</strong>, “traduzindo-o” para a nova audiência.<br />
Enquanto elabora internamente o “seu” <strong>Círio</strong>, a TV trata <strong>de</strong> seguir todos<br />
os movimentos realizados nos outros níveis <strong>de</strong> organização <strong>da</strong> festa. O Núcleo<br />
do <strong>Círio</strong> monitora a diretoria <strong>da</strong> Festa, a Igreja, todos os setores<br />
tradicionalmente envolvidos e os que se agregam a ca<strong>da</strong> ano na construção <strong>da</strong><br />
romaria. Os jornalistas capturam o que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong> informação produzi<strong>da</strong> por<br />
esses setores, que será usa<strong>da</strong> para a re<strong>da</strong>ção do script e do “kit <strong>Círio</strong>”, uma<br />
espécie <strong>de</strong> guia para os que trabalham na romaria. Essas informações são<br />
classifica<strong>da</strong>s como <strong>de</strong> maior ou menor interesse para a transmissão. No<br />
primeiro caso estão as que se referem aos elementos tradicionais do <strong>Círio</strong> e os<br />
que oferecem possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> melhores imagens e <strong>de</strong> maior conteúdo<br />
informativo.<br />
As informações sobre o que vai acontecer no <strong>Círio</strong> são leva<strong>da</strong>s em conta<br />
na hora <strong>de</strong> “mapear” o trajeto do <strong>Círio</strong> para estabelecer os pontos <strong>de</strong> captação<br />
<strong>de</strong> imagens, mas as escolhas são afeta<strong>da</strong>s principalmente pelas condições
técnicas, como quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> equipamentos e condição <strong>de</strong> visa<strong>da</strong><br />
para transmissão 57 . Os pontos são escolhidos pelo coor<strong>de</strong>nador, o supervisor<br />
<strong>de</strong> imagens e os <strong>de</strong>partamentos Técnico e <strong>de</strong> Operações. Para isso, eles<br />
percorrem o trajeto <strong>da</strong> romaria, escolhendo posições e ângulos <strong>de</strong> câmeras.<br />
166<br />
Os problemas técnico-operacionais são o principal assunto <strong>da</strong>s reuniões<br />
gerais. Na primeira, que em 2000 aconteceu no dia 12 <strong>de</strong> setembro, os<br />
<strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> Jornalismo, Técnico e <strong>de</strong> Operações recapitularam os<br />
problemas <strong>da</strong> transmissão <strong>de</strong> 1999, evocados com <strong>de</strong>talhes, um ano <strong>de</strong>pois.<br />
Alguns são <strong>de</strong> mais fácil correção, como a mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> locais <strong>de</strong> praticáveis<br />
em dois postos, para obter melhores ângulos e evitar interferências <strong>de</strong> áudio.<br />
Há reclamações quanto ao sistema <strong>de</strong> comunicação, que mistura áudios e<br />
perturba quem está com os fones <strong>de</strong> ouvido, como a diretora geral <strong>de</strong> imagens,<br />
responsável pelo corte final <strong>da</strong> transmissão. Os jornalistas fazem muitas<br />
<strong>de</strong>man<strong>da</strong>s, mas não há como aumentar o número <strong>de</strong> equipamentos nesse ano.<br />
Na última reunião geral, em 6 <strong>de</strong> outubro (a dois dias do <strong>Círio</strong>), o<br />
coor<strong>de</strong>nador anuncia as condições técnicas, os postos, dá avisos e repassa a<br />
escala. Fica claro que se disputa espaço: os repórteres reivindicam maior<br />
priori<strong>da</strong><strong>de</strong> para as entra<strong>da</strong>s ao vivo contra a exibição <strong>de</strong> VTs pré-gravados e<br />
cobram que o narrador interrompa os comentaristas para <strong>de</strong>ixá-los entrar com<br />
notícias. A base do argumento é <strong>de</strong> que está faltando à transmissão a emoção<br />
do ao vivo.<br />
Na organização <strong>da</strong> transmissão do <strong>Círio</strong> 2000 <strong>de</strong>cidiu-se que uma<br />
equipe móvel iria acompanhar a cor<strong>da</strong>, prevendo que ela possa atrasar-se, a<br />
57 Para que o sinal que está sendo emitido <strong>de</strong> um posto chegue à torre <strong>da</strong> TV é preciso que se tenha uma<br />
visa<strong>da</strong> aberta, ou seja, sem obstáculos no caminho. Isso é complicado porque a se<strong>de</strong> <strong>da</strong> TV é ro<strong>de</strong>a<strong>da</strong>
exemplo do ano anterior. O diretor <strong>de</strong> Jornalismo insiste em que ela tente fazer<br />
imagens inéditas: o atrelamento <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> e o facão que existiria sob a<br />
berlin<strong>da</strong>, usado para cortar a cor<strong>da</strong>.<br />
167<br />
O script começa a ser redigido duas ou três semanas antes <strong>da</strong><br />
transmissão, mas só é finalizado na véspera e distribuído ao pessoal envolvido,<br />
inclusive a Gilson Faria, narrador <strong>da</strong> transmissão do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1992, pouco<br />
antes do início do evento. É um “roteirão”, um script no mo<strong>de</strong>lo clássico do<br />
script <strong>de</strong> telejornal, com textos <strong>de</strong> abertura para introduzir os VTs pré-<br />
produzidos, as discussões do tema central com os comentaristas, as orações,<br />
músicas e poesias. O “esqueleto”, mo<strong>de</strong>lo básico do roteiro, continua sendo o<br />
implantado em 1991.<br />
Esse script será alterado durante a transmissão, <strong>de</strong> acordo com o<br />
<strong>de</strong>senrolar <strong>da</strong> romaria, e prevê, mas não se preocupa com atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s: notas<br />
pela<strong>da</strong>s apura<strong>da</strong>s pela re<strong>da</strong>ção, os flashes ao vivo <strong>de</strong> repórteres e os VTs<br />
produzidos pela equipe móvel são agregados durante a transmissão,<br />
chamados pelo narrador com textos redigidos ou improvisados na hora.<br />
Na concepção do conteúdo e na re<strong>da</strong>ção do script o coor<strong>de</strong>nador<br />
consi<strong>de</strong>ra as sugestões do diretor <strong>de</strong> jornalismo e dos colegas, recorre à<br />
experiência acumula<strong>da</strong> nos anos anteriores, especialmente para evitar<br />
repetição <strong>de</strong> falhas técnicas ou operacionais, e não per<strong>de</strong> <strong>de</strong> vista o binômio<br />
sobre o qual repousa, tradicionalmente, o conceito <strong>da</strong> transmissão: informação<br />
e emoção.<br />
<strong>de</strong> edifícios e Belém é uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> plana. Os técnicos procuram os pontos mais altos do trajeto para<br />
instalar as microon<strong>da</strong>s.
168<br />
A informação é o terreno do jornalismo e o <strong>Círio</strong>, por alterar a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong> especialmente naquele dia, é um evento rico em informações: utili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
pública, como trânsito, atendimento médico, crianças perdi<strong>da</strong>s e segurança;<br />
registro <strong>de</strong> participação e entrevistas com personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque nacional<br />
e internacional; notícias sobre o que está acontecendo na romaria,<br />
especialmente quanto à cor<strong>da</strong> e as homenagens à Santa. A localização exata<br />
<strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> é uma informação muito recorrente, inclusive, como foi visto no<br />
exame <strong>da</strong>s fitas, trabalha-se com recursos <strong>de</strong> mídia digital para que o<br />
telespectador possa situar-se com mais exatidão. Esse cui<strong>da</strong>do expressa o<br />
reconhecimento <strong>de</strong> que o telespectador se <strong>de</strong>slocará para o espaço geográfico<br />
<strong>da</strong> festa em algum momento, mais propício para assistir à passagem <strong>da</strong> Santa.<br />
Antes <strong>da</strong> TV, essa era uma função fun<strong>da</strong>mental do rádio.<br />
Mas é preciso <strong>da</strong>r ao telespectador também a sensação <strong>de</strong> estar lá <strong>de</strong><br />
que falam Dayan e Katz (1999:95) e, num acontecimento como o <strong>Círio</strong>, essa<br />
tentativa <strong>de</strong> reinjetar a dimensão cerimonial perdi<strong>da</strong> passa, necessariamente,<br />
pela recuperação do clima emocional do evento <strong>de</strong> referência.<br />
Esse clima será construído ao longo <strong>da</strong> transmissão, mas já é planejado<br />
no roteiro, com a programação dos VTs, orações, músicas e poemas. As<br />
orações são consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s essenciais. O coor<strong>de</strong>nador lembra que, em 1999,<br />
elas foram praticamente suprimi<strong>da</strong>s, provocando <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> telefonemas <strong>de</strong><br />
protesto para a TV, até que o narrador rezou um Pai Nosso.<br />
A emissão <strong>da</strong>s orações se dá segundo uma liturgia na qual a TV constrói<br />
uma inserção em momentos <strong>da</strong> romaria, para, assim, inserir também o<br />
telespectador: a Ave Maria saú<strong>da</strong> a saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> Santa, mostrando a aclamação<br />
popular; Salve Rainha entra no ví<strong>de</strong>o sobre as imagens que se obtêm por volta
do meio dia, quando os <strong>de</strong>gre<strong>da</strong>dos filhos <strong>de</strong> Eva beiram o limite <strong>da</strong> resistência<br />
e <strong>da</strong> emoção na cor<strong>da</strong> e aumenta o número <strong>de</strong> <strong>de</strong>smaios; Magnificat é o canto<br />
<strong>de</strong> vitória, quando a berlin<strong>da</strong> é recebi<strong>da</strong> pela multidão na chega<strong>da</strong> ao CAN.<br />
169<br />
O segmento <strong>da</strong>s orações e poemas é o mais aberto a contribuições. Em<br />
2000, foram veicula<strong>da</strong>s duas poesias, envia<strong>da</strong>s antecipa<strong>da</strong>mente por um<br />
telespectador, e a Prece <strong>de</strong> Cáritas, uma oração kar<strong>de</strong>cista, por sugestão <strong>de</strong><br />
uma repórter. Na seleção <strong>de</strong>sse repertório o coor<strong>de</strong>nador se preocupa em não<br />
forçar <strong>de</strong>mais a emoção: A emoção do evento já é superlativa, então tem que<br />
ter a dosagem certa para não ficar piegas.<br />
O script materializa a primeira intervenção <strong>da</strong> TV sobre o evento <strong>de</strong><br />
referência. Através <strong>de</strong>le, ela formata o “seu” <strong>Círio</strong>, construído em paralelo – e<br />
em tensão permanente – com a romaria.<br />
Às três, quatro horas <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong> do domingo do <strong>Círio</strong>, quando os<br />
promesseiros começam a lotar o Boulevard para assegurar um lugar na cor<strong>da</strong>,<br />
os profissionais escalados para a transmissão começam a chegar à TV Liberal.<br />
Antes do trabalho, há um momento <strong>de</strong> comensali<strong>da</strong><strong>de</strong>, quando a equipe se<br />
reúne para tomar o café <strong>da</strong> manhã oferecido pela emissora. Com exceção <strong>da</strong><br />
administração, todos os setores <strong>da</strong> TV funcionam nesse dia.<br />
Às cinco <strong>da</strong> manhã, o pessoal <strong>da</strong> externa começa a ir para os postos e,<br />
às seis, há testes <strong>de</strong> áudio e <strong>de</strong> comunicação entre os postos e a emissora. A<br />
chefe <strong>de</strong> reportagem, ao lado dos editores e produtores, que vão municiar o<br />
narrador com notas apura<strong>da</strong>s por telefone durante to<strong>da</strong> a transmissão, já tem<br />
problemas para resolver: os técnicos foram barrados no prédio <strong>da</strong> CDP, on<strong>de</strong><br />
há equipamentos <strong>de</strong> transmissão, pela segurança do vice-presi<strong>de</strong>nte Marco
Maciel, que vai assistir à romaria <strong>de</strong> lá. O narrador, a produtora do Núcleo do<br />
<strong>Círio</strong> e os dois comentaristas vão para o estúdio, no térreo <strong>da</strong> emissora, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> só será emitido áudio: as câmeras foram <strong>de</strong>sloca<strong>da</strong>s para a transmissão,<br />
como todos os anos. Eu vou para a sala do switch, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> “sai” o <strong>Círio</strong><br />
eletrônico.<br />
170<br />
A observação na sala do switch começa às 6 e termina às 16 horas, no<br />
final <strong>da</strong> transmissão. Por necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> síntese, sou obriga<strong>da</strong> a selecionar<br />
apenas os momentos <strong>da</strong> arquitetura do evento que consi<strong>de</strong>ro mais exemplares<br />
para análise .<br />
Eco (1991:182) diz que a transmissão direta nunca se apresenta como<br />
representação especular do acontecimento que se <strong>de</strong>senvolve, mas sempre –<br />
ain<strong>da</strong> que às vezes em medi<strong>da</strong> infinitesimal – como interpretação <strong>de</strong>le. A que o<br />
telespectador <strong>da</strong> TV Liberal assiste é, assim, uma interpretação do <strong>Círio</strong>,<br />
construí<strong>da</strong> através <strong>de</strong> uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> interpretações e negociações que<br />
começa, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, no primeiro movimento do coor<strong>de</strong>nador ao conceber o<br />
projeto. Mas, no dia do <strong>Círio</strong>, essa ca<strong>de</strong>ia se enriquece com o olhar do<br />
repórter, do produtor, do câmera, que estão na rua em contato direto com o<br />
evento. Esse olhar é filtrado, no switch, pelos coor<strong>de</strong>nadores <strong>de</strong> reportagem e<br />
<strong>de</strong> jornalismo e pela diretora geral <strong>de</strong> imagens. Finalmente, acontecem novas<br />
interpretações e negociações no estágio <strong>da</strong> recepção, do qual não se ocupa<br />
este trabalho. Nessa ca<strong>de</strong>ia, os <strong>de</strong>sejos e rotinas do fazer televisual coexistem<br />
com as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma narração concebi<strong>da</strong> e realiza<strong>da</strong> simultaneamente<br />
com os fatos.<br />
No switch po<strong>de</strong>-se observar os movimentos <strong>da</strong> TV para construir sua<br />
interpretação do <strong>Círio</strong>, porque nele se acompanha o que acontece nos postos,
pela comunicação interna e pelos monitores, que mostram as imagens<br />
disponíveis antes <strong>da</strong> seleção final, e assim tem-se a visão simultânea <strong>de</strong><br />
opções que nunca é apresenta<strong>da</strong> ao telespectador. Para o êxito <strong>de</strong>sse<br />
processo, to<strong>da</strong> a equipe do switch <strong>de</strong>ve operar em fina sintonia e a importância<br />
<strong>da</strong> técnica po<strong>de</strong> ser medi<strong>da</strong> pelo fato do diretor <strong>da</strong> área estar ali, embora o<br />
coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo, a diretora <strong>de</strong> imagens e a coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong><br />
reportagem ocupem os lugares centrais. São eles os principais negociadores<br />
<strong>da</strong> interpretação que será oferta<strong>da</strong> ao telespectador.<br />
171<br />
O switch é uma sala <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 40m quadrados, no an<strong>da</strong>r superior <strong>da</strong><br />
TV. Há uma mesa <strong>de</strong> corte com entra<strong>da</strong> para nove câmeras, com uma mesa <strong>de</strong><br />
efeitos acopla<strong>da</strong>; um BVE que controla até cinco VTs para fazer edição; uma<br />
mesa <strong>de</strong> áudio com oito canais, 20 monitores <strong>de</strong> TV e um sistema <strong>de</strong><br />
comunicação que inclui quatro “caixas <strong>de</strong> sapato”, rádios e telefones com<br />
linhas externas e também diretas com os postos. E, bem visível para todos, um<br />
relógio digital afirma a cultura cronometriza<strong>da</strong> do jornalista (Schlesinger,<br />
1993:178).<br />
Durante a transmissão permanecem ali o coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo, a<br />
diretora geral <strong>de</strong> imagens e pós-produção, dois editores encarregados <strong>de</strong> exibir<br />
VTs pré-gravados, o supervisor <strong>de</strong> imagens, a coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> reportagem, o<br />
supervisor técnico (que também coor<strong>de</strong>na o contato com o helicóptero), um<br />
supervisor <strong>de</strong> sistemas, o coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> operações técnicas. Em duas salas<br />
contíguas, separa<strong>da</strong>s por divisórias <strong>de</strong> vidro, trabalham a geradora <strong>de</strong><br />
caracteres e o operador <strong>de</strong> áudio. Quando é preciso inserir artes, entra no<br />
switch o supervisor <strong>de</strong> mídia digital.
172<br />
Há interlocução constante entre eles e mediações bem <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s para o<br />
contato externo, importantes para manter a clareza dos comandos e<br />
orientações e, em <strong>de</strong>corrência, o bom an<strong>da</strong>mento do trabalho. Somente o<br />
coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo fala com o estúdio, orientando a produtora e o<br />
narrador (esse usa um ponto eletrônico). A diretora geral <strong>de</strong> imagens usa<br />
intercom e fala com o diretor <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> posto, com o complexo<br />
exibidor e também or<strong>de</strong>na a entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> VTs, caracteres e arte. A coor<strong>de</strong>nadora<br />
<strong>de</strong> reportagem fala, pela "caixa <strong>de</strong> sapatos", pelo rádio e por dois telefones,<br />
com os coor<strong>de</strong>nadores <strong>de</strong> jornalismo dos postos. O supervisor <strong>de</strong> sistemas se<br />
comunica com os técnicos dos postos. O supervisor técnico, que é também<br />
diretor <strong>de</strong> Tecnologia <strong>da</strong>s ORM (Organizações Romulo Maiorana), orienta o<br />
câmera do helicóptero através <strong>de</strong> rádio.<br />
Antes do início <strong>da</strong> transmissão, ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les se dirige aos seus<br />
contatos, repassando as últimas instruções. A diretora <strong>de</strong> imagens conversa<br />
com os colegas dos postos do CAN e <strong>da</strong> Sé, combinando a abertura: a primeira<br />
imagem é a facha<strong>da</strong> <strong>da</strong> Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> e, <strong>de</strong> lá, ela corta para duas<br />
câmeras <strong>da</strong> Sé, com uma panorâmica do Ver-o-Peso e arredores e a seguinte<br />
com zoom <strong>da</strong> porta <strong>da</strong> Catedral. A coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> reportagem negocia o<br />
texto <strong>da</strong>s entra<strong>da</strong>s dos repórteres para o “carrossel”. Recebe a oferta <strong>de</strong> ca<strong>da</strong><br />
coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo <strong>de</strong> posto, fala com o coor<strong>de</strong>nador geral e confirma<br />
as entra<strong>da</strong>s. São 6h25. A diretora <strong>de</strong> imagens avisa aos colegas que falta um<br />
minuto e <strong>de</strong>seja boa sorte a todos. Ela fala com os dois diretores, e, ao mesmo<br />
tempo, pe<strong>de</strong> caracteres <strong>de</strong> abertura. Os movimentos <strong>de</strong> câmera são bem<br />
feitos, as imagens são bonitas. O áudio do narrador está perfeito. Os repórteres<br />
entraram no timing certo. Este <strong>Círio</strong> começa bem. Há visível alívio no switch.
173<br />
As pessoas se <strong>de</strong>scontraem mas não se <strong>de</strong>scui<strong>da</strong>m <strong>de</strong> suas<br />
negociações que, no jornalismo, se processam esquematicamente <strong>da</strong> seguinte<br />
forma:<br />
a) o repórter e o produtor <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> posto procuram fatos e<br />
personagens que justifiquem uma entra<strong>da</strong>, apurando<br />
informações factuais com diversas fontes localiza<strong>da</strong>s nas<br />
proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>s (polícia, Cruz Vermelha, etc) e atentos a<br />
promesseiros e <strong>de</strong>votos, conversando com eles para<br />
verificar se “ren<strong>de</strong>m” na TV. A aparência é o primeiro<br />
critério <strong>de</strong> escolha dos prováveis personagens: se atrai o<br />
olhar do produtor, po<strong>de</strong> atrair o do telespectador;<br />
b) o coor<strong>de</strong>nador do posto é o segundo filtro. Ele avalia a<br />
oferta do produtor e, se aceita, tenta “vendê-la” à<br />
coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> reportagem;<br />
c) a coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> reportagem tem autonomia para <strong>de</strong>cidir<br />
sobre a oferta ou modificar o enfoque proposto. Se aceita,<br />
negocia com o coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo e dá retorno ao<br />
posto, combinando momento <strong>de</strong> entra<strong>da</strong>, conteúdo e<br />
duração do flash;<br />
d) aceita a oferta, o coor<strong>de</strong>nador avisa ao narrador, dita-lhe<br />
um texto para introduzi-la e programa a entra<strong>da</strong>, orientando<br />
a diretora <strong>de</strong> imagens no corte para a câmera que fará o<br />
flash. A diretora combina o enquadramento <strong>da</strong> cena com o<br />
colega do posto, que orienta seu câmera. Ele tem que estar
imediatas.<br />
174<br />
informado do que o repórter vai fazer e dizer: não há edição<br />
no flash e as imagens <strong>de</strong>vem entrar casa<strong>da</strong>s com o texto.<br />
Essa negociação se processa em poucos minutos e exige <strong>de</strong>cisões<br />
O pessoal <strong>da</strong> externa cobra rapi<strong>de</strong>z dos companheiros do switch, pois é<br />
o mais diretamente pressionado pelo ritmo <strong>da</strong> romaria. Segundo o editor Jorge<br />
Herberth Ferreira, coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> posto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1996, é comum que romeiros<br />
não queiram interromper ou retar<strong>da</strong>r sua participação na procissão para <strong>da</strong>r<br />
entrevistas. Também é muito difícil romper a multidão para levar entrevistados<br />
ao alcance <strong>da</strong> câmera. Isso explica a postura <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> rua pelo corte do<br />
comentário, <strong>de</strong> fácil retoma<strong>da</strong>, para mostrar o flash com o promesseiro.<br />
Para que essa dramática aceleração <strong>da</strong>s etapas <strong>de</strong> captação, seleção e<br />
apresentação se realize sem criar o caos, os jornalistas acionam um mútuo<br />
contrato <strong>de</strong> confiança e mecanismos – os valores/notícia – que lhes permitem<br />
avaliar rapi<strong>da</strong>mente a noticiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do acontecimento. Os conceitos <strong>de</strong> Wolf<br />
(1987), embora pensados em função do noticiário e não <strong>de</strong> um evento <strong>de</strong><br />
exceção como o <strong>Círio</strong>, são aplicáveis no caso em estudo, pois se trata <strong>de</strong> uma<br />
intervenção tipicamente jornalística na transmissão. Diz o autor:<br />
A noticiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> é constituí<strong>da</strong> pelo conjunto <strong>de</strong> requisitos que se exigem<br />
dos acontecimentos – do ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> estrutura do trabalho nos órgãos <strong>de</strong><br />
informação e do ponto <strong>de</strong> vista do profissionalismo dos jornalistas – para<br />
adquirirem a existência pública <strong>de</strong> notícias. Tudo o que não correspon<strong>de</strong> a esses<br />
requisitos é “excluído”, por não ser a<strong>de</strong>quado às rotinas produtivas e aos cânones<br />
<strong>da</strong> cultura profissional (Wolf, 1987:168).<br />
Os valores/notícia são uma componente <strong>da</strong> noticiabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. São critérios<br />
<strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> um fato para que ele possa ou não ser transformado em notícia
e também linhas-guia para a apresentação do material, <strong>de</strong>terminando inclusive<br />
a hierarquização <strong>da</strong>s informações no relato final:<br />
175<br />
Os valores/notícia são quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos acontecimentos, ou <strong>da</strong> sua<br />
construção jornalística, cuja presença ou cuja ausência os recomen<strong>da</strong> para serem<br />
incluídos num produto informativo. Quanto mais um acontecimento exibe essas<br />
quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, maiores são as suas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser incluído. (Golding, Elliot,<br />
1979, apud Wolf, 1987:174).<br />
A interiorização e o compartilhamento no grupo <strong>de</strong>sses valores/notícia<br />
permitem que a seleção possa ser rotiniza<strong>da</strong>, simplificando o processo, que se<br />
<strong>de</strong>senrola sob a pressão do tempo. Por isso os critérios <strong>de</strong>vem ser fácil e<br />
rapi<strong>da</strong>mente aplicáveis. Os valores/notícia são dinâmicos, se alteram no tempo.<br />
Em respeito à síntese, abstenho-me <strong>de</strong> listá-los aqui, lembrando apenas que<br />
Wolf (1987) cita a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> imagens significativas que um fato oferece<br />
como um valor/notícia na informação televisual.<br />
Ren<strong>de</strong> imagem? e Que imagens ren<strong>de</strong>?, são in<strong>da</strong>gações recorrentes na<br />
rotina do telejornalismo transpostas para a transmissão do <strong>Círio</strong>, que se<br />
organiza sobre o forte peso espetacular <strong>da</strong>s imagens. Uma fala exemplar:<br />
Meu primeiro critério para avaliar o que o produtor oferece é se tem uma<br />
imagem muito boa, que atraia o olhar (grifo meu) e que geralmente é garanti<strong>da</strong><br />
pelo inusitado <strong>da</strong> promessa, do aspecto do <strong>de</strong>voto. O segundo é uma boa e<br />
comovente história <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> que o leva a estar ali, mesmo que a promessa que ele<br />
carrega seja comum, como o barco, a cruz ou a roupa <strong>de</strong> anjinho. (Ferreira, 2001).<br />
Os valores/notícia do cotidiano do telejornalismo, transpostos para a<br />
transmissão, juntam-se aos que correspon<strong>de</strong>m ao roteiro imaginado para o<br />
evento como, essencialmente, um gran<strong>de</strong> acontecimento mediático, presidido<br />
por uma lógica espetacular. Eles guiam o jornalista na busca <strong>de</strong> extrair <strong>da</strong><br />
romaria e do cast <strong>de</strong> promesseiros o que melhor traduza estereótipos<br />
liminarmente aceitos a respeito do <strong>Círio</strong>: imagens e histórias <strong>de</strong> fé, emoção,
sacrifício, gratidão, conciliação e permanência <strong>da</strong>s tradições <strong>da</strong> festa, que é<br />
paraense e grandiosa.<br />
176<br />
Como se verifica, durante a transmissão direta do <strong>Círio</strong> há uma ca<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> filtros, que remetem ao conceito do gatekeeping, processo pelo qual as<br />
mensagens passam por uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões até chegarem ao <strong>de</strong>stinatário.<br />
Quem toma as <strong>de</strong>cisões é o gatekeeper, termo introduzido pelo psicólogo<br />
social Kurt Lewin, em 1947, e que entrou para o jornalismo num estudo <strong>de</strong><br />
caso <strong>de</strong> David White (1993). Para ele, o processo <strong>de</strong> produção <strong>da</strong> informação é<br />
uma série <strong>de</strong> escolhas, on<strong>de</strong> o fluxo <strong>de</strong> notícias passa por diversos portões<br />
(gates), áreas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão on<strong>de</strong> o jornalista seleciona a notícia que vai ser<br />
publica<strong>da</strong> ou não.<br />
Para White, o processo <strong>de</strong> seleção é subjetivo e arbitrário, com gran<strong>de</strong><br />
influência <strong>de</strong> juízos <strong>de</strong> valor baseados em experiências, atitu<strong>de</strong>s e expectativas<br />
do gatekeeper. Também Wolf (1987:162-164), no conceito <strong>de</strong> distorção<br />
involuntária, contempla o conjunto <strong>de</strong> distorções inconscientes que faz com que<br />
o jornalista realce <strong>de</strong>terminados aspectos <strong>da</strong> representação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social.<br />
Mas a linha inaugura<strong>da</strong> por White teve outras contribuições que alargaram o<br />
enfoque, inclusive realçando o aspecto <strong>da</strong>s normas ocupacionais terem<br />
precedência sobre as preferências pessoais na hora <strong>da</strong> filtragem <strong>de</strong> notícias. 58<br />
O trabalho <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> imagens é particularmente importante na<br />
transmissão ao vivo. Ela realiza filtragens e também consi<strong>de</strong>ra os<br />
valores/notícia, naturalmente observando as regras <strong>de</strong> sua própria gramática e<br />
sofrendo o constrangimento técnico-operacional <strong>da</strong>s condições <strong>de</strong> trabalho na
ua, no meio <strong>da</strong> multidão. Mesmo quando estão trabalhando em cima <strong>de</strong><br />
praticáveis, os repórteres cinematográficos têm dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s para estabilizar<br />
imagens, por causa do empurra-empurra. Várias vezes, durante a transmissão,<br />
os técnicos são acionados para solucionar problemas nos equipamentos. O<br />
mais grave aconteceu logo no início <strong>da</strong> transmissão, quando os equipamentos<br />
do posto <strong>da</strong> Sé foram completamente <strong>de</strong>sligados por problema técnico.<br />
Também no posto <strong>da</strong> Sé, pouco antes <strong>da</strong> saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> romaria, o repórter Plácido<br />
Ramos, ao tentar entrevistar promesseiros <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, foi empurrado pela<br />
multidão, caiu e per<strong>de</strong>u o microfone, o que provocou cancelamento do flash<br />
programado para ir ao ar.<br />
177<br />
Até chegar ao telespectador, a imagem passa por muitos olhares. O<br />
primeiro é o do repórter cinematográfico, o mais próximo do acontecimento. Só<br />
quem fala com ele é o diretor do posto, que faz contatos com o coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong><br />
jornalismo e a diretora geral. Ele recebe na mesa <strong>de</strong> corte as imagens (já<br />
filtra<strong>da</strong>s pelo olhar do repórter cinematográfico) <strong>da</strong>s várias câmeras <strong>de</strong> sua<br />
área e, ou man<strong>da</strong> um preview com to<strong>da</strong>s, ou, se a pressão do tempo é muito<br />
gran<strong>de</strong>, faz um novo filtro, selecionando a que vai man<strong>da</strong>r para o switch. A<br />
emulação com as emissoras concorrentes e entre a própria equipe se traduz na<br />
cobrança <strong>da</strong>s melhores imagens, apesar <strong>da</strong> fadiga. Benedito Barbosa, diretor<br />
<strong>de</strong> posto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1979, testa sempre o filtro do cameraman:<br />
No caminhão <strong>de</strong> externa não vejo o que o cinegrafista está vendo. Não sei<br />
se na frente <strong>de</strong>le, atrás, do lado, tem algo que dá para mostrar. Se mando <strong>da</strong>r um<br />
giro <strong>de</strong> 80, 90 graus, tem imagens belíssimas perto <strong>de</strong>le. Às vezes acontece isso.<br />
Aí quando eles ro<strong>da</strong>m, eu digo 'olha, passou, pega aquela imagem pra mim'.<br />
(Barbosa, 2001)<br />
58 Nesse particular, lembro que a inscrição religiosa <strong>de</strong> jornalistas pertencentes a <strong>de</strong>nominações<br />
evangélicas – que na época do <strong>Círio</strong> inclusive fazem campanha contra o culto mariano - não impe<strong>de</strong><br />
que se empenhem na transmissão, vários <strong>de</strong>les exercendo suas funções com particular entusiasmo.
178<br />
O diretor do posto, num primeiro nível, e, finalmente, a diretora geral, ao<br />
lado do coor<strong>de</strong>nador <strong>da</strong> transmissão, organizam o fluxo <strong>de</strong> imagens ofertado<br />
pelas câmeras em uma narrativa que <strong>de</strong>ve manter a coerência possível com o<br />
<strong>de</strong>senrolar do evento e com a fala do narrador e dos comentaristas. A diretora<br />
vê nove imagens simultaneamente e as seleciona pela quali<strong>da</strong><strong>de</strong> (é difícil que<br />
não esteja trêmula, pelo tumulto <strong>da</strong> multidão), e pela a<strong>de</strong>quação ao texto<br />
(quando consigo ouvi-lo. Na hora dos fogos, ninguém se escuta). Ela usa<br />
basicamente fusão e corte, recorrendo hoje em dia bem menos ao slow motion<br />
(nas músicas), que consi<strong>de</strong>ra um tanto banalizado pelo uso excessivo. Sua<br />
hierarquia particular contempla, pela or<strong>de</strong>m, takes <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>, cor<strong>da</strong>, carros <strong>de</strong><br />
promessas, ban<strong>da</strong>s e as saca<strong>da</strong>s do trajeto. Tudo entremeado com os<br />
promesseiros e com <strong>de</strong>talhes <strong>da</strong> romaria.<br />
O plano fechado, close e big close permitem que o telespectador tenha a<br />
fruição dos <strong>de</strong>talhes, um privilégio <strong>de</strong> quem assiste ao evento pela TV. Os<br />
<strong>de</strong>talhes são especialmente cobrados pelo coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo para<br />
preencher os “buracos” e <strong>da</strong>r ritmo. São um gran<strong>de</strong> componente do espetáculo,<br />
ao <strong>de</strong>vassar e expor a emoção dos <strong>de</strong>votos.<br />
Há alternância entre planos abertos e fechados. O plano médio é o mais<br />
usado para mostrar a berlin<strong>da</strong>. O plano aberto ou geral mostra a gran<strong>de</strong>za <strong>da</strong><br />
romaria. O <strong>de</strong>voto é muito usado em big close, principalmente se reza ou<br />
chora. O olhar dos <strong>de</strong>votos também funciona como um ponto <strong>de</strong> vista para, a<br />
partir <strong>de</strong>le, se mostrar a berlin<strong>da</strong>, os fogos, a cor<strong>da</strong>. E, como dizem Dayan e<br />
Katz (1999:114): Os espectadores são convi<strong>da</strong>dos a habitar o acontecimento<br />
através <strong>da</strong> mediação do público assistente, vendo através dos olhos <strong>da</strong>queles<br />
que estão diretamente envolvidos.
179<br />
Os diretores procuram “limpar” a imagem <strong>de</strong> propagan<strong>da</strong> e outros<br />
elementos que interfiram na composição <strong>da</strong> imagem, orientando o<br />
enquadramento dos câmeras, mas às vezes há vazamentos: a transmissão se<br />
realiza em período pré-eleitoral e dois romeiros aparecem no ví<strong>de</strong>o, em<br />
momentos diferentes, com camisa e ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> candi<strong>da</strong>tos, provocando<br />
reclamações no switch. Outra interferência impossível <strong>de</strong> evitar acontece<br />
durante entrevista do arcebispo no CAN, quando pessoas passam em frente à<br />
câmera, <strong>de</strong>struindo o enquadramento.<br />
Ao analisar a transmissão direta, Eco (1991:189) mostra a embaraçosa<br />
situação do diretor <strong>de</strong> televisão, obrigado a i<strong>de</strong>ntificar as fases lógicas <strong>da</strong><br />
experiência quando ain<strong>da</strong> são cronológicas. Não há nenhuma racionali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
que lhe permita adivinhar a configuração seguinte <strong>da</strong> cena. Suas <strong>de</strong>cisões são<br />
toma<strong>da</strong>s no momento mesmo em que se dá o evento. O autor assinala que:<br />
Ao movimentar as câmeras segundo um interesse, <strong>de</strong> certo modo o diretor<br />
<strong>de</strong>ve inventar o evento no mesmo momento em que ele <strong>de</strong> fato acontece, e <strong>de</strong>ve<br />
inventá-lo <strong>de</strong> modo que seja idêntico àquilo que realmente acontece; paradoxo à<br />
parte, <strong>de</strong>ve intuir e prever o lugar e o instante <strong>da</strong> nova fase <strong>de</strong> seu enredo. Sua<br />
operação artística tem, portanto, um limite <strong>de</strong>sconcertante, mas ao mesmo tempo<br />
sua atitu<strong>de</strong> produtiva, se eficaz, tem sem dúvi<strong>da</strong> uma quali<strong>da</strong><strong>de</strong> nova; e po<strong>de</strong>mos<br />
<strong>de</strong>fini-la como uma peculiaríssima congeniali<strong>da</strong><strong>de</strong> com os eventos, uma forma <strong>de</strong><br />
hipersensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> intuitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (mais vulgarmente, <strong>de</strong> “faro”) que lhe permita<br />
crescer com o evento, acontecer com o acontecimento” (Eco, 1991:190).<br />
Nesse inventar o evento enquanto ele acontece, a diretora <strong>de</strong> imagens e<br />
o coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo <strong>da</strong> transmissão trabalham lado a lado e em<br />
sintonia, mas ela tem autonomia garanti<strong>da</strong> pela experiência na função <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
1992. Tem um olhar curioso e atento, para o qual a romaria ain<strong>da</strong> não se<br />
naturalizou, e sempre que po<strong>de</strong> tenta escapar do simples registro, construindo<br />
seqüências, testando ângulos novos, narrando.
180<br />
Mas assegurar a coerência narrativa à transmissão é tarefa do<br />
coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo por excelência. Ele age e reage em função do<br />
acontecimento <strong>de</strong> referência. Tem seu estoque <strong>de</strong> soluções e interferências<br />
que lhe permitem interpretar, construindo um espetáculo televisual, sem per<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> vista convenções como a <strong>da</strong> verossimilhança, o hábito do verossímil<br />
segundo a opinião corrente que, na opinião <strong>de</strong> Eco (1991:198), fun<strong>da</strong>menta o<br />
nexo mais fácil e imediato <strong>de</strong> se construir na veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> transmissão ao<br />
vivo:<br />
Justamente por estar em contato imediato com a vi<strong>da</strong> como casuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a<br />
transmissão direta é induzi<strong>da</strong> a dominá-la, recorrendo ao gênero <strong>de</strong> organização<br />
mais tradicionalmente esperável, o do tipo aristotélico, regido por aquelas leis <strong>de</strong><br />
casuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> que são, afinal, as leis <strong>da</strong> verossimilhança. (Eco, 1991:<br />
195).<br />
Prossegue o autor:<br />
A interpretação <strong>de</strong> um fato que nos acontece e ao qual <strong>de</strong>vemos<br />
respon<strong>de</strong>r imediatamente – ou que precisamos imediatamente <strong>de</strong>screver,<br />
transmitindo-o com a câmera <strong>de</strong> televisão – é um dos casos típicos em que as<br />
convenções usuais ain<strong>da</strong> resultam as mais apropria<strong>da</strong>s. (Eco, 1991: 199).<br />
Não existe nenhuma pesquisa qualitativa sobre a transmissão do <strong>Círio</strong><br />
ou uma pesquisa <strong>de</strong> recepção com os telespectadores <strong>da</strong> TV Liberal, mas a<br />
intuição e a experiência dos realizadores e o retorno obtido <strong>da</strong> audiência por<br />
telefonemas e e-mail indicam que a audiência prefere uma interpretação do<br />
<strong>Círio</strong> organiza<strong>da</strong> sobre parâmetros <strong>da</strong> narração tradicional.<br />
Nessa narração, a transmissão <strong>da</strong> TV pren<strong>de</strong>-se principalmente aos<br />
aspectos religiosos e culturais do <strong>Círio</strong>, e, quando mostra um pouco <strong>da</strong> festa<br />
profana que se <strong>de</strong>senrola no entorno <strong>da</strong> romaria, essas “fugas” do tema central<br />
são prontamente contextualiza<strong>da</strong>s como acontecimentos marginais pelo
epórter ou pelo narrador, restituindo-se assim a linha central <strong>de</strong><br />
verossimilhança e cortando-se a possível estranheza provoca<strong>da</strong> por flashes<br />
como o que mostra um casal <strong>da</strong>nçando brega na calça<strong>da</strong> após a passagem <strong>da</strong><br />
berlin<strong>da</strong> (ao vivo) e a jogatina na praça <strong>da</strong> República (pré-gravado).<br />
181<br />
O coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo é senhor e refém do tempo. Ele <strong>de</strong>termina<br />
o ritmo do <strong>Círio</strong> eletrônico, mas age em função <strong>da</strong>s estimativas do <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> rua.<br />
Aos olhos do público, é o narrador a voz <strong>da</strong> transmissão, que orquestra o coro<br />
<strong>de</strong> repórteres e personagens que se suce<strong>de</strong>m no ví<strong>de</strong>o, mas, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, as<br />
participações, inclusive do próprio narrador, são regi<strong>da</strong>s pelo coor<strong>de</strong>nador. Ele<br />
não interfere tanto na escolha <strong>da</strong>s imagens e nas toma<strong>da</strong>s do helicóptero, que<br />
são negocia<strong>da</strong>s diretamente entre o supervisor e a diretora, mas dá a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
entra<strong>da</strong> inclusive dos comerciais <strong>da</strong> transmissão.<br />
O coor<strong>de</strong>nador trabalha com o roteiro na mão, dosando as entra<strong>da</strong>s em<br />
função do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> romaria. No etapa inicial, cheia <strong>de</strong><br />
acontecimentos como o atrelamento <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> e as homenagens, poupa o<br />
material pré-gravado e as entra<strong>da</strong>s <strong>de</strong> outros postos. A priori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> flash é<br />
sempre para o repórter mais próximo <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> ou <strong>de</strong> algum fato relevante,<br />
mas nem sempre isso é possível, pois, além do eventual problema técnico, a<br />
multidão cria problemas operacionais. Isso ocorre em vários momentos, como<br />
na que<strong>da</strong> dos equipamentos do posto <strong>da</strong> Sé, quando o hino do <strong>Círio</strong> substituiu<br />
a entra<strong>da</strong> do repórter. Outro exemplo: olhando os monitores, a equipe do<br />
switch <strong>de</strong>scobre uma famosa atriz <strong>de</strong> TV na multidão e aciona o repórter mais<br />
próximo, mas ela <strong>de</strong>saparece na romaria e ele faz o flash com uma senhora <strong>de</strong><br />
100 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, que aproveita para convidá-lo para o almoço do <strong>Círio</strong>.
182<br />
O momento exemplar do acaso e do improviso que marcam as<br />
transmissões ao vivo é provocado pela cor<strong>da</strong>. A equipe que a acompanha não<br />
está linca<strong>da</strong>, mas é a única a acompanhar a negociação sobre o <strong>de</strong>stino <strong>da</strong><br />
cor<strong>da</strong>, que a Igreja <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> levar junto com a berlin<strong>da</strong> até o fim. O repórter<br />
informa a re<strong>da</strong>ção pelo celular. O coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> colocá-lo<br />
no ar mas não há entra<strong>da</strong> para ele na mesa <strong>de</strong> áudio. Isso é solucionado pela<br />
eliminação do posto <strong>da</strong> Sé. O coor<strong>de</strong>nador quer que o repórter converse com o<br />
narrador, mas ele não tem retorno, logo não po<strong>de</strong> ouvi-lo. Isso se torna<br />
possível <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nova operação técnica, jogando o áudio <strong>da</strong> programação<br />
para o celular.<br />
A entra<strong>da</strong> do repórter, em off, é uma vitória do jornalismo contra as<br />
adversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> transmissão, que ganha a instantanei<strong>da</strong><strong>de</strong> e a mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> tdo<br />
rádio. Ele <strong>de</strong>screve a negociação em torno <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> e o<br />
empenho do bispo-auxiliar junto aos promesseiros. A partir <strong>de</strong> então, o repórter<br />
volta diversas vezes à transmissão.<br />
A oferta <strong>de</strong> imagens e, consequentemente, a margem <strong>de</strong> escolha, vai<br />
sendo reduzi<strong>da</strong> à medi<strong>da</strong> que são <strong>de</strong>sativados os postos, o que acontece<br />
quando não “ren<strong>de</strong>m” mais, ou seja, quando a romaria já se distanciou <strong>de</strong>les.<br />
Essa <strong>de</strong>cisão é toma<strong>da</strong> pelo coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo, que muitas vezes a<br />
retar<strong>da</strong> se há algum problema com a captação <strong>de</strong> imagens em outros postos.<br />
Primeiro, é liberado o pessoal do jornalismo e o pessoal <strong>da</strong> técnica permanece<br />
mais um pouco no posto, com as câmeras liga<strong>da</strong>s, até que seja consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong><br />
esgota<strong>da</strong> totalmente a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> imagens.<br />
Quando a transmissão conta com poucos postos e se prolonga por<br />
muitas horas, como em 2000, a TV luta com a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> equilibrar a
narrativa apenas com os dois postos finais, o <strong>da</strong> emissora e o do CAN, com um<br />
“buraco” entre eles, quando não consegue mais focalizar a berlin<strong>da</strong>. Para que<br />
se tenha uma idéia <strong>de</strong>ssa dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>, quando ocorre o segundo “buraco”, a<br />
berlin<strong>da</strong> sai do ví<strong>de</strong>o às 13h05 e só volta às 14h15.<br />
183<br />
Nesse intervalo, a participação do repórter do celular é muito importante.<br />
Suas informações sobre o que acontece nas imediações <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong> e <strong>da</strong> cor<strong>da</strong><br />
"esquentam" a transmissão, embora a TV não possa complementá-las com<br />
imagens pela falta <strong>de</strong> câmeras no ponto do trajeto que está sendo percorrido<br />
pela imagem <strong>da</strong> Santa. Outro recurso é colocar no ar as artes elabora<strong>da</strong>s pela<br />
mídia digital para informar a localização <strong>da</strong> berlin<strong>da</strong>.<br />
A preocupação com o tempo se instala no switch, on<strong>de</strong> o assunto<br />
começou a ser discutido às 10h39, quando o supervisor <strong>de</strong> programação<br />
acertou com o diretor <strong>de</strong> Tecnologia uma solução possível, que seria gravar o<br />
programa <strong>da</strong> Xuxa e exibi-lo mais adiante, cortando trechos para alinhar <strong>de</strong><br />
novo a programação <strong>da</strong> Liberal com a <strong>da</strong> Globo. É possível usar <strong>de</strong>sse artifício<br />
para cobrir até uma hora e meia <strong>de</strong> <strong>de</strong>fasagem, mas já se antecipava que seria<br />
difícil.<br />
O tempo é o eixo central do jornalismo, que vive a pressão diária do<br />
<strong>de</strong>adline, mas, no <strong>Círio</strong>, a equipe vive a tensão entre o tempo racionalizado e<br />
compartimentalizado <strong>da</strong> TV, ditado pela gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação, e o tempo<br />
sagrado do ritual <strong>de</strong> rua. Para se ter uma idéia <strong>da</strong> extensão <strong>da</strong> romaria, o início<br />
<strong>de</strong>la chegou ao ponto final às 10 horas, quando ain<strong>da</strong> se discutia a questão <strong>da</strong><br />
cor<strong>da</strong>, que estava quase no início do trajeto. Os jornalistas, que controlam o<br />
tempo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> mostra<strong>da</strong> nos telejornais, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> inflexibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
lógica dita<strong>da</strong> pela mídia, estão agora à mercê <strong>de</strong> um acontecimento que
escapa à essa lógica: nenhum expediente narrativo reduz a duração temporal,<br />
que é a do acontecimento transmitido (Eco, 1991).<br />
comenta:<br />
184<br />
Num ensaio sobre o tempo na produção <strong>de</strong> notícias, Schlesinger (1993)<br />
Mas o conceito do tempo do jornalista é mais do que uma simples<br />
resposta aos constrangimentos colocados pelo ciclo <strong>de</strong> produção do sistema<br />
noticioso. Tem um tipo <strong>de</strong> caráter fetichista. O imediatismo po<strong>de</strong> ser aceite como<br />
uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira virtu<strong>de</strong>. (Schlesinger,1993:189)<br />
O imediatismo - cujo tipo puro está na transmissão ao vivo - no caso <strong>da</strong><br />
cobertura do <strong>Círio</strong> pela TV Liberal está condicionado pelos compromissos com<br />
a gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação <strong>da</strong> TV Globo. A TV Globo conce<strong>de</strong> autorização<br />
excepcional para que sua afilia<strong>da</strong> paraense corte a programação nacional e<br />
transmita a romaria, levando em conta sua importância para o Estado, mas o<br />
corte não po<strong>de</strong> ultrapassar quatro horas.<br />
Às 13h30, os diretores <strong>da</strong> TV conferenciam no switch. A situação é<br />
grave, porque, além dos programas <strong>da</strong> re<strong>de</strong>, comerciais <strong>de</strong> veiculação nacional<br />
não estão sendo exibidos, o que provoca per<strong>da</strong>s financeiras. É uma subversão<br />
<strong>da</strong> gra<strong>de</strong> jamais vista. A questão vai ter que ser negocia<strong>da</strong> em outro nível. O<br />
superinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>da</strong>s ORM, Fernando Nascimento, vai<br />
aos proprietários do grupo e eles entram em contato com diretores <strong>da</strong> TV<br />
Globo. A <strong>de</strong>cisão, anuncia<strong>da</strong> às 15h22, é seguir com a transmissão até o início<br />
do futebol nacional, que entra no ar às 16h48 (HBV), um problema adicional<br />
para a transmissão, porque Belém está fora do horário <strong>de</strong> verão. O diretor <strong>de</strong><br />
Tecnologia comenta que está se tornando inviável transmitir o <strong>Círio</strong> o dia todo.<br />
Outras emissoras po<strong>de</strong>m, nós não. Vários profissionais prevêem transmissões<br />
futuras feitas apenas <strong>de</strong> flashes ou melhores momentos do <strong>Círio</strong>, mas, naquele
instante, o que eles gostariam mesmo era <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r chegar ao final junto com a<br />
berlin<strong>da</strong>:<br />
185<br />
Por mais que a gente trabalhe, já está tão acostumado com isso e<br />
sabe que é uma vez por ano, a gente brinca muito entre nós, às vezes reclama um<br />
pouco, mas quando se diz 'vamos acabar a transmissão', ninguém quer. As<br />
pessoas estão cansadíssimas, tem gente que não dormiu, mas ninguém quer abrir<br />
mão <strong>de</strong> estar ali, até o final (Coutinho, 2001).<br />
Às 15h30m, a coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> reportagem avisa o posto do CAN que<br />
vai haver corte <strong>da</strong> transmissão. Entre os profissionais, há uma gran<strong>de</strong><br />
expectativa para que a berlin<strong>da</strong> chegue o mais perto possível do alcance <strong>da</strong>s<br />
câmeras do posto. Se isso não acontecer a tempo, a solução será mostrar o<br />
final <strong>da</strong> romaria em um flash pré-gravado, no intervalo do futebol, <strong>de</strong>cisão<br />
recebi<strong>da</strong> sem nenhum entusiasmo. Para a maioria dos que estão ali, trabalhar<br />
na transmissão parece já ter se tornado uma forma <strong>de</strong> participar do <strong>Círio</strong>:<br />
Somos o outro lado do <strong>Círio</strong>. É um dos poucos dias em que a re<strong>da</strong>ção<br />
realmente se irmana. Existe um objetivo que não é técnico, mas cultural e até<br />
mesmo religioso. É nossa forma <strong>de</strong> participar, <strong>de</strong> pagar promessa. Não sei porque<br />
isso ocorre, é como se fosse uma coisa especial. É como se a gente estivesse<br />
fazendo um trabalho para Nossa Senhora, como se acompanhasse outro <strong>Círio</strong><br />
(Faria, 2001).<br />
Às 15h41, o narrador começa a encerrar a transmissão. O helicóptero<br />
bateu a antena ao pousar e não será recuperado a tempo <strong>de</strong> mostrar o CAN<br />
lotado. Às 15h47min30s a transmissão termina, apressa<strong>da</strong>mente. Às 16 horas<br />
o switch se esvazia, com a equipe alivia<strong>da</strong>, apesar <strong>de</strong> tudo, por ter conseguido<br />
mostrar a berlin<strong>da</strong> perto do ponto final.
7<br />
CONSIDERAÇÕES<br />
FINAIS<br />
186
187<br />
Como fato social-religioso, o <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> tem ritual específico, sua<br />
gramática é a do ritual religioso. Ele nasce como espetáculo, uma procissão<br />
barroca que per<strong>de</strong> muitos elementos <strong>de</strong> atração do olhar no século XX, mas<br />
hoje, em compensação, insere-se na or<strong>de</strong>m do grandioso e do extraordinário .<br />
A partir <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> em cena <strong>da</strong> TV, o <strong>Círio</strong> passa a existir num duplo<br />
cenário: num primeiro, ele se <strong>de</strong>senvolve no espaço geográfico <strong>da</strong> rua, no qual<br />
a gramática midiática não opera. Ao transmiti-lo ao vivo, a TV transporta-o para<br />
o outro cenário, o <strong>da</strong> esfera midiática, no qual o reconstrói sob a égi<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas<br />
leis.<br />
Sem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> interferir no espetáculo <strong>de</strong> referência, a TV constrói seu<br />
próprio espetáculo, que não é especular, porém uma interpretação do evento,<br />
na qual, além do olhar dos realizadores, operam fatores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m técnica,<br />
estética e temporal.<br />
O espetáculo <strong>da</strong> TV é condicionado por seus meios técnicos e isso<br />
<strong>de</strong>termina escolhas e enfoques do Departamento <strong>de</strong> Jornalismo, preservando-<br />
se um roteiro básico que privilegia, na oferta <strong>de</strong> sentido à audiência, o que é<br />
consi<strong>de</strong>rado essencial/tradicional na romaria. A TV não entra em confronto com<br />
o <strong>Círio</strong> <strong>da</strong> rua, no qual as adições que insere - como as reportagens sobre os<br />
círios portugueses e os roteiros <strong>da</strong> fé na Terra Santa - po<strong>de</strong>m ser vistas como<br />
extensões.
188<br />
É um espetáculo a meio-termo entre o acontecimento midiático e a<br />
cobertura jornalística. Enquadra-se nas principais características do primeiro,<br />
conforme estabeleci<strong>da</strong>s por Dayan e Katz (1999), mas, ao contrário do que<br />
acontece em cerimônias cita<strong>da</strong>s pelos autores, quando fatos que fogem ao<br />
roteiro, como distúrbios, são noticiados apenas após encerrado o evento, o<br />
jornalismo tem sido ca<strong>da</strong> vez mais presente na transmissão do <strong>Círio</strong>,<br />
quebrando o tom cerimonial. Isso po<strong>de</strong> ser encarado como uma forte<br />
sinalização <strong>de</strong> que a TV tenta conduzir a representação do evento ca<strong>da</strong> vez<br />
mais no registro jornalístico, o que lhe permite maior autonomia pelo uso <strong>da</strong>s<br />
regras <strong>de</strong> seu próprio campo, e maior margem <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> sua<br />
representação do <strong>Círio</strong>, distanciando-se ca<strong>da</strong> vez mais do evento <strong>de</strong> referência<br />
para criar o que o diretor <strong>de</strong> Jornalismo <strong>da</strong> TV Liberal, Emanuel Villaça, chama<br />
<strong>de</strong> Tecno<strong>Círio</strong>: espetáculo, informação e tecnologia em altas doses.<br />
Nas fitas <strong>da</strong>s transmissões e no relato <strong>da</strong> observação na TV verifica-se<br />
que o <strong>Círio</strong> é enfocado sob critérios <strong>de</strong> noticiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> usados no telejornalismo,<br />
mas permeados pela busca do espetacular. Existe um enquadramento padrão<br />
do evento, no qual o sagrado sempre prevalece e o profano é praticamente<br />
invisível. Entre os estereótipos liminarmente aceitos estão a fé, a emoção, a<br />
gratidão, a conciliação e as tradições <strong>da</strong> festa.<br />
Esses estereótipos são expressos pela multidão, em plano aberto, e<br />
pelos promesseiros, no close e no big close. Ao lado do papel informativo,<br />
entrevistando autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s, membros <strong>da</strong> hierarquia <strong>da</strong> Igreja, organizadores e<br />
pessoal <strong>da</strong> infra-estrutura do evento, a TV reserva lugar especial para a fala<br />
dos promesseiros. Eles se <strong>de</strong>stacam na multidão por comportamentos, trajes<br />
ou objetos que os i<strong>de</strong>ntificam como miraculados, testemunhos dos po<strong>de</strong>res
salvíficos <strong>da</strong> Virgem <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, e uma <strong>da</strong>s principais tarefas <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong><br />
rua é levá-los para a frente <strong>da</strong>s câmeras.<br />
189<br />
A TV, que não participa <strong>da</strong> organização do evento, ressente-se<br />
especialmente <strong>da</strong> inusita<strong>da</strong> situação <strong>de</strong> ter que abrir mão <strong>de</strong> seu ritmo,<br />
caracterizado pela veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> e pela novi<strong>da</strong><strong>de</strong>, para se a<strong>de</strong>quar ao ritmo<br />
próprio <strong>da</strong> esfera do ritual religioso.<br />
No caso do <strong>Círio</strong>, a TV usa expedientes narrativos para tentar conviver<br />
com o tempo <strong>da</strong> celebração, que não domina. A TV Liberal vive, no <strong>Círio</strong>, a<br />
contradição <strong>de</strong> assumir, editorialmente, a <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong>s tradições, principalmente<br />
a cor<strong>da</strong>, enquanto conta os segundos que a separam do <strong>de</strong>adline .<br />
Esse mal estar se torna explícito no encerramento precipitado <strong>da</strong><br />
transmissão do <strong>Círio</strong> 2000, quando o discurso do narrador <strong>da</strong> transmissão<br />
revela os compromissos <strong>da</strong> emissora com a programação nacional e admoesta<br />
a diretoria quanto à duração <strong>da</strong> romaria, tentando fazer com que ela atente<br />
para um problema que, a rigor, é <strong>de</strong> economia interna <strong>da</strong> TV.<br />
Diversos autores apontam para o po<strong>de</strong>r que a TV teria <strong>de</strong> impor sua<br />
lógica aos espetáculos que vai registrando. O casamento do Príncipe Charles e<br />
Lady Di, em 1981, tornou-se um paradigma <strong>de</strong> cerimônia formata<strong>da</strong> para a<br />
televisão. Eco (1984:198-199) faz uma irônica leitura <strong>da</strong>s bo<strong>da</strong>s<br />
televisiona<strong>da</strong>s, on<strong>de</strong> o vestido <strong>da</strong> noiva foi criado para ser visto <strong>de</strong> cima e os<br />
cavalos <strong>da</strong> realeza foram medicados para que seu esterco ficasse com uma cor<br />
telegênica. Esse seria um exemplo extremo <strong>de</strong> evento "falso" no nascedouro,<br />
em que na<strong>da</strong> podia ser confiado ao acaso, tudo era dominado pela transmissão<br />
<strong>da</strong> tevê, na Londres produzi<strong>da</strong> como um estúdio.
190<br />
No Brasil, Farias (1995) e Trigueiro (2001) mostram o estreitamento dos<br />
laços entre a TV e a organização <strong>de</strong> festas como o <strong>de</strong>sfile <strong>da</strong>s escolas <strong>de</strong><br />
samba do Rio <strong>de</strong> Janeiro e o São João <strong>de</strong> Campina Gran<strong>de</strong>, respectivamente.<br />
Ao analisar o rigoroso esquema do <strong>de</strong>sfile no Sambódromo, on<strong>de</strong> a escola<br />
per<strong>de</strong> pontos por minuto <strong>de</strong> atraso, Farias (1995:235) i<strong>de</strong>ntifica na transmissão<br />
televisual o fator incisivo do tipo <strong>de</strong> contratuali<strong>da</strong><strong>de</strong> estética, jurídica e estrutural<br />
presente no relacionamento entre as escolas e outras instâncias do mercado <strong>da</strong><br />
cultura. A TV precisa que o <strong>de</strong>sfile termine às cinco <strong>da</strong> manhã, pois é à noite que<br />
po<strong>de</strong> construir melhor o show. Para o autor, o ajuste entre a narrativa <strong>da</strong> transmissão<br />
<strong>da</strong> TV e o <strong>de</strong>sfile <strong>da</strong>s escolas é tal que assinala a presença <strong>de</strong> um mesmo operador<br />
(lógico e i<strong>de</strong>ológico) atuando na elaboração <strong>da</strong>s performances em ambas instituições.<br />
Em Campina Gran<strong>de</strong>, constata Trigueiro, a TV agen<strong>da</strong> o São João:<br />
<strong>de</strong>termina hora e local <strong>de</strong> realização dos eventos que lhe interessa veicular e<br />
estimula factói<strong>de</strong>s criados pelos organizadores para aten<strong>de</strong>r contratos <strong>de</strong><br />
transmissão ao vivo, como uma mega quadrilha <strong>de</strong> três mil <strong>da</strong>nçarinos e um<br />
casamento coletivo (veiculados em programas <strong>da</strong> TV Globo). Segundo o autor,<br />
os símbolos juninos são confeccionados com materiais próprios para brilhar na<br />
tela <strong>da</strong> TV.<br />
Certamente o <strong>Círio</strong>, como festa pública, pela própria atualização <strong>de</strong> suas<br />
práticas, suas negociações com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e o tempo nos quais se realiza,<br />
não é impermeável à ação <strong>da</strong> mídia, em especial <strong>da</strong> televisão. Sua história<br />
registra a atuação constante <strong>de</strong> instituições do campo <strong>da</strong> mídia, extrapolando o<br />
papel tradicional <strong>de</strong> publicização, para tomar partido, criticar outras instituições<br />
envolvi<strong>da</strong>s, trabalhar na criação <strong>de</strong> climas e influenciar a opinião pública,<br />
abrindo espaço para a polêmica ou mesmo promovendo-a. Enfim, exercendo
um papel em sua construção simbólica. Mas seus limites <strong>de</strong> ação continuam<br />
bastante restritos, se comparados aos casos acima relatados. Melhor dizendo,<br />
verifica-se que há limites para a ação <strong>da</strong> TV a partir do estudo <strong>de</strong> um caso<br />
concreto - o <strong>da</strong> transmissão do <strong>Círio</strong> pela TV Liberal - em oposição à<br />
universali<strong>da</strong><strong>de</strong> com que geralmente é formula<strong>da</strong> a hipótese, encontra<strong>da</strong> em<br />
vários autores, <strong>de</strong> que a TV impõe sua lógica a todos os eventos que veicula,<br />
interferindo em sua organização e produção.<br />
191<br />
Na observação <strong>da</strong> festa e sua transmissão pela TV (nas etapas <strong>de</strong><br />
produção e emissão), na análise <strong>da</strong>s fitas que contêm a série histórica <strong>de</strong>ssa<br />
transmissão <strong>de</strong> 1983 a 2000 (exceto 1986), na pesquisa bibliográfica e nas<br />
entrevistas realiza<strong>da</strong>s, não encontrei evidências <strong>de</strong> um tal entrelaçamento ou<br />
agen<strong>da</strong>mento no <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>.<br />
É importante ressaltar que, tanto no <strong>de</strong>sfile <strong>da</strong>s escolas <strong>de</strong> samba do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro quanto no São João <strong>de</strong> Campina Gran<strong>de</strong>, existe um contrato<br />
financeiro entre a TV e os organizadores dos espetáculos, que auferem lucros<br />
diretos com a ven<strong>da</strong> dos direitos <strong>de</strong> transmissão dos eventos, o que gera<br />
obrigações e abre espaço para negociações mais amplas. Isso representa uma<br />
diferença fun<strong>da</strong>mental entre tais festas e o <strong>Círio</strong>, que <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong><br />
quando se pensa o lugar <strong>da</strong> televisão na romaria paraense. Embora, como foi<br />
dito na introdução, a TV tenha gran<strong>de</strong> interesse financeiro nas receitas<br />
publicitárias advin<strong>da</strong>s do <strong>Círio</strong> e existam interesses <strong>de</strong> natureza simbólica, por<br />
parte <strong>da</strong> diretoria <strong>da</strong> Festa e <strong>da</strong> Igreja, na visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que a TV confere à festa,<br />
não existe pagamento <strong>de</strong> direitos aos organizadores.<br />
Parece pertinente registrar a disposição do governo do Pará <strong>de</strong> investir<br />
no turismo religioso, tendo o <strong>Círio</strong> como principal atração. Com esse interesse,
no ano <strong>de</strong> 2001, segundo noticiário <strong>da</strong> imprensa, um especialista no assunto foi<br />
convi<strong>da</strong>do para observar a festa e elaborar um projeto. Uma medi<strong>da</strong> em<br />
estudo, segundo a reportagem, seria promover romarias permanentes à<br />
Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> (Festa <strong>de</strong>ve virar...,2001, Atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s:10).<br />
192<br />
É precipitado fazer previsões sobre o assunto, mas <strong>de</strong> todo modo é<br />
importante lembrar que o anúncio se dá num quadro nacional <strong>de</strong> resignificação<br />
dos festejos populares, leva<strong>da</strong> a efeito por interesses <strong>da</strong> mídia e do mercado<br />
<strong>de</strong> turismo e entretenimento.<br />
Em todos os procedimentos <strong>de</strong> pesquisa, i<strong>de</strong>ntifiquei, na preparação e<br />
na realização do <strong>Círio</strong>, confrontos, tensões e negociações <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong><br />
diferentes campos, incluído o campo midiático, on<strong>de</strong> a televisão ocupa lugar<br />
privilegiado. Mas também constatei que, uma vez <strong>de</strong>senrolando-se a romaria,<br />
mesmo as instâncias organizadoras e normativas - a Igreja, a diretoria <strong>da</strong> festa<br />
e seu corpo auxiliar - per<strong>de</strong>m o controle pleno <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senrolar e seus<br />
<strong>de</strong>sdobramentos, especialmente no que se refere à movimentação <strong>da</strong> massa<br />
<strong>de</strong> acompanhantes, que <strong>de</strong>termina o tempo <strong>de</strong> duração do <strong>Círio</strong>. A forma<br />
recorrente <strong>de</strong> tentar recuperar, pelo menos parcialmente, esse controle tem<br />
sido através <strong>de</strong> um corte, o corte <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, com o qual se acelera o an<strong>da</strong>mento<br />
<strong>da</strong> romaria.<br />
A observação e vários <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> diretores, jornalistas e técnicos<br />
<strong>da</strong> TV Liberal sinalizam para a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça na<br />
transmissão do <strong>Círio</strong>. O crescimento do <strong>Círio</strong> e <strong>de</strong>mais eventos <strong>da</strong> festa, que<br />
se verifica a ca<strong>da</strong> ano, tem levado a TV a operar, em função <strong>da</strong> transmissão <strong>da</strong><br />
romaria, no limite <strong>de</strong> meios
materiais - pessoal e equipamento - e <strong>de</strong> administração <strong>de</strong> seu problema com a<br />
TV Globo no que diz respeito à quebra <strong>da</strong> gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação.<br />
Informalmente, acena-se com a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> transmitir a romaria apenas<br />
em flashes ou blocos <strong>de</strong> seus principais momentos, como a saí<strong>da</strong>, algumas<br />
homenagens e a chega<strong>da</strong>, parte ao vivo, parte pré-grava<strong>da</strong>.<br />
193<br />
Os ensaios <strong>da</strong> diretoria no sentido <strong>de</strong> a<strong>da</strong>ptações na romaria, o corte<br />
freqüente <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, o anunciado projeto turístico e as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> TV <strong>de</strong><br />
conter o <strong>Círio</strong> no tempo que lhe é conveniente po<strong>de</strong>m ser lidos como indícios<br />
<strong>de</strong> um cenário <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças tanto na romaria do espaço geográfico quanto em<br />
sua representação midiática. Como indícios, não permitem que se avance além<br />
<strong>de</strong> sua constatação, mas autorizam a certeza <strong>de</strong> que este é um momento<br />
privilegiado para estu<strong>da</strong>r o <strong>Círio</strong> e sua transmissão direta, pela transição que se<br />
<strong>de</strong>lineia.<br />
A observação direta e os <strong>de</strong>poimentos comprovam o acerto <strong>da</strong> feliz<br />
expressão <strong>de</strong> Katz (1993: 55) ao chamar os acontecimentos midiáticos <strong>de</strong> os<br />
gran<strong>de</strong>s dias <strong>de</strong> festa dos mídias, quando o cinismo que o repórter geralmente<br />
apresenta no dia-a-dia é substituído por uma reverência que é totalmente<br />
atípica do jornalismo cotidiano.<br />
O tom reverente domina a cobertura que vai ao ar, mas não é a tônica<br />
principal dos bastidores do trabalho, on<strong>de</strong> a equipe vive a tensão <strong>da</strong><br />
transmissão ao vivo entre o estresse e o bom humor, uma marca <strong>da</strong>s re<strong>da</strong>ções<br />
que o mo<strong>de</strong>rno ritmo industrial <strong>de</strong> trabalho ain<strong>da</strong> não conseguiu sepultar.<br />
Nesses bastidores também se observa emoção, embora compensa<strong>da</strong> pelo<br />
cui<strong>da</strong>do em manter, no ví<strong>de</strong>o, a sobrie<strong>da</strong><strong>de</strong> típica do padrão global na<br />
participação dos repórteres. Mesmo assim, a festa estimula transgressões:
apesar <strong>da</strong> reverência na abor<strong>da</strong>gem do evento, os repórteres <strong>de</strong>ixam<br />
transparecer entusiasmo, informali<strong>da</strong><strong>de</strong> e uma proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> com os fatos<br />
registrados que são raros no cotidiano dos telejornais. Isso faz com que os que<br />
coman<strong>da</strong>m a transmissão estejam atentos para controlar excessos, inclusive<br />
justificando-os para o público, como no caso <strong>da</strong> emoção manifesta<strong>da</strong> pela<br />
repórter <strong>da</strong> sucursal <strong>de</strong> Brasília no ano 2000, quando o narrador foi orientado<br />
pelo coor<strong>de</strong>nador <strong>da</strong> transmissão para explicar sutilmente, no ar, que a<br />
jornalista reagia com a espontanei<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> quem via o <strong>Círio</strong> pela primeira vez.<br />
194<br />
A maioria dos que trabalham na transmissão relata a contaminação pelo<br />
clima que está registrando. Vários afirmam controlar as lágrimas em algum<br />
momento. Outros, como o diretor <strong>de</strong> imagens Benedito Barbosa, confessam<br />
que a emoção já os fez errar. Nem todos são católicos ou <strong>de</strong>votos <strong>da</strong> Santa,<br />
mas todos apresentam algum nível <strong>de</strong> envolvimento com a festa, participando<br />
<strong>de</strong> algum <strong>de</strong> seus eventos nos momentos <strong>de</strong> folga.<br />
No plano profissional, é um momento <strong>de</strong> reforço do espírito <strong>de</strong> equipe<br />
que presi<strong>de</strong> o trabalho em TV, porque se acentua a inter<strong>de</strong>pendência entre<br />
todos os envolvidos para que a cobertura tenha êxito. Há um componente<br />
também muito importante para uma televisão <strong>de</strong> pequena produção local: a<br />
chance <strong>de</strong> fugir <strong>da</strong> rotina do telejornal, com reportagens aprisiona<strong>da</strong>s no tempo<br />
médio <strong>de</strong> um minuto, um minuto e meio. É a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> exercitar a<br />
capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> improviso e, ao mesmo tempo, <strong>de</strong> elaborar melhor o que vai ao<br />
ar. Também é quando a TV utiliza plenamente seu potencial técnico e introduz<br />
inovações tecnológicas. É, ain<strong>da</strong>, o momento <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um espaço para<br />
análise e opinião, limitadíssimo no dia-a-dia, ocupado pelos comentaristas, que
contextualizam as manifestações verifica<strong>da</strong>s na excepcionali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> festa,<br />
estabelecendo nexos com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> cotidiana.<br />
195<br />
Por último, mas não menos importante, consigno que essa cobertura<br />
representa o momento <strong>de</strong> resgate anual do voto <strong>da</strong> TV Liberal no momento <strong>de</strong><br />
sua inauguração, há 25 anos: divulgar e valorizar os fatos, as pessoas, os<br />
temas, as tradições e a cultura <strong>da</strong> Amazônia (TV Liberal Canal 7..., 1976,<br />
cad.3:2).<br />
Esse voto tem sido frustrado pela lógica do mo<strong>de</strong>lo implantado na TV<br />
priva<strong>da</strong>, que reduziu as emissoras regionais a repetidoras <strong>da</strong> programação<br />
produzi<strong>da</strong> no Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo. Nessa programação, as muitas<br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s nacionais do Brasil nem sempre entram no ví<strong>de</strong>o - ou entram<br />
através <strong>de</strong> um olhar estrangeiro, que reflete estranhamento diante <strong>de</strong> valores<br />
culturais incompreendidos, até porque não passam na TV, gran<strong>de</strong> produtora <strong>de</strong><br />
um imaginário que se preten<strong>de</strong> nacional.<br />
Como a maior parte <strong>da</strong>s afilia<strong>da</strong>s, a TV Liberal só excepcionalmente<br />
produz programas locais além dos jornalísticos e esportivos, para os quais a<br />
TV Globo abre espaços <strong>de</strong>limitados na gra<strong>de</strong> diária. Dentro <strong>de</strong> 24 horas <strong>de</strong><br />
exibição, esses programas ocupam apenas uma hora e meia, diariamente, e,<br />
aos domingos, esse volume cai para 25 minutos.<br />
O <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>, como festa popular religiosa, é um momento <strong>de</strong><br />
reforço dos laços comunitários na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> paraense, o gran<strong>de</strong> momento<br />
expressivo <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> regional, que se exibe através <strong>de</strong> seus maiores<br />
símbolos: a Santa, a <strong>de</strong>voção e a alegria do povo, a culinária regional e a<br />
hospitali<strong>da</strong><strong>de</strong> do almoço <strong>da</strong> festa.
196<br />
O <strong>Círio</strong> proporciona um momento <strong>de</strong> exceção também à TV Liberal. Ao<br />
transmitir a festa dos paraenses para o mundo, a TV reivindica sua parte na<br />
construção <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, que proclama na voz <strong>de</strong> seu narrador: Estes<br />
somos nós, esta é a nossa fé.<br />
tradição.<br />
Pelas lentes <strong>da</strong> TV, o Pará emerge no contemporâneo envolto na sua
stract<br />
197
198<br />
It studies the live broadcasting of the "<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>" procession by<br />
Liberal TV Station - Belém, from 1983 to 2000 (except 1986). It analyzes the<br />
creation of the media spectacle of that procession, focusing the Liberal live<br />
coverage into three time spans: 1983-90, 1991-96 and 1997-2000. It shows<br />
results from the analysis of the tapes containing the recording of those<br />
coverages, bibliography research, interviews and observations from the<br />
production and the broadcast of the event (in 2000). It presents the "<strong>Círio</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Nazaré</strong>" from its origin in 1793 to these <strong>da</strong>ys. It notes the inception of brazilian<br />
TV networks, observing the context in which Marajoara and Liberal TV stations<br />
appear in Pará State. It registers the first external coverage of the procession,<br />
generated by Marajoara TV Station, as well as Liberal first live broadcastings of<br />
it since 1976.<br />
Key-words:<br />
<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong><br />
TV network<br />
Live broadcasting<br />
Liberal TV Station<br />
Marajoara TV Station<br />
Religion<br />
Media<br />
Spectacle<br />
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Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e "estórias". Lisboa: Vega, 1993.<br />
P.177-190.<br />
Sodré, Muniz. O monopólio <strong>da</strong> fala; função e linguagem <strong>da</strong> televisão no Brasil.<br />
Petrópolis: Vozes, 1981.<br />
Sodré, Nelson Werneck. História <strong>da</strong> imprensa no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal,<br />
1977.<br />
Surge hoje a TV Marajoara. A Província do Pará, Belém, 30 set. 1961. Ca<strong>de</strong>rno<br />
1, p.1.<br />
Trigueiro, Oswaldo Meira. Do rural do urbano. O papel <strong>da</strong> televisão no São<br />
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24 <strong>de</strong>z. 2001.<br />
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TV Liberal Canal 7: nasce uma nova televisão. O Liberal, Belém, 27 abr. 1976.<br />
Ca<strong>de</strong>rno 3, p.2.<br />
TV Liberal inaugura com antecipação <strong>de</strong> 14 meses. O Liberal, Belém, 27 abr.<br />
1976. Ca<strong>de</strong>rno 3, p.4.<br />
TV Marajoara Canal 2. Programação para hoje. A Província do Pará, Belém, 8<br />
out. 1961. Ca<strong>de</strong>rno 1, p.1.<br />
204
Uma emissora volta<strong>da</strong> para servir. O Liberal, Belém, 28 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1,<br />
p.8.<br />
Valente, José. O rastro <strong>da</strong> repressão <strong>de</strong> Andréa. O Liberal, Belém, 15 nov.<br />
1996. Ca<strong>de</strong>rno Especial, p. 8.<br />
Veja o que o Canal 7 oferece ao público. O Liberal, Belém, 27 abr. 1976.<br />
Ca<strong>de</strong>rno 3, p.7.<br />
Veríssimo, José. Estudos amazônicos. Belém: Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará,<br />
1970.<br />
Vianna, Arthur. Festas populares do Pará: I - A Festa <strong>de</strong> Nazareth. Belém:<br />
Typographia <strong>de</strong> Alfredo Augusto Silva, 1905.<br />
Wallach, Joe. Os anos gloriosos. In: 50 anos <strong>de</strong> TV no Brasil. São Paulo:<br />
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White, David Manning. Gatekeeper: uma análise <strong>de</strong> caso na seleção <strong>de</strong><br />
notícias. In: Jornalismo: questões, teorias e "estórias". Lisboa: Vega, 1993.<br />
P.142-151.<br />
Wolf, Mauro. Teorias <strong>da</strong> comunicação. Lisboa, Presença, 1987.<br />
ENTREVISTAS<br />
<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> (Entrevistas realiza<strong>da</strong>s em novembro <strong>de</strong> 1999)<br />
Lacer<strong>da</strong>, Carlos. Membro do Grupo Amigos <strong>da</strong> Cor<strong>da</strong>.<br />
Silva, Francisco. Pároco <strong>da</strong> Basílica <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> e presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Diretoria <strong>da</strong><br />
Festa <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>.<br />
Silva, Isa Carmem Vieira <strong>da</strong>. Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Associação dos Amigos <strong>da</strong> Cor<strong>da</strong>.<br />
205
2001)<br />
206<br />
TV Liberal (Entrevistas realiza<strong>da</strong>s em junho, julho e agosto <strong>de</strong><br />
Barbosa, Benedito. Diretor <strong>de</strong> imagens.<br />
Barreiros, Ivanildo. Gerente técnico <strong>da</strong> TV Liberal (1976-1983)<br />
Brandão, Dênis. Diretor <strong>de</strong> Tecnologia <strong>da</strong>s Organizações Romulo Maiorana.<br />
Braun, Washington. Diretor <strong>de</strong> Atendimento Comercial <strong>de</strong> Mídia Eletrônica <strong>da</strong>s<br />
Organizações Romulo Maiorana.<br />
Campos, Teodoro. Supervisor <strong>de</strong> Programação e Exibição.<br />
Coutinho, Edvan Feitosa. Coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> jornalismo <strong>da</strong>s transmissões do <strong>Círio</strong><br />
<strong>de</strong> 1995 a 2000.<br />
Dias, Claudinelson. Gerente <strong>de</strong> Informática.<br />
Faria, Gilson. Narrador <strong>da</strong> transmissão do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 1992 a 2000.<br />
Feitosa, Wal<strong>de</strong>mar. Editor <strong>de</strong> jornalismo.<br />
Ferreira, Jorge Herberth. Editor <strong>de</strong> jornalismo.<br />
Gouvêa Jr., Antônio. Supervisor <strong>de</strong> Cinegrafia.<br />
Martins, Nyelsen. Repórter.<br />
Miran<strong>da</strong>, Jurandir. Gerente <strong>de</strong> Manutenção do Departamento Técnico <strong>da</strong> TV<br />
Liberal.<br />
Nascimento, Fernando. Superinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Radiodifusão e Telecomunicações<br />
<strong>da</strong>s Organizações Romulo Maiorana.<br />
Pinheiro, Clei<strong>de</strong>. Repórter.<br />
Ramos, Ildomar. Repórter cinematográfico.<br />
Ribeiro Jr., Raimundo. Gerente <strong>de</strong> Marketing.<br />
Salim, Charles. Supervisor <strong>de</strong> Mídia Digital.<br />
Sampaio, Leni. Chefe <strong>de</strong> Reportagem.
Silva, Adilane. Diretora <strong>de</strong> imagens.<br />
Silva, Francisco César Nunes <strong>da</strong>. Narrador <strong>da</strong> transmissão do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> 1976 a<br />
1984.<br />
Siqueira, Érika. Editora <strong>de</strong> jornalismo.<br />
Villaça, Emanuel. Diretor <strong>de</strong> Jornalismo.<br />
TV Marajoara (Entrevistas realiza<strong>da</strong>s em junho, julho e agosto<br />
<strong>de</strong> 2001)<br />
Costa, José Paulo Vieira <strong>da</strong>. Radialista <strong>da</strong> TV Marajoara nos anos 70.<br />
Couceiro, Abílio. Apresentador e repórter <strong>da</strong> TV Marajoara na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60.<br />
Miran<strong>da</strong>, Jurandir. Técnico <strong>da</strong> TV Marajoara nos anos 60.<br />
Onetti, Rubens. Repórter Cinematográfico <strong>da</strong> TV Marajoara na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60.<br />
Pinho, Armando. Ator e apresentador <strong>da</strong> TV Marajoara na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60.<br />
FITAS ANALISADAS<br />
Transmissão do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong> pela TV Liberal. Fitas VHS. Período <strong>de</strong> 1983 a<br />
1985; 1987 a 2000.<br />
207
F<br />
ontes consulta<strong>da</strong>s<br />
208
Almei<strong>da</strong> Filho, Hamilton et al. O ópio do povo: o sonho e a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. São<br />
Paulo: Edições Símbolo, Ed. Extra, 1976.<br />
Amador, Elielton. <strong>Círio</strong> concorre à categoria <strong>de</strong> patrimônio. O Liberal, Belém,<br />
15 jul. 2001. C. Atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, p.12.<br />
Amaral, Rita. Festa à brasileira: sentidos do festejar no pais que " não é sério":<br />
Disponível em <<br />
www.url:http://www.aguaforte.com/antropologia/festaabrasileira/festa/html>Aces<br />
so em: 16 set. 2001.<br />
Associação Brasileira <strong>de</strong> Normas Técnicas. Informação e documentação –<br />
referências. Elaboração, NBR6023. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2000.<br />
Assunto. Repórter 70. O Liberal, Belém, 23 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1, p. 3.<br />
Azevedo, J. Eustachio. O <strong>Círio</strong>. Folha do Norte Vespertina, Belém, 18 out.<br />
1940, p. 1, 4.<br />
Bates, Henry Walter. Um naturalista no rio Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia;<br />
São Paulo: Ed. <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, 1979.<br />
Beirão, Nirlando. A ca<strong>da</strong> um sua linguagem. Bravo!, v.4, n.46, p.64-67, jul.<br />
2001.<br />
Bruno. Reportagens do <strong>Círio</strong> e do arraial. Folha do Norte, Belém, 13 out. 1938,<br />
p.7.<br />
Canal 7 em contagem regressiva. O Liberal, Belém, 2 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1,<br />
p.3.<br />
Canal 7 está no ar em fase experimental. O Liberal, Belém, 2 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1,<br />
p.3.<br />
<strong>Círio</strong> concorre à categoria <strong>de</strong> patrimônio. O Liberal, Belém, 15 jul. 2001,<br />
Ca<strong>de</strong>rno Atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, p.12.<br />
209
<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. Disponível em http://www.tvliberal.com.br/cirio/in<strong>de</strong>x.htm Acesso em 1<br />
jun. 2001 e 20 out. 2001.<br />
<strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>: informações úteis e importantes. Diretoria <strong>da</strong> festa <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>.<br />
Belém: [2000].<br />
<strong>Círio</strong> move a economia do Pará; a maior festa religiosa <strong>da</strong> região também é<br />
motivo <strong>de</strong> comemoração para os setores produtivos do Estado. O Liberal,<br />
Belém, 1 out. 1999. Atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, p.11.<br />
Como ir à gran<strong>de</strong> festa <strong>de</strong> inauguração <strong>da</strong> TV Liberal. O Liberal, Belém, 23<br />
abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1, p.5.<br />
Correa, José Augusto. Eventos: operações. In: Treinamento, jornalismo, textos<br />
básicos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Central Globo <strong>de</strong> Jornalismo, 1997. p. 76-79.<br />
(Circulação restrita).<br />
Daniel Filho. O circo eletrônico: fazendo TV no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge<br />
Zahar Ed., 2001.<br />
Dayan, Daniel. Televisión interruptiva: entre espectáculo y comunicatión. In:<br />
Ferry, Jean-Marc et al. El nuevo espacio público. Barcelona: Gedisa, 1998.<br />
p.159-170.<br />
Dayan, Daniel ; Katz, Elihu. Rituels publics à usage privé: métamorphose<br />
télévisée d´un mariage royal. Annales. Economies. Societés. Civilisations.<br />
Paris, 1982.<br />
Dayan, Daniel; Katz, Elihu. La télévision et la rhétorique <strong>de</strong>s gran<strong>de</strong>s cérémonies. In:<br />
Ferro, Marc (ed). Film et histoire. Paris: Éd. De L´École <strong>de</strong>s Hautes Étu<strong>de</strong>s: 1984.<br />
p.83-97.<br />
Às 19 horas, o ministro entrega ao público a TV. O Liberal, Belém, 27 abr.<br />
1976. Ca<strong>de</strong>rno 1, p. 5.<br />
A <strong>de</strong>usa feri<strong>da</strong>: por que a Re<strong>de</strong> Globo não é mais a campeã absoluta <strong>de</strong><br />
audiência. São Paulo: Summus, 2000.<br />
Di Paolo, Pasquale. Cabanagem: a revolução popular na Amazônia. Belém:<br />
Conselho Estadual <strong>de</strong> Cultura, 1985.<br />
210
Dicionário Brasileiro <strong>de</strong> Mídia. São Paulo: Mercado Global, 1996, v.1.<br />
Dubois, Pe. Florêncio. O <strong>Círio</strong> e seus censores. Folha do Norte, Belém, 14<br />
out. 1923, p.1.<br />
Em muitos lugares a imagem <strong>da</strong> TV chega pela 1 ª vez. O Liberal, Belém, 27<br />
abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 3, p.5.<br />
Festa. Repórter 70. O Liberal, Belém, 28 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1, p.3.<br />
Festa <strong>de</strong> Nazareth; o início <strong>da</strong> tradicional homenagem à Virgem. Folha do<br />
Norte, Belém, 14 out., 1923, p.1.<br />
Gomes, Kiko. Direção <strong>de</strong> TV. In: Treinamento, jornalismo, textos básicos. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Central Globo <strong>de</strong> Jornalismo, 1997. p. 53-62 (Circulação restrita).<br />
Governador visitou ontem a TV Liberal. O Liberal, Belém, 24 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1,<br />
p.1.<br />
Hoje, a gran<strong>de</strong> festa <strong>da</strong> TV Liberal. O Liberal, Belém, 27 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1,<br />
p.5.<br />
Imagem <strong>de</strong> alta quali<strong>da</strong><strong>de</strong> com o melhor equipamento. O Liberal, Belém, 27<br />
abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 3, p.4.<br />
Inauguração. O Liberal, Belém, 27 abr. 1976, Repórter 70, Ca<strong>de</strong>rno 1, p.3.<br />
Kehl, Maria Rita. Eu vi um Brasil na TV. In: Simões, I.F. Um país no ar: história<br />
<strong>da</strong> TV brasileira em três canais. São Paulo: Brasiliense, 1986.<br />
Lin<strong>de</strong>nberg, Ângela. Eventos; planejamento e cobertura. In: Treinamento,<br />
jornalismo, textos básicos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Central Globo <strong>de</strong> Jornalismo, 1997.<br />
p. 73-75 (Circulação restrita).<br />
Machado, Arlindo. A arte do ví<strong>de</strong>o. São Paulo: Brasiliense, 1988.<br />
A maior faixa do Norte do país em programação. O Liberal, Belém, 27 abr.<br />
1976. Ca<strong>de</strong>rno 3, p.8.<br />
Maranhão, Haroldo. Pará, capital: Belém: memórias & pessoas & coisas &<br />
loisas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Belém: Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Belém, Fun<strong>da</strong>ção Cultural do<br />
Município <strong>de</strong> Belém, 2000.<br />
211
Maués, Heraldo. O <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>: manipulação e protesto<br />
político. Comunicações do ISER, v.1, n. 3, p. 29-34, 1982.<br />
Maués, Heraldo. Um julgamento político: notas sobre o caso dos padres e<br />
posseiros do Araguaia. Comunicações do ISER, v.1 n.2, p. 31- 38, 1982.<br />
Mesquita, Mário. Le temps cérémoniel a la télévision ou la nostalgie<br />
programmée. Recherches en Communication, 3, p.99-117, 1995.<br />
Mombelli, Savino. Valores religiosos do <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. Belém: Universi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral do Pará, 1976.<br />
Moreira, Roberto. Vendo a televisão a partir do cinema. In: A TV aos 50:<br />
criticando a TV brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Fun<strong>da</strong>ção Perseu<br />
Abramo, 2000. p. 49-64.<br />
Niemeyer Filho, Aloysio. Ver e ouvir. Brasília: Editora Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília,<br />
1997.<br />
Paternostro, Vera Íris. O texto na TV: manual <strong>de</strong> telejornalismo. São Paulo:<br />
Brasiliense, 1987.<br />
Pereira Jr, Alfredo Eurico Vizeu. Decidindo o que é notícia: os bastidores do<br />
telejornalismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.<br />
As perspectivas <strong>da</strong> televisão brasileira ao vivo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago Ed, Centro<br />
Cultural Cândido Men<strong>de</strong>s, 1995.<br />
Pignatari, Décio. Signagem <strong>da</strong> televisão. São Paulo: Brasiliense, 1984.<br />
Pioneirismo “associado” é algo que engran<strong>de</strong>ce Belém: Lopo. A Província do<br />
Pará, Belém, 1 out. 1961. Ca<strong>de</strong>rno 3, p.8.<br />
Priolli, Gabriel. Antenas <strong>da</strong> brasili<strong>da</strong><strong>de</strong>. In: A TV aos 50: criticando a televisão<br />
brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Fun<strong>da</strong>ção Perseu Abramo, 2000.<br />
p.13-24.<br />
Programação TV Guajará. O Liberal, Belém, 2 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 2, p.5.<br />
Programação TV Marajoara. O Liberal, Belém, 2 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 2, p.5.<br />
212
Quandt inaugura amanhã Canal 7. O Liberal, Belém, 26 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1,<br />
p.1.<br />
Rabaça, Carlos Alberto; Barbosa, Gustavo. Dicionário <strong>de</strong> comunicação. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Co<strong>de</strong>cri, 1978.<br />
Re<strong>de</strong> imaginária: televisão e <strong>de</strong>mocracia/ organizador A<strong>da</strong>uto Novaes. São Paulo:<br />
Companhia <strong>da</strong>s Letras/Secretaria Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991.<br />
Repórter 70. O Liberal, Belém, 29 mar. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1, p.3.<br />
Sodré, Muniz. A comunicação do grotesco; introdução à cultura <strong>de</strong> massa<br />
brasileira. Petrópolis: Vozes, 1976.<br />
Sodré, Muniz. A máquina <strong>de</strong> Narciso: televisão, indivíduo e po<strong>de</strong>r no Brasil.<br />
São Paulo: Cortez, 1994.<br />
Sodré, Nelson Werneck. Síntese <strong>de</strong> história <strong>da</strong> cultura brasileira. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Bertrand, 1989.<br />
Squirra, Sebastião Carlos <strong>de</strong> M. Apren<strong>de</strong>r telejornalismo: produção e técnica.<br />
São Paulo: Brasiliense, 1990.<br />
Televisão. Repórter 70. O Liberal, Belém, 26 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1, p.3.<br />
TV Liberal entra no ar com nova programação no dia 27. O Liberal, Belém, 25<br />
abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1, p.3.<br />
TV Liberal volta<strong>da</strong> para servir o Pará. O Liberal, Belém, 26 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1,<br />
p.1.<br />
Travancas, Isabel Siqueira. O mundo dos jornalistas. São Paulo: Summus,<br />
1993.<br />
TV Marajoara Canal 2. Programação para hoje. A Província do Pará, Belém, 4<br />
out. 1961. Ca<strong>de</strong>rno 1, p.1.<br />
Uma festa <strong>de</strong> emoção na TV Liberal. O Liberal, Belém, 28 abr. 1976. Ca<strong>de</strong>rno 1,<br />
p.7.<br />
213
214
G lossário<br />
215
Abertura Maneira <strong>de</strong> iniciar o programa. Breve resumo do que será apresentado no<br />
programa ou telejornal.<br />
Âncora Apresentador do telejornal ou do programa, que interpreta as notícias e<br />
216<br />
informações com base em conhecimento próprio dos assuntos; mediador; o<br />
que amarra o programa.<br />
Ângulos <strong>de</strong> câmara Lugar em que a câmera é coloca<strong>da</strong> em relação ao objeto que vai ser gravado<br />
Antena parabólica Equipamento em forma curva, cuja parte côncava, se aponta<strong>da</strong> diretamente a<br />
um satélite <strong>de</strong> comunicações, permite recolher os sinais <strong>de</strong>ste último e<br />
rebatê-los a um centro matemático on<strong>de</strong> um dispositivo os coleta, <strong>de</strong> modo a<br />
po<strong>de</strong>r exibi-lo numa tela <strong>de</strong> TV. O uso <strong>de</strong> duas ou mais <strong>de</strong>las permite a<br />
transmissão e a recepção, em on<strong>da</strong>s separa<strong>da</strong>s, mas simultâneas, dos sinais<br />
<strong>de</strong> imagem e áudio.<br />
Ao vivo Transmissão <strong>de</strong> um acontecimento no exato momento em que ele ocorre.<br />
Po<strong>de</strong> ser externa ou do próprio estúdio, ou ain<strong>da</strong> uma conjugação dos dois, o<br />
que é mais comum<br />
Apresentador Profissional (jornalista ou radialista) condutor <strong>de</strong> um programa. Lê as várias<br />
notícias que compõem o telejornal, a partir do estúdio. É o elemento <strong>de</strong><br />
ligação, introdução e explicação <strong>da</strong> ação no estúdio.<br />
Apuração Levantamento e checagem <strong>de</strong> uma notícia ou assunto.<br />
Áudio A parte sonora (palavras, músicas, ruídos e efeitos sonoros) <strong>de</strong> um ví<strong>de</strong>o ou<br />
programa <strong>de</strong> televisão. Termo técnico que indica o som <strong>da</strong> reportagem ou do<br />
programa.<br />
Background ou BG Música, vozes ou ruídos do ambiente existentes por trás (no fundo, por baixo,<br />
em nível secundário), na gravação do áudio. Acompanha, ao fundo, a fala do<br />
repórter, do apresentador ou dos personagens. O BG não po<strong>de</strong> nunca se<br />
sobrepor ou prejudicar o áudio <strong>de</strong> quem está falando.<br />
Betacam Sistema integrado <strong>de</strong> gravador e câmera, que grava no formato profissional<br />
<strong>de</strong> meia polega<strong>da</strong>. Apresenta alto padrão <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> gravação <strong>de</strong><br />
imagens.
Big close Toma<strong>da</strong> bem próxima, que isola um pequeno <strong>de</strong>talhe. É também chamado<br />
217<br />
plano <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhe, principalmente para <strong>de</strong>signar o enquadramento <strong>de</strong><br />
pequenos pormenores do corpo do personagem ou <strong>de</strong> um objeto.<br />
Bloco Segmento composto pelas notícias que ocupam o espaço <strong>de</strong> um intervalo<br />
comercial a outro.<br />
Caixa <strong>de</strong> sapato Expressão corrente para <strong>de</strong>nominar o aparelho <strong>de</strong> intercomunicação entre a<br />
emissora e a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> externa, quando esta faz transmissão ao vivo no local<br />
<strong>da</strong> ação. É um canal <strong>de</strong> voz.<br />
Câmera lenta Efeito no qual a imagem em movimento fica vagarosa no momento <strong>da</strong><br />
projeção. Ritmo lento, que mostra as pessoas an<strong>da</strong>ndo como que flutuando.<br />
Caracteres São letras, palavras, frases ou números, inseridos geralmente na abertura e<br />
no término do programa. As legen<strong>da</strong>s são feitas com caracteres, e o<br />
aparelho usado é um gerador <strong>de</strong> caracteres.<br />
Cartão Arte com letras, <strong>de</strong>senhos, marcas, reproduções fotográficas que serão inseri<strong>da</strong>s<br />
sobre as imagens grava<strong>da</strong>s. Substituído pelo gerador <strong>de</strong> caracteres, quando <strong>da</strong><br />
geração dos cargos e nomes <strong>da</strong> equipe e dos entrevistados.<br />
Cena Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> captação <strong>de</strong> imagem, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma mesma localização.<br />
Cenário Ambiente natural ou artificial on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolvem as cenas dos programas<br />
e a apresentação dos telejornais.<br />
Chama<strong>da</strong> Texto, que po<strong>de</strong> vir editado com imagens, sobre os assuntos <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />
do telejornal, transmitido <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> programação normal <strong>da</strong> emissora, para<br />
atrair a atenção do telespectador. Faz-se também chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> programas.<br />
Chefe <strong>de</strong> reportagem Jornalista encarregado <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar o trabalho dos repórteres.<br />
Chromakey<br />
(cromaqui)<br />
Efeito técnico que permite a inserção <strong>de</strong> imagens “atrás” do apresentador.<br />
Para obtê-lo é usado, ao fundo, um cenário azul.<br />
Close Plano <strong>de</strong> enquadramento <strong>da</strong> imagem usado na TV e no cinema.<br />
Aproximação <strong>da</strong> pessoa ou objeto que se quer <strong>de</strong>stacar.<br />
Cobertura Os vários enfoques <strong>de</strong> um acontecimento importante. Exemplo: a<br />
reportagem sobre um fato, suas conseqüências, e análises. Realização <strong>de</strong><br />
reportagem sobre <strong>de</strong>terminado assunto, no local <strong>de</strong> sua ocorrência.<br />
Conjunto do noticiário sobre um fato ou assunto. Em mídia, é o número <strong>de</strong><br />
pessoas atingi<strong>da</strong>s pelo veículo ou <strong>de</strong>terminado programa.<br />
Coloquial Estilo <strong>de</strong> texto que se usa em telejornalismo.<br />
Compacto Edição resumi<strong>da</strong> <strong>de</strong> um programa já transmitido pela emissora. Muito usado<br />
para eventos esportivos, <strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong> samba e, no caso <strong>de</strong> Belém,<br />
para o <strong>Círio</strong> <strong>de</strong> <strong>Nazaré</strong>. Também conhecido como “melhores momentos”.
Corte Ato <strong>de</strong> comutar a imagem <strong>de</strong> uma fonte geradora para outra no switch ou na<br />
218<br />
edição. Mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> uma imagem para outra, mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> cena. A edição é<br />
uma sucessão <strong>de</strong> cortes.<br />
Corte <strong>de</strong> edição Feito com mesa <strong>de</strong> corte. Com ele, tira-se cenas <strong>de</strong>sfoca<strong>da</strong>s ou<br />
in<strong>de</strong>sejáveis.<br />
Deadline Prazo limite, prazo final para o repórter voltar à emissora com a reportagem<br />
a tempo <strong>de</strong> entrar no ar, e também o prazo <strong>de</strong> fechamento do telejornal ou<br />
do programa.<br />
Decupar Assistir à fita grava<strong>da</strong>, marcando num papel a minutagem, ou seja, em que<br />
minutos e segundos <strong>da</strong> fita estão as melhores cenas, as entrevistas, as<br />
participações do repórter, etc. Também se <strong>de</strong>cupa filme. A <strong>de</strong>cupagem<br />
serve para localizar com mais facili<strong>da</strong><strong>de</strong> e rapi<strong>de</strong>z as imagens e sons<br />
<strong>de</strong>sejados, na hora <strong>de</strong> editar o material.<br />
Desfocado Motivo embaçado, resultado <strong>de</strong> uma má operação na focagem manual ou<br />
automática <strong>da</strong> câmera.<br />
Diretor <strong>de</strong> imagens O responsável pelo comando <strong>da</strong> mesa <strong>de</strong> cortes e pelo an<strong>da</strong>mento do<br />
programa, <strong>de</strong> acordo com o script. É o elemento que mantém contato<br />
permanente com os cameramen, o diretor do estúdio, a sonoplastia e o<br />
vi<strong>de</strong>ocassete. Todos trabalham sob a coor<strong>de</strong>nação do diretor <strong>de</strong> imagens.<br />
O mesmo que diretor <strong>de</strong> TV.<br />
Edição Ato <strong>de</strong> montar áudio e ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> uma reportagem ou um programa. É<br />
realizado após o conhecimento e a seleção prévia dos trechos que<br />
interessam à veiculação. Produto final, o que vai ao ar.<br />
Editor <strong>de</strong> jornalismo Jornalista que elabora a edição final <strong>de</strong> uma matéria, responsável pelo texto<br />
e imagem. Também chamado editor <strong>de</strong> notícias ou editor <strong>de</strong> texto.<br />
Editorial Que expressa a opinião <strong>da</strong> emissora sobre <strong>de</strong>terminado assunto.<br />
Efeito especial Usado na edição <strong>de</strong> material para <strong>da</strong>r acabamento mais sofisticado.<br />
Existem centenas <strong>de</strong> efeitos, especialmente com as novas tecnologias <strong>de</strong><br />
edição digital. Exemplos: slow motion, fusão, fa<strong>de</strong>, quadro parado. Também<br />
há efeitos especiais <strong>de</strong> áudio.<br />
Emissora Empresa estatal ou particular que produz e transmite mensagens <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa por meio <strong>da</strong> tele-radiodifusão.<br />
Encerramento Final <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> televisão, com os créditos técnicos e a vinheta <strong>de</strong><br />
fechamento. É também a parte final <strong>de</strong> uma matéria jornalística.<br />
Enquadramento Posição <strong>da</strong> lente em relação ao objetivo ou cena que está sendo grava<strong>da</strong>,<br />
<strong>de</strong>finindo assim o que se vê e como se vê. O que aparece na cena, o que
está sendo focalizado pela câmera do cinegrafista.<br />
Entrevista Diálogo entre o repórter e o entrevistado, sob forma <strong>de</strong> perguntas e<br />
respostas visando obter informações <strong>de</strong> interesse para a audiência.<br />
Evento Acontecimento jornalístico.<br />
Externa Diz-se <strong>da</strong>s filmagens feitas fora dos estúdios.<br />
Fa<strong>de</strong> É um escurecimento na tela. Fa<strong>de</strong>-in (aparecimento) ou fa<strong>de</strong>-out<br />
(<strong>de</strong>saparecimento) gradual <strong>da</strong> imagem na tela.<br />
Fa<strong>de</strong>-in O clareamento gradual do ví<strong>de</strong>o, que, a partir <strong>da</strong> inexistência do sinal,<br />
apresenta imagem na tela.<br />
Fa<strong>de</strong>-out O escurecimento gradual do ví<strong>de</strong>o até o preto total.<br />
Fechar Movimento <strong>de</strong> aproximação do objeto ou cena. O mesmo que zoom-in ou<br />
aproximação.<br />
Flash O repórter grava um resumo <strong>da</strong>s informações <strong>de</strong> uma notícia. O mesmo que<br />
boletim.<br />
Fora do ar Quando a emissora pára <strong>de</strong> transmitir por algum problema ou <strong>de</strong>feito<br />
219<br />
técnico. Exemplo: com falta <strong>de</strong> energia, a emissora sai do ar mas po<strong>de</strong><br />
voltar em pouco tempo se possuir um gerador.<br />
Fundo O mesmo que BG. É usado normalmente para música.<br />
Furo Notícia transmiti<strong>da</strong> em primeira mão.<br />
Fusão Desaparecimento <strong>de</strong> uma imagem simultâneo ao aparecimento <strong>de</strong> outra<br />
(como se viesse por trás); em <strong>de</strong>terminado momento as duas imagens<br />
ficam superpostas. É um fa<strong>de</strong>-in e um fa<strong>de</strong>-out feitos ao mesmo tempo.<br />
Geração Termo que se usa para <strong>de</strong>signar o momento em que a emissora vai receber<br />
(ou enviar) transmissão <strong>de</strong> sinais ou mensagens (sonoras ou visuais) via<br />
satélite - no caso <strong>de</strong> geração nacional ou internacional - ou via link - no caso<br />
<strong>de</strong> um ponto a outro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Gerador <strong>de</strong> caracteres Equipamento usado para inserir títulos, créditos, legen<strong>da</strong>s sobre a imagem.<br />
As legen<strong>da</strong>s costumam aparecer em gen-lock (sobrepostas à imagem).<br />
Gran<strong>de</strong> angular Pequena lente que capta um campo <strong>de</strong> visão maior que o normal <strong>da</strong><br />
câmera. A angulação abrange 180 graus e distorce a imagem. Também<br />
conheci<strong>da</strong> como olho <strong>de</strong> peixe.<br />
Gravação Em TV e ví<strong>de</strong>o, é o correspon<strong>de</strong>nte à filmagem no cinema.<br />
Grua Gran<strong>de</strong> equipamento com estrutura semelhante à <strong>de</strong> um guin<strong>da</strong>ste em cuja<br />
plataforma é coloca<strong>da</strong> a câmera para serem feitas toma<strong>da</strong>s em plano geral
<strong>de</strong> paisagens e gran<strong>de</strong>s agrupamentos <strong>de</strong> pessoas.<br />
220<br />
Horário nobre Período que correspon<strong>de</strong> aos maiores índices <strong>de</strong> audiência. Entre 20 e 23 horas.<br />
Intercom Sistema <strong>de</strong> intercomunicação entre o diretor <strong>de</strong> TV e os cameramen.<br />
Intervalo Espaço existente entre dois programas ou blocos <strong>de</strong> um telejornal.<br />
Normalmente é preenchido por comerciais.<br />
Lead A abertura <strong>da</strong> matéria. O gancho <strong>da</strong> reportagem normalmente está no lead.<br />
Lente O mesmo que objetiva. Oferece um campo <strong>de</strong> visão semelhante ao <strong>da</strong> visão<br />
humana. Proporciona uma distorção mínima na imagem.<br />
Lente zoom Lente <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> variação focal. Normalmente vem no equipamento como<br />
wi<strong>de</strong> (<strong>de</strong> perto leva para longe), abrindo o ângulo <strong>de</strong> visão, e tele (traz <strong>de</strong><br />
longe para perto), fechando o ângulo <strong>de</strong> visão.<br />
Link Ligação entre dois ou mais pontos para transmissão <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> imagem e<br />
Locutor ou<br />
apresentador<br />
som. Ligação estúdio-transmissor e transmissor-transmissor. Trata-se <strong>de</strong><br />
serviço técnico que permite o envio do sinal <strong>de</strong> televisão para transmissão.<br />
É também a ligação <strong>da</strong> emissora com uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> geradora <strong>de</strong> sinal<br />
(imagens ao vivo <strong>de</strong> uma transmissão <strong>de</strong> futebol, por exemplo.).<br />
Profissional (não necessariamente jornalista) que faz a locução e<br />
apresentação dos telejornais.<br />
Logomarca É a marca, a i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong> emissora, do telejornal ou programa, <strong>de</strong> um<br />
produto. O mesmo que logotipo.<br />
Manchete Texto conciso que contém uma informação forte. Destina-se a atrair<br />
atenção do telespectador para a notícia que vem a seguir.<br />
Mesa <strong>de</strong> corte Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> eletrônica opera<strong>da</strong> por um diretor <strong>de</strong> imagens que seleciona<br />
imagens a serem grava<strong>da</strong>s ou para transmissão. Muito usa<strong>da</strong> em uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
móveis (ônibus) para transmissão e gravação ao vivo. Banca<strong>da</strong> on<strong>de</strong> o<br />
diretor <strong>de</strong> imagens coor<strong>de</strong>na a operação técnica do telejornal ou programa<br />
e também produz efeitos especiais.<br />
Microfone Usado para captar o som. Repórteres normalmente usam os microfones<br />
direcionais - aqueles que eles seguram na mão e o direcionam à boca, pois<br />
eles recebem o som só <strong>de</strong> uma direção. O microfone <strong>de</strong> lapela é usado<br />
pelos apresentadores.<br />
Narrador Apresentador que <strong>de</strong>screve os fatos para um programa ou telejornal. Po<strong>de</strong><br />
entrar em on (aparece no ví<strong>de</strong>o) ou em off (só a voz por cima <strong>de</strong> várias<br />
imagens), o que acontece geralmente.<br />
No ar A transmissão <strong>da</strong> emissora naquele momento. O que o apresentador estiver<br />
lendo está indo direto para os aparelhos receptores. Nos estúdios existe<br />
uma lâmpa<strong>da</strong> vermelha que indica se o programa está "ao vivo", isto é se
ele está no ar.<br />
Nota Notícia curta <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> à informação do fato, sem muitos <strong>de</strong>talhes.<br />
Comunica objetivamente o fato ocorrido.<br />
Nota coberta Notícia com imagem, li<strong>da</strong> pelo apresentador do telejornal.<br />
Objetiva Normal: lente que oferece um campo <strong>de</strong> visão quase igual ao <strong>da</strong> visão<br />
221<br />
humana. Estas lentes proporcionam uma distorção mínima na imagem,<br />
quase imperceptível.<br />
Off Informação <strong>da</strong><strong>da</strong> por um narrador sem que a sua imagem apareça na tela.<br />
Qualquer personagem que fala sem estar em cena fala em off. Vozes ou<br />
sons presentes numa gravação sem o aparecimento <strong>da</strong> imagem <strong>da</strong> fonte<br />
geradora. Vem <strong>de</strong> off the record, que significa informação forneci<strong>da</strong> ao<br />
repórter por uma fonte que não quer ou não po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>. Ver<br />
também Texto em off.<br />
Operador O profissional técnico que trabalha com os equipamentos <strong>da</strong> emissora.<br />
Exemplo: operador <strong>de</strong> VT, operador <strong>de</strong> áudio.<br />
Operador <strong>de</strong> áudio Profissional que controla to<strong>da</strong> a parte do som e faz as montagens <strong>de</strong> áudio,<br />
acrescentando música, efeitos sonoros, ruídos, locução e faz a mixagem<br />
final.<br />
Panorâmica O movimento <strong>de</strong> câmera no sentido horizontal, <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> para a direita<br />
ou vice-versa. Existe também (embora usa<strong>da</strong> muito raramente) a pan<br />
vertical, feita <strong>de</strong> baixo para cima ou <strong>de</strong> cima para baixo. Existem<br />
veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>s próprias para se fazer uma panorâmica mais uniforme e<br />
segura. Po<strong>de</strong> ser feita em qualquer plano.<br />
Patrocínio Custeio total ou parcial <strong>de</strong> um programa por um anunciante.<br />
Pauta Previsão dos assuntos <strong>de</strong> interesse jornalístico. É o roteiro dos temas que<br />
vão ser cobertos pela reportagem.<br />
Pesquisa Ato <strong>de</strong> coletar informações para elaborar matérias jornalísticas, usando<br />
arquivos, documentos, jornais, revistas ou fontes especializa<strong>da</strong>s.<br />
Plano Ponto <strong>de</strong> vista ou distância <strong>da</strong> câmera em relação ao assunto. Po<strong>de</strong>m ser<br />
classificados sob várias <strong>de</strong>nominações, como plano geral, médio, primeiro<br />
plano (close), primeiríssimo plano (close up, big close).<br />
Plano geral Focaliza os personagens <strong>de</strong>ntro do local <strong>da</strong> ação, situando o cenário.<br />
Plano médio Focaliza essencialmente os personagens, <strong>de</strong> corpo inteiro.<br />
Primeiro plano A câmara, próxima do assunto, revela apenas uma parte <strong>de</strong>le. É o mesmo<br />
que close ou close-up.<br />
Ponto <strong>de</strong> vista Modo particular <strong>de</strong> se observar uma ou várias cenas. É um ângulo muito<br />
escolhido pelo diretor ou cinegrafista para filmar uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> cena. O
termo também é usado na conceituação <strong>de</strong> câmera subjetiva.<br />
Praticável Base <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira ou <strong>de</strong> alumínio usa<strong>da</strong> no cinema e na televisão para<br />
montar cenários e equipamentos.<br />
222
Preview Exame prévio <strong>de</strong> cortes e efeitos especiais realizado antes <strong>de</strong> serem<br />
223<br />
colocados no ar ou usados na edição. Monitor on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> ver a primeira<br />
imagem <strong>da</strong> matéria edita<strong>da</strong> antes <strong>de</strong> ela ir para o ar. Serve para <strong>da</strong>r<br />
segurança à operação.<br />
Produção Organização e coor<strong>de</strong>nação do trabalho prévio para a reportagem: pesquisa,<br />
imagens <strong>de</strong> arquivo, horários marcados, levantamento <strong>de</strong> material, etc.<br />
Produtor É o profissional responsável pelas tarefas <strong>de</strong> produção. Produtor jornalístico<br />
Programação A organização em seqüência dos programas e intervalos comerciais <strong>de</strong> uma<br />
emissora <strong>de</strong> TV, programas jornalísticos inclusive.<br />
Quadro O mesmo que frame. É a cena vista <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> proporção simétrica <strong>da</strong> tela<br />
que a está projetando. Uma imagem <strong>de</strong> televisão.<br />
Radialista. Profissional que trabalha na televisão, em áudio ou ví<strong>de</strong>o, que exerce<br />
função técnica <strong>de</strong> produção<br />
Re<strong>da</strong>ção O local on<strong>de</strong> trabalham os jornalistas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado telejornal.<br />
Registro Entra<strong>da</strong> rápi<strong>da</strong> do repórter ou do apresentador no ar, informando apenas o<br />
fato, <strong>de</strong>ixando os <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> lado.<br />
Replay Recurso técnico usado para repetir uma boa imagem. Po<strong>de</strong> ser feito em<br />
câmera lenta ou na veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> normal.<br />
Reportagem Conjunto <strong>de</strong> providências necessárias à elaboração <strong>de</strong> uma matéria. É<br />
composta <strong>de</strong> pesquisa, trabalho <strong>de</strong> checagem dos <strong>da</strong>dos, entrevista externa<br />
e edição <strong>da</strong>s informações essências do fato ocorrido.<br />
Repórter Jornalista que apura e redige informações. Em telejornalismo, ele faz parte<br />
Repórter<br />
cinematográfico<br />
<strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> reportagem ao lado do repórter cinematográfico e dos técnicos<br />
que operam a UPJ - Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Portátil <strong>de</strong> Jornalismo.<br />
O cinegrafista (cameraman) que no trabalho com a equipe <strong>de</strong> reportagem<br />
busca as informações através <strong>da</strong> imagem.<br />
Ritmo Cadência, continui<strong>da</strong><strong>de</strong> e harmonia <strong>de</strong> uma seqüência, <strong>de</strong> uma matéria, <strong>de</strong><br />
um programa ou telejornal. Reflete o equilíbrio <strong>da</strong> edição. O ritmo é bom<br />
quando texto e imagem estão <strong>de</strong> acordo com a linguagem televisual:<br />
associados, pontuados e coerentes.<br />
Sair do ar Quando se interrompe uma transmissão. Po<strong>de</strong>m ser vários os motivos; o<br />
mais comum é problema técnico.<br />
Script No telejornalismo, é o conjunto <strong>da</strong>s lau<strong>da</strong>s redigi<strong>da</strong>s e <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente<br />
marca<strong>da</strong>s sobre as matérias que irão ao ar. Significa também a própria<br />
lau<strong>da</strong>, com características especiais e espaços para as marcações técnicas<br />
que <strong>de</strong>vem ser obe<strong>de</strong>ci<strong>da</strong>s na operação do telejornal.
Selo Ilustração que se usa para i<strong>de</strong>ntificar um assunto ou uma notícia, produzido<br />
pela editoria <strong>de</strong> arte<br />
Slow ou slow motion Efeito que faz com que a imagem tenha um an<strong>da</strong>mento mais lento.<br />
Sobe som Marcação técnica no script que indica ao sonoplasta o momento <strong>de</strong> colocar<br />
224<br />
no ar o som <strong>da</strong> edição em VT (e não o som do apresentador). Também<br />
po<strong>de</strong> ser um sobe som ambiente, quando o som do estúdio é baixado para<br />
que se ouça o áudio captado na externa.<br />
Som ambiente Som característico do local on<strong>de</strong> está sendo realiza<strong>da</strong> uma reportagem ou<br />
externa.<br />
Sonoplasta Técnico responsável pela parte <strong>de</strong> áudio <strong>da</strong> transmissão. É um radialista.<br />
Sonoplastia Efeito sonoro (música ou ruído especial) usado na edição <strong>da</strong> matéria.<br />
Exemplo: ruído <strong>de</strong> helicóptero quando se usam imagens aéreas.<br />
Sonorização Processo <strong>de</strong> colocação <strong>da</strong> parte <strong>de</strong> áudio no filme ou VT. Inclui diálogos,<br />
músicas, parte em off efeitos sonoros.<br />
Switch Normalmente inclui um estúdio, câmaras, telecine, ví<strong>de</strong>os, geradores, <strong>de</strong><br />
caracteres e sonoplastia. É on<strong>de</strong> trabalha o diretor <strong>de</strong> imagens (ou <strong>de</strong> TV).<br />
Take ou toma<strong>da</strong> Designa um quadro <strong>da</strong> imagem. Mu<strong>da</strong>r um take significa substituir aquela<br />
imagem por outra.<br />
Telecine Equipamento que transfere a imagem e o som dos filmes (8, 16 ou 35mm)<br />
para uma fita <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>oteipe ou diretamente para o ar, no caso dos filmes<br />
transmitidos pela televisão.<br />
Teleobjetiva Lente com gran<strong>de</strong> distância focal e, consequentemente, menor abertura<br />
angular do que a objetiva normal. A mais conheci<strong>da</strong> é a zoom.<br />
Texto em off ou off É o texto gravado (pelo repórter ou apresentador) para ser editado junto<br />
com as imagens <strong>da</strong> reportagem.<br />
Timing ou ritmo Po<strong>de</strong> ser usado num sentido mais amplo - o timing <strong>da</strong> televisão, ou<br />
Toma<strong>da</strong> O mesmo que take.<br />
mais restrito - o timing <strong>da</strong> edição, o timing <strong>da</strong> matéria.<br />
Top Termo utilizado em televisão para <strong>de</strong>signar o tempo que falta para o início<br />
<strong>de</strong> um programa (geralmente <strong>de</strong> 8 segundos). É necessário para a <strong>de</strong>vi<strong>da</strong><br />
sincronização <strong>da</strong>s diversas emissoras e retransmissoras quando em ca<strong>de</strong>ia.<br />
Trilha sonora Sons provenientes <strong>de</strong> locução, ruídos, músicas, efeitos sonoros, etc., todos<br />
<strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente balanceados.<br />
TV Abreviatura <strong>de</strong> televisão (tanto o aparelho quanto a emissora).
Via satélite Geração <strong>de</strong> sinais (reportagens ou programas) do exterior para a se<strong>de</strong> <strong>da</strong><br />
emissora ou vice-versa.<br />
Zoom Objetiva <strong>de</strong> focal variável que po<strong>de</strong> ser gradua<strong>da</strong> por movimentos <strong>de</strong> grupos<br />
225<br />
<strong>de</strong> lentes integrantes do seu sistema ótico. Também <strong>de</strong>signa movimento <strong>de</strong><br />
aproximação e afastamento <strong>da</strong> imagem, inerente a esse tipo <strong>de</strong> objetiva.<br />
Zoom in Movimento <strong>de</strong> aproximação <strong>de</strong> uma imagem.<br />
Zoom out Movimento <strong>de</strong> distanciamento.