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FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

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lit> JMÁicio FKICKKIRA DOS SANTOS<br />

Estamos totalmente abandonados a nós mesmos. E todos somos<br />

uns angustiados. Os que não podem suportar a angústia<br />

de ser, de existir, preferem crer.<br />

Durante todas essas palavras, Pitágoras não fizera o mínimo<br />

sinal de que pretendesse responder alguma coisa. Uma<br />

impassibilidade dominava totalmente o seu rosto. Apenas seus<br />

olhos se fixavam sobre um e sobre outro, mas impessoais, neutros,<br />

calados, insignificativos. Quando Artur interveio, foi que<br />

tive a impressão de que alguma coisa se iluminava no rosto de<br />

Pitágoras.<br />

— Sente-se que há em toda a parte desespero, angústia,<br />

náusea, repugnância por tudo e por todos. Sem dúvida a nossa<br />

solução, pelos seus frutos, revela-se bem má, não acha, Vítor?<br />

— Nós não escolhemos — respondeu este, imediatamente.<br />

— Fomos forçados à descrença pelo malogro de todas as ideias.<br />

Se sofremos o desencanto, é porque tivemos a ingenuidade de<br />

acreditar em todas as mentiras que nos impingiram. Nada<br />

mais somos que crianças decepcionadas, aceito; mas crianças<br />

que percebem que as promessas não são nem serão cumpridas.<br />

Fomos defraudados por todo o passado. A culpa não é nossa.<br />

Uma discussão formou-se logo entre Ricardo, Vítor e Artur,<br />

durante a qual foram trocadas tantas ideias, e tão desordenadamente,<br />

que pouco me lembro do que ficou, além de algumas<br />

frases, como estas, pronunciadas por um ou outro:<br />

"você é que sente assim", "não há mais comunicação possível<br />

entre os homens", "a confusão é geral", "Deus nos abandonou",<br />

"sem dúvida Satã venceu", "vocês não sabem o que dizem",<br />

"nem você, tampouco"... e outras, que degenerariam para o<br />

baixo calão, se Pitágoras não os tivesse interrompido, para<br />

dizer num tom de voz alto, e serenar em seguida:<br />

— Um momento! Parem um pouco! Vamos examinar com<br />

calma. Se somos homens e seres inteligentes, examinemos com<br />

a inteligência. Houve uma pausa, enquanto um ou outro resmungava<br />

alguma coisa — Vítor levantou um sério problema.<br />

Não creio que nos seja possível, numa rápida conversação, abordar<br />

tantos temas, como os que foram situados. Ninguém pode<br />

negar que há uma decepção generalizada, e que a descrença<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 117<br />

invade grande parte (a maior sem dúvida), da intelectualidade<br />

do mundo, sobretudo do ocidente. Mas também ninguém<br />

pode negar que desse lado não se acham as mais fortes cabeças<br />

nem os seres mais dignos. O que há, na verdade, é que estamos<br />

colhendo os frutos de uma sementeira de erros que durou mais<br />

de dois séculos. Durante mais de dois séculos a inteligência<br />

foi prostituída por homens que semearam as maiores confusões<br />

nas ideias. A Humanidade não foi capaz de digerir tanto<br />

calhau... O estômago da Humanidade é fraco. O que está<br />

acontecendo era inevitável. Estamos numa época de inversão<br />

de valores, ninguém nega, e não há quem não o perceba e não<br />

o diga. Essa inversão elevou ao alto o que havia de mais baixo.<br />

Examinem o exemplo do herói antigo e de herói moderno. No<br />

antigo teatro, na ficção em geral, buscava-se o vencedor, o que<br />

sabia arrostar os perigos, o que queria vencer a si mesmo e aos<br />

outros, o que não temia as dificuldades e até as desejava para<br />

ultrapassá-las. O herói de hoje é o neurótico, o anormal, o<br />

débil mental e afectivo, o dominado pelas paixões vulgares, o<br />

homem de sangue envenenado e espumejante, o que se deixa<br />

enleiar pelos problemas mais comuns, o que se angustia com<br />

as menores coisas, o sensitivo da covardia, o covarde, o supinamente<br />

covarde. O herói de hoje é o covarde, o vencido, o<br />

dominado, o possesso, o anormal voluntário, o tarado por escolha,<br />

o torpe por vocação. Vejam o teatro e o cinema. Isso é<br />

que dá asco, que enoja, que asfixia. Para despertar a sensibilidade<br />

embotada de um público da mais baixa capacidade<br />

emotiva, é preciso o thrilling, a surpresa, o inesperado, o inaudito,<br />

o absurdo. E' preciso saculejar essas sensibilidades mortas:<br />

é preciso violentar esses corações empedrados. Tudo isso<br />

venceu, reconheço. Mas venceu para quem? Para os vencidos<br />

já, para os embotados, para os débeis, para os fracos, para os<br />

deficientes. Para esses, venceu. Satã domina, não há dúvida,<br />

porque só o satanismo pode mover tais pessoas a sensações<br />

novas. Lembro-me de um intelectual que, com baba na boca,<br />

falava-me de um trabalho que havia realizado, com estas palavras<br />

:<br />

— Ah!, então consegui alcançar o satânico! O puro satanismo<br />

!... Mas, meus caros, isso é miséria, apenas miséria.

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