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FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

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10 1 IVlAlMO KKKKKIKA DOS SANTOS<br />

afirmação que a afirmação clássica do Aristóteles, e que foi<br />

adulada pela escolástica, lembrou Ricardo.<br />

-- Isso mesmo, Ricardo. E creio tê-la justificado suficientemente.<br />

— Agora, quer você mostrar qual o seu critério de verdade?<br />

Você mostrou que a validez de nossos conhecimentos é<br />

dada pela evidência, que nada mais é que a razão da certeza.<br />

Mas a certeza tem de ter um princípio que, por sua vez, a torne<br />

válida. E qual é esse princípio?, pediu Ricardo.<br />

— Sem dúvida, respondeu Pitágoras — a certeza de uma<br />

evidência não prova a evidência de uma certeza. 0 facto de<br />

alguém ter certeza de que algo é evidente ainda não pode provar<br />

que o que julga evidente o é. Portanto, outros elementos<br />

precisam ser abordados, e outros aspectos precisam ser esclarecidos.<br />

A evidência, sem dúvida, tem um princípio, como tudo<br />

tem um princípio, pois este é o que do qual, de certo modo,<br />

alguma coisa procede. Descoberto o do qual a certeza procede,<br />

temos achado o seu princípio.<br />

Pitágoras fêz uma pausa. Olhou bem a todos. Sabia que<br />

ia agora abordar um ponto de máxima importância, e que seria<br />

a chave para abrir outros caminhos tão importantes para o<br />

filosofar. E com solenidade discreta, mas suficientemente segura<br />

e imponente, disse: — Não há apenas um princípio da<br />

certeza. Examinemos um por um. 0 primeiro, e o mais importante,<br />

é o princípio ontológico, é a razão, o logos ontológico<br />

da certeza, a razão formal da coisa que é conhecida. Achada<br />

esta, a certeza se fundamenta.<br />

Num juízo, a verdade é dada desde logo e de per si, se êle<br />

é um juízo necessário, apodítico. Se é um juízo contingente,<br />

a sua verdade é revelada pela adequação do predicado ao sujeito,<br />

se tal predicado, em sua razão formal, convém ao sujeito<br />

infalivelmente, objectivamente. Por isso, o princípio último e<br />

necessário da certeza natural é a evidência manifestada pelo<br />

objecto mental; ou, em suma, a evidência objectivo-subjetiva.<br />

Esse princípio é o que os antigos chamavam critério. Como<br />

este termo se presta a equívocos, pode-se preferir o de princípio.<br />

Esse princípio exige a evidência da certeza e a certeza<br />

da evidência. Não basta apenas sabermos que nosso juízo é<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 105<br />

verdadeiro, é preciso que o seja objectivamente, e que, pela<br />

análise, consigamos avaliar a sua validez. Alcançado este ponto,<br />

não pode haver temor de erro.<br />

— O critério de Descartes, que consiste nas ideias claras<br />

e distintas é um critério que você aceita, Pitágoras?, perguntou<br />

Ricardo.<br />

— Não, porque é demasiadamente subjectivo. No campo<br />

da filosofia busco o fundamento nos juízos ontológicos, e sem<br />

o seu apoio toda afirmação, toda tese deve ser passível de demonstração.<br />

Uma tese que não ofende ou não contradiz um juízo<br />

ontológico é possível, e pode ser verdadeira, mas ainda não é<br />

para mim a evidência de uma certeza. Dou um exemplo: se se<br />

admite a separabilidade dos accidentes da substância, a tese católica<br />

da comunhão, que diz que o corpo de Cristo está na hóstia<br />

e no vinho, sob as aparências do pão e do vinho, não contradizendo<br />

esse princípio, não pode ser acoimada de absurdidade,<br />

e por ser possível pode ser verdadeira, e exige, por isso, para<br />

o filósofo, não o digo para o crente, uma demonstração. Não<br />

se pode, porém, repeli-la sob a tola alegação de que é absurda,<br />

só pelo simples facto de não se adequar a convicções puramente<br />

subjectivas. O dever do filósofo é enfrentar a tese, e examinar<br />

com rigor a afirmação feita. De antemão, ela não é absurda,<br />

e é ontologicamente possível, se se provar, de modo rigorosamente<br />

ontológico, que é possível a separação entre o accidente<br />

e a substância.<br />

— Mas houve alguém que comprovasse fisicamente que há<br />

essa separabilidade, Pitágoras?, perguntou Ricardo.<br />

— Se ninguém o comprovou experimentalmente, tal não<br />

é razão suficiente para afirmar que a separabilidade é impossível.<br />

E' preciso evidenciar-se a possibilidade, ou não, dentro<br />

de princípios ontológicos, de teses já demonstradas. Ora, não<br />

é esse tema o que debatemos; por isso não iremos abordá-lo.<br />

Dei-o apenas como um exemplo, sem declarar se há de minha<br />

parte adesão, ou não, à tese católica. E, ademais, nego-me a<br />

discuti-la, a não ser que examinássemos especialmente a matéria,<br />

o que não poderia ser hoje de modo algum.<br />

— Parece-me ter compreendido a sua posição, Pitágoras,<br />

assim lhe falou Ricardo. Para você, uma verdade lógica exige

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