FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
118 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
Se a palavra superação é o galardão dos modernos, essa superação<br />
sobre o passado é pura moeda falsa.<br />
— Mas quer você que alguém creia hoje em alguma coisa<br />
de superior, Pitágoras?, perguntou Vítor, com um esgar nos<br />
lábios.<br />
Pitágoras não respondeu logo, porque parecia engolir as<br />
suas primeiras palavras. Foi vencendo certo esforço que disse:<br />
— Mas não é só crer, é saber. E pode-se saber.. .<br />
Vítor riu-se exageradamente. Fazia um esforço para rir.<br />
— Essa é boa. E saber o que, Pitágoras? Quem é que<br />
sabe alguma coisa de definitivo?<br />
Pitágoras não se perturbava. Era todo impassível. Só<br />
seus olhos eram penetrantes, e respondeu:<br />
— Vítor, você me tem acompanhado em muitas discussões;<br />
eu lhe tenho mostrado que podemos saber muitas coisas; tenho-lhe<br />
demonstrado muitas das minhas afirmações, e você não<br />
tem sabido destruí-las.<br />
Vítor mordeu o lábio. Foi Artur quem respondeu:<br />
— Não adianta, Pitágoras. Mesmo que você provasse,<br />
mostrando aos olhos dele a realidade palpável, sensível do que<br />
diz, mesmo que pudesse tornar compreensível aos seus sentidos<br />
e não apenas à sua inteligência, Vítor, por teimosia, negaria<br />
peremptoriamente tudo. Êle não quer aceitar nada de positivo.<br />
E' simplesmente isso.<br />
A impressão que dava é que Vítor ia agredir Artur. Sua<br />
atitude era de uma hostilidade agressiva. Mas apenas resmungou<br />
com voz rouquenha:<br />
— Você quer considerar-me como cretino. Não aceito<br />
porque não aceito, porque as provas são frágeis, porque os argumentos<br />
não me convencem.<br />
— Você resiste por teimosia apenas, retrucou Artur com<br />
pleno domínio e sem qualquer abalo.<br />
— Artur, se a verdade fosse tão simples como Pitágoras<br />
diz, por que há, no mundo, tanta gente que não crê, como eu?<br />
A verdade deve ser evidente aos olhos.<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> li!»<br />
— Vítor, respondeu Pitágoras por Artur, o maior e m.'iin<br />
espantoso aspecto de nossa época é essa obstinação, essa teimosia<br />
em não querer aceitar o que é evidente à nossa inteligência.<br />
Quando se prova com a razão, nega-se o valor da razão; quando<br />
se prova com a inteligência, nega-se o valor da inteligência;<br />
quando se prova com o coração, nega-se o valor do coração.<br />
Nega-se, nega-se sempre, obstinadamente, teimosamente, persistentemente.<br />
Mas você não nega que há desespero, que há<br />
angústia, náusea, cansaço. Mas de quem? Quem está em angústia,<br />
com náusea, cansado? Precisamente os que não crêem,<br />
os que não sabem, os que se obstinam a não examinar e a não<br />
estudar mais profundamente. São eles que não resistem mais<br />
à sua descrença. Já sabiam bem os antigos, e já o proclamavam,<br />
que o descrente, que o obstinado em não saber e não<br />
crer não consegue apaziguar o seu coração, e termina por cair<br />
no negro desespero, nas trevas, no anelo do nada. Pois bem,<br />
a melhor refutação, está aí. Pelo fruto se conhece a árvore.<br />
Se os frutos desses três séculos de mentiras e confusões foram<br />
desespero, náusea, abandono, cansaço, a árvore está refutada,<br />
rotundamente refutada. O que vocês trouxeram de novo para<br />
substituir o antigo foi muito pior...<br />
— A emenda foi pior que o soneto, disse a rir, Artur.<br />
Vítor não disse mais nada; retirou-se apenas, resmungando<br />
algumas palavras que não entendi.<br />
Mas, voltando-se para nós, Pitágoras disse:<br />
— Deixem-no ir. Êle voltará. E' preciso que seja assim.<br />
Conheço bem Vítor. Já começamos a trilhar um caminho que<br />
nos permtiirá examinar com cuidado ponto por ponto até estabelecer<br />
bases seguras para um filosofar mais bem alicerçado.<br />
Essas soluções de continuidade em nossa marcha são as reações<br />
naturais do que já morre dentro dele, ou talvez de uma aurora<br />
que ameace despontar, e que êle tenta em não admitir. Como<br />
homem da noite, Vítor, agora, só espera as trevas. Essa é a<br />
sua certeza, mas teme que as trevas sejam apenas um interregno<br />
entre uma luz que bruxoleia e uma luz que se ascende.<br />
Fêz uma pausa para prosseguir:<br />
— Não há dúvida que hoje se valoriza o que há de mais<br />
baixo. Nunca a inteligência caiu tanto, nunca a criação cato-