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FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

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190 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

— Não creio que ninguém de bom senso possa negar que<br />

há alguma coisa que é a realidade de tudo o que existe. A sua<br />

realidade última. Ricardo chamou matéria, e Pitágoras chama<br />

ser...<br />

— Permite-me um aparte, Reinaldo?<br />

— Pois não.<br />

— Há uma diferença entre nós: é que para Ricardo a<br />

matéria não é transcendente ao cosmos. Este, no seu pensamento,<br />

é uma manifestação da matéria, ou melhor: o cosmos<br />

é a matéria sob as modalidades de ser desta. Para mim, é<br />

diferente: o ser de que falo é transcendente. E' imutável, e<br />

as modificações que surgem não são dele, mas de coisas por<br />

êle criadas. Há uma profunda diferença entre nós.<br />

— Não há dúvida, afirmou Reinaldo. São tomadas de<br />

posição diametralmente opostas. A argumentação de Pitágoras<br />

cingiu-se à prova de que a matéria não é o ser primordial,<br />

a fonte e origem primeira de todas as coisas. Há um ser que<br />

a transcende. Compreendi bem. Não me convenci, porém,<br />

dessa transcendência. E sem que me seja provada devidamente,<br />

creio que me cabe o direito de fazer perguntas.<br />

— Naturalmente, Reinaldo. Faça as que quiser. De minha<br />

parte seguirei as normas do diálogo. Quer iniciar?<br />

— Sim. Mas gostaria, em primeiro lugar, que me mostrasse<br />

essa transcendência do ser primeiro.<br />

— O que você me pede não é tão fácil como poderia parecer<br />

à primeira vista. Mas essa transcendência se impõe pelo<br />

seguinte: recordando o que tive ocasião de dizer, o ser primeiro<br />

não pode sofrer mutação de nenhuma espécie, enquanto<br />

as coisas cósmicas que conhecemos sofrem mutações.<br />

— E por que não?, perguntou Reinaldo.<br />

— Muito simples: o primeiro ser existe sem dúvida, não é?<br />

— Sim, existe.<br />

— Já vimos que tem de ser simplesmente simples, porque,<br />

do contrário, seria composto. E composto de que? De ser e<br />

de nada. E' possível isso?<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> IÍH<br />

— Não sou dualista e não pretendo defender o dualismo.<br />

Talvez algum outro o queira. Para mim, não há dúvida de<br />

que o primeiro ser é um só e único...<br />

— Portanto, absolutamente simples?<br />

— Sem dúvida.<br />

— Fora dele não há nada. Concorda?<br />

— Concordo.<br />

— Consequentemente, qualquer mutação que sofresse só<br />

poderia ser uma das seis já estabelecidas por Aristóteles. A<br />

mutação substancial é impossível, pois qualquer mutação nesse<br />

sentido seria a de deixar de ser, ou tornar-se nada, nihilificar-se.<br />

Está certo?<br />

— Está.<br />

— Uma mutação accidental, meramente quantitativa, seria<br />

impossível, porque no aumento, o suprimento viria do nada.<br />

Se houvesse diminuição, parte do ser se tornaria nada, e deixaria<br />

êle de ser simplesmente, pois teria partes capazes de se<br />

corromperem ou de se nihilificarem, o que seria absurdo.<br />

— E' absurdo. Mas uma mutação qualitativa?<br />

— Uma mutação qualitativa é uma alteração. Ora, na<br />

alteração, esse ser sofreria novas determinações. E quem as<br />

determinaria? Outro é impossível, porque não há outro fora<br />

dele. De si mesmo, já vimos que negaria a sua simplicidade<br />

absoluta.<br />

— Está certo.<br />

— Restaria, apenas a mutação de lugar. Se esse ser fosse<br />

corpóreo, êle poderia deslocar-se. Mas para tal haveria um<br />

espaço, que seria outro que êle, e estaríamos no dualismo. E,<br />

ademais, teria de ser corpóreo, o que exigiria uma superfície,<br />

limitações realizadas por outro (o que vimos ser impossível),<br />

ou por si mesmo (o que também vimos ser impossível). Consequentemente,<br />

esse ser não pode sofrer mutações de nenhuma<br />

espécie. E digo nenhuma, porque não há outras. Acaso vocô<br />

conhece outro tipo de mutação?

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