FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
coisa muito diversa do que desejávamos. Peço a Pitágoras e<br />
a Reinaldo que se mantenham no tema principal. Haverá tempo,<br />
depois. Se não hoje, poderá haver em outro dia ocasião<br />
para abordar outros aspectos. Mas se não procedermos assim,<br />
correremos, todos nós o risco de perder uma boa ocasião para<br />
examinarmos temas que são, sem dúvida, apaixonantes.<br />
— Bem, propôs Reinaldo, fiquemos então no exame da<br />
criação. Creio que este ponto é importantíssimo, e evita que<br />
dele nos afastemos. A concepção materialista encontra pela<br />
frente a criacionista, a qual segue Pitágoras. Êle mostrou com<br />
bastante habilidade que há deficiências insuperáveis na concepção<br />
materialista. Cabe-nos agora mostrar as que há na<br />
concepção criacionista. Se eu tiver a mesma felicidade de exposição<br />
que teve êle, e o convencer do erro, teremos que encontrar<br />
uma terceira solução. Creio que, mantendo-nos dentro<br />
desses limites, evitaremos os afastamentos que Paulsen,<br />
com bastante razão, apontou. Concorda, Pitágoras?<br />
— Concordo, sem dúvida. Você pode recomeçar.<br />
Reinaldo, então, fazendo um retrospecto mental do que já<br />
haviam examinado, pôs-se a dizer:<br />
-— Seo ser supremo é eterno, a criação não tem um antes,<br />
porque o antes pertence ao tempo, e o tempo, como você disse,<br />
é o meio da sucessão, a via onde se dão as sucessões, ou coisa<br />
que o valha. Na eternidade, não há um antes nem um depois.<br />
Neste caso, iniciada a criação, iniciou-se o tempo?<br />
— Sim.<br />
— Iniciou-se, então, o momento temporal um, não é?<br />
-— Sim, concordou Pitágoras, um tanto indeciso.<br />
— Não pode haver dúvida, pois a criação se iniciou no<br />
tempo. Sendo o tempo o meio da sucessão, e como na criação<br />
há sucessos, estes poderiam ser medidos por uma medida de<br />
tempo, a que se dá entre um determinado sucesso e outro.<br />
— Está certo.<br />
— Então, o número desses sucessos seria finito, e o tempo<br />
finito. E tanto o é que o tempo continua, passando do presente<br />
para o futuro. O tempo não é dado todo de uma vez,'<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 197<br />
mas algo que prossegue, e no qual as coisas acontecem. Em<br />
outras palavras: o tempo ainda não se deu totalmente, pois<br />
em cada instante êle actualiza um pouco das suas possibilidades.<br />
Concorda ?<br />
Concordo, mas em termos. Há necessidade de uma precisão<br />
mais cuidadosa nos termos, a fim de evitar que novas<br />
confusões possam surgir. O tempo em si mesmo nada é. O<br />
que chamamos tempo é a sucessão das coisas que se dão na<br />
duração da criação. A criação dura, e o sucessivo nela, ou seja,<br />
a constante actualização de possibilidades, o existir do que ainda<br />
não era, permite-nos construir o esquema do antes e do<br />
depois. Tudo quanto sucede para nós é ordenado nesse antes,<br />
e nesse depois, na sucessão. O que está em acto é agora, mas<br />
o que está em potência é um depois que se tornará ou não um<br />
agora. O passado é o que já foi em relação a esse agora que<br />
surge, e só temos consciência dele quando há uma sucessão,<br />
uma mudança. Porque há mudanças nas coisas, sentimos e<br />
compreendemos o agora, e o depois, e o antes. Sem a mutação,<br />
não surgiria a ideia de tempo. O tempo é, assim, um esquematismo<br />
nosso, e não tem uma existência em si mesmo.<br />
— Mas há tempo também fora de nós, para as coisas.<br />
— Sim, mas esse tempo não é alguma coisa em si, porém<br />
apenas uma esquematização nossa da sucessão dos factos.<br />
— Sua explicação me parece boa — respondeu Reinaldo.<br />
Mas, de qualquer forma, a ordem de sucessão dos acontecimentos,<br />
ou, seja, da actualização das possibilidades, permitiria que<br />
fossem numeradas.<br />
— Sim, seriam numeradas se considerássemos um sucesso<br />
em face de outro sucesso. Mas, note que tomaríamos um<br />
sucesso com uma totalidade, como um todo, comparandò-o com<br />
outro todo. Na verdade, nestes sucessos, há a sucessão de um<br />
número imenso de outros sucessos que nos escapam.<br />
— Sim, sei aonde quer chegar. Haveria uma divisibilidade<br />
infinita matemática, como o propõe o cálculo infinitesimal.<br />
Cada sucesso, tomado como uma totalidade, é passível de uma<br />
análise infinitesimal, assim como a distância finita entre A e<br />
B permite uma divisão infinita potencial.