FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
parte da contradição como verdadeira, e outra como provável.<br />
Mas o processo filosófico nos tem revelado que os homens alcançam<br />
pontos sobre os quais a certeza c completa, e que são<br />
passíveis de demonstrações rigorosamente apodíticas, e pontos<br />
que são apenas passíveis de demonstração, sem esse rigor de<br />
necessidade que desejamos. Outros permanecem apenas opinativos<br />
e em outra parte a mente flutua entre opostos, que é o<br />
que caracteriza a dúvida. Ora, Pitágoras ensinava aos discípulos<br />
iniciados, que o saber do homem consiste nessa longa estrada,<br />
em que aparecem situações como essas. Mas se êle construísse<br />
a filosofia desde o início, sob a base da apoditicidade,<br />
êle, mais dia menos dia, verificaria que o que era opinativo,<br />
poderia ser demonstrado apoditicamente, e que até o que era<br />
dubitativo podia transformar-se numa certeza e receber uma<br />
demonstração também rigorosa. Mas, infelizmente, os discípulos<br />
de Pitágoras, com raríssimas excepções, não compreenderam<br />
bem a lição do mestre, e não há sector onde tanto se<br />
observe predominarem as opiniões do que no pitagorismo, como<br />
se vê através da história. Mas faço uma ressalva: com excepção<br />
dos matemáticos. Euclides, por exemplo, que era pitagórico,<br />
fazia questão, na geometria, de demonstrar tudo, até o<br />
que era evidente de per si. E quando os discípulos lhe perguntavam<br />
porque demonstrar o que é evidente, Euclides respondia-lhes<br />
deste modo: "há muita coisa que é evidente para<br />
nós, mas se queremos demonstrar não encontramos argumentos<br />
e, depois, com o decorrer do tempo, o que constituía as<br />
nossas evidências é um cemitério de sonhos desfeitos. Ademais,<br />
o continuado exercício da demonstração nos auxilia a fortalecer<br />
nossa capacidade crítica, bem como permitirá que o que hoje<br />
é opinativo encontre amanhã bases seguras para tornar-se apodítico".<br />
E foi o que aconteceu na matemática.<br />
Onde esta progrediu, senão naqueles espíritos que seguiram<br />
as lições de Euclides, e que procuraram desenvolver sua<br />
capacidade de demonstração? E acaso a filosofia progrediu<br />
com os que duvidam, com os que vacilam, com os que flutuam<br />
entre possíveis? Não, a filosofia não progrediu com os tíbios,<br />
os covardes, nem os tímidos. A parte maior da história e das<br />
conquistas humanas nada devem a esses deficitários. Tudo<br />
quanto o homem tem feito foi à custa da coragem e da capa-<br />
FlLOSOFIAS <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 133<br />
cidade de sacrifício e de exame. Foi pondo-se totalmente em<br />
sua obra, investigando, enfrentando as oposições, procurando<br />
resolver os problemas, responder as perguntas, que o homem<br />
avançou, que o homem conseguiu atingir os pontos altos de<br />
suas conquistas. Há aqueles que contam que o homem primitivo<br />
devia ter sido um temeroso entre os perigos, quase dominado<br />
pelo medo, atónito ante o desconhecido que o envolvia.<br />
Essa é a maior das mentiras. A história do homem primitivo<br />
é a história da coragem, da mais inaudita das coragens. Por<br />
entre as florestas e os perigos, só a coragem teria permitido<br />
que um ser, que não dispõe de defesas naturais, que não dispõe<br />
de armas naturais, pudesse vencer e dominar. Não foi a astúcia<br />
que tornou o homem poderoso. A astúcia é a inteligência<br />
dos covardes. Foi a coragem, foi a vitória sobre o próprio<br />
medo, porque se deste não podia eximir-se (como não pode<br />
eximir-se nenhum ser humano), êle conseguiu ultrapassar os<br />
seus limites e as suas fraquezas. Enfrentar uma natureza<br />
muitas vezes hostil, seres adversos, poderosos e até seu próprio<br />
semelhante, é alguma coisa que testemunha a coragem e não<br />
a covardia.<br />
Pois, na filosofia, o que vale é também a coragem. Não<br />
foram os que tremem ante tudo que a levaram avante, mas os<br />
que, enchendo-se de brios, enfrentaram os problemas. O filósofo<br />
astucioso, que não afirma nada, porque teme afirmar e<br />
errar, que se desvia como um verme das afirmações, não deu<br />
aos homens nenhum benefício. Mas assim como o valente redobra<br />
de forças ao ver as esquivas do covarde, o filósofo de<br />
brio redobra de forças ao ver a astúcia do que teme fazer afirmações.<br />
E por isso, e sobretudo por isso, o pensamento avança,<br />
o homem afirma a si mesmo, e ergue a si mesmo a níveis<br />
mais altos. Perdoem-me falar assim. Mas esses professores<br />
astuciosos, envoltos pelo medo da dúvida e pela tibieza, que<br />
provém de suas deficiências, e que, obstinadamente, procuram<br />
inocular em seus alunos o veneno do cepticismo, da descrença,<br />
da falta de confiança em si mesmos, são criminosos de má<br />
espécie, relapsos que merecem, não o desprezo, mas o pontapé<br />
com que afastamos as coisas que nos repugnam.<br />
— Pitágoras, o discurso é belo, mas perdoe-me que o<br />
interrompa, pediu com humildade Ricardo. Não pode deixar