FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
de reconhecer que o cepticismo também oferece bons frutos,<br />
porque, por haver cépticos, é que houve filósofos e ainda os há<br />
que se obstinam no estudo da evidência, da certeza da verdade,<br />
como você tem feito aqui entre nós. Nesse caso são úteis.<br />
— Nesse caso são. Mas nem por isso dignos.<br />
— Concordo com você.<br />
Josias, Vítor nada diziam. Mas havia em seus lábios um<br />
rictus de desaprovação que não queriam confessar. Paulsen<br />
estava profundamente sério. Notava-se que nele havia uma<br />
luta interior, e que ainda não se decidira.<br />
— E quanto a esses mestres negativos, que das cátedras<br />
pregam um cepticismo tolo, covarde ou tímido, como você classificou,<br />
julga, então, que deveriam ser expulsos das cátedras?<br />
— Se fosse possível evitar que as ocupassem seria o que<br />
de melhor se faria em benefício da juventude. Mas há certos<br />
direitos democráticos que não se podem ofender. Mas, pelo<br />
menos deveriam aceitar os desafios, e ante os próprios discípulos<br />
entrar no debate com os filósofos da positividade, mas<br />
num debate assim, com normas e regras seguras, seguindo uma<br />
linha como a que temos usado em nossas conversações. Só<br />
assim teriam os discípulos a oportunidade de verificar que não<br />
é pregando negações que se constrói qualquer coisa, e que é<br />
mais fácil esquivar-se de enfrentar os problemas que enfrentá-los<br />
de frente e com brio. E muito mais fácil dizer-se que<br />
nada se sabe sobre o ser, sobre a alma, sobre Deus, sobre qualquer<br />
dos grandes temas, do que penetrar neles, investigar, e<br />
dizer alguma coisa com senso e segurança. Pôr tudo em dúvida,<br />
é fácil a qualquer um. Não é necessário muito saber nem<br />
inteligência para tomar-se essa atitude. Mas para analisar,<br />
estudar, invadir terrenos férteis de problemas e dificuldades,<br />
é preciso ter boas pernas, bons olhos, mãos seguras e sobretudo<br />
ânimo forte.<br />
— Tudo isso é a pura verdade, Pitágoras, ratificou com<br />
entusiasmo Artur. Sempre senti assim, e quando com meus<br />
colegas comentamos as atitudes tíbias de certos mestres, sempre<br />
me referi mais ou menos deste modo. E' fácil enfrentar um<br />
grande problema com piadas, graçolas e esquivas. Mas anali-<br />
FlLOSOFIAS <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 135<br />
sá-lo, e dizer coisas sensatas e seguras, e demonstrar o que se<br />
afirma, é difícil. Depois, eles são suficientemente inteligentes<br />
para saber que o múnus da prova cabe a quem alega. Nada<br />
alegando, esquivam-se de demonstrar. Realmente, isso é apenas<br />
covardia.<br />
— E também deficiência. Não esqueça, Artur, interrompeu-o<br />
Pitágoras, que essa atitude céptica surge da incapacidade<br />
de penetrar nos grandes problemas e analisá-los.<br />
— E diga-me uma coisa, Pitágoras, por que julga que haja<br />
tantos mestres que negam o valor à escolástica, a ponto de alguns<br />
desses tíbios, de que você fala, chegarem a proclamar em<br />
plena aula o desvalor de um Tomás de Aquino, de um São<br />
Boaventura, de um Duns Scot, de um Suarez, de um Banes, de<br />
um Vasquez e de tantos outros, cujos nomes agora não me<br />
ocorrem?<br />
— Ora, a escolástica representa um período de máxima<br />
importância da filosofia. Foi precisamente aquele momento<br />
em que a fé interrogava a filosofia, e em que a filosofia procurou<br />
justificar a fé. Não há uma homogeneidade total na<br />
escolástica, sabem vocês disso. Mas a heterogeneidade é filosófica,<br />
embora a intenção fosse justificar os dogmas, tanto<br />
quanto possível, com bases filosóficas. Naturalmente que nesse<br />
período, quase tudo quanto os filósofos criaram pertence à escolástica.<br />
Mas o que a tornou imensamente válida, e de uma<br />
importância ímpar, foi a realização da mais extraordinária<br />
análise que se conheceu na história do pensamento humano. A<br />
análise, levada em extensão e intensidade, permitiu que surgissem<br />
novos veios para o filosofar, veios que ainda não foram<br />
devidamente explorados.<br />
— Mas por que filósofos como Descartes, Leibnitz, Hegel,<br />
Kant, Spinoza e tantos outros desprezaram a escolástica?, perguntou<br />
Vítor.<br />
— Simplesmente porque não a conheciam, respondeu Pitágoras.<br />
— Como?<br />
— Muito simplesmente. Nenhum deles conhecia a escolástica.<br />
Descartes cursou um colégio de padres, e estudou a