A construção social do “ex-bandido” - Livraria Martins Fontes
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coleção<br />
sociologia & antropologia<br />
cesar pinheiro teixeira<br />
A <strong>construção</strong> <strong>social</strong><br />
<strong>do</strong> <strong>“ex</strong>-bandi<strong>do</strong>”<br />
Um estu<strong>do</strong> sobre sujeição criminal<br />
e pentecostalismo<br />
Prêmio Publicação de Dissertações PPGSA, 2010
programa de pós-graduação em sociologia e antropologia<br />
instituto de filosofia e ciências sociais<br />
da universidade federal <strong>do</strong> rio de janeiro<br />
(ppgsa/ifcs/ufrj)<br />
Coleção Sociologia & Antropologia<br />
Direção: Karina Kuschnir<br />
Conselho Editorial<br />
Beatriz Maria Alasia de Heredia<br />
Bila Sorj<br />
Elina Pessanha<br />
Felícia Silva Picanço<br />
Glaucia Villas Bôas<br />
José Ricar<strong>do</strong> Ramalho<br />
Marco Antonio Gonçalves<br />
Marco Aurélio Santana<br />
Maria Laura V. C. Cavalcanti<br />
Michel Misse<br />
Mirian Goldenberg<br />
Yvonne Maggie<br />
UFRJ
Sumário<br />
Agradecimentos 11<br />
Prefácio – Michel Misse 15<br />
Introdução 19<br />
parte i<br />
crime, drogas e violência:<br />
elementos para uma hermenêutica <strong>do</strong> “bandi<strong>do</strong>”<br />
Questões meto<strong>do</strong>lógicas e justificativas 31<br />
Da malandragem ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro 35<br />
Organização <strong>do</strong> tráfico, violência e subjetividade 41<br />
Tornan<strong>do</strong>-se “bandi<strong>do</strong>” ou mitos de origem 51<br />
Brincan<strong>do</strong> de “bandi<strong>do</strong>” e brincadeiras de “bandi<strong>do</strong>” 61<br />
O “bandi<strong>do</strong>” e uma perspectiva teórica: a sujeição criminal 65<br />
parte ii<br />
os pentecostais e os “bandi<strong>do</strong>s”: as representações<br />
<strong>do</strong> pentecostalismo sobre os criminosos e a sujeição criminal<br />
Pentecostalismo e tráfico de drogas nas favelas <strong>do</strong> Rio de Janeiro 77<br />
Os pentecostais e os “bandi<strong>do</strong>s” 81
O “bandi<strong>do</strong>” na cosmologia pentecostal:<br />
possessão e escolha individual 87<br />
A conversão ao pentecostalismo e a sujeição criminal:<br />
questões preliminares 97<br />
parte iii<br />
a <strong>construção</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>“ex</strong>-bandi<strong>do</strong>”:<br />
algumas características das narrativas de conversão<br />
Uma perspectiva religiosa sobre o mito de origem: o caso de Alex 105<br />
O processo de conversão 113<br />
A conversão como processo 133<br />
De “corações de pedra” a “corações de carne”: a transformação da<br />
“natureza” <strong>do</strong> “bandi<strong>do</strong>” através de um microprocesso civiliza<strong>do</strong>r 139<br />
O traficante e o missionário:<br />
tipos ideais de estilos de vida convergentes 147<br />
A igreja e a rua 151<br />
parte iv<br />
características gerais da relação entre<br />
sujeição criminal e pentecostalismo<br />
Sujeição criminal e sujeição religiosa 165<br />
Desfazen<strong>do</strong> fronteiras entre “bandi<strong>do</strong>s” e evangélicos:<br />
a hipótese <strong>do</strong> surgimento de novos tipos de sujeitos criminais 171<br />
Considerações finais 177<br />
Referências bibliográficas 181
Para Paulo Cesar, Leila e Thiago,<br />
minha família.
Agradecimentos<br />
Devo iniciar estas breves palavras de gratidão referin<strong>do</strong>-me àqueles que<br />
possibilitaram diretamente a produção deste texto. Em primeiro lugar,<br />
agradeço a todas as pessoas que participaram da pesquisa, contan<strong>do</strong>-me<br />
pacientemente as suas histórias de vida. Infelizmente, como elas mesmas<br />
preferiram, é prudente que seus nomes não sejam cita<strong>do</strong>s. Mesmo assim,<br />
devo a elas a realização deste trabalho. Também devo agradecer àquelas<br />
pessoas que contribuíram com a pesquisa, pon<strong>do</strong>-me em contato com<br />
igrejas e pastores. Neste senti<strong>do</strong>, agradeço a to<strong>do</strong>s os meus amigos da<br />
Assembleia de Deus da Lagoa e ao meu amigo Roninho. Também agradeço<br />
ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico<br />
(CNPq) pela bolsa de estu<strong>do</strong>s que me foi concedida no perío<strong>do</strong> de<br />
2007 a 2009. Sou especialmente grato aos professores Karina Kuschnir,<br />
Jean-François Véran e Maria Helena Castro, da Comissão de Publicações<br />
<strong>do</strong> Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da<br />
UFRJ, por avaliarem a minha dissertação de mestra<strong>do</strong> e a julgarem digna<br />
de vir a público em formato de livro.<br />
Aos professores Luiz Fernan<strong>do</strong> Dias Duarte, Clara Mafra e Yvonne<br />
Maggie, sou grato pelas críticas e sugestões realizadas na ocasião da<br />
defesa da dissertação. Seus valiosos comentários certamente me ajudaram<br />
muito a melhorar a qualidade <strong>do</strong> trabalho. Procurei incorporá-los<br />
dentro <strong>do</strong> possível. De mo<strong>do</strong> especial, gostaria de reiterar minha gratidão<br />
ao professor Luiz Fernan<strong>do</strong>: sua simpatia pelo presente trabalho<br />
11
a <strong>construção</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>“ex</strong>-bandi<strong>do</strong>”<br />
representa um grande estímulo para mim; e à professora Clara Mafra,<br />
por quem tive a honra de ser orienta<strong>do</strong> logo nos primeiros passos da<br />
minha vida acadêmica. Para além da banca, também sou grato ao professor<br />
Luiz Antônio Macha<strong>do</strong> da Silva, com quem tive o privilégio de<br />
partilhar e debater algumas ideias ao longo da pesquisa.<br />
Agradeço muito aos meus orienta<strong>do</strong>res Michel Misse e Emerson<br />
Giumbelli. Orienta<strong>do</strong>res sempre disponíveis e atentos. Trabalharam<br />
me dan<strong>do</strong> a liberdade necessária para que eu desenvolvesse minhas<br />
ideias, ao mesmo tempo em que me faziam sentir mais seguro com seus<br />
comentários e críticas sempre pertinentes: combinação fundamental<br />
no trabalho de orientação de jovens cientistas sociais. Será com eles que<br />
dividirei quaisquer méritos que o presente livro possa ter. Agradeço<br />
pelo convívio sempre agradável, pela leitura cuida<strong>do</strong>sa de cada capítulo<br />
e pela amizade que permanece.<br />
Aos meus amigos <strong>do</strong> Núcleo de Estu<strong>do</strong>s da Cidadania, Conflito<br />
e Violência Urbana (NECVU) agradeço, sobretu<strong>do</strong>, pelo estimulante<br />
debate que travamos em 2008, em um <strong>do</strong>s primeiros Conflitos de Interesse<br />
(nome das nossas reuniões de núcleo), quan<strong>do</strong> tive a oportunidade<br />
de apresentar os resulta<strong>do</strong>s preliminares da pesquisa. Também sou grato<br />
a Heloísa Duarte, secretária <strong>do</strong> NECVU, pela atenção e paciência que teve<br />
comigo ao longo desse tempo.<br />
Pude dividir com muitos amigos os momentos tensos e eufóricos que<br />
caracterizam o processo de produção de uma dissertação. Alberto Goyena,<br />
Alexandre Magalhães, Alexandre Werneck, Ana Paula Perrota, André<br />
Salata, Andréa Ana, Brígida Renoldi, Bruno Car<strong>do</strong>so, Carolina Grillo,<br />
Caroline Ascar, Céline Spinelli, Cláudia Prestes, Daniela Stocco, Eduar<strong>do</strong><br />
Guimarães, Fátima Fraga, Hailton Júnior, Ísis Eccard, Juliana Guimarães,<br />
Leonar<strong>do</strong> Rodrigues, Luiz Augusto Campos, Mani Tebet, Maria Raquel,<br />
Natasha Néri, Palloma Menezes, Paola Lins, Renata Montechiare, Rodrigo<br />
de Castro, Thiago Pinheiro, Vlamir Azeve<strong>do</strong>: ao la<strong>do</strong> de vocês, esta <strong>do</strong>lorosa<br />
fase da vida acadêmica foi muito mais leve e divertida.<br />
Em especial, agradeço à pessoa que há tantos anos me acompanha,<br />
sempre me cercan<strong>do</strong> de carinho e atenção: Isabel. Nos momentos mais<br />
difíceis e tensos da pesquisa, era junto dela, sempre paciente e atenciosa,<br />
que eu recuperava o equilíbrio e a paz sem os quais se torna quase<br />
impossível a tarefa da produção intelectual.<br />
12
agradecimentos<br />
Como jamais poderia deixar de ser, agradeço à minha família. Ao<br />
meu irmão, Thiago, por me escutar pacientemente em meus devaneios<br />
e por sempre dialogar comigo quan<strong>do</strong> oportuno; aos meus pais: Leila e<br />
Paulo Cesar, por sempre afiarem meu olhar e por nunca medirem esforços<br />
no auxílio que me oferecem em meus empreendimentos. A vocês, devo<br />
tu<strong>do</strong> o que tenho e que sou. Sem vocês, certamente seria impossível.<br />
E por fim, pelo <strong>do</strong>m da vida, agradeço àquele que, para mim, representa<br />
bem mais que um objeto para a investigação sociológica e antropológica:<br />
Deus.<br />
Cesar P. Teixeira<br />
Magé, 21 de agosto de 2011<br />
13
Prefácio<br />
O que os leitores têm em mãos é resulta<strong>do</strong> de um bem-sucedi<strong>do</strong> esforço<br />
de pesquisa, alia<strong>do</strong> ao que considero ser uma original e importante<br />
contribuição teórica. É sempre uma honra para qualquer orienta<strong>do</strong>r<br />
acadêmico poder partilhar uma experiência como essa com um jovem<br />
e talentoso pesquisa<strong>do</strong>r. Em geral, não se pede a uma dissertação de<br />
mestra<strong>do</strong> que seja original ou que mantenha uma interlocução teórica<br />
relevante. Essa é uma etapa <strong>do</strong> desenvolvimento acadêmico que cada<br />
vez mais tende a ser vista como intermediária entre a graduação e o<br />
<strong>do</strong>utora<strong>do</strong>. Uma etapa importante, mas incompleta. Neste caso, como o<br />
leitor constatará, deu-se muito mais que isso.<br />
Cesar Pinheiro Teixeira procurou-me, há alguns anos, com vistas a<br />
prosseguir os seus estu<strong>do</strong>s em ciências sociais, agora em nível pós-gradua<strong>do</strong>,<br />
sob a minha orientação. Propôs-me estudar o trabalho de conversão<br />
feito por religiosos neopentecostais com criminosos. Sugeri-lhe<br />
que examinasse o quanto esse trabalho religioso seria capaz de esclarecer<br />
o grau de comprometimento desses criminosos com uma identidade<br />
“assujeitada” ao crime. E que mantivesse a interlocução com seu outro<br />
orienta<strong>do</strong>r acadêmico, meu colega Emerson Giumbelli.<br />
Em meus trabalhos sobre a acumulação <strong>social</strong> da violência no Rio<br />
de Janeiro, sob a inspiração de observações feitas por Michel Foucault,<br />
já advertira para o complexo processo de subjetivação incorpora<strong>do</strong> na<br />
incriminação de agentes de práticas criminais provenientes de ou que<br />
15
a <strong>construção</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>“ex</strong>-bandi<strong>do</strong>”<br />
agiam em áreas de pobreza urbana. Percebera que esse processo ultrapassava<br />
a mera estigmatização, cujos símbolos são passíveis de serem<br />
manipula<strong>do</strong>s. Observara também que o rótulo de “bandi<strong>do</strong>” ganhava,<br />
em muitos casos, uma aderência ao sujeito que não se deixava facilmente<br />
esgotar na incorporação <strong>do</strong> papel <strong>social</strong> <strong>do</strong> ator incriminável. Mais que<br />
tu<strong>do</strong>, esse processo ganhava abrangência <strong>social</strong> ao participar da <strong>construção</strong><br />
de tipos sociais e estabilizar a associação entre certos tipos de crimes<br />
e a pobreza urbana, com suas marcas juvenis quanto ao estilo de vida e<br />
inconformismo. Chamei a isso de “sujeição criminal” e busquei distinguir<br />
esse processo, ancora<strong>do</strong> em profunda desigualdade <strong>social</strong>, <strong>do</strong>s processos<br />
de incriminação que jamais criam esse tipo de aderência ao sujeito.<br />
Cesar tomou emprestada a ideia e, ao examinar o que lhe relatavam<br />
<strong>“ex</strong>-bandi<strong>do</strong>s” a respeito de sua conversão e de sua vida pregressa,<br />
surpreendeu-me ao desvelar novas dimensões <strong>do</strong> tema, enriquecen<strong>do</strong><br />
o conceito com sofisticada e original análise. Mais que tu<strong>do</strong>, a sujeição<br />
criminal fazia o crime “habitar” o sujeito, traduzin<strong>do</strong>-o em algo como<br />
um “ser possuí<strong>do</strong>” pelo Mal. Trazê-lo de volta à sociedade implicava<br />
não apenas sua res<strong>social</strong>ização pelo trabalho, não apenas sua reinserção<br />
<strong>social</strong>, mas um movimento radical através <strong>do</strong> qual se poderia exorcizar<br />
esse Mal através de uma conversão por meio de um ritual de aflição<br />
e desespero pessoal. Compreender o que se passava, nesse caso, com<br />
o <strong>“ex</strong>-bandi<strong>do</strong>”, revelava-se a melhor via para interpretar a <strong>construção</strong><br />
da condição <strong>social</strong> de “bandi<strong>do</strong>”. Não anteciparei ao leitor, em breves<br />
palavras, o que o prazer dessa leitura lhe proporcionará e de mo<strong>do</strong> mais<br />
rigoroso.<br />
Observar, ouvir, conversar, partilhar emoções e <strong>do</strong>res com outros<br />
seres humanos, sem perder o distanciamento necessário à acuidade da<br />
análise, é exercício de uma vocação e de um treinamento específico.<br />
Veja-se o exemplo de Veena Das: quanto esforço é necessário em compreender/traduzir<br />
a <strong>do</strong>r <strong>do</strong> outro, tocan<strong>do</strong>-o com as mãos de antropóloga?<br />
É no trabalho de campo que ambos, vocação e treinamento, se<br />
constroem, mas é no exercício analítico, na “conversa” silenciosa consigo<br />
mesmo, quan<strong>do</strong> também se traz ao convívio mental tanto as linguagens<br />
<strong>do</strong>s relatos quanto as sugestões, ideias, análises e esforços teóricos de<br />
outros, que a conversão à ciência se completa e se realiza. Exorcizam-se<br />
os preconceitos, as ideias já mineralizadas pela rotina, a alienação que<br />
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prefácio<br />
apaga o conteú<strong>do</strong> <strong>social</strong> das práticas reificadas. Novos significa<strong>do</strong>s<br />
ganham a luz <strong>do</strong> dia, emergem <strong>do</strong> trabalho que atravessa o já-sabi<strong>do</strong>que-reitera-o-campo.<br />
Assim, ao reconhecer o que se passa, a ciência<br />
participa de sua transformação. O esforço científico bem-sucedi<strong>do</strong> é,<br />
deste mo<strong>do</strong>, também reconheci<strong>do</strong> e honra<strong>do</strong>. O batismo se completa e<br />
dele se dá testemunho.<br />
Honra seja feita ao trabalho de Cesar.<br />
Michel Misse<br />
Paris, 11 de setembro de 2011<br />
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