FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
A principal personagem é Pitágoras de Melo. Nasceu-me<br />
essa personagem logo às primeiras páginas de "Homens da<br />
Tarde". Nada prometia ainda à minha consciência, mas logo<br />
se impôs, e libertou-se de tal modo, que passou a ter uma vida<br />
própria. E poderia dizer, sem buscar fazer paradoxos, que<br />
teve êle um papel mais criador de„ mim mesmo que eu dele.<br />
Não pautou êle sua vida pela minha, mas a minha vida pela<br />
dele. Eu propriamente o imito. E' quase inacreditável isso.<br />
Mas é verdade: a personagem criou o autor. E é espantoso<br />
que foi de tal modo que até muitas das minhas experiências<br />
futuras foram vividas por êle. Aconteceu-me na vida o que<br />
eu já havia escrito no meu livro. Muitas das peripécias da<br />
minha existência foram antecedidas por êle. E é essa a razão<br />
por que o respeito tanto, por que o venero. Essa existência<br />
metafísica tomou-se real para mim. As ideias que a personagem<br />
expunha não eram então as minhas. Hoje, em grande<br />
parte, são. A personagem me conquistou. Na verdade, não<br />
pude resistir à tentação e ao fascínio que ela exerceu sobre<br />
mim.<br />
Pois bem, foram essas as razões por que a escolhi para<br />
este livro, que é uma obra construtiva, e que pretende apenas<br />
ser construtiva. Estamos outra vez em face da sofística, e<br />
precisamos denunciá-la. Mais uma vez temos que sair à rua,<br />
como outrora o fêz Sócrates, para denunciar os falsos sábios.<br />
O nihilismo agoniza, sem dúvida, mas é demorada essa<br />
agonia, e êle deixa atrás de si, e à sua volta, os destroços de<br />
sua destruição.<br />
Devemos lutar pela madrugada que há de vir. E, para<br />
tanto, é mister enfrentar os sofistas crepusculares de nossa<br />
época; não receiar as trevas, e nelas penetrar.<br />
Há uma nova esperança, e esta certamente não nos trairá.<br />
MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS.<br />
DIÁLOGOS SOBRE A VER<strong>DA</strong>DE<br />
E A FICÇÃO<br />
A proposta partira de Ricardo, a quem Pitágoras havia<br />
manifestado seu desgosto em manter conversações com certas<br />
pessoas, por que se cingiam a divagações inúteis, ao sabor das<br />
associações de ideias mais várias, sem que nenhum ponto fosse<br />
abordado com a necessária profundidade que se impunha. Ademais,<br />
alegara que estávamos vivendo um momento em que se<br />
impunha viessem à tona discussões sobre os mais importantes<br />
problemas, pois a confusão das ideias, a nova Babel, já se instalara<br />
entre os homens, anunciando uma nova destruição.<br />
— Devemos disciplinar outra vez o nosso espírito metropolitano<br />
e tardio, que tende sempre a tratar dos temas com a<br />
natural displicência ou falta de profundidade do metropolitano.<br />
Não desejo proceder desse modo, e gostaria de acercar-me de<br />
pessoas, desejosas, como eu, de examinar com cuidado os grandes<br />
temas. Estamos às portas do desespero, e isso se deve,<br />
em grande parte, ao espírito tardio e metropolitano que nos<br />
domina, eminentemente mercantilista, que necessita, para sobreviver,<br />
lançar constantemente ao mercado novos produtos,<br />
novas fórmulas, novos rótulos, novas embalagens, embora os<br />
conteúdos sejam os mesmos. Toda essa moderna vagabundagem<br />
do espírito, através das mais variadas teorias e doutrinas,<br />
essas buscas desorientadas e várias, contribuíram apenas para<br />
colocar o homem de hoje numa situação gravíssima: a de sentir-se<br />
sem firmeza, sem chão, onde pisar com cuidado os pés,<br />
e poder depois fixar os olhos em algo que lhe ofereça uma firme<br />
direcção, um norte para o seu novo caminhar. Tudo isso<br />
lhe falta. E por que? Porque vagabundeou desorientadamente<br />
pelo caminho das ideias, do abstractismo dos ismos vários,<br />
sem o cuidado de colher dessa messe imensa de doutrinas o que