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FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

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90 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

A pergunta de Pitágoras exigia uma resposta. E também<br />

uma objecção. Mas nenhuma se ergueu. Todos calavam-se, e<br />

só Artur, dirigindo-se a Pitágoras, disse:<br />

— O que você expõe, Pitágoras, não padece de nenhum<br />

defeito que permita que alguém discorde do que diz.<br />

— Não há dúvida. São verdades tão elementares que não<br />

permitem dúvidas sérias, embora não digam elas tudo quanto<br />

é possível dizer sobre um tema tão importante como este. Vocês<br />

hão de compreender que estou simplificando,, tanto quanto<br />

possível, o funcionar do conhecimento sensível, ctíÇjo estudo não<br />

somente não estou apto a fazer, como, se o tentasse, não seria<br />

em algumas horas e em alguns diálogos que o conseguiria. Mas<br />

o que disse, estou certo, é suficiente para fazer compreender<br />

o meu ponto-de-partida quanto ao conhecimento humano.<br />

Mostra-nos, ademais, o conhecimento sensível que, na criança,<br />

a sua acomodação é incipiente e, consequentemente, falha.<br />

À proporção que as experiências cognoscitivas se realizam, isto<br />

é, à proporção que as assimilações, de início deficientíssimas,<br />

dentro das possibilidades cognoscitivas sensíveis do homem, se<br />

realizam, há como uma educação dos sentidos que, cada vez,<br />

distinguem melhor. O que era recebido como uma mancha luminosa,<br />

aos poucos se delineia, e as distinções coloridas se tornam<br />

mais nítidas e distintas. Vê-se claramente que a criança<br />

tem a mesma possibilidade do homem adulto, mas só vai aumentando<br />

a capacidade de subtileza, de distinção, à proporção<br />

que exercita os seus sentidos. E' nessa proporção que distingue,<br />

diferencia, e, à proporção que diferencia, distingue, e,<br />

deste modo, contrói novos esquemas, que permitem novas assimilações.<br />

E o mundo homogeneizado das primeiras experiências<br />

torna-se cada vez mais heterogéneo, mas nunca ultrapassa,<br />

pelo menos normalmente, os limites estabelecidos pelas gamas<br />

sensíveis. O homem conhecerá sensivelmente dentro dos limites<br />

da cognoscibilidade sensível, que é dada pela gama dos seus<br />

sentidos. Mas dentro dessas gamas, poderá distinguir tudo<br />

quanto é distinguível. Pois bem, respondam-me agora: São<br />

falsas acaso as primeiras experiências da criança? Não as<br />

conhecia dentro dos limites da sua capacidade de conhecer?<br />

Responda-me, Ricardo.<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 91<br />

— Não; não eram falsas.<br />

— E à proporção que a criança aumenta a sua capacidade<br />

sensível de conhecer, o novo conhecimento refuta, torna falso<br />

o anterior?<br />

— De certo modo não, reconheço.<br />

— E não poderia ser falso, porque a criança conhece dentro<br />

das suas possibilidades. Mas se disséssemos que o conhecimento<br />

sensível incipiente da criança é a verdade do conhecimento<br />

sensível humano, essa afirmativa diria verdade?<br />

— Para mim não, Pitágoras, respondeu Artur.<br />

— E por que?<br />

— Porque o conhecimento normal do homem está dentro<br />

dos limites normais de sua gama cognoscitiva, de que você falou.<br />

E a criança não conhece tudo quanto é possível ao homem<br />

conhecer.<br />

— Você quer dizer que o conhecer normalmente é o do<br />

homem feito, não é?<br />

— E' isso mesmo.<br />

— Pois aí está. O conhecimento da criança, enquanto conhecimento<br />

da criança, não é falso, mas sê-lo-ia, enquanto conhecimento<br />

normal do homem, enquanto adulto. Há, assim, uma<br />

verdade captada pelo homem, mas sempre proporcionada à sua<br />

condição.<br />

— Mas Pitágoras, interrompeu Ricardo, parece-me que<br />

suas demonstrações se tornam iguais às dos relativistas. A<br />

sua verdade é sempre relativa ao homem, e não é isso o que diz<br />

o relativismo?<br />

— Quando examinei o relativismo não neguei certa positividade<br />

dessa doutrina, mas salientei que, ao encerrá-la dentro,<br />

apenas, das medidas humanas, ela errava, porque o homem<br />

é, por ser inteligente, um ser capaz de transcender a si<br />

mesmo pelo conhecimento, como ainda mostrarei, e daí alcançar<br />

a verdade ontológica, naturalmente proporcionada sempre,<br />

mas que ultrapassa os limites do conhecimento sensível e da

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