FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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106 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
a adequação entre o intelecto e a coisa, e o critério principal<br />
de validez é a sua evidência objectivo-subjectiva, como disse,<br />
não bastando apenas a convicção da certeza, mas a certeza da<br />
convicção, portanto. Não é isso?<br />
— E' isso.<br />
— E ainda, que essa certeza exige fundamentos ontológicos<br />
rigorosos. O critério de Descartes é para você meramente<br />
subjectivo.<br />
— E' isso mesmo. Tem seu valor, mas não é suficiente.<br />
A percepção da coisa evidente é importante. E' a evidência o<br />
critério supremo de toda verdade, e há várias evidências. Não<br />
se prova um princípio matemático com argumentos morais ou<br />
de autoridade. Uma certeza científico-matemática exige uma<br />
evidência científico-matemática. A evidência exigida é sempre<br />
proporcionada ao juízo emitido. Acontece que nem sempre<br />
essa evidência é dada imediatamente, mas exige pesquisa, exame<br />
cuidadoso, um trabalho especulativo dos mais árduos. Que<br />
o todo é quantitativamente a soma de suas partes, é uma evidência<br />
imediata; que a todo consequente corresponde necessariamente<br />
um antecedente, também o é. Mas o juízo que diz<br />
ter o homem uma alma espiritual, não material portanto, já<br />
não o é para o filósofo. Para evidenciar-se esse juízo, é exigida<br />
uma demonstração. Esta dará a certeza, ou não, ao evidenciar,<br />
ou não, a verdade. Nós vimos, como evidência mediata,<br />
que nem tudo pode ser falso nem tudo pode ser verdadeiro,<br />
nem tudo pode ser ficcional.<br />
E, fazendo uma pausa, acrescentou: — Creio já ter exposto,<br />
em boa parte, o que prometi. Mas desejaria saber se fui<br />
claro, e se meu pensamento está bem ordenado. Se quiserem<br />
criticá-lo, aceito as análises com bastante satisfação.<br />
— Se a evidência é critério da verdade, como se explica,<br />
Pitágoras, que haja tantos erros?, perguntou Josias.<br />
— Não é nas coisas realmente evidentes que há erros, mas<br />
das evidentes não suficientemente consideradas.<br />
— Então, como me explica o seguinte: é evidente que a<br />
Terra se move em direção ao Sol; no entanto, por longo tempo,<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 107<br />
objectivamente, se verificava que era o Sol que se movia em<br />
relação à Terra. Qual o valor, então, do critério objectivo?<br />
— Josias, suas razões já foram usadas há muito tempo, e<br />
já foram devidamente respondidas. Mas, apesar disso, muitos<br />
ainda farão tais perguntas e proporão tais objecções. Mas é<br />
fácil responder: o que havia de evidente era o movimento do<br />
Sol ou o movimento da Terra. Onde os homens erraram foi na<br />
direção desse movimento, e, para afirmar tal direcção, não possuíam<br />
ainda um critério de evidência.<br />
Ninguém objectou mais nada. Se não pareciam satisfeitos,<br />
não encontravam razões seguras para oporem às de Pitágoras.<br />
Este, então, prosseguiu:<br />
— Não esgotei ainda o assunto, e desejo abordar outros<br />
pontos, pois há ainda muito que dizer. De minha parte, e<br />
seguindo a muitos outros, não considero como critérios de evidência<br />
a autoridade, humana, o consenso geral, nem a utilidade<br />
pragmática, nem os instintos cegos, nem as intuições na linguagem<br />
popular, nem as patências afectivas, nem os sentimentos,<br />
nem os testemunhos de consciência, nem as ideias claras<br />
e distintas de Descartes. Nada disso me serve para critério<br />
de evidência, e muito teria que dizer para provar que não serve.<br />
Mas, apenas, basta-me dizer que o critério de evidência tem de<br />
ser notado por si, evidente por si.<br />
— Então, a demonstração não é critério de evidência para<br />
você?, perguntou Ricardo.<br />
— De certo modo não é, respondeu Pitágoras.<br />
— Parece-me que há contradicção em suas palavras, porque<br />
há pouco disse que exige uma demonstração apodítica, ou<br />
seja aboslutamente necessária, para acertar algo como princípio<br />
de evidência, retrucou Ricardo.<br />
— Realmente disse isso, mas lembre-se que falei de certo<br />
modo. Preciso, portanto, justificar-me, porque julgo que está<br />
aqui um dos lugares mais perigosos do filosofar, e onde os<br />
homens têm naufragado mais facilmente.<br />
A demonstração exige e supõe outros motivos; porquanto<br />
não pode ser princípio de evidência. Mas se na demonstração