A ararinha do bico torto - Editora Ática
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Guia para professores<br />
A <strong>ararinha</strong><br />
<strong>do</strong> <strong>bico</strong> <strong>torto</strong><br />
Walcyr Carrasco<br />
A deficiência física de Nina, a <strong>ararinha</strong> <strong>do</strong> <strong>bico</strong> <strong>torto</strong>, não a impede de crescer. Em sua<br />
trajetória, a ave conta com o apoio <strong>do</strong> garoto Mário, que acredita no potencial dela e fica ao<br />
seu la<strong>do</strong> enquanto Nina aprende a garantir sua sobrevivência e a alçar seus próprios voos.<br />
Neste guia, Marcela Cálamo responde a perguntas destinadas a ajudar os professores a<br />
lidar com a questão da deficiência física com seus alunos. Marcela é professora particular e<br />
autora de Rodas, pra que te quero!, publica<strong>do</strong> pela editora <strong>Ática</strong>. Paraplégica desde os 8 anos<br />
devi<strong>do</strong> a uma infecção na medula, ela é mãe de <strong>do</strong>is filhos e luta pelos direitos das pessoas<br />
com deficiência. Com exceção <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is anos em que passou pelo tratamento de reabilitação,<br />
Marcela sempre estu<strong>do</strong>u em escolas regulares. A seguir, ela aborda a superação das limitações,<br />
a luta contra o preconceito e a promoção da inclusão.<br />
Como deve ser uma escola inclusiva?<br />
A escola inclusiva deve oferecer a to<strong>do</strong>s os alunos<br />
a mesma oportunidade de acesso, permanência<br />
e aproveitamento.<br />
Em primeiro lugar, nela não devem existir classes<br />
especiais. To<strong>do</strong>s os alunos (com e sem deficiência)<br />
precisam estudar juntos, compartilhan<strong>do</strong> conhecimentos<br />
e experiências. Na educação inclusiva, a<br />
deficiência é considerada mais uma das muitas características<br />
que os alunos podem ter. O professor<br />
sabe que cada aluno tem um jeito e um ritmo próprios<br />
de aprender e respeita isso, procuran<strong>do</strong> a forma<br />
mais adequada para transmitir o conhecimento<br />
e avaliar o aproveitamento de cada um.<br />
Nesse tipo de escola, o professor tem o apoio<br />
para desenvolver formas de ensino adequadas às<br />
necessidades de cada aluno, valen<strong>do</strong>-se de parceiros<br />
(APAEs, universidades, centros de reabilitação<br />
etc.) para conseguir os recursos de que precisa para<br />
oferecer a melhor educação a to<strong>do</strong>s os seus alunos.<br />
série<br />
to<strong>do</strong>s<br />
juNTos<br />
A <strong>ararinha</strong> <strong>do</strong> <strong>bico</strong> <strong>torto</strong> 1 guia para professores<br />
Em meu tempo de escola, nos anos 1970, ninguém<br />
falava em inclusão como prática de cidadania.<br />
Não existiam leis que assegurassem meu direito de<br />
estudar com meus irmãos. Meus pais ouviram muitos<br />
“nãos” enquanto procuravam escola para mim.<br />
A desculpa, usada ainda hoje, era que a escola não<br />
estava preparada para me receber, não havia rampas<br />
e outros recursos de adequação, as salas de<br />
aula ficavam nos andares superiores. Tínhamos<br />
muda<strong>do</strong> de bairro, e meus irmãos também estavam<br />
sem escola, porque meus pais só os matriculariam<br />
na instituição que me recebesse. Até que<br />
a boa vontade de uma diretora fez toda diferença:<br />
para me receber, ela se dispôs a reativar uma sala<br />
no térreo que era usada como depósito. Mesmo sem<br />
leis que garantissem meu direito, fui incluída, graças<br />
a uma pessoa que encontrou uma solução para<br />
que as limitações de minha deficiência não me impedissem<br />
de estudar.<br />
ilustrações Al Stefano
Por que começar a inclusão pela escola?<br />
Porque esse é o primeiro lugar em que a criança<br />
aprende a conviver com outras crianças fora <strong>do</strong> ambiente<br />
familiar. o dever da escola vai além de transmitir<br />
conhecimento: entre outras coisas, deve promover o desenvolvimento<br />
pessoal de seus alunos.<br />
uma criança que aprende desde ce<strong>do</strong> a respeitar<br />
as diferenças torna-se um adulto menos preconceituoso,<br />
contribuin<strong>do</strong> para uma sociedade menos discrimina<strong>do</strong>ra<br />
e mais humanitária.<br />
Lugar de criança é com criança, de preferência<br />
com a maior diversidade possível, para que aprenda<br />
que ninguém é igual a ninguém e cresça respeitan<strong>do</strong><br />
isso. separar crianças pelas semelhanças, sejam quais<br />
forem, alimenta os preconceitos.<br />
Eu gostava muito da AACD (Associação de Assistência<br />
à Criança com Deficiência) porque lá tinha amigos<br />
de verdade. Não era a deficiência que nos unia, era<br />
a infância. E to<strong>do</strong>s morríamos de vontade de ter alta e<br />
voltar para a escola regular.<br />
Qual o papel <strong>do</strong> professor no processo de inclusão?<br />
Ele é a peça principal. Pouco adianta a escola abrir<br />
as portas ao aluno com deficiência se o professor não<br />
se mobilizar para incluir esse aluno em sala de aula,<br />
promoven<strong>do</strong> a interação dele com a turma ou adaptan<strong>do</strong>-se<br />
ao conceito de educação inclusiva.<br />
É o professor quem deve ensinar à turma o respeito<br />
às diferenças e achar a melhor forma de transmitir<br />
o conhecimento a cada aluno. Ele não precisa ser um<br />
especialista em educação especial, basta ser criativo e<br />
usar sua experiência, sem receio de pedir apoio a professores<br />
especializa<strong>do</strong>s e outros profissionais para resolver<br />
as dificuldades que encontrar.<br />
A <strong>ararinha</strong> <strong>do</strong> <strong>bico</strong> <strong>torto</strong> 2 guia para professores<br />
um aluno com deficiência deve receber mais atenção<br />
<strong>do</strong> que os demais?<br />
Cada aluno, tenha ele deficiência ou não, necessita<br />
de atenção diferenciada. Cabe ao professor perceber<br />
qual criança necessita de mais atenção no processo de<br />
aprendizagem, achan<strong>do</strong> a melhor forma de atingir seu<br />
objetivo e, caso necessário, pedir auxílio a outros profissionais.<br />
Mas dar atenção diferenciada não significa tratar<br />
de forma diferente. To<strong>do</strong>s na classe devem obedecer as<br />
mesmas regras. o aluno com deficiência não é um coitadinho<br />
nem deve ser superprotegi<strong>do</strong>.<br />
Muitos anos depois daquele meu primeiro ano na<br />
escola regular, uma amiga que estava lá em meu primeiro<br />
dia de aula me contou que os alunos foram avisa<strong>do</strong>s<br />
que mudariam de sala, iriam para o térreo, mas<br />
a professora não explicou o motivo, não fez alarde. só<br />
souberam a razão quan<strong>do</strong> me viram chegan<strong>do</strong>. Minha<br />
amiga disse que a atitude da professora fez com que<br />
to<strong>do</strong>s me recebessem com naturalidade, sem expectativas<br />
ou curiosidade.<br />
se a adaptação da criança com deficiência for muito<br />
difícil, devo sugerir aos pais que a coloquem em<br />
uma escola especial?<br />
o processo de inclusão é um caminho de mão única.<br />
Não se pode tirar da criança com deficiência o direito<br />
de fazer parte <strong>do</strong> to<strong>do</strong>. Não se pode tirar da escola o<br />
direito de aprender a lidar e respeitar as diferenças e de<br />
crescer muito com esse aprendiza<strong>do</strong>. Não se pode tirar<br />
<strong>do</strong>s pais a alegria de ver seu filho inseri<strong>do</strong> na sociedade,<br />
interagin<strong>do</strong>, aprenden<strong>do</strong>, ensinan<strong>do</strong>. Toda adaptação<br />
a uma situação nova é difícil no começo, mas com o<br />
apoio <strong>do</strong> professor, <strong>do</strong>s colegas e da família, esse processo<br />
fica cada vez mais fácil.
Como lidar com os alunos que não aceitam um<br />
colega com deficiência?<br />
Para que a intolerância não aconteça, a escola deve<br />
promover a integração e amizade de to<strong>do</strong>s os alunos,<br />
por meio de eventos e discussões.<br />
Algumas maneiras de fazer isso: levar aos alunos o<br />
tema da diversidade, incentivar a cooperação e a troca<br />
de experiências entre eles.<br />
toda forma de discriminação deve ser combatida,<br />
independentemente <strong>do</strong> motivo que a gerou. Não cabe<br />
ao aluno aceitar ou não aqueles que têm deficiência, e<br />
sim à escola e à família ensinar o respeito às diferenças<br />
e fazer com que esse respeito prevaleça, não aceitan<strong>do</strong><br />
atitudes de intolerância.<br />
Que tipo de atitude <strong>do</strong> professor pode desestimular<br />
um aluno com deficiência?<br />
um professor jamais deve julgar que um aluno<br />
com deficiência é incapaz e deixá-lo de fora das atividades<br />
da turma e <strong>do</strong> processo de aprendizagem. A criança<br />
com deficiência vai à escola para aprender, exercer tarefas<br />
e atividades, participar de tu<strong>do</strong> que for proposto<br />
junto com as outras crianças e não apenas para estar<br />
entre elas. se esta criança é deixada de la<strong>do</strong> ou tratada<br />
como um bibelô, deixa de aprender e de crescer, e a escola<br />
toda perderá com isso.<br />
A <strong>ararinha</strong> <strong>do</strong> <strong>bico</strong> <strong>torto</strong> 3<br />
guia para professores<br />
sugestão de ATividADE<br />
o professor pode pedir às crianças que observem,<br />
nos lugares por onde costumam passar (ruas, shopping,<br />
parques etc.), tu<strong>do</strong> o que pode favorecer a vida de quem<br />
tem alguma deficiência (banheiros adapta<strong>do</strong>s, telefones<br />
mais baixos, cardápio em braile, guias rebaixadas,<br />
semáforos sonoros, rampas de acesso), e também tu<strong>do</strong><br />
que pode dificultá-la (calçadas estreitas e com buracos,<br />
balcões de atendimento e prateleiras muito altos,<br />
ausência de eleva<strong>do</strong>r, portas estreitas...). ele também<br />
pode fornecer para os alunos uma lista de adaptações<br />
para facilitar o acesso das pessoas com deficiência,<br />
para que eles verifiquem os locais onde elas são encontradas.<br />
Depois, a turma pode discutir quais melhorias<br />
podem ser feitas para que to<strong>do</strong>s tenham acesso aos<br />
lugares observa<strong>do</strong>s. o melhor lugar para começar essa<br />
observação é a própria escola.